Digesto Econômico 464

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DIGESTO ECONÔMICO - JUNHO/JULHO 2011 - ANO LXVI - Nº 464

JUNHO/JULHO 2011 ANO LXVI – Nº 464 – R$ 4,50

RECEITA BRASILEIRA

Alimentos com floresta O Brasil tem 62% de seu bioma preservados e é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. A aprovação do novo Código Florestal é fundamental para que esse equilíbrio continue.


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O Jornal do Empreendedor


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os últimos quinze anos, houve uma enorme revolução em nosso agronegócio, em termos de produtividade, inovação e ocupação de áreas antes degradadas. O agronegócio responde por 22% do PIB brasileiro, 38% das exportações e 37% do emprego nacional. No meio deste contexto, ainda existe uma enorme reação contra aqueles que produzem e geram a riqueza deste País. É uma espécie de nuvem que não consegue se dissipar e se alastra por diversos setores da sociedade. Um exemplo disso é a discussão sobre o projeto do novo Código Florestal, que vem sendo acusado de defender o desmatamento e anistiar desmatadores. Para discutir o projeto, que foi aprovado com ampla maioria na Câmara dos Deputados e atualmente tramita no Senado, esteve presente na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) a senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Ela lembrou que a Europa tem apenas 0,2% de seu bioma preservado, os Estados Unidos têm 26%, Ásia e África entre 6% e 9%, e o Brasil possui 62%, incluindo a maior floresta tropical do planeta. E usando apenas 27% de seu território, o País conseguiu ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo. O novo Código Florestal e seus defensores querem manter estes 27%, mas estão sofrendo uma campanha difamatória de ONGs ambientalistas, patrocinados por países que se sentem ameaçados com o crescimento brasileiro no agronegócio. Enquanto o mundo inteiro busca subsidiar sua agricultura e pecuária, aqui os produtores sofrem com a alta carga tributária, a falta de infraestrutura na logística, invasões de terras, insegurança jurídica e agora acusações de serem inimigos do meio ambiente. Mesmo assim competimos com qualquer país do mundo, com a mais alta produtividade da porteira para dentro. Os problemas estão todos da porteira para fora.

Esta casa tem uma tradição e uma herança moral de cuidar da liberdade de empreender, do direito à propriedade e da liberdade de expressão. Cada vez que um desses princípios for maculado, temos a obrigação de nos pronunciarmos. Esta casa não tem partido, mas tem lado, que é o da livre iniciativa. Além da senadora Kátia Abreu, esta edição da revista Digesto Econômico traz uma entrevista com o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do projeto de lei de reforma do Código Florestal, que também visitou a ACSP. Para Rebelo, o desafio de discutir o novo Código Florestal é de toda a sociedade, e não apenas de agricultores e ambientalistas. A agroindústria é a principal responsável pelo vigor da nossa economia e se ela for afetada, outros setores também serão, com a indústria, o comércio e o serviço. Outro destaque desta edição é a palestra que o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira proferiu na ACSP. Ele foi comandante do Exército na Região Amazônica de 2007 a 2009 e mostrou a situação precária em que se encontram as nossas fronteiras, um caminho praticamente livre para o contrabando de armas e drogas. Boa leitura!

Rogério Amato Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

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Masao Goto Filho/e-SIM

Ao lado daqueles que produzem a riqueza deste País


ÍNDICE

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br Presidente Rogério Amato Superintendente Institucional Marcel Domingos Solimeo

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Arte: Max

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Sinal amarelo para o etanol Carlos Ossamu, Domingos Zamagna e José Maria dos Santos

Novo Código Florestal passou como um trator Equipe Digesto Econômico

ISSN 0101-4218

Arte: Max

Diretor-Responsável João de Scantimburgo Diretor de Redação Moisés Rabinovici

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Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira

Quem tem medo do novo Código Florestal? Equipe Digesto Econômico

Editores Carlos Ossamu e Domingos Zamagna Chefia de Reportagem José Maria dos Santos

Newton santos/Hype

Editor de Fotografia Alex Ribeiro

Editor de Arte José Coelho Projeto Gráfico Evana Clicia Lisbôa Sutilo Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo e Lino Fernandes

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Panorama da Agropecuária Brasileira Cláudio Silveira Brisolara

Ilustração e Infográfico Alfer, Max e Zilberman Gerente Executiva de Publicidade Sonia Oliveira (soliveira@acsp.com.br) 3244-3029 Gerente de Operações Valter Pereira de Souza Impressão Intergraf REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046 www.dcomercio.com.br

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CAPA Arte: MAX

Arte: Zilberman

Pesquisa de Imagem Mirian Pimentel


Clayton de Souza/AE

Nossas fronteiras: 16.886 quilômetros de problemas Equipe Digesto Econômico

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Islã e capitalismo: amigos ou inimigos? Guy Sorman

Análise estratégica das revoltas nos países árabes Heitor de Paola

Danish Ismail/Reuters

Pedro Ladeira/Folhapress Paulo Pampolin/Digna Imagem

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As ONGS e a política Denis Lerrer Rosenfield

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Lições da longa e dolorosa convivência com a inflação Ulisses Ruiz de Gamboa

Wilson Pedrosa/AE

Dida Sampaio/AE

Energias alternativas: equívocos e fatos Geraldo Luís Lino

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Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Carlos Valdesuso Arte: ALFER

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Sinal amarelo para o etanol Carlos Ossamu, Domingos Zamagna e JosĂŠ Maria dos Santos

Leandro Moraes/Luz

Marcos Jank: o setor vinha crescendo 10% ao ano. Depois da crise financeira, este percentual caiu para 3%.

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Lucas Lacaz Ruiz/AE

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oda a vez que o preço do etanol sobe nas bombas dos postos, jornalistas do Brasil todo ligam para Marcos Jank, presidente da Unica - União das Indústrias de Cana-de-Açúcar. Querem saber os motivos, perguntam se é o fim do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), lançado pelo governo em 1975, chamam os usineiros de traidores da pátria por exportarem açúcar ao invés de produzir etanol e ajudar a controlar a inflação. Já quando o preço cai e fica abaixo dos 70% em relação à gasolina, ninguém liga. Em março e abril deste ano, o preço do etanol ultrapassou a faixa dos 70% em São Paulo, Estado que cobra ICMS de 12% sobre o produto (em outros Estados chega a 24%) e que abriga boa parte da produção. A gritaria foi geral. Nesta entrevista para a revista Dige sto Econômico, Jank explica o que vem ocorrendo com o setor. As notícias não são muito boas: a crise financeira mundial de 2008 afetou fortemente as usinas, não há novos projetos e a safra de cana-de-açúcar deste ano vai ser igual ao ano passado e será a mesma em 2012. Enquanto isso, a frota de carros flex continua crescendo. Vem ocorrendo uma reestruturação no setor,

em que grupos estão comprando usinas em dificuldades, mas ninguém está investindo em novas plantas. O setor reclama que os custos estão acima dos preços e pede planejamento e que as regras do jogo não se alterem. Digesto Econômico - Nos primeiros meses do ano faltou etanol no mercado. Quais foram os motivos e como está a situação hoje? Marcos Jank - O que ocorreu no setor é que vínhamos numa taxa de crescimento de 10% ao ano, entre 2000 e 2008. A crise financeira global trouxe uma recessão muito grande de liquidez. Em 2006, os preços estavam acima dos custos e houve entre 120 e 130 novos projetos anunciados. Em 2008 esses projetos estavam em andamento e a crise atingiu aqueles que mais haviam investido. Com isso, um terço do setor ficou em dificuldade e o capital veio para comprar essas usinas, ao invés de construir novas. O que está acontecendo hoje é que ainda está havendo muitos investimentos, mas não em plantas novas, mas em compras de empresas em dificuldades. Trata-se de uma megareestruturação do setor, com entrada inclusive de novos grupos, dos quais qua-

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Caetano Barreira/Fotoarena

tro empresas petroleiras – a Petrobras, a BP, a Shell e a Total. São agentes novos que indicam a tendência da cana como energia. De um crescimento de 10% ao ano, depois de 2008 esse número caiu para apenas 3% ao ano. Quais os desafios do setor hoje? O primeiro grande desafio que temos hoje é o do crescimento, que tem uma variável muito complicada – desde 2005 o preço da gasolina não muda na bomba. Esta é, inclusive, uma reclamação da própria Petrobras, pois o preço do petróleo subiu muito lá fora, não deve cair, mas o preço da gasolina está congelado desde 2005. Com isso, perdemos competitividade frente à gasolina, pois temos de vender o nosso etanol a 70% do preço da gasolina, senão o consumidor deixa de consumir. Hoje, os custos estão mais altos do que os preços, ao mesmo tempo em que no setor ainda está havendo compras de empresas em dificuldades e não se tem novas usinas, não há projetos neste sentido. Este é o grande tema que estamos conversando com o governo – como resgatar a competitividade do etanol hidratado frente a um preço da gasolina administrado e que não muda há seis anos, e o governo não quer mudar por conta da pressão inflacionária. Outro problema bem mais simples de ser resolvido é a questão de safra e entressafra. Existe uma volatilidade de preços que tem acontecido nos dois últimos anos, que decorre de problemas climáticos, mas não houve desabastecimento em nenhum momento. Tivemos que importar um pequeno volume de etanol no ano passado, pois houve quebra de safra em 10% por conta da seca. O que estamos tentando fazer agora é aumentar a segurança durante a entressafra, com um estoque estratégico que o setor está formando e com pré-contratação do produto vinculada à gasolina. Uma das coisas que estamos conversando com a ANP, e já saiu uma portaria a respeito, é um mecanismo que vincula a compra da gasolina à garantia do etanol – como tem 25% de etanol na gasolina, a Petrobras só vai entregar a gasolina se as distribuidoras comprovarem que têm etanol correspondente pré-contratada durante a safra. Esse tipo de amarração que está surgindo nesta nova regulação da ANP vai dar maior garantia ao abastecimento e esperamos uma redução na volatilidade de preços entre períodos de safra e entressafra. Este é um problema fácil, o da sazonalidade. Difícil é fazer o setor, que hoje cresce 3%, voltar a crescer 10% em um contexto em que o etanol perdeu competitividade frente à gasolina.

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O senhor comentou que não há projetos de novas usinas. E em relação ao plantio de cana, h6ouve um aumento? O que temos visto é que, em 2010, este ano e no próximo, as safras serão as mesmas. Isso significa que os carros flex vão usar mais gasolina do que etanol, o que eu acho que não é desejável. O carro flex permite essa flexibilidade – se há uma carência de etanol, se usa mais a gasolina. O que nós temos de fazer, como nação, é um movimento de longo prazo em direção às energias renováveis. Mas, infelizmente, neste momento, estamos vendo que o etanol perdeu espaço. Hoje, nós temos uma frota de 27 milhões de veículos e estamos usando 55% de gasolina e 45% de etanol. Há três anos, quando estávamos no auge do período de

O que estamos tentando fazer agora é aumentar a segurança durante a entressafra, com um estoque estratégico que o setor está formando e com pré-contratação do produto vinculada à gasolina.


Marcos Peron/Virtual Photo

nol passar 70% do valor da gasolina. Em Minas Gerais, o ICMS do etanol era de 25% (caiu para 22%), igual ao da gasolina. Minas Gerais é o segundo Estado produtor, mas manda o etanol para ser vendido em São Paulo. O produto sai do Triângulo Mineiro e em vez de ir para Belo Horizonte, vai para Ribeirão Preto. Essa queda de 10% que houve não reflete a desconfiança que o consumidor tem do etanol? Não, reflete apenas o preço relativo. O fato de o etanol ter crescido menos do que a gasolina fez com que o seu preço, algumas vezes, subisse e em muitas regiões ele deixou de ser competitivo.

O que nós temos de fazer, como nação, é o movimento de longo prazo em direção às energias renováveis. Mas, infelizmente, neste momento, estamos vendo que o etanol perdeu espaço.

crescimento, eram 55% etanol de 45% gasolina – perdemos 10 pontos percentuais neste período. Em 2015, teremos uma frota de 38 milhões de veículos. Qual será a participação do etanol? Em 2020 serão 52 milhões. O consumo total de combustível é fácil de calcular, pois sabemos a média de consumo de cada carro. Mas o quanto iremos usar de etanol e gasolina vai depender muito dos estímulos que serão criados. Isso é uma questão de política pública. Temos certeza de que em São Paulo o uso de etanol será maior do que gasolina. Isso porque a indústria está muito presente no Estado e o governo estadual cobra um ICMS de 12%, igual ao do diesel, e cobra 25% da gasolina. Isso propicia competitividade ao etanol em São Paulo. No Estado, é muito difícil o preço do eta-

Existe algum dado que mostre que o consumidor valoriza mais a gasolina? Acho o contrário, o consumidor valoriza cada vez mais o etanol, mas ele presta muita atenção no bolso. Isso, por mais que exista hoje uma geração, que nós já identificamos por meio de pesquisas anuais com o Ibope, de jovens, ambientalmente conscientes e fiéis ao etanol e aos biocombustíveis. Na hora que passa os 70%, a migração tem sido forte para a gasolina. O que temos de fazer é voltar a crescer. O que pedidos em relação à gasolina não é o aumento de preços, mas uma transparência em como será fixado o seu preço. Qual é a dificuldade hoje do investidor em etanol? É saber o que irá acontecer com o preço da gasolina. Desde 2005 ele não varia, mas quando irá variar? Se o petróleo for a US$ 150 o barril, vai aumentar a gasolina? Ninguém sabe. No Brasil, não existe uma política clara. Nós temos 430 usinas hoje e do outro lado uma só empresa, que é a Petrobras, que pratica um preço que é administrado e que não segue a lei da oferta e da procura. E não existe nenhuma clareza de quando esse preço será alterado. Estamos concorrendo com um monopólio. Dessa forma, é muito difícil alguém dizer que vai investir numa usina de etanol sem saber quando será competitivo com a gasolina. Claro que temos outros produtos, como o açúcar, a eletricidade, que fazem a usina continuar funcionando. Mas o lado do etanol é o mais frágil, mais inseguro do setor. No começo do ano, quando houve uma elevação forte no preço do etanol, se falou muito que as usinas estavam produzindo mais açúcar porque o preço no exterior estava alto. A impressão era que o setor não tinha um comprometimento com as necessidades do País. Se olharmos a variação dos preços da gasolina e do etanol, veremos que desde 2005 apenas em três momentos o preço do etanol passou a faixa

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dos 70% em relação à gasolina, o último foi em março e abril. Foi uma gritaria geral, chegaram a dizer que o programa iria acabar, que os usineiros estavam traindo o País. Foi um momento só – ele subiu e depois caiu. Ninguém olhou para trás. Quando o preço cai, não aparece um jornalista aqui, ninguém faz matéria. Mas se o preço sobe por duas semanas, parece que o programa acabou, porque as pessoas estão acostumadas com o preço da gasolina que não varia. Não varia porque tem um monopólio por trás. Se o preço da gasolina refletisse o do petróleo, como ocorre na maioria dos países, a variação seria muito maior. Nestes cinco anos, o preço do barril chegou a US$ 150 e a US$ 40. As pessoas, acostuma-

eu disse. O preço ao consumidor segue o preço ao produtor, por ser uma commodity. Em 2005, quando houve o último ciclo de investimento, o preço estava maior do que o custo, foi quando se fez um investimento em 120 novas usinas. De 2008 para frente, o custo superou o preço. Isso ocorreu pelo aumento no custo da terra, pela competição por terra que o Brasil tem hoje. Outro fator é o aumento no custo de mão de obra , que foi de 47%. A mecanização também trouxe custos agregados, além do aumento dos custos de insumos. O custo da cana subiu entre 30% e 40% nesse período, assim como o custo da soja. O setor passou, a partir de 2008, a trabalhar com custo maior do que o preço. Mas como o setor sobreviveu? Porque ele faz outras coisas, como açúcar e eletricidade. Mas foi um período muito difícil para o setor, sem contar que houve dois períodos com quebra de safra muito forte. A realidade deste setor é que ele se ajustou, passou por uma crise financeira, teve aumento de custo e hoje está com dificuldade para crescer. O que teria de se fazer? Se o governo não vai mexer no preço da gasolina, tem que mexer na estrutura, entre o preço da gasolina e a cana. O que é isso? Tem que reduzir o custo agrícola, industrial, tem que mexer na eficiência dos motores flex, reduzir os impostos, fazer o que São Paulo faz, dar um ICMS mais baixo no País inteiro e não igual ao da gasolina. Tem que mexer na questão da logística, pois não faz sentido transportar o etanol em caminhão, tem que colocar um etanolduto para funcionar. Tem uma série de questões de estrutura que pode resgatar essa competitividade.

das a essa política de fixação de preço, introduzida pelo governo Lula em 2006, começaram a falar mal do etanol, que simplesmente segue as regras de mercado. Mesmo assim, nestes seis anos, os preços estiveram abaixo da faixa dos 70%. Nós fizemos a seguinte conta: quanto é que o consumidor ganhou pelo fato de o preço estar abaixo dos 70%? Foram R$ 20 bilhões. Se não existisse o etanol e nesses seis anos as pessoas tivessem apenas carros a gasolina, elas teriam gasto R$ 20 bilhões a mais para abastecerem seus veículos. O fato de elas poderem escolher o combustível, coisa que existe somente no Brasil, trouxe uma economia de R$ 20 bilhões, sem contar outras vantagens, como ajudar o meio ambiente, a saúde pública etc.

Pelo visto, será um trabalho hercúleo. Hoje, o abastecimento da frota corresponde a 22 bilhões de litros de etanol. Em 2020 serão quase 50 bilhões de litros. Sim, hoje, para manter essa relação de consumo de 45% etanol e 55% gasolina, são necessários 22 bilhões de litros. Para que essa relação seja mantida em 2020, teremos de duplicar a produção de etanol. Se quisermos passar para 60% etanol de 40% gasolina, que é o que gostaríamos, teremos de ir de 22 bilhões para 68 bilhões de litros, triplicar em dez anos. Em outras palavras, nós não podemos crescer apenas 3% ao ano. O recado que está sendo dado é: que tipo de crise este setor tem? Não é uma crise recessiva, ao contrário, estamos crescendo pouco, pois existe uma barreira, que é o preço da gasolina. Isso é fácil de ver, não é a Unica quem está falando. Basta ir ao BNDES e perguntar quantos projeto de novas usinas existem hoje. Nenhum, porque não é rentável.

José Patrício/AE

Quando o preço cai, não aparece um jornalista aqui, ninguém faz matéria. Mas se o preço sobe por duas semanas, parece que o programa acabou.

Quais são os problemas de custo na produção da cana-de-açúcar? Exatamente por conta dessa barreira do preço da gasolina, o preço do etanol variou, como

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Leandro Moraes/Luz

Parece que o setor de usinas de cana passa pelo mesmo problema de hidrelétricas: há espaço para o crescimento, mas existem muitas barreiras. O que não falta é potencial para crescimento, potencial no açúcar, eletricidade, etanol e estão falando agora no bioplástico. Por que não se está fazendo novos greenfields? O que eu posso garantir é que, se não há novos projetos hoje, certamente não é pelo fato de o empresário não querer. Se os projetos forem rentáveis, virá uma enxurrada de investimentos para este setor, do exterior e do interior. Eu tenho falado ao governo que não precisamos de mais dinheiro do BNDES, precisamos de condições econômicas competitivas. Se o setor tiver isso, virá dinheiro de tudo quanto é lugar. Posso afirmar que hoje é bastante rentável comprar uma empresa em dificuldade. Não é rentável fazer greenfield. O que o setor está pedindo não é o aumento da gasolina, mas uma política transparente de formação do preço da gasolina, se vai haver uma correlação com o preço do petróleo. Isto não sabemos. Outra coisa que estamos falando há bastante tempo: qual é a regra para a fixação da CIDE, que é o principal imposto que incide nos combustíveis fósseis? Não existe. E qual é a regra para ICMS? Quando vai existir uma unifor-

mização do ICMS? Hoje, São Paulo cobra 12%, em Minas Gerais caiu de 25% para 22%, tem Estado com 27% . Na gasolina há uma uniformização, no etanol é uma bagunça. Existe toda uma questão regulatória e de fiscalização que precisa ser aprimorada nesta área. O que mais é preciso para que o setor volte a crescer de forma robusta? O que falta neste País são instituições fortes, planejamento e que as regras do jogo não se alterem. Se fizermos um ambiente regulatório mais estável, este País tem as melhores condições do planeta para expandir a produção de alimentos, energia, fibras etc. Hoje, estamos usando 6% das terras aráveis para cana-de-açúcar. Isso não é nada. Temos 8,7 milhões de hectares de cana muito concentrados em São Paulo. Se olharmos em termos de País, a cana desaparece. São 170 milhões de hectares só de pastagens, estima-se que um terço sejam degradadas, mas com possibilidade de virar agricultura. Existem 20 vezes mais área de pasto do que de cana. O Centro-Oeste, nos anos 70, era uma terra inóspita, ácida, mas graças às tecnologias desenvolvidas pela Embrapa, se desenvolveu variedades de soja, de

O que o setor está pedindo não é o aumento da gasolina, mas uma política transparente de formação do preço da gasolina, se vai haver uma correlação com o preço do petróleo. Isto não sabemos.

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capim, gado, formando o famoso binômio pecuária-soja, e depois veio o milho, algodão, suínos, aves, leite, café e agora cana. O que não faltam no Brasil são terras, clima, tecnologia e gente. Faltam instituição forte e planejamento, é disso que precisamos. As tecnologias de produção desenvolvidas em São Paulo estão presentes em outras regiões? Em termos de tecnologia, é bem uniforme. Hoje, com a globalização, não existe mais uma tecnologia sendo usada numa região e não em outra. Eu diria que os novos greenfields estão tecnologicamente mais avançados do que as antigas usinas, que têm 70 anos e são de outra época. Os novos greenfields são supermodernos, parecem uma indústria química, com controles eletrônicos. Não existe a barreira de tecnologia e de pessoal. Em questões climáticas, o Brasil é extremamente privilegiado. Mas somos um País de custos elevados, em termos de terra, mão de obra etc. A Índia e a China não têm essas condições. Talvez a única região que tenha terras disponíveis seja a África, mas que tem uma dificuldade imensa em as colocar em produção. Aí vem a questão: açúcar ou etanol? Mercado interno ou externo? A resposta não é um ou outro, mas produzir mais cana-de-açúcar e atender esses mercados ao mesmo tempo. Esta é que tem de ser a nossa missão, humanitária, inclusive. O Brasil representa hoje 25% da produção mundial de açúcar – a cada quilo produzido no mundo, 250 gramas vêm do Brasil, que responde por mais da metade do mercado mundial de açúcar. Este é um setor que trouxe no ano passado US$ 13 bilhões, é o quarto produto da pauta brasileira. É um produto alimentar básico, principalmente em países em desenvolvimento. Não se pode dizer que agora vai fazer etanol e taxar o açúcar. Taxar a exportação é uma ação equivocada. Temos o exemplo da Argentina, mostrando claramente o desastre que foi a taxação das exportações de commodities. Nós temos que manter o nosso papel no mundo duramente conquistado e ao mesmo tempo expandir o etanol. O que seriam instituições fortes? Quando falo instituições fortes estou falando em regras do jogo. Os países que se desenvolveram mais do que outros não são aqueles que tiveram condições climáticas melhores ou coisa do tipo, mas aqueles que conseguiram desenvolver regras do jogo estáveis, fazendo com que a sociedade se organizasse a partir dessas regras de maneira a aumentar a produtividade e limitasse o poder dos monarcas – o

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Se as condições de competitividade forem restauradas, principalmente no etanol, o conjunto de empresas que hoje compõe este setor está absolutamente preparado para um novo ciclo de crescimento. Falar de 100 a 150 novas usinas não é nada assustador.

papel de Carlos Magno no século 9º, que disciplinou o papel dos monarcas ingleses, por exemplo. Acho que o Brasil ainda é um país que tem instituições fracas, no sentido de regras do jogo, que mudam demais, a legislação é muito confusa, as leis demoram a serem aplicadas. Por exemplo, o nosso setor é regulado por dez órgãos, entre ministérios e agências. É uma quantidade grande de regulações e muitas vezes contraditórias – por exemplo, há dois ministérios com visões antagônicas sobre agricultura, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). O Brasil acha que tem dois tipos de agriculturas, o agronegócio e a agricultura familiar, quando nós temos a maior mobilidade social na agricultura do planeta. Hoje, todos os grandes produtores de soja foram no passado pequenos agricultores, a maioria migrou do Sul do País e cresceu. Os grandes usineiros não são os barões do século 16, foram migrantes paupérrimos que chegaram ao Brasil para colher café. Com a crise na cafeicultura, foram produzir cachaça. A história da agricultura brasileira é uma história de mobilidade social fantástica. Isso no Brasil é ignorado, se dicotomiza, se antagoniza e se cria uma demonização. Essa consolidação do setor que o senhor mencionou e a chegada de grupos multinacionais estão sendo positivas para o setor e para os consumidores? Acho que a consolidação está sendo muito positiva na medida em que se tem empresas mais sólidas em termos de estrutura de capital, melhor governança corporativa, melhores ativos. Este é um setor ainda fragmentado, mas era muito mais há dez anos. Uma das grandes questões que este setor tinha eram problemas familiares, societários. Hoje, com grandes empresas entrando, vai se resolvendo isso. Nós não somos produção agrícola, nós somos agroindústria. Quando se tem o setor muito fragmentado e uma estrutura de capital muito ruim, isso gera uma volatilidade imensa. Essa variação de preço entre safra e entressafra decorre muito dessa fragmentação – muitos agentes extremamente frágeis financeiramente, que vendem a qualquer preço para fazer caixa no começo da safra, não têm sequer crédito em bancos, isso gera uma situação complicada para o setor. Quando se tem maiores grupos, em melhores situações, há mais segurança de que não haverá problemas com pagamento de funcionários, que não vai ter quebradeira etc. Se as condições de competitividade forem res-


Lucio Piton/Futura Press

tauradas, principalmente no etanol, o conjunto de empresas que hoje compõe este setor está absolutamente preparado para um novo ciclo de crescimento. Falar de 100 a 150 novas usinas não é nada assustador, poderá ocorrer com facilidade. Não tem outro país no mundo em condições de fazer este salto. E será mais fácil lançar usinas hoje do que em 2005 – era uma época com dinheiro farto, entrou gente que não era exatamente o mais capacitado. Com o grupo que temos hoje, será mais fácil dar este salto, As pessoas acham que estamos falando de empresas estrangeiras – os estrangeiros representam apenas 25% do setor, 75% são empresas nacionais, muitas desconhecidas do grande público, que tem uma história de cem anos de cana-de-açúcar nas costas. Tem havido investimentos chineses neste setor? Todo mundo fala de investimentos chineses, tem inclusive restrições para compra de terras por estrangeiros, mas não temos visto isso. Acho que o governo ficou um pouco apavorado com investimentos que ocorreram na África. Investimento em agricultura é diferente de investimento em mineração. Neste últi-

mo, se pode dizer que é bastante predatório – eles vêm, tiram e levam embora. Em agricultura ninguém leva a terra embora, o sujeito vem e fica, tem que cuidar e gerar emprego. O nosso setor não tem atraído os chineses, pois a presença do etanol na China é pequena e o país não é ainda um grande player em açúcar. O que temos visto são empresas europeias, algumas americanas, um grupo indiano e outro de Cingapura. São grupos muito grandes.

Hoje, estamos usando 6% das terras aráveis para cana-de-açúcar. Isso não é nada. Temos 8,7 milhões de hectares de cana muito concentrados em São Paulo. Se olharmos em termos de País, a cana desaparece.

E a geração de eletricidade? Se dividirmos a energia da cana, existem três fases: um terço é o caldo da cana, um terço é o bagaço e um terço é a palha. Nós passamos 500 anos usando somente o caldo. O bagaço era subutilizado, pois era usado apenas para movimentar a própria usina por meio da queima, tornando-a autossuficiente. Hoje, estamos exportando energia para a rede elétrica. Representamos hoje 3% da oferta nacional de eletricidade, com potencial para chegar a 15%, só com a cana que está aí. Temos atualmente três usinas de Belo Monte adormecidas nos canaviais brasileiros. Estamos falando do pleno uso do bagaço e o recolhimento da palha com a mecanização.

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Novo Código Florestal passou como um trator Equipe Digesto Econômico

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provado na Câmara dos Deputados por 410 votos a favor e 63 contra, o projeto do novo Código Florestal agora tramita no Senado. A sua aprovação é fundamental para que o Brasil continue sendo chamado de a "Fazenda do Mundo". O agronegócio responde por 22% do PIB brasileiro, 38% das exportações e 37% do emprego nacional. O superávit brasileiro nos últimos 15 anos se deve a este setor. Em 2010, o agronegócio teve uma balança comercial de 63 bilhões de dólares e o restante da economia foi negativo em 42 bilhões. Assim, os mais de 20 bilhões de dólares positivos

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foram graças às atividades do campo. Para falar sobre o novo Código Florestal brasileiro, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que também é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), fez uma palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) no fim de junho. Participaram da discussão Rogério Amato, presidente da ACSP, Guilherme Afif Domingos, vicegovernador de São Paulo, os ex-senadores Jorge Bornhausen e Marco Maciel, o economista Roberto Macedo, presidente do Conselho de Economia da ACSP, e o Secretário Municipal do Microeempreendedor, Natanael Miranda dos Anjos.


A senadora lembrou que a Europa tem apenas 0,2% do seu bioma preservado, os Estados Unidos têm 26%, Ásia e África entre 6% e 9%, e o Brasil possui 62%. Usando apenas 27% de seu território, o Brasil conseguiu ser um dos maiores produtores de alimentos do planeta. O novo Código Florestal e seus defensores querem manter estes 27%, mas estão sofrendo uma campanha difamatória de ONGs ambientalistas a serviço de interesses externos, de países que se sentem ameaçados com o crescimento brasileiro no agronegócio. Dessa forma, circulam boatos

de que o novo Código irá promover o desmatamento e anistiar os desmatadores. Em sua palestra, a senadora Kátia Abreu foi categórica: não haverá desmatamento e nem anistia. E o novo Código vai passar no Senado porque não há alternativa. Leia a seguir os melhores trechos da palestra.

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Felipe Rau/AE

Quem precisa do meio ambiente preservado, equilibrado, baseado em ciência e pesquisa, são os agricultores, pois são eles quem mais sofrem com o aquecimento global, a falta de água, a erosão, o desequilíbrio da biodiversidade.

A DISCUSSÃO Este é um tema que tem consumido bastante espaço na imprensa nacional. Isso é compreensível, pois se trata de um assunto novo para a sociedade, nós temos apenas uma geração discutindo meio ambiente. Os nossos pais e avós não falavam de aquecimento global, de biodiversidade, de mata ciliar, reserva legal. Mas por ser um tema novo, muitos grupos fazem terror sobre este assunto com a população. E eles têm facilidade para aplicar este terrorismo na sociedade pelo desconhecimento e pela novidade da matéria. Nesses dois anos e meio que tomamos posse na CNA, eu como presidente, resolvemos mudar a estratégia, já que há 13 anos o debate estava na pauta, mas não conseguimos avançar. O óbvio não tinha forças para sobrepor-se aos boatos, às mentiras, algumas de má fé, outras divulgadas até por pessoas de boa fé. Não conseguíamos superar todo o preconceito existente em torno do tema. Mesmo porque, quando a questão ambiental veio à tona, pegou os agricultores de surpresa. E como eles foram muito agredidos pelos ambientalistas, pelas ONGs, isso acabou criando uma aversão pelo tema por parte dos agricultores. Falar em questão ambiental era sempre uma criminalização, um castigo, uma acusação e isso foi muito ruim, porque precisamos transformar toda essa questão numa oportunidade para o nosso negócio, o agronegócio, e não transformar isso num martírio. Quem precisa do meio ambiente preservado, equilibrado, baseado em ciência e pesquisa, são os agricultores, pois são eles quem mais sofrem com o aquecimento global, a falta de água, a erosão, o desequilíbrio da biodiversidade. Então, somos os primeiros a ser afetados com tudo isso. Tudo o que queremos é não ter a terra degradada, queremos ter as nossas terras férteis, até porque vamos ganhar mais dinheiro com isso – ao invés de engordar um boi em quatro anos, se a terra

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estiver fértil, vamos engordar em 24 meses, vamos ter uma produtividade mais alta dos grãos ali plantados. Temos feito este trabalho para mostrar aos agricultores que a aversão foi inadequada num primeiro momento, mas que hoje estamos encarando tudo isso como uma grande oportunidade. Uma das principais estratégias que adotamos foi não discutir meio ambiente sozinho, pois se fecharmos um brasileiro ou qualquer outro cidadão do mundo numa sala, seja de qualquer classe social, todos dão uma atenção especial à natureza, à preservação dos biomas, o cuidado com a água, isso vem da essência das pessoas. Se fizerem uma pesquisa perguntando se a pessoa aprova o desmatamento, é óbvio que ela vai responder não. Por isso, este assunto isolado não tem conexão, não tem racionalidade e nem pragmatismo. Estamos unindo a este tema a questão histórica do País, como é que tudo isso foi construído, o que deu origem a esta grande produtividade que temos hoje, a transformação do Brasil na fazenda do mundo. Queremos também incluir questões como a criação de empregos, os preços dos alimentos, os indicadores econômicos, se o País pode ou não viver sem esse negócio, se nós vamos nos transformar na grande reserva legal do mundo. NÚMEROS DO AGRONEGÓCIO Em relação aos indicadores, o agronegócio significa 22% do PIB brasileiro, 38% das nossas exportações e 37% do emprego nacional. Se pegarmos a balança comercial nos últimos 15 anos, vamos encontrar a balança comercial com superávit em função exclusivamente do agronegócio, especialmente nos últimos 12 anos. Em 2010, o agronegócio teve uma balança comercial de 63 bilhões de dólares e o restante foi negativo em 42 bilhões. Assim, tivemos um superávit de mais de 20 bilhões de dólares em 2010 graças ao agronegócio, e não foi diferente nos anos anteriores.


L. C. Leite/LUZ

Portanto, todas as reservas cambiais, que foram usadas para que o Brasil saísse da crise, principalmente as reservas de 200 bilhões de dólares que o Brasil acumulou, foi muito em função do superávit da balança comercial proporcionado pelo agronegócio.

A agricultura barateou a comida e com essa diferença de gasto com alimento, as famílias brasileiras conseguiram colocar seus filhos nas universidades, compraram casas, carros, eletrodomésticos, investiram em outros setores e dinamizaram a economia. Este é um ganho extraordinário HISTÓRIA da agricultura brasileira, fazer com que a soQuando voltamos c i e d a d e , p r i n c i p a lno tempo, relembranmente os mais pobres, do os anos de 1960, vap u d e s s e c o m e r a l imos nos lembrar que mentos de qualidade, éramos um grande importador de alimencom alta produtividade e a um preço razoáSe pegarmos a tos – importávamos feijão do México, arroz vel. Hoje, o brasileiro come de 36 kg a 38 kg das Filipinas, leite da Europa e carne da de carne por ano, o peruano come 2 kg. Enbalança comercial nos Austrália. Naquela época, o café brasileiro, tre os países emergentes, estamos no topo últimos 15 anos, vamos especialmente paulista e mineiro, conseda lista. E ninguém come carne só porque é encontrar a balança guia segurar a balança comercial, mesmo o gostosa, mas porque o preço é razoável e as comercial com Brasil importando muito petróleo e comida. pessoas conseguem comprar. Naquele período, tivemos uma grave crise, Se nós pegarmos toda essa história do superávit em função quando o preço do petróleo explodiu e o cacerrado brasileiro, tendo Alysson Paulinelexclusivamente fé começou a pedir socorro, pois não estava li como uma das pessoas mais importantes do agronegócio, mais aguentando segurar sozinho a situadeste País, que foi o mentor deste processo, especialmente nos ção. Por volta de 1974, numa decisão polítinós saímos de um período antes de Geisel, últimos 12 anos. Em ca muito inteligente do governo Geisel com o Médici, que também estimulou a (Alysson Paulinelli era o ministro da Agriocupação territorial, mas com a preocupa2010, o agronegócio cultura), foi tomada a decisão de tornar o ção da segurança nacional. O lema do goteve uma balança Brasil autossuficiente na produção de aliverno Médici era: "Ocupar para não Entrecomercial de 63 bilhões mentos. E foi uma decisão tão acertada e tão gar". As áreas privadas aumentaram sobrede dólares. forte, que em apenas cinco anos, de 1974 a maneira neste período em 70 milhões de 79, a produção passou de 20 milhões para 50 hectares. Depois, no governo Geisel, com milhões de toneladas. Nós nos tornamos Alysson Paulinelli, aumentou ainda mais praticamente autossuficientes, isso graças aos investimen50 milhões de hectares. Então, tivemos essa preocupação tos na Embrapa. Em cinco anos implementamos 16 centros inicial de ocupar o território, depois a preocupação de proda Embrapa, em que pudemos melhorar a genética animal e duzir alimentos e no governo Fernando Henrique veio a as sementes produzidas para um clima temperado, que mal questão ambiental, quando se aumentou muito as áreas de se adaptavam ao clima do Rio Grande do Sul. Naquela époterras indígenas e as unidades de preservação. No governo ca, uma vaca argentina produzia 12 quilos/ano, no Brasil Lula ocorreu fato semelhante e somando os dois governos, produzia um quilo/ano, pela falta de adaptação ao nosso perdeu-se 40 milhões hectares de áreas de produção. Entre clima; e esses 16 centros da Embrapa foram importantes paos aumentos e diminuições de áreas privadas no Brasil, tira que pudéssemos aumentar a nossa produtividade. vemos um aumento geral - desde 1960 - de 32%, mas em conNesta época, nós descobrimos o cerrado brasileiro, que trapartida, aumentamos a produção de carne em 1.000% e era uma área que ninguém queria, pois eram terras inférteis de grãos em 650%, isso graças à produtividade. Se pudéssee inóspitas, que não produziam nada. Essa fronteira foi mos ver num gráfico a variação da terra privada, a curva é aberta com financiamento e estímulo do Estado brasileiro, praticamente estática, mas a produtividade vai lá em cima. pois naquela época, produzir alimentos era muito imporCom isso, chegamos à seguinte conclusão: para produzirtante. Em 1960, a família brasileira, principalmente a classe mos a mesma quantidade de grãos com a tecnologia de mais baixa, gastava 48% de sua renda com comida, e hoje ela 1970, precisaríamos do dobro de terra. Isso é a poupança gasta 18%. E só não gasta menos porque não deixam a agriverde, a poupança agrícola que o Brasil construiu ao longo cultura explorar todo o seu potencial. Esse é o ganho social. de todo esse tempo.

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PRODUÇÃO VS PRESERVAÇÃO Uma questão curiosa que os ambientalistas fazem questão de omitir é que neste mesmo período, enquanto a área privada aumentou 32%, a área de floresta dentro das fazendas subiu de 22% para 28%. É a tal Reserva Legal, as APPs, as reservas dentro das propriedades, isso tudo baseado no Censo Agropecuário. Então, se tínhamos 55 milhões de hectares de reservas dentro das fazendas, hoje temos mais de 100 milhões de hectares. Se alguém me pedisse que resumisse numa frase por que eu estou lutando tanto pela mudança do Código Florestal, eu responderia apenas com um mapa (veja mapa). O Brasil se transformou numa grande potência mundial de alimentos e de preservação. No mapa, a área verde escura representa toda área de preservação pública, terras indígenas, parques nacionais, estaduais e municipais, terras devolutas do Incra, áreas da Marinha e do Exército, áreas de cidades, que chegam a 12% do País. Somando a área verde escura com a área verde clara, que são as florestas dentro das fazendas, vamos ter 61% do território nacional preservado. A área em amarelo é a disponível hoje no Brasil para a produção de arroz, feijão, carne etc. Pois, nós estamos brigando dia e noite para não arredar pé dos 27% de área de produção, coisa que nenhum país do mundo pretendeu ou fez como o Brasil está fazendo.

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Se me perguntarem se eu quero aumentar a área de produção, neste momento eu digo que não. Neste momento estamos lutando para mantermos a atual área de produção. Se fizermos o que os ambientalistas querem, principalmente WWF e Greenpeace, ao lado da ex-ministra Marina Silva, aquela área verde clara vai dobrar, Nós vamos diminuir os 27% que estão em amarelo, que são as áreas de produção, e vamos dobrar a área de preservação dentro das propriedades privadas. Isso não teria nenhum mal, pois o governo poderia financiar tudo isso. Mas nós temos de perguntar ao Brasil se é isso que as pessoas querem. Claro que, se nós dobrarmos a área em verde claro (cobertura nativa dentro das fazendas), vamos afetar os 22% do PIB, os 37% do emprego e os 38% de exportação. Essa resposta precisa ser acrescentada na avaliação, pois se perguntarmos numa pesquisa simplesmente se a sociedade quer que dobre a área de preservação, todos vão responder que sim. As pessoas pensam que a economia no campo é diferente da cidade. Se eu produzo menos carro, o preço naturalmente vai subir; da mesma forma, se eu produzo menos comida, o preço também vai subir. Não existe uma economia diferente no campo, ela é idêntica à da cidade. O que nós estamos defendendo é a manutenção desta área de produção e não o seu aumento – deixemos que as próximas gerações se preocupem com isso. Mesmo porque, estes 27% em


Alf Ribeiro/AE

que estamos produzindo hoje, se nós aplicarmos todas as tecnologias disponíveis no mercado, nós podemos dobrar ou até quase triplicar a produção de gado bovino e quadruplicar a produção de grãos sem derrubar nenhuma árvore, neste mesmo espaço. Alguém poderia perguntar: e por que não fazem isso rapidamente? A resposta é que a economia no campo é igual ao da cidade. Precisamos de investimentos, financiamentos com juro e prazo adequados, e precisamos também de mercado. Se fosse resolvido o problema do crédito para implementarmos todas as tecnologias disponíveis hoje, não teríamos tanto mercado para absorver essa produção e teríamos um desencontro entre custo e preço, que poderia trazer a derrocada de todo o setor, não só no Brasil, mas no mundo todo. Outra pessoa poderia argumentar que tem 1 bilhão de pessoas com fome no mundo. Essas pessoas passam fome não é por falta de alimento, mas pela ausência de renda para comprá-lo. Se de repente, 1 bilhão de pessoas que passam fome, especialmente na África subsaariana, na Índia e na China, tivessem acesso ao mercado, em quatro ou seis meses nós teríamos alimentos suficientes para vender para essas pessoas. Não tem o alimento porque não tem a demanda. Se todos eles recebessem uma Bolsa Família a partir de hoje, em seis meses esse assunto estava liquidado. Teria alimento à disposição com tranquilidade. BATALHA NA IMPRENSA A CNA contratou uma assessoria de imprensa nos Estados Unidos e na Europa para enfrentar toda essa questão do Código Florestal na imprensa, pois as ONGs estavam sozinhas lá fora com esse debate. Hoje estamos indo para fora, temos um hot site todo traduzido, debatemos todos os editoriais, todas as matérias que saem no mundo a CNA têm respondido a altura e está conquistando este espaço. E só encontramos coisas boas sobre o Brasil. O Le Monde de 21 de junho trouxe a manchete: Brasil, a nova fazenda do mundo. O jornal exaltou a incrível performance do Brasil no setor agrícola. A matéria diz que o Brasil poderá, em dez anos, se tornar o primeiro produtor agrícola mundial. Acho que não será em dez anos, mas em cinco anos, podem ter certeza disso. O The Economist tem cansado de fazer matérias sobre o Brasil. Na matéria "O milagre agrícola brasileiro: como alimentar o mundo", o texto diz: "Em 1972, ao invés de tentar proteger os agricultores da concorrência internacional, assim como fez o resto do mundo, o Brasil abriu o mercado e mandou os produtores ineficientes para o paredão. Nas quatro décadas seguintes, tornou-se o primeiro gigante tropical agrícola e o primeiro a desafiar a dominação dos cinco grandes exportadores de alimentos: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Argentina e União Europeia." Estas são as notícias que estamos vendo recentemente na imprensa mundial. Mas aqui ocorre o contrário, se bem que já equilibramos muito – os ambientalistas radicais estão perdendo espaço na imprensa nacional. Mas eles estão aderindo às redes sociais, onde ainda somos ineficientes para combatê-los. Estamos trabalhando duro na CNA para que possamos também combater nessas redes e levar os fatos diante dos boatos que são disseminados por aí.

O jornal francês Le Monde publicou uma matéria dizendo que o Brasil será o maior produtor mundial de alimentos.

INTERESSES COMERCIAIS Eu fico me perguntando o que tem por trás de tanto abuso em cima do óbvio? Eu aprendi muito cedo que atrás de toda grande guerra existe sempre um interesse comercial, financeiro. Se formos fazer um balanço do que o Brasil é promissor, combativo lá fora, do que ele é respeitado e admirado, vamos numerar, principalmente, a produção de alimentos, onde somos imbatíveis, somos de fato a fazenda do mundo. Temos também energia limpa, tanto o biocombustível como as hidrelétricas, além de minérios. Então, por que esses três pontos são tão agredidos pelas ONGs? Eu nunca vi o Greenpeace se atracar ao portão de uma termoelétrica para impedir que ela funcione. Eu já vi ele se atracar em Belo Monte, eu já vi ele se atracar no Tocantins, em Lageado e Estreito, para não deixar fazer uma hidrelétrica, que é menos poluente – as termoelétricas estão se multiplicando no Brasil e com razão, pela demora em se implantar as hidrelétricas. O Brasil não pode sofrer um apagão. E eu não vejo ninguém falar sobre isso. Eu tenho um estudo do Exército e fiquei indignada. As nossas reservas minerais estão todas debaixo das reservas indígenas e das unidades de conservação – não quero fazer nenhuma acusação, estou apenas deixando um ponto de interrogação sobre o assunto. A nossa área de plantio de cana-de-açúcar tem 7 milhões de

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hectares, o que dá menos de 1% do território nacional. Mesmo assim, se faz todo um escândalo de que a cana vai substituir a comida e vai fazer falta no Brasil – o milho sim, vai fazer falta nos Estados Unidos ao querer transformá-lo em combustível, que é uma aberração para o americanos e totalmente inviável. Se aumentarmos em 1.000% a produção de cana no Brasil, nós que produzimos em apenas 1% do território, isso não significa nada diante de 851 milhões de hectares que este Brasil tem. Então, eu não entendo tanto ataque naquilo em que somos tão bons. SEM ARGUMENTOS

reserva legal –, o texto é muito claro ao dizer: "desde que não haja novos desmatamentos". Alguém diz: agora vão fracionar as propriedades. O inciso é claríssimo: em caso de fracionamento – um pai morreu, dividiu a terra com os filhos, o que vale é a matrícula inicial da reserva legal. Portanto, não pode haver novos desmatamentos. O texto é claríssimo ao dizer: se o produtor está produzindo suinocultura na beira do rio, ele pode ficar lá, vai receber a visita do órgão ambiental, que vai verificar se houve algum dano. Se Quando você houve, ele terá de recuperar, fazer o tratamento dos dejetos. Ele poderá ficar, mas não aperta os poderá aumentar e nem desmatar mais do ambientalistas e que já estava.

Quando você aperta os ambientalistas e pergunta a eles o pergunta o que é que tem o projeto do novo Cóque é que tem esse digo, onde eles querem modificar, qual inciso, MARGENS DE RIOS Código, onde eles qual parágrafo, para que a gente possa ser objetivo, tratar do texto, fazer modificação, ninFico lembrando a evolução da humanidaquerem modificar, guém responde nada. Eles dizem que o projeto de, quando os homens deixaram de ser nômaqual inciso, qual tem anistia – essa é a primeira confusão que codes e caçadores e se fixaram nas terras, nas parágrafo, ninguém locam. Anistia remete a uma coisa negativa no margens dos rios Tigre e Eufrates, onde se iniresponde nada. País. Existe anistia neste projeto? Na proposta ciou a civilização e a produção de comida no do novo Código não tem anistia. Anistia seria mundo, passando depois para o rio Nilo, alguém ter uma multa de R$ 500 mil por ter mais tarde para os rios da Europa, Reno, Dadesmatado um pedaço de sua APP ou da sua reserva legal e eu núbio, Tamisa, Douro, todos esses rios foram habitados em como senadora, aprovo uma lei no Senado e digo para o sujeito suas margens. Então, na verdade, o que precisa prevalecer é o que, a partir de agora a multa sumiu, ele não deve mais nada e bom senso e a técnica científica. O produtor está prejudicannão precisa fazer nada, pois foi anistiado. Isso é diferente do do o rio ou não? Se não, fica. Se sim, tem jeito de arrumar? projeto, que diz que o sujeito poderá ficar sem as suas multas, Tem. Então arruma e fica. Não tem, então sai. Não tem de ser mas para isso terá de se inscrever no programa de regularizabom para os produtores rurais ou ambientalistas, tem de ser ção ambiental, vai ter de corrigir todos os erros cometidos e enbom para o Brasil. Todos esses rios do mundo foram ocupaquanto isso, as multas ficam suspensas. Quando se provar que dos de forma inteligente, especialmente pela pequena proconcluiu toda a recuperação, aí as multas se transformarão em priedade. Enquanto um médio ou grande produtor consegue serviços ambientais. ficar longe do rio porque consegue colocar uma bomba e irO órgão ambiental tem qual objetivo? O objetivo é reparar o dano. Ou o órgão ambiental vai se transformar na Secretaria da Fazenda ou na Receita Federal e se transformar num órgão arrecadatório? O que é preferível? A multa ou a correção do erro, o dano feito na propriedade? Eu penso que, para a questão ambiental, para os ambientalistas e para toda a sociedade, o importante é o produtor recuperar sua mata ciliar ou sua terra que está na encosta e foi desmatada de forma inadequada, prejudicando os aquíferos livres ou subterrâneos. Então, esta questão da anistia é uma forma desonesta de trabalhar contra a mudança do Código, é um argumento desonesto para impedir a mudança. E o que é mais grave nisso tudo? Eles, os ambientalistas, se julgam moralmente superiores a nós. Então, eles podem fazer de tudo pelo bem das gerações futuras, inclusive mentir, amedrontar a sociedade de forma equivocada. A outra questão é que eles falam que vai haver desmatamento. Isso não é verdadeiro. Nós procuramos em todos os locais do texto, com muita atenção, com assessoria muito competente, tanto técnica quanto científica. Nós tivemos o cuidado de unir essas duas consultorias permanentemente para que no texto esteja escrito aquilo que nós realmente queremos. E não há desmatamento. Tanto que, quando se isenta a pequena propriedade – até quatro módulos não terá

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Renato Araújo/ABR

O projeto do novo Código Florestal foi aprovado na Câmara dos Deputados por 410 a favor e 63 contra.

rigar a longa distância, o pequeno agricultor não tem como fazê-lo. O que traz prejuízo por estar na margem do rio é o grau de erosão e de invasão que o assoreamento pode estar trazendo para aquelas águas. O que vale não são 30 metros, 40 metros ou 100 metros. Eles valem para a preservação da biodiversidade – fazer os corredores ecológicos nas matas ciliares é importante, mas nós não podemos dar 100% das matas ciliares para os animais e vegetais em detrimento da raça humana. Nós também precisamos utilizar as margens dos rios e nós podemos viver em paz com os animais. IMPACTO SOCIAL Hoje nós temos 40% da população brasileira nas grandes cidades, 60% estão no interior do Brasil. E desses 60%, 80% estão ligados direta ou indiretamente com o agronegócio. É uma força política extraordinária. O que aconteceu na Câmara? O parlamentar jamais vota uma matéria dessas contra a maioria. Lá, votaram de forma suprapartidária, ninguém votou contra a Dilma ou contra o governo. Foram 410 votos a favor e 63 contra, foi de lavada, porque os parlamentares não estão aguentando voltar para a sua base, não estão tendo sossego para conversar com seus eleitores, a pressão é grande. O agronegócio é inclusivo, ele contamina sociedades, tudo gira em torno dele. Tanto que, quando tem uma safra prejudicada no ano, o comércio sofre de forma absurda, os governos não arrecadam, porque o agronegócio afeta as pessoas de forma direta ou indireta.

RETROATIVIDADE Outro ponto de discussão é a retroatividade da lei. Nós estamos reescrevendo e reafirmando a Constituição, mas paciência. A Constituição diz que a lei não pode retroagir para prejudicar, mas somente para beneficiar. Alguém diz que meio ambiente não tem prejuízo. Depende do ponto de vista. Se eu já desmatei a minha reserva legal quando ela não existia, e eu sou obrigado a refazer agora, quem vai me financiar? Eu vou ter de recuperar esta área que desmatei quando a lei permitia? Nós tivemos de escrever no relatório que a retroatividade da lei deverá ser observada, porque existe entendimento de alguns procuradores da República que em meio ambiente não tem retroatividade, não tem direito adquirido. Qual é o erro de tudo isso? Apesar de todas essas mudanças que estamos fazendo para descriminalizar a produção e os produtores, 95% são criminalizados hoje. Os 5% restantes é o verdadeiro agronegócio brasileiro, responsável por 70% do VBP (Valor Bruto da Produção) e que têm dinheiro e não podem ficar irregulares, eles têm recursos para investir e replantar suas matas ciliares, reserva legal, e não vão discutir sobre retroatividade ou não da lei, porque eles têm contratos internacionais, eles exportam e não podem ter problemas. Eles, financeiramente, conseguem se recuperar. Os prejuízos são para os pequenos e médios produtores, que são 95% do setor. Desses, 86% são pequenos agricultores, inclusive defendidos pela CNA – 56% dos filiados da CNA são pequenos agricultores. Temos a agricultura fa-

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Epitácio Pessoa/AE

Serão os pequenos e médios produtores os principais prejudicados se não houver a reforma do Código Florestal.

miliar, que também está no prejuízo absurdo – a grande maioria dos assentamentos da reforma agrária está instalada nas margens dos rios. Em Tocantins, no Bico do Papagaio ou no entroncamento do rio Araguaia e Tocantins, é tudo assentamento da reforma agrária. Eles foram instalados ali pelo governo brasileiro, não pediram para estar lá, Portanto, se prevalecer 500 metros, 600 metros da margem do rio, o que vamos fazer com essas pessoas? Esta resposta precisa ser dada. Se nós vamos tirar agricultores da beira do rio como se fossem ervas daninhas, precisamos dar destino para essas pessoas. Para onde elas irão? NÃO HÁ ANISTIA A questão da anistia não existe, não poder ocupar margem de rio também é um mito, pode sim, com bom senso. Reserva Legal só existe no Brasil – fizemos uma pesquisa mundial e descobrimos que esse tipo de reserva foi criada em 1934, quando ninguém falava em meio ambiente. Naquela época, o mundo era tocado a carvão e lenha. Essa reserva era mais para preservar madeira para não faltar matéria-prima para energia e que depois foi transformada em reserva ambiental, sem nenhuma conexão científica. O Brasil é o único país em que se exige dos agricultores que sejam empresários, eficientes, não poluam demais, usem pouca água, pois queremos continuar comendo comida barata. E ainda eles são obrigados a serem agentes ambientais, precisam ter uma unidade de conservação dentro da fazenda. Nos Estados Unidos, uma unidade de produção é para produção, tem um plano de negócio que precisa estar em sintonia com os concorrentes, que são os argentinos, canadenses, australianos, que não têm reserva legal. Aqui, eu já chego com uma propriedade de mil hectares em desvantagem de 20%, pois preciso deixar

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uma reserva legal, mas o argentino e o americano não precisam. Nos Estados Unidos, unidade de conservação e agente ambiental são papéis do Estado americano, que vai lá, desapropria, paga os produtores e faz o seu parque nacional. Eles não exigem dos agricultores que sejam agentes ambientais. PRESERVAÇÃO Nós defendemos muito a questão da sustentabilidade, não para nos travestir de ambientalistas de última hora, mas porque, de fato, a observância técnica dos pressupostos ambientais é importante para a produção. Não se pode ficar sem água, a erosão e a terra degradada não favorecem a produtividade e o desequilíbrio da biodiversidade traz pragas para as lavouras e doenças para os animais. É uma visão mais econômica do que apenas preservacionista, que é função do Estado. A CNA está investindo 20 milhões de dólares no projeto Bioma, que são as vitrines tecnológicas, em parceria com a Embrapa, onde estamos construindo as fazendas modelos para os agricultores copiarem de forma gratuita. Vamos pesquisar um em cada bioma, são seis biomas, e o produtor poderá copiar a tecnologia que for boa para a sua fazenda. A propriedade irá valorizar, pois uma fazenda que tem preservada a sua nascente, margem de rio e encostas de forma correta, isso tudo valoriza a propriedade. Exigir de Santa Catarina que arranque todas as maçãs produzidas há tantos anos por lá, o café no Sul de Minas, a cana de açúcar que são plantadas nos morros do Nordeste há 450 anos, o arroz do Rio Grande do Sul – 70% do arroz consumido pelos brasileiros estão nas várzeas gaúchas, tudo criminalizado, pois várzea virou APP e não pode produzir. E as uvas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul tiverem de ser arranca-


das, o café e a cana que estiverem em morros em São Paulo também? É uma coisa tão absurda, sem lógica, que até os ambientalistas já aceitam deixar, porque tem um apelo popular forte, as pessoas não vão aceitar isso. Teve uma manchete na Folha de São Paulo, mas depois eles tiveram a humildade de se retratarem, quando uma jornalista colocou o título: "A mudança do Código vai trazer novos deslizamentos". Isso foi em março, época daquela catástrofe no Rio de Janeiro, com aquelas mortes trágicas. Isso foi desonesto demais. Em todos os morros, quer seja em Santa Catarina, Minas ou Rio de Janeiro, os deslizamentos foram em matas virgens – não estou defendendo desmatamento em morro, estou dizendo que todos os deslizamentos foram por excesso de chuva, que levou tudo embora. Não teve deslizamento e mortes em nenhum morro com produção de alimentos, porque, se isso ocorresse, eu garanto que os agricultores não estariam ali, pois eles não são bobos. São todos esses boatos, que se transformam em "fatos" nas cabeças das pessoas, os que criam os preconceitos. Há um componente de preocupação humanitária por trás da discussão de preservação do meio ambiente, mas também tem um componente comercial muito forte, de interesses de empresas multinacionais do mundo todo, que vê no Brasil uma ameaça – e dou razão a eles, eles têm que ter medo mesmo, pois nós seremos uma potência no mundo em produção de comida, não há como impedir essa dádiva que é dos brasileiros. OBJETIVOS o nosso objetivo é manter os 27% de área de produção, do jeito que está, ainda assim, corrigindo erros graves, pois somos os primeiros a querer corrigi-los pelo bem das nossas propriedades. Não existe anistia porque há recuperação em beiras de rios, onde houver risco às águas nós queremos preservá-las. Apostamos nas Unidades de Preservação como prioridade

para preservação da biodiversidade. Deixo-lhes uma pergunta: será que o Brasil pode fazer mais do que está fazendo (62% de preservação e 27% apenas de produção)? Nós somos a maior floresta tropical do mundo e a segunda maior floresta geral do planeta. Quem é que fica na frente do Brasil? A Rússia, por um motivo óbvio: lá só tem gelo, não produz nada, eles não têm interesse em arrancar a floresta nativa. Em terceiro lugar está o Canadá pelo mesmo motivo. Então, por bondade e por merecimento, o Brasil é o único país com 62% de floresta de biomas nativos (não todo ele, mas grande parte altamente produtivo), que poderiam ser transformados em comida, dos quais estamos abrindo mão em benefício do que a sociedade acha importante, e nós estamos prontos para acatar democraticamente a vontade da maioria. Se for para tirar os agricultores da beira dos rios, dos lagos, nós vamos ter de derrubar o Palácio do Planalto, o Palácio da Alvorada e o Jaburu, que estão em beira de lago. Mas vamos ver primeiro se o Palácio está prejudicando o lago; se não está, por que não ficar? PRESIDENTE DILMA Inicialmente, a presidente não estava diretamente no debate. O ex-ministro Antônio Palocci estava dirigindo esta questão. Ele saiu e a presidente não teve como não entrar na discussão. Mas, ela recebeu apenas os ex-ministros do Meio Ambiente e as ONGs. Ela não ouviu ainda o outro lado. Queremos conversar com ela e tranquilizá-la de que não queremos derrotar o governo, pois para nós isso teria implicações terríveis lá fora. Isso poderia parecer que, à revelia do governo, os agricultores aprovaram alguma medida inadequada. Não queremos que isso aconteça. Estamos dispostos a levar a ela a nossa palavra, mas sempre no sentido de construir e não destruir. Não pode ter ganhadores e perdedores nesta história. Estou esperançosa, pois os fatos são tão claros e ob-

Ayrton Vignola/AE

Por trás da discussão para a preservação do meio ambiente há um forte componente comercial, com interesses externos de quem teme o crescimento do agronegócio brasileiro.

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jetivos, e ela, por ser uma pessoa tão pragmática, tenho muita confiança que ela vai relevar as nossas considerações e ficar tranquila de que todos esses boatos que foram espalhados não são verdadeiros, mesmo porque nós temos um dado muito rico e interessante. O ex-presidente Lula fez um compromisso na COP 15, na Dinamarca, de que o Brasil iria reduzir o desmatamento em 80% até 2020, iniciando a contagem em 1995, quando desmatamos 29 mil Km². Então, até 2020, tem que chegar a 5,8 mil km². Esta é uma meta voluntária, o Brasil não tem obrigação de atingir esta meta – só os países desenvolvidos têm essa obrigação. Nós estamos a 10 anos da meta e no ano passado o Brasil desmatou apenas 6,5 mil km². Nós já cumprimos 77% da meta. Nós vamos cumprir o prometido oito anos antes do compromisso feito voluntariamente em Copenhague, na Dinamarca.

Será a hora de gastarmos todas as nossas forças, de forma transparente, vamos fazer comerciais, fazer mídia na televisão, e fazer pesquisas junto à população. Com todo respeito que tenho pelo Data Folha, a pesquisa que eles fizeram foi construída pelas ONGs. A pesquisa é tão agressiva e desonesta, pois da forma como foi perguntado... A Marina Silva repete sem parar que 86% disseram que não querem o desmatamento. Agora, sabe quantos responderam que estão por dentro da matéria? Apenas 6%. Devia ter dado 100% contra o desmatamento, pois todo mundo é contra. Na verdade, as ONGs capturaram os órgãos de governos ligados ao meio ambiente. Não são mais órgãos republicanos, são órgão que estão cheios, em todos os escalões, de ambientalistas vindos da WWF, do Greenpeace, do Imazon etc. Ali são interesses só de uma parte. Um órgão de governo tem que ser republicano, porque ele precisa ver todos os lados. Na Inglaterra, o ministério da Agricultura e Meio Ambiente é um só. Nós estamos vivendo o pior dos mundos, pois o Ministério do Meio Ambiente, Ibama e Conama, estão cheios de ambientalistas e eles dominam a pauta do governo. Isso nos traz desvantagens imensas. COMPARAÇÃO

Dida Sampaio/AE

Quero lembrar que a Europa tem 0,2% do seu bioma preservado, os Estados Unidos têm 26%, Ásia e África entre 6% e 9%, e nós temos 62%. Portanto, nós desmatamos para produzir comida apenas 27% do território. Não conheço outra técnica que poderia ser usada para não desmatar esses 27%. Tem outro detalhe. Se este Código Florestal não for atualizado, ou mesmo se for atualizado, ele permanece com um mesmo artigo: continua podendo fazer desmatamento. O Código que a Marina Silva não quer que mude, no seu artigo 16 permite o desmatamento, deixando a reserva disso, daquilo, tamanho tal, dependendo da região. A CNA foi a primeira no Brasil a dizer vamos fazer desmatamento zero. Nós não recebemos uma única palavra de apoio dos ambientalistas e de nenhum ex-ministro do Meio Ambiente. O desmatamento que aconteceu recentemente no Mato Grosso foi uma coisa isolada, foi desonesto, criminoso e nós não apoiamos. Meia dúzia de espertinhos pensaram em desmatar correndo. Fatos assim não terão o nosso apoio, não vamos trabalhar com essas pessoas. Esses desmatamentos foram ilegais, sem licença, mas eles poderiam ter desmatado aquele mesmo tamanho com licença ambiental, não tiveram paciência de esperar, porque o Código não proíbe desmatar, nem este atual, nem o próximo. Ainda poderemos desmatar para produzir comida.

A ex-senadora Marina Silva discute com o deputado Sibá Machado (PT-AC) durante a votação do Código Florestal.

COMUNICAÇÃO As ONGs têm uma mídia free muito forte, mas nós estamos nos preparando. Nesta fase inicial, antes de votar na Câmara, estávamos com um espaço equilibrado. Nós medimos os espaços editoriais 24 horas por dia – jornal, rádio, televisão. Temos consultoria para fazer isso. Sabemos se estamos perdendo ou ganhando, como está o equilíbrio do debate. Depois da votação na Câmara, veio um pouco a questão do brio, a surra foi muito feia. A força do voto de 410 a favor do texto e 63 contra foi, de certa forma, uma desmoralização grande para os ambientalistas. Eles vieram com força total em cima da imprensa, trazendo essas barbáries, esses boatos com muita força. Optamos por nos silenciar neste primeiro momento. Este debate só será retomado em agosto ou setembro no Senado.

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MADEIREIRO NÃO É AGRICULTOR

questão de trabalho escravo, a violência no campo. Ele perguntou o que o Itamaraty poderia fazer? Eu disse que poderia colaNa Amazônia, segundo dados do Censo Agropecuário do IBborar com a melhora da legislação pois, se por um acaso a OMC GE, apenas 24% do território estão nas mãos dos agricultores. entrar com um painel contra o Brasil pela falta de cumprimento Quando se determina 50% de reserva, ou 80% em alguns casos, o de alguma legislação, nós somos os culpados. Ninguém impõe que sobra para a produção? O que as pessoas precisam parar de uma lei a um país, mas quando um país aprova uma determiconfundir é madeireiro ou carvoeiro com fazendeiro. A diferença nada lei, ele é obrigado a cumprir. E no Brasil estamos infestados, é brutal. Nós até podemos ter atividade madeireira, como eu teprincipalmente o setor rural, de leis que não se podem cumprir. nho pessoalmente. Mas aquelas retiradas de madeiras irregulares Temos na legislação trabalhista, que foi uma campanha mais forsão de madeireiros criminosos, que arrancam com a aquiescência te do que esta contra o Código – nos aeroportos do mundo inteiro do Estado, porque madeira não sai voando, sai pelo rio ou por eshaviam cartazes com mãos acorrentadas dizendo para não comtrada, em todas as saídas têm fiscalização de órgão ambiental. É prar produtos brasileiros, do trabalho escravo. A escravidão é com a proteção de esquema de corrupção do País. abominável, ninguém pode concordar com isso – temos a Convenção 29 da OIT, que trata com muita clareza o APROVAÇÃO trabalho escravo, que é aquele trabalho pelo qual você não recebe, está trabalhando obrigado, não Essas ONGs estão Eu tenho certeza absoluta que o projeto será pode ir embora da fazenda . O Brasil é signatário extorquindo as aprovado no Senado, talvez com algumas moda OIT, deve absorver a Convenção 29, estabeempresas do Brasil dificações. Mas repito: as penas alternativas lecer e cumpri-la de forma universal; mas não, têm sido a tônica do jurídico no mundo inteiro, incorporaram as palavras "degradante" e "jornapara terem proteção – inclusive para criminosos. Nós não matamos da exaustiva" sem definir o que são. Já visitei toou dão dinheiro ou ninguém; nós produzimos comida, emprego, dos os ministros do TST, a maioria concorda que estão desmoralizadas, exportação, PIB. Tem que recuperar? Tem. Mas precisa ter uma definição para que possamos especialmente as não é anistia cumprir a lei. Isso foi motivo de campanhas inempresas de ternacionais absurdas contra o Brasil. CHANTAGENS Esta é uma questão que eu gostaria de falar alimentos. Estão com a presidente Dilma, a participação mais invirando reféns das Outro boato que circula é que estamos passancisiva do Itamaraty junto às entidades privadas ONGs, estão todas nas do a legislação ambiental para os Estado. O arde comércio, nas negociações internacionais, cofolhas de pagamento tigo 24 da Constituição é claríssimo. Matéria de mo todos os países fazem. Os empresários brasidas empresas. meio ambiente não é de exclusividade da União, leiros são excluídos dessas negociações, assim é matéria de competência concorrente. A União como as entidades de classe, nós não participalegisla as regras gerais e os Estados legislam suas mos de nada e também não temos uma defesa. O peculiaridades. O que as ONGs não querem? Perder o poder poBrasil tem tantas coisas maravilhosas, tais como poder mostrar lítico de manipular. E na hora que isso sair do Ibama, eles perdem todos os pontos positivos que o País alcançou, ser a segunda o poder político e o financiamento. Elas se transformaram em maior floresta do mundo e a primeira floresta tropical, 62% dos chantagistas, como as máfias faziam e como as milícias do Rio de biomas preservados, fazer a maior, melhor e mais barata agriculJaneiro fazem. Essas ONGs estão extorquindo as empresas do tura do planeta em 27% do território, cumprindo as metas amBrasil para terem proteção – ou dão dinheiro ou estão desmorabientais oito anos antes... E ninguém vê nenhuma ONG falando lizadas, especialmente as empresas de alimentos. Estão virando disso. O Itamaraty deveria ter esse papel. reféns das ONGs, estão todas nas folhas de pagamento das empresas. Os bancos, as empresas sérias deste País ficaram reféns e ESTOQUE DE CARBONO financiam todas elas a reboque para não terem seus nomes jogados na lama. Não sabem nem o que estão patrocinando. Tanto Nós somos exemplo mundial hoje e precisamos tirar proveique, quando a SOS Mata Atlântica atacou o Código, nós fomos à to disso. Aqueles países que não querem recompor suas matas, internet ver quem eram os patrocinadores e encontramos o Braque não querem diminuir suas emissões de CO2, nós somos desco, e ligamos para o presidente do banco. Eles disseram que a uma alternativa para eles: que nos paguem pelo que estamos parceria era para replantar árvores e não atacar parlamentares – a retendo de carbono. Nós temos estoque de carbono. Nas conONG estava fazendo uma lista de parlamentares, nos colocando ferências de meio ambiente, como a COP 15, não se trata de escomo "exterminadores do futuro". O Bradesco mandou impedir toque de carbono, porque ninguém tem floresta em pé, somenimediatamente e eles recuaram. E o Aldo Rebelo na frente disso te nós. Aqueles que estão retendo estoque de carbono precisam tudo, tomando essa iniciativa. ser remunerados. Os países ricos precisam criar esse fundo e remunerar o Brasil. Nós não queremos ser reserva do mundo ITAMARATY inteiro. Podemos ter reserva legal, sermos produtivos e vender comida para o mundo inteiro. Mas por essa parte que estamos Estive no Itamaraty e falei com o ministro Antônio Patriota e abrindo mão, nós temos que lutar para que haja remuneração coloquei a ele não apenas a questão ambiental, mas também a por quem já desmatou todas suas florestas e biomas.

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Quem tem medo do novo Código Florestal?

José Luis da Conceição/AE

Paulo Liebert/AE

Equipe Digesto Econômico

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José Patrício/AE Divulgação

Alberto Cesar Araújo/Correio Amazonense

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elator do projeto de lei de reforma do Código Florestal, nar exportadores de bauxita e importadores de alumínio, pois o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) tem sido alvo de não vamos ter o insumo, que é a energia, pois não podemos fazer pesadas críticas por parte de ambientalistas, que o energia nuclear, termoelétrica e nem hidrelétrica. acusam de querer promover o desmatamento e anistiar aqueles que desmataram suas propriedades. Apesar disso, QUESTÃO INDÍGENA o projeto passou na Câmara dos Deputados com almpla maioria – 410 votos a favor e apenas 63 contra. Quando se trata de terra indígena é a mesma coisa. A quem No fim de junho, o deputado Aldo Rebelo esteve na Assointeressa que os índios sejam desprotegidos? O índio é vítima do ciação Comercial de São Paulo (ACSP) e concedeu uma entrePaís. Alguns acham que a melhor solução seja separá-los do País. vista à revista Digesto Econômico. Participaram da discusCria-se um enclave, gerenciado pela ONU, e os índios estarão são o presidente da ACSP, Rogério Amato, o economista Marprotegidos. É isso que muita gente pensa que vai ocorrer, inclucel Solimeo, do Instituto de Economia Gastão Vidigal da ACSP sive ilustres indigenistas, como Orlando Villas Bôas, que deixou e Moisés Rabinovici, diretor de Redação do jornal Diário do gravado um depoimento: "Estão levando os ianomâmis para os Comércio e da revista Digesto Econômico. Estados Unidos, vão ensiná-los a falar inglês, vão trazê-los de Para Rebelo, o desafio de Ricardo Lisboa/AE discutir o novo Código Florestal é de toda a sociedade, e não apenas de agricultores e ambientalistas. Segundo o deputado, a agroindústria é a principal responsável pelo vigor da economia brasileira e se ela for afetada, outros setores também serão, como a indústria, o comércio e o serviço. Por essa razão, as entidades de todos os setores devem se engajar nesta luta, primeiramente conhecendo o que representa o setor do agronegócio para o País e as propostas do novo Código Florestal. Rebelo garante que são falsas as acusações das ONGs ambientalistas de que haverá desmatamento e anistia. Para ele, trata-se de uma Manifestação em frente à Catedral da Sé, em São Paulo, contra a reforma do Código Florestal. manobra que atende a interesses comerciais externos para impedir o Brasil de se tornar o maior produtor de alimentos do mundo. volta e vão reivindicar a separação deles do Estado nacional. Não Leia a seguir trechos da entrevista. vou viver para ver isso, mas temo que é isso que irá acontecer." Eu conheço a fronteira toda, conheço as mais importantes terINTERESSE DE TODOS ras indígenas. E conheço de ir lá, conheço as lideranças, de me reunir com elas. Não é isso o que os índios querem, isso é imposto aos Quando aparece algo como o Código Florestal, as pessoas índios. Hoje não tem mais índio na reserva Raposa Serra do Sol, acham que é uma briga entre ruralistas, que são os desmatadoestão todos na periferia de Boa Vista, estão lá, na miséria. res, e ambientalistas, que são os enviados de Deus para defender o bem comum. E o interesse do País, que é defender o meio amDESAFIO PARA A SOCIEDADE biente e a agricultura, onde é que está? Ou será que o País vai renunciar a uma dessas duas coisas? Vamos renunciar ao meio Eu entendo que esse desafio de discutir o Código Florestal ambiente, à proteção dos rios e das águas, do solo, porque prenão é somente para um setor, para o fazendeiro, para o agriculcisamos de agricultura e de indústrias? Ou vamos renunciar à tor, é para toda a sociedade. Mas eu digo sinceramente que sinto agricultura, à indústria, à construção da infraestrutura do País, a ausência, uma omissão, de outros setores da sociedade. Liguei que são as estradas, rodovias, ferrovias, hidrelétricas? Daqui a para o presidente da CNI, para senadores, e disse que eles predois anos vamos exportar bauxita e importar alumínio. É isso cisam entrar nesta discussão. Uma das principais atividades que queremos? Pois é isso que vai acontecer. Nós vamos nos torque mantém a economia do País funcionando é a agroindústria.

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A nossa indústria está em declínio, nós somos deficitários em manufaturados. Nosso superávit é mantido graças a essa agroindústria. E será que a indústria não vai cuidar disso? O agricultor não fabrica o seu trator, ele compra de uma empresa urbana. A mulher do agricultor não fabrica o seu talher e outras coisas que ela consome. A agricultura ajuda a manter a indústria deste País, como também ajuda a manter o comércio. Às vezes as pessoas se omitem. Elas pensam: deixa o Rebelo e a Kátia Abreu brigando por isso. Mas não é uma briga fácil, porque essa gente tem influência forte na mídia, na Igreja, nas entidades. A OAB, a CNBB e outras organizações estão formando comitês para lutar contra o projeto do novo Código Florestal. Não sabem contra o que estão lutando. Nós não podemos deixar que isso aconteça. Nós precisamos nos apresentar, discutir, debater.

O que aconteceu com os Estados Unidos? A indústria migrou para a Ásia – China, Tailândia etc. Com isso, a agroindústria lá passou a ter um papel ainda mais importante. Eles já perderam a indústria para a Ásia, agora vão perder a agroindústria para o Brasil? Uma fábrica, o americano pode desmontar e levá-la para Xangai. Mas como ele vai desmontar uma fazenda? Então, eles entram em desespero. Carne, soja, milho, tudo tem subsídio lá. O agricultor europeu, de agricultor só tem o nome. Na verdade, ele é um funcionário público, no sentido que a renda dele não depende da propriedade privada, mas sim do Estado. Um vicepresidente de uma associação de criadores de Portugal me contou que cada vaca recebe um subsídio anual. O proprietário declara que a vaca está viva e vacinada para poder receber o subsídio. Isso gerou uma distorção na Holanda, pois ninguém matava ou se

INTERESSES COMERCIAIS Nós vemos uma ofensiva de ONGs com interesses externos. O que o Greenpeace tem de interesse em meio ambiente? Eu garanto que não tem nenhum. Um grupo de aventureiros que eu conheço de perto. Há dois livros franceses em meu gabinete, que eu pedi ao embaixador José Maurício Bustani, contando a história do Greenpeace. Qual é a bandeira ecológica que o Greenpeace defende na Europa? Qual é a mata ciliar? Qual é a reserva legal? Não existe isso. Na Holanda, na Bélgica, na Alemanha, este tema nem existe. Esta é uma agenda imposta ao nosso País de fora para dentro. É imposta porque o meio ambiente é importante, mas tem interesses comerciais nisso. Se você colocar todos esses ambientalistas juntos, não somam 300 pessoas. Mas eles dominam todas as editorias de meio ambiente dos jornais, das revistas e TVs. Eles não estão lutando para o bem do meio ambiente do Brasil. Para eles, pouco importa. Tem um documento, cujo título é: Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas Lá). Trata-se de um belo documento, bem elaborado, detalhado, onde os fazendeiros americanos mostram, item por item, produto por produto e estado por estado, quanto cada setor ganharia se paralisasse a fronteira agrícola do Brasil. Este estudo está disponível na internet. Foi feito por gente de alto gabarito. É uma guerra comercial. Nas vésperas da votação da reserva Raposa Serra do Sol, o príncipe Charles veio até aqui, pressionou diretamente, preocupado. Lembro que, quando eu trabalhava com o presidente Lula, toda vez que tinha uma viagem para o exterior era um Deus nos acuda no Itamaraty, pois as pressões eram sobre meio ambiente e terras indígenas. Num país em que o Código Florestal trata de floresta em propriedade privada – 60% do País, que é área pública, já estão preservadas, já é outra lei. O Brasil tem, só no Estado do Amazonas, 1,6 milhão de km², dos quais 98% são florestas. Só no Estado do Amazonas nós temos, de mata, três vezes a área da França, cinco ou seis vezes a da Itália. O que mais eles querem?

Aldo Rebelo: as ONGs ambientalistas não querem discutir o projeto do novo Código Florestal. A estratégia deles é insistir que haverá desmatamento e anistia, por mais que mostremos que são afirmações falsas.

Newton Santos/Hype

desfazia de uma vaca, pois ela dava mais dinheiro ao proprietário se estive de pé do que abatida. Criou-se uma superpopulação e um problema ambiental grave. O governo então criou um novo subsídio, que era para o proprietário dar baixa na vaca. O que os holandeses fizeram? Ao invés de abater, eles levavam as vacas para Portugal. A vaca passou a receber subsídio em dois países. Recebia na Holanda porque foi dada baixa e passou a receber em Portugal, pois foi incorporada ao rebanho. ESTRATÉGIAS Eu acompanhei como as ONGs armaram suas estratégias. Eles não discutem o Código, eles criaram duas marcas: desmatamento e anistia. Por mais que a gente diga que não tem desmatamento, porque a proposta é consolidar o que está de pé, mas eles continuam insistindo neste ponto. O agricultor não está na rede social, não tem blog, não está na internet, ele não vive disso. As redes sociais são todas urbanas, o ambientalismo é um fenômeno urbano, eles atraem esse setor da internet, principalmente jovens, para criar esta confusão.

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PODER DAS ONGs Em 1999, fiz uma visita a uma aldeia ianomâmi com um grupo do Exército. Chegando lá, tinha um posto de fronteira a 500 metros da maloca dos índios. Estávamos eu, que na época era presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, e o comandante da região. Fui lá porque precisava me manifestar sobre uma matéria que foi publicada no The New York Times, de que índias foram estupradas por soldados e pediam que o Exército saísse das terras indígenas. Fui lá para ver o que estava ocorrendo. O primeiro ponto é que 98% dos efetivos de pelotões de fronteiras são formados por índios da área, que é uma coisa muito boa. E os índios, quando estão de licença, vão para a aldeia. Antes de serem soldados, eles são índios, namoram e tem relações com as índias, mas como são do Exército, não podem fazer isso. Quando chegamos na entrada da aldeia, apareceu uma menina de uns vinte e poucos anos, dizendo que era de uma ONG chamada Urihi. Ela disse que eu podia entrar, pois era deputado, mas os oficiais não podiam. Uma menina, que nem era servidora pública, mas de uma ONG, barrou um general do Exército Brasileiro, veja o absurdo. Depois, fiquei sabendo que na véspera um líder ianomâmi passou lá naquela aldeia, porque a visita é pré-agendada, e passou essa orientação para essa ONG, que recebia uma fortuna, nunca prestou conta e depois se meteu num escândalo. E como é ONG, simplesmente se desfez e acabou, não se apurou nada. Entrei na maloca, olhei e era uma coisa degradante: umas 60 famílias dentro de um ambiente fechado, cheio de fumaça, pois cada família faz a sua fogueira. Os índios estavam muito magros, com aparência de doentes. A menina disse que havia uma incidência alta de tuberculose e outra doença infecciosa que veio da África, trazida por missionários. Perguntei porque não se colocava água encanada e luz na maloca, pois iria melhorar bem a situação. A menina disse que não, porque isso iria desfazer a cultura deles. Também não se pode ensinar português a eles. Os índios querem ter os benefícios do progresso, do desenvolvimento. Uma mãe de uma menina de 16 anos me disse que ela não quer mais andar de tanga, ela já é adolescente, quer usar jeans, conhecer outros adolescentes. É uma violência o que esses antropólogos querem: um índio no período neolítico para estudo de caso. Para a antropologia pode ser interessante, mas para o índio não é. No meu gabinete aparecem caciques. Eles

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querem máquinas, equipamentos agrícolas. Eles dizem que não dá para manter a aldeia somente com o tipo de agricultura que eles praticam. Eles querem tratores, colheitadeira. É normal que eles queiram isso, mas a antropologia resiste. ÍNDIO PROFISSIONAL A região onde a população indígena tem mais crescido é no Nordeste. É o índio autodeclarado. No Sul da Bahia até tem uma confusão para demarcar uma terra. Tem um cacique lá chamado Babau, que na verdade é um mulato, mas agora diz que é índio, um cacique. Eu viajo muito de carro e certa vez parei em Porto Seguro (Sul da Bahia), pois queria subir o Monte Pascoal para ver como os Celso Junior/AE

portugueses tinham nos visto da primeira vez. Subimos, eu e minha esposa. No pé do morro havia uma aldeia e fomos comprar artesanato. Conversando com a índia, perguntei se tinha família, filhos, marido. Ela disse que o marido havia voltado para a roça, pois ele não se acostumou com a "profissão de índio". Aquela senhora não se sentia índia, ela acha que é uma profissão, um meio para ganhar dinheiro. Mas a Funai ganha poder quando alguém se declara índio, é mais gente para ela tomar conta. LICENÇA AMBIENTAL Demorou mais tempo para se construir a terceira pista do aeroporto de Brasília do que toda a cidade. Isso porque um trator atropelou um lobo-guará e parou tudo. Na Bahia, numa obra, foi encontrada uma preguiça numa árvore que precisava ser retirada. Mas como lá estava a preguiça, se parou tudo e ficaram discutindo se a preguiça era nativa da árvore, se ali era o seu habitat, e não se podia retirar a preguiça, ela tinha de descer


Marcos de Paula/AE

Aldo Rebelo: O que o Greenpeace tem de interesse em meio ambiente? Eu garanto que não tem nenhum. Um grupo de aventureiros que eu conheço de perto. Qual é a bandeira ecológica que o Greenpeace defende na Europa? Qual é a mata ciliar? Qual é a reserva legal? Não existe isso. Na Holanda, na Bélgica, na Alemanha, este tema nem existe. Esta é uma agenda imposta ao nosso País de fora para dentro. É imposta porque o meio ambiente é importante, mas tem interesses comerciais nisso.

por livre e espontânea vontade. Se fosse uma pessoa, a polícia prendia, arrastava e levava. Acho que a agenda do meio ambiente tem razões nobres, pois se deixar, o homem acaba com tudo – no Mato Grosso tem uma área de uns 300 km que não tem onde um passarinho fazer seu ninho, foi uma barbárie o que fizeram. Isso também é uma coisa inaceitável. Mas, a turma da guerra comercial se aproveita da questão ambiental – ninguém faz o mal em nome do mal, é sempre em nome do bem, da liberdade, da democracia, dos direitos humanos e do meio ambiente, mas no fundo estão atrás do petróleo, do minério e das riquezas.

Lucivaldo Sena/AE

Quando foram criados os órgãos ambientais – uma iniciativa importante, pois era uma situação sem lei –, ao invés de entregarem os comandos para pessoas que, além de acharem importante defender o meio ambiente, fossem a favor do desenvolvimento, fizeram o contrário, entregaram para aqueles que são contra o progresso. Qualquer ação do homem é contra a natureza. Este é o princípio filosófico desses órgãos. Um ambientalista me disse em Manaus: "A peste que ameaça o planeta é o ser humano". Foram entregando esses órgãos, as ONGs foram se articulando, alguns para o bem, mas outros com este pensamento contra o desenvolvimento. Até que chegou o Ze-

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quinha Sarney (PV-MA), que foi contestado pelas mais diversas razões, e fez um pacto de entregar o Ministério (do Meio Ambiente) nas mãos dessas entidades. A Marina Silva chegou e o ideal dela são os povos da floresta, que são pouca gente, tem baixo consumo de energia, ou seja, é a sociedade ideal para o americano e o europeu, pois não questionam o padrão de consumo deles. Eles querem discutir se um africano, um brasileiro ou um chinês tem direito a comer 100 gramas de carne por dia, se tem direito a usar um automóvel. Não é o consumo deles que está em debate, é o nosso. Para eles, o ideal são os povos da floresta – têm baixo consumo de energia e preserva a natureza.

proposta contra a outra, é sim ou não ao projeto. Essa Emenda 164 foi apresentada quando o governo foi derrotado, porque no resto, o governo aprovou. A alternativa é tirar 2 milhões de agricultores da beira de rio, e todo mundo sabe que isso é impossível. A presidente Dilma não vetará, como muitos têm dito. Ela está prometendo veto em uma coisa que ela nem sabe o que é. Não vetará porque não tem anistia. Como ela vai vetar uma coisa que ela acabou de assinar como decreto? O que nós colocamos no projeto é o que está no decreto que ela renovou, que o Lula assinou. Eu não cobro que a presidente saiba de tudo, mas ela precisa ter alguém que saiba, ainda mais em torno de um assunto tão importante. A maioria das pessoas que está criticando o projeto não o leu. IMATURIDADE Este tema precisa ser colocado no âmbito do interesse do Brasil e de sua população. O que o pobre tem a ver com a agriNós somos ainda uma sociedade muito jocultura? Ele tem a ver com o preço da comida. Dida Sampaio/AE vem, imatura, como se fôssemos um É ele quem mais gasta, é quem mais soadolescente que ainda não sabe fre quando o preço da comida sobe. O agronegócio é quem tem mantido a estabilidade da economia, a inflação baiTenho certeza que o xa, e isso protege o saCódigo Florestal vai lário. Se nós não falarpassar no Senado. mos à população o Vai porque eles não que circunda este têm alternativas, debate, os interesses a única era impedir da população e do a votação, a País, nós vamos resdiscussão. valar numa briga de corporação entre o meu interesse e o interesse do outro. A população só se mobiliza se compreender que bem o que quer e depende muialguma razão do bem coletivo está to da aprovação dos mais velhos. em jogo. E é evidente que está em jogo. Olhamos para o mundo atrás de aprovaVai-se criar confusão no setor que melhor está função. Quando o Obama chegou aqui, nos elogiou cionando? A presidente viajou para a China e levou uma depor sermos bonzinhos. Queremos uma vaga no Conselho de Selegação de suinocultores de Santa Catarina. Será que ela sabe gurança da ONU, ninguém sabe direito para quê. Estamos preoque estão todos em APPs? Se aplicar a lei hoje, 100% dos suicupados com a Rio+20, que será no próximo ano. O nosso receio nocultores de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná esde desaprovação diante do mundo é muito grande. Eu vi isso tarão na ilegalidade. Eles e todas as culturas de arroz, maçã, cadiversas vezes. Nas viagens, o Itamaraty alertava que na Bélgica fé, o boi do Pantanal. Proibir agricultura em várzea não tem vão cobrar sobre isso, na Inglaterra sobre aquilo. O Palocci disse sentido. A agricultura é essencialmente uma atividade de várpara mim: "Aldo, o Greenpeace colocou uma faixa na porta do zea. Lembro de um livro no ginásio que dizia que o "Egito era Congresso escrito 'Parem a Motosserra'. Já pensou uma faixa um presente do Nilo". dessa na porta do Palácio do Planalto? Dilma, pare a motosserra". Mas que coisa é essa? Veja o exemplo de Israel: o Conselho de ÁREA URBANA Segurança da ONU já votou umas 50 resoluções condenando a ocupação daqueles territórios palestinos. A ONU diz que tem Não tem ninguém que cogite em fazer mata ciliar na beira da de sair de lá, o Obama também, mas o primeiro ministro israeMarginal Pinheiros ou do Tietê. Eles acham que podem arranlense desafia e diz que não vai sair. E nós aqui não conseguimos car uma cabra ou uma vaca lá em Petrolina, mas arrancar as dizer não ao Greenpeace? avenidas de Boa Viagem, da beira do Capibaribe, do rio Guaíba, em Porto Alegre, isso não vai. Isso está resolvido, não tem VOTAÇÃO NO SENADO jeito. Eles jogam o problema para quem está plantando laranja em Bebedouro, criando uma vaca em Araçatuba, estes são os Tenho certeza que o Código Florestal vai passar no Senado. Vai criminosos ambientais. Aqui, como vai fazer? O prédio do Esporque eles não têm alternativas, a única era impedir a votação, a tadão está numa APP, assim como o da Editora Abril. discussão. Como não conseguiram... Na votação, não tem uma

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Dida Sampaio/AE

CORRUPÇÃO Não é por acaso que o Ibama é o órgão com o maior número de operações de prisão por parte da Polícia Federal. O número de funcionários do Ibama presos e demitidos, mesmo comparando com estruturas muito maiores, como o da Receita Federal, é uma coisa escandalosa. A demonstração de que uma lei é ineficaz é quando ela só produz multa. Isso não é coisa de país civilizado. Uma coisa que só gera multa, algo está errado. A Receita Federal recebe 80 milhões de declarações de Imposto de Renda e em dois meses ela já sabe quem vai para a malha fina, quem vai ter devolução, quem foi autuado. O Ibama não recebe nem 1% disso em pedido de licença na agricultura, mas leva três anos para emitir o documento. DIVULGAÇÃO A melhor maneira de informar a sociedade é fazer com que entidades, instituições e outros setores da sociedade tenham uma posição a respeito. Se as Associações Comerciais, as Federações Industriais e outras entidades começarem a falar sobre o assunto como um tema importante para o País, eu acho que a própria imprensa, jornalistas, dirigentes, ficarão mais bem informados. O curioso é que, muitas vezes, o editorial do jornal diz uma coisa e a matéria é diferente. Isso porque as meninas jornalistas são engajadas, elas têm blogs ambientalistas. A menina que disse que o

As ONGs não estão lutando para o bem do meio ambiente do Brasil. Há interesses comerciais atrás dessas ações, patrocinadas por estrangeiros

novo Código vai autorizar um desmatamento equivalente ao Estado do Paraná tem um blog ambientalista. O que ela escreveu não é verdade. Eles contam o seguinte: é equivalente ao Estado do Paraná porque não vai reflorestar. Se eu não arrancar 3,6 milhões de hectares de cana, de capim, de café, de laranja para plantar mata, eles consideram isso com se fosse um desmatamento. Mas como eu vou arrancar 3,6 milhões de hectares de lavoura em São Paulo para plantar mata? Alguém sabe o custo disso? Alguém sabe o desemprego, a queda na renda dos municípios mais pobres do Estado, que dependem da agricultura? Mas eles não querem saber. Como eu vou arrancar 2 milhões de pequenos agricultores de beira de rio para plantar mata? Como fazer isso lá no Nordeste, em uma agricultura de pequeno porte, em que a vaca é um membro da família, cada uma tem seu nome? Como eles vão mexer num negócio desses? Recuperar solo e água precisa de técnica, de investimento, o que boa parte dos agricultores não tem. Custa 5 mil dólares o hectare de reflorestamento. Como se vai jogar este custo nas costas de um agricultor que tem a renda em declínio? A produção agrícola agora é de escala, ou se tem 200 hectares ou a tendência é acabar. Quem mais irá sofrer se não houver a reforma do Código Florestal é justamente o pequeno agricultor, que é o mais frágil nesta história.

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Panorama da Agropecuária Brasileira Engenheiro Agrônomo, Doutorando em Economia pela ESALQ/USP e Chefe do Departamento Econômico da FAESP

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Divulgação

Cláudio Silveira Brisolara


Introdução - O Brasil tem 5,2 milhões de propriedades rurais. - As propriedades rurais ocupam 330 milhões de hectares (38,7% do território nacional de 851 milhões de hectares). - O tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários brasileiros é de 63,75 hectares. - A agricultura e a pecuária ocupam diretamente nas suas atividades 16,5 milhões de pessoas. Número e Área dos Estabelecimentos Dos 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários: - 48% têm menos de 10 hectares - 86% têm menos de 100 hectares - 1% tem mais de 1.000 hectares Em termos de área, os estabelecimentos agropecuários com menos de 100 hectares ocupam 70 milhões de hectares, o que representa 21% da área total ocupada pelas propriedades rurais no Brasil. Uso do Solo - O Brasil utiliza apenas 7% de sua área total com a agricultura (60 milhões de hectares). - Dispõe de 100 milhões de hectares para introduzir no processo produtivo, sem colocar em risco áreas de conservação e as florestas nativas. - Além disso, dispõe também de 160 milhões de hectares de pastagens, equivalente a 19% da área total do País (de 851 milhões de hectares).

Valor Bruto da Produção Agropecuária Brasileira

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O Agronegócio Brasileiro O agronegócio contempla: - Indústria de insumos (antes da porteira) - Agricultura e a Pecuária - Agroindústrias (depois da porteira) - Logística, comercialização, prestação de serviços etc. (antes e depois da porteira)

Jonas Oliveira/Folha Imagem

O PIB do Agronegócio

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O agronegócio responde por: - 38% das exportações totais do País - 22,3% do PIB nacional - 37% dos empregos do País A agropecuária gera 21% dos postos de trabalho no Brasil.


Comércio Internacional

Balança Comercial do Agronegócio - De 2000 a 2010, as exportações do agronegócio brasileiro expandiram-se 2,7 vezes. - A China respondia por 2,7% das exportações de produtos agropecuários em 2000; hoje representa 14,4% do total exportado pelo agronegócio. - As exportações do agronegócio foram recorde em 2010, somando US$ 76,4 bilhões, 18% acima das de 2009. Com importações de US$ 13,4 bilhões, o superávit foi de US$ 63,0 bilhões, US$ 8,1 bilhões a mais do que em 2009. - O agronegócio manteve-se como o setor da economia com a maior participação nas exportações do País, respondendo por 38% do total exportado no ano.

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Paulo Liebert/AE

Principais Produtos Exportados

- Os produtos do complexo soja, carnes, açúcar, produtos florestais e café são os principais itens exportados.

Ranking da Produção e Exportação

- O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de açúcar, suco de laranja e café. - Ocupa também a primeira posição do ranking de exportação de soja, carne bovina, frango, etanol e tabaco.

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Produção Brasileira de Grãos - Nas últimas 35 safras (Safra 2010/11 - 76/77), enquanto a área plantada de grãos cresceu 32%, a produção nacional aumentou 240%. Isso se deveu ao significativo incremento de produtividade, próximo a 158% no período. - Produção de grãos brasileira cresceu 65% em 10 safras, equivalente a uma taxa média de crescimento anual de 5,12% a.a.

Taxa média (%) de crescimento anual: Produção - 3,6% Área - 0,8% Produtividade – 2,8%

- As culturas da soja, milho e arroz juntas representam 91% da produção brasileira de grãos.

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Produção de Carnes no Brasil

- Taxa de crescimento médio anual de 5,7%, nos últimos 17 anos. Paulo Liebert/AE

Competitividade Brasileira - Os números apresentados demonstram o vigor e grau de competitividade do agro brasileiro. - Projeções da FAO, OCDE, USDA, Banco Mundial e União Europeia sugerem que o agro brasileiro é um dos que tem maior potencialidade e que mais se beneficiará do crescimento da economia mundial. Surgem assim questionamentos: - A competitividade brasileira é sustentável? - O Brasil responderá às demandas e usufruirá de suas potencialidades?

ANÁLISE DE AMEAÇAS E OPORTUNIDADES Ameaças I Infraestrutura deficiente

I Concentração nos mercados (oligopólio e oligopsônio)

I Gestão ambiental

I Política tributária, trabalhista e externa

I Barreiras comerciais e protecionismo

I Dependência de fertilizantes minerais importados

I Questões fundiárias

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Ameaças: Infraestrutura deficiente - A matriz de transporte brasileira é inadequada. 60% das cargas são transportadas por rodovias, 33% por ferrovias e 7% por hidrovias. - Nos Estados Unidos, a participação das rodovias no transporte de carga é de 26%, na Austrália é de 24% e na China é de apenas 8%. - O Brasil tem a terceira malha rodoviária mais extensa do mundo, todavia apenas 12% destas vias são pavimentadas. - As rodovias brasileiras não possuem a qualidade necessária. Cerca de 55% das rodovias estão em condições ruins ou péssimas (CNT/2009). - As más condições elevam os custos do transporte entre 19,3% e 40,6% acima das condições ideais. - Apesar da sua expansão, os investimentos públicos no modal rodoviário não chegaram a 1% do PIB brasileiro.

Em relação ao PAC, o mapeamento do IPEA constatou que o programa federal cobre aproximadamente 13% das demandas identificadas, e apenas 7% no que se refere à recuperação, adequação e duplicação das vias.

Ameaças: Gestão do meio ambiente - Legislações que se sobrepõem; concentração da gestão e regulamentação no ente Federal; arquitetura de gestão que permite a normatização e/ou definição de parâmetros que deveriam estar em Lei por instrumentos que deveriam apenas regulamentar o texto das Leis: - O Código Florestal (CF) é de 1965 (Lei 4.471) - 46 anos. - O CF sofreu muitas alterações, sendo uma das mais profundas a introduzida pela MP 2.166-67 (2001). - Regulamentação da lei de crimes ambientais (atual Decreto 7.029, de 10 de dezembro de 2009, que estabelece multas a partir de 11 de junho de 2011).

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- Estima-se que entre 80% e 90% dos produtores rurais não estejam em conformidade com a legislação ambiental. - Em 06.07.2010, a Comissão Especial criada para estudar a reforma do CF aprovou substitutivo ao PL 1.876/99, propondo novas bases para o CF brasileiro. - Substitutivo foi aprovado em 24 de maio na Câmara dos Deputados e agora está tramitando no Senado. - Excessiva participação de ONGs e organismos externos na discussão e regulamentação da legislação ambiental; que tentam criar uma falsa dicotomia entre a produção rural e a preservação do meio ambiente. - Ação deliberada de organismos internacionais que veem o agro brasileiro como competidor e, por isso, tentam macular a sua imagem, inflando nossos problemas ambientais.

A importância do Brasil no contexto ambiental - A América do Sul detém 41,4% das florestas primárias remanescentes; a América do Norte 24,2%; a Ásia 5,5% e a Europa 0,1%. - A América do Sul mantém preservado 54,8% das suas florestas primárias; enquanto a América do Norte mantém 34,4%; a Oceania 22,3% e a Ásia 5,6%. - O Brasil individualmente responde pela manutenção 28,3% das florestas primárias remanescentes no mundo; - O Brasil mantém preservados 69% das suas florestas primárias. - Em termos de poluição, o Brasil é o 18º país que mais emite gases, respondendo por 1,28% da emissão total de CO2 no mundo. Em termos per capita, o Brasil é o 88º país em emissões. Em termos de área (Km²), o Brasil é 96º maior emissor. No que diz respeito às emissões de CO2, a FAESP tem preconizado o uso de técnicas com balanço favorável de emissões, tais como: - Plantio direto: fixa 0,5 ton de carbono por hectare. - Sistema Agroflorestal: fixa 2,5 ton de carbono/ha. - A FAESP publicou estudo avaliando o impacto da legislação atual do Código Florestal e reiterando a necessidade e urgência da sua reforma. Fonte: Embrapa Monitoramento por Satélite.

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Marcos Peron/Virtual Photo

Legislação atua - Propriedade sem reserva legal

Legislação atua - Propriedade com reserva legal

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Ameaças: Barreiras comerciais e protecionismo Os produtos brasileiros não ingressam em importantes mercados devido a barreiras que podem ser: técnicas, sanitárias e fitossanitárias ou comerciais/políticas/tarifárias. Exemplos: - Carne bovina do Brasil não acessa os EUA, Japão e Coreia do Sul por causa da febre aftosa. - Frutas brasileiras não acessam a União Europeia devido a tratamentos fitossanitários diferentes dos autorizados lá. - Rússia fixa cota máxima de importação de carne suína do Brasil. - Sistema de rastreabilidade bovina brasileiro foi questionado pela União Europeia, resultando em embargo às nossas importações. - Indonésia proíbe a importação de soja brasileira por causa dos casos de febre aftosa de 2005 no Mato Grosso do Sul. - Etanol brasileiro é super taxado nos EUA (US$ 0,54/galão + 2,5% ad valorem). Ameaças: Questões fundiárias

- Insegurança devida às invasões, além de questões indígenas, quilombolas, área de conservação e disputas por titularidade/posse. - Índices de produtividade. - Compra de terras por estrangeiros. Ameaças: Concentração nos mercados - Um mercado concorrencial, com ampla competição entre as empresas do setor é fundamental para o adequado funcionamento da economia de mercado. - A concentração leva a distorções no mercado, com abuso de poder econômico, favorece a cartelização e outras práticas antieconômicas. - Aplicação e adequação da Lei de Defesa da Concorrência. Exemplos: - Setor citrícola - 4 indústrias de suco detêm mais de 90% do mercado. Algumas indústrias foram condenadas por cartel. - Abatedouros bovinos - os três maiores frigoríficos detêm quase 40% da comercialização de carne. Algumas indústrias já foram condenadas por cartel. - Insumos agrícolas - a Bunge tem 33% do mercado de NPK.

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Ameaças: Política tributária e externa (câmbio) - Estudo do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário demonstrou o impacto perverso da tributação sobre os alimentos. - Ovos de galinha, produto básico na alimentação dos brasileiros, são tributados em cerca de 21%. - O aspecto mais questionável do sistema tributário brasileiro é que ele é regressivo, incide mais pesadamente sobre as pessoas de mais baixa renda. - Pesquisa do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada calcula que a população com renda mensal de até 2 salários mínimos precisa trabalhar 197 dias para pagar os impostos; enquanto que a população com renda mais elevada, acima de 30 salários mínimos, precisa trabalhar 106 dias. - Elevados impostos estimulam a sonegação, restringem o acesso à alimentação, reduzem a competitividade e a produção das empresas, que são desestimuladas a processar as M.Ps. internamente. Ameaças: Dependência de fertilizantes importados - O Brasil é extremamente dependente das importações de fertilizantes para o abastecimento interno. - O mercado brasileiro é o 4º maior do mundo e representa cerca de 6% do consumo mundial de fertilizantes. Os maiores consumidores são: China (30%), Índia (14%) e Estados Unidos (12%). - As importações brasileiras de fertilizantes representaram cerca de 70% a 75% do consumo interno. - O Brasil importa do seu consumo: 50% do fósforo 75% do nitrogênio 90% do potássio Oportunidades - Demanda mundial por alimentos e fibras - Consolidação do mercado de bioenergia - Disponibilidade de recursos naturais e clima apropriado - Condições de crescimento vertical da produção (ganho de produtividade) - Viabilidade de maior processamento e agregação de valor

Oportunidade: Crescimento da demanda mundial por alimentos e outras M.P.s Projeções da FAO: World Agriculture: Towards 2015/2030 - A população mundial será de 8,2 bilhões de pessoas em 2030. - A taxa de crescimento mundial é estimada em 3,8% a.a., enquanto que para os países em desenvolvimento se projeta crescimento de 5,5% a.a. - O crescimento da agricultura mundial, por outro lado, será de 1,3% a.a., no período entre 2015 e 2030, sendo que o crescimento nos países desenvolvidos será de 0,6% a.a., enquanto nos países em desenvolvimento será de 1,7%. - O Brasil é um dos países que provavelmente mais se beneficiará do aumento da demanda mundial, pois países em desenvolvimento continuarão sendo deficitários no atendimento a sua demanda interna. - Assim, o comércio internacional de commodities agrícolas deverá crescer e o Brasil se posicionará, cada vez mais, como um grande exportador mundial.

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Oportunidade: Consolidação do mercado de bioenergia

O mercado de bioenergia criou uma nova demanda para os produtos da agropecuária e, portanto, uma nova fonte de crescimento para o setor. Etanol: cana-de-açúcar. Biodiesel: soja, girassol, amendoim, sebo bovino, pinhão manso, mamona, óleo de palma e outros. O mercado internacional também vem se consolidando, mas em um ritmo mais lento que o esperado pelas indústrias brasileiras.

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Oportunidade: Disponibilidade de recursos naturais - O Brasil detém o maior estoque de terras aptas para introduzir no processo produtivo, sem ter que derrubar suas florestas. Estudo da FAO comprova isso:

Oportunidade: Crescimento vertical da produção (ganhos de produtividade)

José Maria Tomazela/AE

- O Brasil tem condições de elevar a produtividade substancialmente em algumas culturas de grande importância, como o milho, por exemplo. - As produtividades de milho, arroz e trigo equivalem a 45%, 48% e 31% da produtividade de referência (mais alta) mundial, ou seja, é menos metade da produtividade que pode ser obtida. - Apesar de demonstrar a baixa eficiência produtiva de alguns cultivos, isto representa uma oportunidade, pois para aumentar a produtividade os investimentos são menores do que para abrir novas áreas.

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Oportunidade: Agregação de valor

Como o Brasil exporta grande parte dos seus produtos sem beneficiamento, há uma oportunidade de processar essas commodities e agregar valor às exportações, gerando empregos e renda internamente.

ANÁLISE CONJUNTURAL Análise conjuntural: nível de preços e estoques

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- Os preços das commodities se elevaram a partir do segundo semestre de 2010. As causas são: - quebra de safra em importantes países produtores; - a restrição às exportações por alguns países a fim de protegerem os mercados internos; - especulações e associação dos preços a outras commodities, como o petróleo - fatores estruturais, já que a oferta não está no mesmo compasso da demanda, determinando redução dos estoques internacionais Análise conjuntural: volatilidade dos preços - A volatilidade traz ainda mais incerteza ao mercado agrícola (já conhecido pelo seu elevado risco). - Nesse cenário de incerteza, as especulações se ampliam, as atividades e os projetos de investimentos tornam-se mais arriscados e mais difíceis de serem implementados. - Os preços agropecuários e a volatilidade permanecerão elevados nos próximos 2 ou 3 anos. Considerações Finais - As oportunidades têm um peso específico maior que as ameaças, até porque estas podem ser contornadas com investimentos e políticas coordenadas, enquanto muitas das oportunidades residem em vantagens comparativas do nosso País que são intransferíveis. - É preciso estabelecer uma política agrícola que promova simultaneamente a produção de alimentos e de energia, sem gerar competição entre elas, garantindo o abastecimento do mercado interno e externo de alimentos e de biocombustíveis, apoiada no conceito de sustentabilidade social, econômica e ambiental. - É preciso planejar o futuro da agropecuária, levando em consideração as potencialidades brasileiras, os avanços tecnológicos, a necessidade de desenvolvimento do país e as oportunidades da economia global. - Para isso, deve-se aprimorar as políticas e os instrumentos para que a agropecuária brasileira exprima todo o seu potencial e contribua para o desenvolvimento socioeconômico das gerações presente e futura.

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As ONGS e a política 50

Ueslei Marcelino/Folha Imagem

Denis Lerrer Rosenfield Graduado em Filosofia Pela Universidade Autônoma do México, Doutor de Estado pela Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne e professor titular de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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P

ara se compreender o mundo contemporâneo, é necessário se ter uma correta inteligibilidade do modo de funcionamento de ONGs, que possuem uma extensa rede nacional e internacional. Tratando-se de entidades da sociedade civil, não estão submetidas a nenhum controle social, de modo que sua forma de atuação escapa de qualquer tipo de fiscalização. No entanto, influem diretamente em questões nacionais, exercendo um importante protagonismo político e público. Mais especificamente, questões ambientais, trabalhistas, sociais, indígenas e quilombolas são fortemente influenciadas por elas, situando-se dentro de seu escopo de ação. Como "case", apresentarei uma ONG indigenista e quilombola, valendo essa análise também para outras áreas. Em um segundo momento, utilizarei um outro exemplo, relativo ao seu modo de atuação. I. A Comissão Pró-Índio de São Paulo é uma ONG criada em 1978, que se dedica a reivindicações e demandas indígenas e quilombolas. Em particular, monitora atividades de identificação e demarcação de territórios quilombolas, influenciando tanto as atividades da Funai, quanto da Fundação Cultural Palmares e Incra. Nasceu para cuidar primeiramente de questões paulistas, mas seu escopo de atuação abrange hoje todo o território nacional. O material por ela produzido é abundante, incluindo estudos e pesquisas sobre essas duas questões. Mais especificamente, nos últimos anos, tem se dedicado à produção de mapas indígenas e quilombolas, que terminam embasando processos administrativos e judiciais. Em sua apresentação, ela diz divulgar "informações sobre e para os beneficiários", "produz material didático" com esse objetivo e "promove ações de incidência visando assegurar os direitos indígenas e quilombolas". Em qualquer contencioso, o seu lado já está escolhido, não tendo, portanto, nenhuma neutralidade e imparcialidade. Convém ressaltar a produção de mapas. Esses mapas são extremamente bem-feitos, mostrando, conforme o caso indígena ou quilombola, onde se situam os territórios disputados, assinalando a sua fase de processo demarcatório. Assim, pode-se saber quais áreas foram identificadas, demarcadas, homologa-


das e tituladas. Tal tipo de material é da maior importância, não somente geográfica, mas jurídica e política, pois é também utilizado como prova de demandas que ocorrem administrativamente na Funai, na Fundação Palmares e no Incra, como embasam decisões de promotores e juízes. Trata-se, portanto, de importante material que é igualmente utilizado do ponto de vista de formação da opinião pública, sendo usado por formadores de opinião em redações de jornais, revistas e meios de comunicação em geral. Ressalte-se que aparece como sendo prova de uma reivindicação legítima. Essa ONG é financiada, principalmente, por cinco grandes ONGs e agências internacionais: CAFOD, Christian Aid, ICCO, União Europeia e OXFAM. O caso mais surpreendente é o da União Europeia, por tratar-se de uma entidade supra-estatal com atribuições de Estado propriamente dito, sendo uma espécie de confederação de países europeus, com proeminência da França, Alemanha, Grã-Bretanha e, em menor medida, da Holanda, Itália, países nórdicos e Espanha. A questão torna-se, aqui, propriamente política, pois diz respeito às relações dessa entidade supra-nacional e de seus Estados correspondentes com outro Estado, a saber, com o Brasil. Logo, uma entidade supra-nacional, de tipo estatal, financia ONGs no Brasil que interferem diretamente em processos de identificação de territórios em nosso País. Assim, por exemplo, identificações de territórios em fronteiras nacionais são financiadas por esses países, abrangendo extensas áreas de minérios, por exemplo, comprometendo, de forma muito evidente, a soberania nacional. O mesmo ocorre com unidades militares, como Alcântara, Maranhão, da Aeronáutica, base de lançamento de foguetes espaciais, e a Restinga da Marambaia, Rio de Janeiro, base dos fuzileiros navais. É, inclusive, o próprio projeto espacial brasileiro que se torna objeto da ação de outros países em nome de uma "causa justa". A ICCO (Organização Intereclesiástica para a Cooperação ao Desenvolvimento) é uma organização que atua em 53 países, dando apoio financeiro e consultoria a redes e entidades locais. Sua sede está na Holanda. Assim, a propósito de reivindicações

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quilombolas no Baixo Parnaíba no Brasil, essa entidade se volta contra a produção de soja, eucaliptos e etanol. Explicita, inclusive, que ajuda diretamente na contratação de advogados, no trabalho de lobby e licenças ambientais. Procura mesmo formar uma má imagem internacional das empresas aqui envolvidas, de modo a prejudicar os seus negócios. No caso, seriam campanhas internacionais contra a produção "não-sustentável" de soja, papel e celulose e etanol. Ademais, ela financia e apoia as atividades do Imaflora, que certifica produtos ambientalmente produzidos, em particular florestas e produtos da agricultura, influenciando diretamente o preço internacional desses produtos graças ao selo ambiental. O Imaflora, por sua vez, obtém recursos graças a serviços prestados também a grandes produtores. Financia o ISA (Instituto Socioambiental), focado em populações indígenas brasileiras e em questões ambientais, tendo desenvolvido, por sua vez, uma extensa campanha contra a hidrelétrica de Belo Monte, contra a atualização do Código Florestal, além de seu foco na identificação e demarcação de terras indígenas em todo o País. A Christian-aid é uma ONG cristã, inglesa, sobretudo voltada, no Brasil, ao apoio e financiamento dos "movimentos sociais". O MST é financiado por ela desde o seu nascimento. Não deveria isto tampouco surpreender, pois o próprio MST foi criado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão vinculado à CNBB. Em nosso País, ademais, ela financia a ONG Koinonia, vinculada com a questão quilombola, e a ONG Terra de Direitos. Como costuma acontecer nesses casos, a sua apresentação é também a do politicamente correto: "We are independent of government. As signatories to the Red Cross and Red Crescent Code of Conduct, we are impartial and neutral in our distribution of aid. We are governed by our 41 sponsoring churches, which elect our board of trustees". Em suas ações no Brasil, ela acompanha os seus parceiros locais, compartilhando a sua ideologia. Essa ONG deixa suficientemente claro o que pensa e como age ao indicar os seus parceiros brasileiros. "What marks the region is the enormous vibrancy of its social movements, many of which we support. Groups such as Brazil's Movement of the Landless, Divulgação

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Base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão: o projeto espacial brasileiro se tornou objeto da ação de outros países em nome de uma "causa justa".

which has helped millions of landless families to establish farms and feed their families". Ela dá, portanto, apoio ao MST que, ainda segundo ela, ajuda milhares de sem-terras a se estabelecer. Nenhuma menção é evidentemente feita ao perfil anti-economia de mercado, anti-estado de direito e antidemocracia representativa do MST e da Via Campesina. Tampouco menção é feita ao seu caráter socialista autoritário. Isto cairia fora do politicamente correto. A Christian-aid chega a listar 29 parceiros no Brasil, dentre os quais o MST, a Via Campesina e o MPA. Os seus fundos são expressivos: "In 2006/07 we made grants of 6.8 million/10.1 million (libras) to 152 organisations in Latin America and the Caribbean". Em seu staff, particular importância é dada à formação da opinião pública, pois dela depende a eficácia do seu trabalho e, também, o apoio financeiro que recebe de seus doadores. Por exemplo: "Kate Phillips, marketing and communications Prize-winning journalist and former newspaper editor. Has shaped Christian Aid's communications agenda for the past 12 years. She has a staff of over 100 working on everything from publishing to public enquiries to advertising, and is responsible for ensuring that our messages hit home". Observe-se que esse setor é constituído por 100 pessoas dedicadas à formação da opinião pública, o que equivale ao número de jornalistas necessário para tocar um jornal. No Brasil, para dar um exemplo, a revista Veja conta com cerca de 70 jornalistas. O seu foco de ação, compartilhando as mesmas posições dos "movimentos sociais", reside no agronegócio. No Brasil, essa ONG refere-se também ao etanol, à cultura de eucaliptos e à soja. "Christian Aid's partner in Brazil, Landless Rural Workers Movement (MST), is vehemently opposed to the expansion of the biofuel industry. MST does not want Brazil to become a factory to supply rich countries with cheap energy. It argues that the most important use of Brazil's land is to produce food for its people. MST wants agrarian reform to promote small-scale mixed farming - not giant monocultures owned by multinationals - government support for farmers' cooperatives". Trata-se do discurso emessista da dita "segurança alimentar", voltado contra a economia de mercado, contra os produtores rurais e as empresas do setor.


Ivan Cruz/A Tarde/AE

Cafod é a agência oficial católica para a Inglaterra e Wales. Seu campo de atuação abarca mais de 40 países e se coloca religiosamente como prestando compaixão e solidariedade aos injustiçados do mundo. Do ponto de vista doutrinário, apresenta-se como seguindo os ensinamentos sociais da Igreja, o que pode também ser lido como sendo adepta da Teologia da Libertação. Chama, neste sentido, particularmente atenção quando, em um ponto seu intitulado "Pondo fé em ação", ela estampa uma foto do MST em uma de suas manifestações, com bandeiras vermelhas sendo empunhadas por seus militantes. Logo, seguir a doutrina social da Igreja significa apoiar as ações do MST, colocados como representando "milhões de famílias" sem terra, lutando para produzir alimentos. Nenhuma palavra é aqui dita sobre o caráter anticapitalista e socialista dessa organização esquerdista, ficando isto completamente encoberto. Nesta mesma página onde é mostrada a foto do MST é apresentada a "Doutrina Social da Igreja". Convém aqui frisar que Cafod tem todo um trabalho na cidade de São Paulo junto aos sem teto, participando de seus movimentos. Não se pode, neste sentido, considerar ingenuamente as invasões empreendidas pelo Movimento dos

Sem-Teto nesta cidade sem toda uma rede de sustentação que vai do MST à Comissão Pastoral da Terra, dentro de um contexto internacional de entidades como a Cafod, que compartilha da doutrina da Teologia da Libertação. Seria, reitero, ingênuo considerar a questão dos sem teto em São Paulo fora desse contexto propriamente político. Chegam a mencionar em uma de suas matérias o acampamento "Olga Benário" na cidade, neste caso referindo-se ao ano de 2007, mostrando a quanto tempo, precisamente, remontam suas operações de apoio. Critica, neste ano e em anos posteriores, como em 2009, o uso "abusivo" da política paulista em seu trabalho de desocupação. Em outra matéria, acrescente-se ainda, Cafod apresenta-se como parceira da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A afinidade é clara. OXFAM é uma outra agência católica, da Inglaterra, Wales e Escócia, atuando em mais de 70 países, desenvolvendo um trabalho, sobretudo, de assistencialismo social. Tem todo um histórico de atuação no Brasil nos últimos 20 anos, atuando, principalmente, em questões indígenas, quilombolas, climática e sem teto em zonas urbanas. No caso dessa entidade, especificamente, o seu trabalho está principalmente centrado na redução da pobreza, cresci-

A Christian-aid é uma ONG cristã, inglesa que apoia e financia "movimentos sociais". O MST é financiado por ela desde o seu nascimento.

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Antônio Gaudério/Folhapress

II. Vejamos agora o modo de atuação dessas ONGs através de um outro "case" específico, que interfere diretamente na vida econômica das empresas. Mostrarei como dois fatos, aparentemente sem conexão, exibem sua profunda imbricação quando vistos sob a perspectiva de atuação de ONGs internacionais, interferindo diretamente na atividade e nas escolhas empresariais. Atuam, desta maneira, diretamente nos valores de mercado e, mesmo, emitem selos ambientais, que têm a virtude de aumentar o preço dos produtos exportados. Com tal propósito lançam campanhas nacionais e internacionais, envolvendo empresas que, assim, se veem acuadas a adotar determinadas políticas que se traduzem por formas de subordinação a essas ONGs. Fornecerei dois exemplos da empresa "Raizen", uma joint venture de 12 bilhões de dólares, criada conjuntamente pela Cosan e pela Shell. A empresa Raizen aparece em dois importantes sites nacional e internacional, sempre com a menção de que ela nasce da união da Cosan, a mais importante empresa brasileira produtora de etanol a partir da cana-de-açúcar, e da Shell, conhecida empresa internacional de petróleo. Um é o site Survival, ONG indigenista de profunda inserção na mídia internacional, tendo toda uma seção dedicada ao Brasil e mantendo estreita relação com o Instituto Socioambiental (ISA), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O outro é a WWF Brasil, que faz parte de toda uma rede internacional de WWFs, atuando principalmente na área de meio ambiente, embora não exclusivamente. Juntam-se, desta maneira, duas importantes redes nacionais e internacionais, uma focada na questão indígena e a outra na questão ambiental. O modo de apresentação de uma "notícia" relativa à Raizen, logo denominada a partir de sua associação com a Shell, já é particularmente eloquente do ob-

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Reprodução

mento econômico com inclusão social e questões de gênero. Não segue, neste sentido, uma agenda política voltada para o apoio aos ditos movimentos sociais no Brasil.

José Teixeira, deputado estadual e produtor de cana foi acusado de ameaçar de morte um rival. Por conta disso, notícias veiculadas por ONGs associam produtores de cana a bandidos. Abaixo, remanescentes de um quilombo em Valença, no Rio de Janeiro.

jetivo a ser perseguido, no caso, uma espécie de criminalização da empresa. Com efeito, é posto em causa um fornecedor de cana-de-açúcar, José Teixeira, deputado estadual, que teria ameaçado um adversário seu de morte. Cita-se a sua ameaça: "If it were up to me, you'd be under the ground". Logo, um fornecedor de cana-de-açúcar é apresentado como um bandido que é, ademais, um deputado estadual, induzindo o leitor a assimilar os produtores de cana-de-açúcar a bandidos potenciais, além de apresentar a empresa Raizen como fazendo negócios com tal tipo de pessoa. A figura do político inescrupuloso e imoral se faz também presente. Logo, surge o segundo movimento, o de associar tal tipo de pessoa à ocupação de terras guarani. Uma pessoa com tal forma de comportamento só poderia mesmo ser alguém que toma para si arbitrariamente terras que não lhe pertencem. Sem nenhuma transição, o texto afirma que o governo já reconheceu que as terras em questão são terras indígenas e não propriedade particular. Ora, a matéria do site Survival só faz essa afirmação, sem mencionar o tipo de processo em curso, realizado pela Funai, a saber, se se trata de um processo de identificação, demarcação, homologação ou registro. Além de não mencionar a sua etapa administrativa, tampouco alude ao fato, muito provável, de que as terras em questão estejam submetidas a um litígio jurídico. Enquanto tal litígio persistir, enquanto houver contestação, não se pode afirmar com certeza que a terra em questão seja indígena ou não. O jornalista indigenista, evidentemente, nem se dá esse trabalho, pois isto poderia se refletir negativamente no processo de formação da opinião pública. Segue-se daí a advertência de que Cosan/Shell estariam comprando cana-deaçúcar de um fornecedor explorando ilegalmente terras guarani, ou seja, seriam, na verdade, cúmplices desse crime. As duas empresas, unidas em uma só, estariam compactuando, inclusive, com a desnutrição de crianças indígenas e contribuindo para violentos conflitos fundiários, podendo repercutir, inclusive, na morte de in-


Pedro Ladeira/Folhapress

dígenas. Segue-se a conclusão: "Survival has urged Shell and Cosan to stop using sugarcane grown on the Guarani's land, but the companies continue to use it". A advertência é clara, sendo uma espécie de ante-sala de outras ações que possam ser tomadas contra essas empresas. No imediato, esboça-se todo um processo de formação da opinião pública, podendo se refletir no valor das vendas dos produtos dessas empresas pelo mundo afora. A WWF Brasil, em conexão internacional com todo um sistema que se chama de "Rede WWF", que financia a entidade brasileira com mais de 50% de seu orçamento, está empreendendo um processo de certificação ambiental da empresa Raizen, isto é, das empresas Cosan e Shell, a partir de sua joint venture. Cito: "A primeira certificação de acordo com o padrão de sustentabilidade ambiental e social da Bonsucro é a da usina Raízen Maracaí, com uma produção de mais de 130 mil toneladas de açúcar e 63 mil metros cúbicos de etanol. O primeiro comprador do açúcar certificado foi a engarrafadora local da Coca-Cola". Observe-se que essa ONG aparece como certificadora ambiental, reconhecida pela própria empresa, podendo, neste sentido, interferir nos seus rumos e, mesmo, influir no preço internacional de seus produtos em caso de certificação ou não. Exemplo do politicamente correto já vai aparecer no comprador desse produto certificado, nada menos do que a Coca-Cola. Com tal propósito, a WWF cria uma outra denominação sua, Bonsucro, que terá precisamente a função de conferir esse selo ambiental. O politicamente correto comparece sob a forma de uma alusão para reduzir os "impactos ambientais e sociais da produção de cana-de-açúcar". Na verdade, trata-se da culminação de um longo processo que começou com uma outra iniciativa da Rede WWF, no projeto "Melhor Canade-Açúcar". Em sua nova versão, o projeto internacional, agora em roupagem nacional, possui um espectro bastante amplo: "O padrão Bonsucro de melhor manejo da cana-de-açúcar identifica e trata dos principais impactos sociais e ambientais da produção de cana-de-açúcar em áreas como a adequação à legislação, impactos sobre a biodiversidade e os ecossistemas, direitos humanos, produção e processamento, estabelecendo indicadores de melhoria contínua". Observe-se o seu amplo espectro de atuação, envolvendo desde questões ambientais até de direitos humanos, passando pela modificação da legislação em amplos setores. Quando se introduz questões de direitos humanos,

os seus autores visam desde questões trabalhistas até indígenas e quilombolas, abarcando virtualmente tudo. No caso, note-se como a questão ambiental se mistura com questões trabalhistas, indígenas e quilombolas, que passariam, então, a fazer parte do processo de certificação ambiental. Ou seja, a certificação não seria propriamente ambiental, mas também étnica, social e racial. Abre-se, então, um amplo espaço de atuação dessa ONG na vida das empresas, podendo fazer repercutir cada uma dessas questões nos valores de venda, por exemplo, do açúcar e do etanol. Ressalte-se, ainda, que a advertência da ONG Survival se junta, agora, à do selo ambiental da WWF, exibindo a junção desses dois processos. Tudo isto comparece acompanhado de questões propriamente ambientais, relativas ao manejo da água, conferindo, portanto, a tais ações uma aparência mais própria de conservação da natureza, em uma versão politicamente correta de modo a angariar a simpatia da opinião pública. Ou seja, a WWF surge, então, como uma ONG que estaria preocupada em garantir a "sustentabilidade futura da produção de açúcar e etanol"; isto também significa dizer que seu objetivo consiste em vir a fazer parte do modo de funcionamento das empresas do setor, tendo um imenso poder de barganha, presente na composição de seus preços de venda, sobretudo na área do mercado internacional. Ainda convém ressaltar que, na certificação ambiental, ela introduziria questões genéricas de "direitos humanos", provenientes de outras ONGs e das Pastorais da Igreja, como o CIMI e a CPT, que seguem, por sua vez, as orientações esquerdistas da Teologia da Libertação.

Ativistas do Greenpeace jogaram caminhão de esterco diante do prédio da Aneel e se acorrentaram ao portão em protesto contra licitação da usina de Belo Monte.

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Brasil precisa ampliar o monitoramento de suas fronteiras. Isso é fundamental para garantir a soberania nacional e combater ilícitos como o tráfico de drogas, o contrabando e a biopirataria. Para falar sobre este assunto, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira proferiu uma palestra na Associação Comercial de São Paulo. Generalde-Exército da reserva, ex-Comandante Militar da Amazônia e da Missão das Nações Unidas Para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH 2004/05), o general Heleno, como é mais conhecido, é um profundo conhecedor da Amazônia e das fronteiras brasileiras. Para ele, a solução exige a presença efetiva do Estado brasileiro nas regiões fronteiriças; ação policial e militar conjunta; solução para a insegurança jurídica e fundiária; uma política indigenista adequada; parceria com os vizinhos; e implantação de projetos de desenvolvimento sustentável. Leia a seguir os principais trechos da palestra. UM POODLE PARA GUARDAR A CASA? O tema "segurança das fronteiras e soberania nacional" está ganhando espaço no País. Recentemente, a TV Globo fez uma série de reportagens que revelaram a delicadeza da situação. Até então, fingia-se que o problema não existia. Eu o vivi ao longo dos meus 45 anos de serviço O primeiro passo para conhecermos sua realidade é o de examinar o cenário sul-americano à nossa volta. É imprudente supor que o Brasil, com seu potencial, não venha a enfrentar disputas ou antagonismos ao defender os seus legítimos interesses. Costumo fazer esta comparação: nós temos uma mansão, cada vez mais rica e poderosa; somos a sétima economia do mundo. Quem tem algo assim, sabe que precisa ser bem guardada. Não iremos fazer a segurança com um poodle, mas sim com um cão de guarda vigoroso, bem treinado, que imponha respeito. Por outro lado, se dermos uma olhada no mundo atual, vamos perceber que a ideia de soberania, que tem a ver com

Lenadro Moraes/Luz

nosso assunto, apresenta grande relatividade. Isto pode ser atestado por duas operações de envergadura, cujos propósitos podem ser lícitos e justificado, mas que expressam com clareza a relatividade referida. A primeira é a ação que resultou na morte de Bin Laden. Foi realizada em dois países – Afeganistão e Paquistão – independentes e à revelia deles. No caso, não interessa averiguar se se tratava de governo ditatorial ou não, até porque o Paquistão, onde se de seu a segunda incursão, é democrático e aliado dos Estados Unidos. Aliás, as intervenções no Iraque e no próprio Afeganistão também se deram à revelia del e s . N a C olômbia, a participação norte-americana, sob a motivação do narcotráfico, chegou a ser ostensiva. Nessa direção, a destruição ambiental, a imigração ilegal, o terrorismo internacional e a defesa de minorias étnicas foram, igualmente, motivações correlatas. OS OLHARES TORVOS DA COBIÇA Há, atualmente, uma ingerência palpável rondando nosso País, particularmente a propósito da Amazônia. E aqui vale lembrar uma distorção que salta à vista: a Amazônia não é entendida como parte do território brasileiro, mas uma espé-

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Gal. Augusto Heleno: é preciso a presença do Estado brasileiro nas regiões de fronteiras.


cie de país amigo que nada tem a ver conosco. Nesse sentido é possível reunir declarações interessantes, que vêm pipocando pelo mundo: "Seria interessante que o Brasil não privasse o mundo das riquezas naturais da Amazônia". Proposta do chanceler alemão, barão Oswald Richtföfen ao Barão de Rio Branco - Berlim, 1902. "A Amazônia é um patrimônio da Humanidade. A posse dessa imensa área pelo Brasil, Venezuela, Peru, Colômbia, Equador é meramente circunstancial". Conselho Mundial de Igrejas Cristãs - Genebra, 1981. "Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós". Albert Al Gore, ex-presidente dos Estados Unidos, 1989.

competentes." Mikhail Gorbachev, primeiroministro da ex-União Soviética, 1992 "Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios, suas fábricas". Margaret Thatcher, primeiro-ministro da Inglaterra, 1983. "A Amazônia e outras florestas tropicais do planeta deveriam ser consideradas bens públicos mundiais e submetidas à gestão coletiva - ou seja, gestão da comunidade Internacional". Pascal Lamy, presidente da OMC (ONU) 2005. Como se observa, não se trata de delírio dos nacionalistas fanáticos. As frases estão devidamente documentadas e registradas AS BRASAS SOB AS CINZAS

"O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia." François Mitterrand, presidente da França, 1989. "O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais

Equipe Digesto Econômico

Por outro lado, a América do Sul não é tranquila como muitos querem fazer crer. Temos contenciosos latentes relacionados com delimitação de fronteiras. Um deles se

O tema segurança das fronteiras e soberania nacional vem ganhando espaço na mídia, revelando a delicadeza da situação.

Patrícia Santos/AE

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Em relação aos recursos minerais, eu não acredito que hoje haja um contrabando de vulto, mas não tenho dúvidas que haja um levantamento preciso do que existe por parte de algumas potências mundiais. Alguns minerais são de dificílima extração, e por isso não foram extraídos até hoje.

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concentra em Essequibo, entre Venezuela e Guiana. Caso a primeira decida ocupar a área – que já aparece em mapas venezuelanos como área contestada e até como parte do território do país – o caminho mais adequado, embora exista a alternativa da selva, será a passagem pela Reserva Raposa Serra do Sol, devido a maior facilidade para a movimentação de blindados e de tropas. Na Colômbia, as Farc, embora relativamente combalidas, incomodam e têm ramificações no Equador e na Venezuela. A propósito, a Venezuela, comprovadamente tornou-se área de homizio, muitas vezes com complacência do governo venezuelano. No Peru, há o contencioso com o Equador na Serra do Condor, no qual, aliás, o Brasil entrou como mediador. O Sendero Luminoso está renascendo no país. A eleição de Ollanta Humala é uma incógnita para o futuro do Peru, pois se tratar de um político imprevisível, ideologicamente falando. Aliás, o Peru era um dos poucos países na América do Sul com um governo de centro-direita. Agora vai dar uma guinada para a esquerda. Humala jurou amor à Democracia, mas a experiência de Sierra Maestra pode questionar essas intenções. Além de alta dependência do gás boliviano, nós temos um problema sério na fronteira com a Bolívia: os 'brasivianos' – produtores na área de divisa. O presidente Evo Morales tem pode-

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res constitucionais para tirar esses brasileiros de lá. Nesse sentido, e preventivamente, nós fizemos vários exercícios quando eu era comandante militar da Amazônia, para dar acolhimento aos brasileiros, caso eles fossem expulsos de lá. Não o fizeram até agora porque esses brasileiros colaboram com o PIB boliviano. Na fronteira Peru e Chile também há um problema sério pendente. Ambos buscam um relacionamento mais amistoso há muito tempo. Entre o Paraguai e a Bolívia temos um contencioso da época da Guerra do Chaco, que não ficou bem resolvido; o Paraguai até hoje acha que venceu a guerra, mas a perdeu politicamente. Por nosso lado, na relação com o Paraguai, temos a questão dos 'brasiguaios', que é menos sério do que com os bolivianos, mas que traz preocupações por causa da usina de Itaipu. No sul do continente, o Brasil tem problemas fronteiriços com a Argentina. Recentemente a questão se destacou largamente atreladada a um debate sobre o protecionismo. Mais ao sul, Argentina e Chile têm diferenças na região do Canal de Beagle. BONS VIZINHOS, DROGAS À PARTE Portanto, sobrevivem vários contenciosos que de repente podem aflorar e dar motivação a situações mais belicosas. Obviamente, o destino


Rogério Uchôa/Diário do Pará/AE

do Brasil será o de ser participante ou mediador. Aliás, até para separar briga precisamos ser fortes. Não podemos esquecer que o Brasil é hoje considerado um país forte, com projeção mundial e deve estar preparado para esse papel. Nós temos um ótimo relacionamento com os vizinhos. Mas essa vantagem não elimina as graves questões das drogas e contrabando. Basta examinar o mapa. Lá em cima, temos certeza que Suriname é passagem de drogas exportadas pela Colômbia e de armas que vão para as Farc, que utiliza os caminhos fluviais das bacias do Solimões e Negro para trocar drogas por armas via Suriname. A Guiana é pródiga em contrabando. Nós, com nossa proverbial benevolência, fizemos uma ponte sobre o rio Tacutu, que facilitou enormemente o contrabando, antes feito de balsa. A Receita Federal não tem presença lá. Há um pelotão do Exército, que não tem condições de controlar a ponte dia e noite. A Venezuela, embora não seja exportadora de drogas, acaba preocupando pelo apoio que seu presidente dá às Farc. O Peru é o segundo maior produtor de cocaína do mundo, seguido de perto pela Bolívia. O Paraguai é grande produtor de maconha, além de ser base para contrabando e a pirataria. Hoje, qualquer cidade com mais de 20 mil habitantes tem uma "feiri-

nha do Paraguai". Trata-se de atividade mantida por esse tráfico de contrabando. Em resumo: nas fronteiras nós temos desafios que exigem providências relativas ao tráfico de drogas e armas; contrabando; biopirataria; extração ilegal de madeira e minério; tráfico de animais silvestres... Não é pouca coisa: só a biopirataria, que é a utilização ilegal da biodiversidade, envolve mais de trilhão de reais. O monitoramento das fronteiras brasileiras é uma tarefa inadiável. Nesse sentido, basta haver vontade política dos governos federal e estaduais. No tópico do tráfico, é inútil fazer uma operação eventual com duração de 15 dias, envolvendo as forças armadas. Isto é proporcionar férias coletivas aos traficantes. A vigilância tem que ser um trabalho permanente. Aliás, a Polícia Federal quer ir para a fronteira. Ocorre que não tem efetivo e nem recursos para tanto. São Gabriel da Cachoeira (AM) é exemplo desse cenário. Todo mundo sabe que a região é rota para o tráfico. Lá trabalham apenas dois policiais federais. Eles são deslocados para passar seis meses, ansiosos para que nada lhes aconteça. Se algo ocorrer, eles viram de costas. Ele querem passar seis meses e regressar. Esta situação alimenta a falta de comprometimento. Seria diferente com um tenente passando uma

No tópico do tráfico, é inútil fazer uma operação eventual com duração de 15 dias. Isto é proporcionar férias coletivas aos traficantes.

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temporada extensiva com a família, marcando uma presença permanente. Em toda a fronteira do Amazonas, quando eu era comandante militar da Amazônia, havia 16 agentes da Polícia Federal. Nem que fosse para distribuir santinho, 16 não eram suficientes, imagina para monitorar a fronteira!

lizado, com o aliciamento crescente das comunidades indígenas e dos ribeirinhos. Os criminosos são criativos nas suas variadas atividades. Existe, por exemplo, uma tribo peruana que coloca sua marca em madeira extraída do lado brasileiro, principalmente mogno, numa determinada época em que o rio enche mais. Eles fazem varadouros na Serra do Divisor, em território do Estado do Acre, pegam a madeira e rolam por varadouros que eles fazem na Serra do Divisor e lançam aquela madeira em águas internacionais. Ao bater nelas, a madeira fica legalizada, pois ela traz títulos de validação de um órgão peruano equivalente ao nosso Ibama. Manipulam a madeira roubada do Brasil.

OS SEGREDOS DA GRANDE FLORESTA E DO GRANDE LAGO Nossa grande barreira é a selva. Dos 16,8 mil km de fronteira, 11,5 mil km estão em área de selva. A divisa dos Estados Unidos com o México tem apenas 3,2 mil km – cinco vezes menos do que nós. E dois países não conseguem controlá-la. E convém lembrar o poderio norteamericano nesse aspecto. Por outro lado, os soldados que patrulham nossas fronteiras não entendem de drogas. Tenho 45 anos de serviços e nesse tempo vi apenas pacotes fechados de cocaína. Não consigo distinguir entre farinha de trigo, polvilho e cocaína. Na verdade, quem deve saber fazê-lo é a Polícia Federal. Uma patrulha militar existe para garantir soberania e integridade territorial, não para se envolver em delitos transfronteiriços. Deve proteger a ação dos órgãos e técnicos que combatem esses ilícitos. A rotina do combate é penosa. Imaginem um índio escondido na mata com uma mochila de cocaína, aguardando a hora propícia para cruzar um rio. Ele vê o barco-patrulha passar e sabe que ele voltará somente daqui a um mês naquele mundo de lonjuras. Terá todo o tempo do mundo para fazer o tráfico que quiser. Imaginem a fronteira seca na região de Capitán Bado, no Paraguai com Mato Grosso do Sul em plena selva. Por ali passa maconha diariamente – coisa de meia tonelada. Imagine a Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai. Tente fechá-la por uma semana para ver o que acontece. E ali passam os contrabandistas mais desorganizados. Os melhores estruturados, e espertos, utilizam o gigantesco lago de Itaipu. Trabalham matematicamente, com cálculos de correnteza. Soltam a balsa em um ponto e ela vai encostar exatamente em uma estradinha do outro lado, na qual já há um caminhão de soja ou café à espera. Os caminhos fluviais ganhariam importância depois que o Sipam/Sivam passou a dificultar as rotas aéreas. Os traficantes se valem da bacia do Solimões. Há uma passagem crítica em Tabatinga, que faz frente com Letícia, na Colômbia. Mais acima, na bacia do Rio Negro, que vem da famosa Cabeça do Cachorro, há outro ponto semelhante. Esse fluxo fluvial tem sido muito uti-

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E LÁ VÃO OS PIRATAS DA NATUREZA...

Em toda a fronteira do Amazonas, quando eu era comandante militar da Amazônia, havia 16 agentes da Polícia Federal. Nem que fosse para distribuir santinho, 16 não eram suficientes!

Hoje as Forças Armadas têm poder de polícia na faixa de fronteira. Portanto, não precisam de ato formal da Presidente da República para atuar, como ocorreu no Rio de Janeiro. Ali, as Forças Armadas podem investigar, revistar etc, enfim fazer operações vetadas em outros locais. Mas isso exige uma preparação específica da tropa, particularmente sobre condicionantes legais e procedimentos a adotar. As Forças Armadas, principalmente o Exército, estão intensificando a instrução de sargentos e oficiais no sentido de estarem até mais preparados do ponto de vista legal, para desempenhar aquele papel. Mas, repito: sem parceria, sem Polícia Federal, Ibama, Receita Federal, Incra etc., o resultado não será satisfatório. A triste evidência das fronteiras brasileiras é, no caso da Amazônia, a ausência ou a insuficiência do Estado brasileiro. O Estado brasileiro é o instrumento legal para normatizar, fiscalizar, reprimir e principalmente educar as populações que têm participações na vida da fronteira, para que elas entendam o que isso significa para o País este descalabro que está acontecendo. Em relação aos recursos minerais, eu não acredito que hoje haja um contrabando de vulto, mas não tenho dúvidas que haja um levantamento preciso do que existe por parte de algumas potências mundiais. Alguns minerais são de dificílima extração, e por isso não foram extraídos até hoje, pois a viabilidade econômica na Amazônia é pequena, mas futuramente vão passar a ser viáveis, não só pela evolução tecnológica, como pela exiguidade desses minerais no resto do mundo. Por isso, acho que está tudo levantado, bonitinho. Outro ponto é a biodiversidade, que se transforma em biopirataria, e isso é fato. Hoje, as pesquisas mais avançadas, feitas inclusive na Universidade de Manaus, são feitas por cientistas de


Clayton de Souza/AE

outros países, principalmente ligados à indústria de cosméticos e fármacos; apenas 25% dessas pesquisas são conduzidas por brasileiros. É o tipo da pesquisa altamente rentável, são grandes lucros com risco mínimo de perda. A INCRÍVEL BAGUNÇA FUNDIÁRIA A desordem fundiária é outro grande problema. Apenas 4% das terras da Amazônia têm títulos de propriedade válidos, 90% dos produtores rurais estão em situação irregular. A desordem fundiária é impressionante. Altamira tem três andares, isto é, terras com três títulos registrados em cartório, aparentemente legais. O ex-ministro Mangabeira Unger fez várias reuniões conosco quando estava fazendo a Estratégia Nacional de Defesa. Uma vez ele me perguntou se poderíamos ajudar a controlar essa desordem fundiária na Amazônia. Eu disse que sim, mas não apenas com caneta e prancheta, porque haveria muita reação e o pau poderia cantar por anos. O campo brasileiro é um caldeirão de insegurança jurídica. Ninguém sabe quem tem o quê. Se os milhões de brasileiros que se dedicam ao agronegócio não tiverem oportunidades econô-

micas legítimas, passarão a atuar em atividades que devastarão a floresta e a questão ambiental passará a ser um caso de polícia. Em um programa de entrevista na TV, o deputado Aldo Rebelo, relator do novo Código Florestal, citou nominalmente algumas ONGs patrocinadas por capital estrangeiro, que estão aí com o objetivo de não deixar o País crescer. Eles querem impedir a nossa exploração da energia nuclear e hidrelétrica. A proposta é a de fazermos energia eólica. Soa como brincadeira. Pode ser adequada na Dinamarca, mas num país com 8,5 milhões de km² não é. Estão nos impondo um ônus extremamente pesado e essa questão levanta alguns questionamentos. Qual foi o país ou região do mundo que se privou do seu desenvolvimento para manter o ambiente intocado? Os Estados Unidos derrubaram suas florestas e agora nos cabe preservar com esses exageros? Quero esclarecer que sou inteiramente a favor da preservação ambiental. É um absurdo desmatar indiscriminadamente. Mas sou contra privar o Brasil de crescer, em favor de utopias ambientalistas que querem torná-lo um grande jardim botânico. Isso não. Também acho que não devemos aceitar palpite. Discordo dessa iniciativa de vender

A política indigenista é lamentável, para não dizer caótica. A única preocupação é a de demarcar terras indígenas e não é isso o que eles desejam.

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Essa ideia de que índio quer viver numa redoma para virar estudo de antropólogo é enganosa. A comunidade não quer viver isolada, quer o progresso.

economia de carbono. Nós sabemos perfeitamente aquilo que temos de fazer. Acho o cúmulo permitir que estrangeiros deem palpites.

ciente. Mas é importante afirmar que a maioria delas é "pilantrópica". São utilizadas para atender interesse estrangeiros.

AS ONGS 'PILANTRÓPICAS'

ARCO E FLECHA SOBRE NOSSAS CABEÇAS

Nas fronteiras brasileiras vigora a lei do mais forte e do mais esperto. Há um fato marcante que exemplifica esse cenário. Os índios da região de Tabatinga (AM) criaram uma polícia. Trata-se da maior demonstração de incompetência do Estado, que leva uma etnia a organizar uma polícia, uma força paramilitar criada por ex-soldados do Exército e conseguir colocar ordem na casa. É o cúmulo!

Elza Fiúza/ABr

Estradas são outro dilema, pois ao mesmo tempo em que constituem um grande vetor de desenvolvimento, também se tornam instrumento para o ilícito, principalmente para o desmatamento. Por que o Amazonas está totalmente preservado? Porque praticamente não tem estrada. Podemos enumerar a ManausBoa Vista e a Manaus-Porto Velho, em planejamento. Sobrevivem pedaços da Transamazônica, pessimamente conservados e de difícil circulação. Caso seja asfaltada, exigirá fiscalização rigorosa, senão vira rodovia do ilícito. As ONGs são outro tema de discussão. Aparentemente não têm fins lucrativos e se declaram humanitárias. Há ONGs sérias, que fazem trabalhos altamente meritórios. Todas atuam no campo social, conforme norma legal e operam como instrumentos para terceirização do Estado, constituindo praticamente uma declaração do Estado que ele não é eficiente o sufi-

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A questão indígena é a questão mais séria da fronteira por uma razão: não há convergência de opiniões sobre a política indigenista. Há dois anos declarei, e houve grande repercussão, que a política indigenista era lamentável, para não dizer caótica. Repito: continua lamentável e caótica. A única preocupação é a de demarcar terras indígenas. Mas não é este o desejo da comunidade indígena. Posso provar. Promovo o encontro de, digamos, dez etnias diferentes. Pergunto ao tucháua (chefe da tribo) o que a sua comunidade quer. A primeira coisa que ele vai pedir é a energia elétrica. Em seguida, educação e saúde. Essa ideia de que índio quer viver numa redoma para virar estudo de antropólogo é enganosa. A comunidade não quer viver isolada, quer crescer e colocar seus filhos na escola, frequentar faculdade. Tive incontáveis demonstrações. E quando disse que a demarcação de terras indígenas era uma ameaça à soberania do País, eu estava lastreado nas visitas que fiz a essas comunidades. O problema não é o índio mas a política adotada que não lhe dá condição de ser um cidadão brasileiro. Nessa condição, a tendência é de os índios sejam aliciados pelo tráfico de droga, que morram de fome. Existe uma lenda que índio não passa fome. É uma fantasia. Eu vi a realidade na região da Cabeça do Cachorro. O Rio Negro, na parte alta, não tem peixe, afetando a alimentação das tribos. São 600 comunidades indígenas que passam fome e não têm médicos. Aliás, não têm nada. O que se pode esperar dessas comunidades? Que sejam exemplo para a humanidade? Um rápido olhar na faixa de fronteira indica uma possibilidade perigosa. Por exemplo, as terras dos ianomâmis, que engloba a parte oeste de Roraima até a Cabeça do Cachorro. Suponhamos que os ianomâmis, por influência estrangeira, resolvam criar um hino, uma bandeira e se declarem autônomos do Brasil? Teremos um problema sério, pois esse intervencionismo, que pode atuar em nome da defesa de minoria étnica, de repente declara que aquele território está separado do Brasil.


Repito: trata-se de algo sério para a segurança nacional, deve ser encarado como tal. É um crime fechar os olhos para esta situação. A propósito das demarcações, Hélio Jaguaribe anotou em um artigo. "A perpetuação de culturas nativas, em que se fundamenta, no Brasil, a política de reservas, carece de sentido, pois é impossível sustar o processo civilizatório. Criar um 'jardim antropológico', à semelhança de um jardim zoológico, é uma insensatez. Cabe ao governo federal zelar pela unidade do País, e não contribuir para autonomizar supostas nações indígenas que, no limite do caso, poderiam apelar para a ONU para lhes salvaguardar a independência e ser objeto de penetração estrangeira". É óbvio que isso pode acontecer, principalmente porque as terras indígenas estão sobre reservas minerais portentosas.

Atualmente, o País está investindo em uma tecnologia que tem sido objeto de reportagens: o Sistema Integrado de Monitoramento da Fronteira (Sisfron). Trata-se de um sistema muito sofisticado tecnologicamente, baseado em satélites, com o qual vamos ter condições de monitorar as fronteiras em tempo real. Ou seja: de imediato, Brasília tomará conhecimento de tudo o que está ocorrendo nas fronteiras, podendo intervir a qualquer momento. Outro item importante, se quisermos monitorar de fato nossa faixa de fronteira, é o redimensionamento do poder militar, policial e psicossocial. Insisto em um ponto essencial: a necessidade de atuação conjunta. Tenho coDida Sampaio/AE

OS NOVOS SATÉLITES VIGILANTES Uma nação precisa ter segurança e defesa compatíveis. No caso das nossas fronteiras, o componente militar deve assegurar dissuasão no sentido de desencorajar atitudes hostis ao País, associada à presença, pois dissuasão sem presença fica debilitada. E deve haver projeção de poder, pois toda estratégia militar é baseada nisso. A ação que resultou na morte do Osama bin Laden foi uma demonstração típica de projeção de poder. Os norte-americanos montaram uma força, que, utilizando helicópteros, cumpriu a missão e retornou – isso é projeção de poder! Existem propostas da Estratégia Nacional de Defesa com reflexos na segurança das fronteiras, relativos principalmente à priorização da Amazônia e da capacidade de pronta resposta das Forças Armadas. Define a Amazônia como foco de maior interesse para a Defesa; repudia, com atos de desenvolvimento e de defesa, qualquer tentativa de tutela sobre decisões do País a respeito de preservação, defesa e desenvolvimento da Amazônia. E o mais importante: está escrito na Estratégia Nacional de Defesa, algo que muita gente que fica sentada em Brasília não leu: a reafirmação de que quem cuida da Amazônia brasileira – a serviço da humanidade e de si mesmo – é o Brasil. O documento não fala que o Brasil é assessorado pela WWF ou pelo Greenpeace. Deixa claro que quem cuida da Amazônia é o Brasil, sem qualquer assessoramento.

nhecimento de órgãos que desejam atuar, mas que não têm efetivos ou recursos. Nesse tópico, é primordial a cooperação cerrada com a Polícia Federal, polícias estaduais, Ibama, Funai e Receita Federal. A partir daí, começaremos a ter resultados.

Está escrito na Estratégia Nacional de Defesa, algo que e muita gente que fica sentada em Brasília não leu: quem cuida da Amazônia é o Brasil.

CONCLUSÃO Monitorar as fronteiras é fundamental para o incremento da segurança pública e essa operação faz parte do conjunto de medidas que garantem a soberania do País. Isso exige a presença efetiva do Estado brasileiro; ação policial e militar conjunta, vigorosa e permanente; solução para a insegurança jurídica e fundiária; uma política indigenista adequada; parceria com os vizinhos; e implantação de projetos de desenvolvimento sustentável.

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Islã e capitalismo: amigos ou inimigos?

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esde a chegada ao aeroporto do Cairo compreende-se Guy Sorman Editor contribuinte porque o Egito não vive o Estado de Direito. O viado City Journal, jante desorientado fará a fila para mostrar seu passaautor de porte à alfândega; depois de uma longa espera ele "A Economia constatará que aguardou por nada, pois o alfandegário o enviará não Mente" e para outro guichê, na outra extremidade do aeroporto, para adoutros livros. quirir um visto de entrada. O preço oficial é de 15 libras; se você der uma nota de 20 libras, não espere troco; peça um recibo e não o obterá. Retorne então para refazer a fila e constatará que somente os estrangeiros permanecem em ordem: a maior parte dos egípcios fica em fila dupla; dirigem-se diretamente ao alfandegário, reclamam e conseguem um tratamento favorável. Os egípTradução: Domingos Zamagna cios importantes têm um assistente que lhes fura a fila, transgredindo regras inexistentes. Bem-vindo a um mundo caótico, mais caótico ainda depois em sua chegada em Marseille, ele entra num da revolução de 25 de janeiro: a polícia, execafé: o café, paixão compartilhada nos dois crada, desertou das ruas. A partir desta lados do Mediterrâneo. Mas um café em simples experiência qualquer observaMarseille, escreve Rifaa, tem pouco a ver dor há de entender porque é tão difícil com um café no Cairo. "Como fiquei ser empreendedor no mundo árabe: o surpreso", escreve Rifaa, "quando um indivíduo passa antes da lei. Uma perservente veio fazer minha comanda sonalização da lei que vai contra os sem que eu o solicitasse". Rifaa foi raprincípios de toda sociedade liberal. pidamente servido com um bom caEsta anedota do aeroporto do Cairo fé. Trazem-lhe a conta, com o preço nos remete ao começo do século 19. exatamente igual ao indicado na enEm 1829, o paxá do Egito, Mohamed trada do local. "Nada de barganha", Ali, enviou à França uma missão de rediz Rifaa. O caixa lhe restitui o troco conhecimento: um grupo de jovens exato. "Estou sonhando com o dia", príncipes pertencentes à classe dirigente conclui Rifaa, em que os cafés do Cairo foi encarregado de estudar como o exérciseguirão as mesmas regras previsíveis to francês tinha tão facilmente invadido e arque os cafés de Marseille". Desde este prirasado o Egito alguns anos antes. Esta invameiro passo sobre o solo francês, ele comsão, comandada por Bonaparte em 1799, repreendeu por que o Egito não era um país As reformas de Rifaa Al Tahtawi velara ao mundo árabe atordoado o seu atramoderno. Dois séculos mais tarde, os únicos modernizaram o Egito. so científico, econômico e militar. Os cafés egípcios que respeitam regras confiápríncipes egípcios, porém, se mostraram veis são Starbucks e MacDonald's. mais interessados na vida noturna parisiense do que nas ciências. Sendo o Egito uma nação árabe e muçulmana, deveríamos Mas eles estavam ciceroneados por um jovem imã muito sutil, Riacusar a civilização árabe ou a religião muçulmana de serem a faa Al Tahtawi. Rifaa, na mesma época, tinha quase a mesma idaorigem de uma economia sempre disfuncional? Rifaa tinha de de Alexis Tocqueville. Ambos escolheram viajar para o Oeste sua explicação: fervoroso muçulmano, ele considerava que o para explorar o futuro: a democracia para Tocqueville, a ciência Islã encarnava a Justiça e a França, a Ciência. Os egípcios depara Rifaa. Os dois reportaram por escrito suas descobertas, e torveriam pois associar Ciência francesa e Justiça muçulmana panar-se-iam influentes homens de Estado em seus países. ra se libertar da pobreza e se tornar tão modernos quanto os No começo de seu livro, L'or de Paris, Rifaa descreve como, ocidentais: tal ambição iria guiar toda a vida de Rifaa.

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Já na chegada ao aeroporto do Cairo, o viajante estrangeiro compreende porque o Egito não vive um Estado de Direito.

Retornando ao Egito depois de sete anos na França, ele se tornou conselheiro do paxá, o equivalente a um primeiroministro, durante vinte anos. A fim de reconciliar Islã e ciência, mandou traduzir para o árabe a maior parte das obras científicas francesas. Fundou os primeiros jornais árabes e, fato mais marcante ainda, abriu escolas para intérpretes e para as moças. A educação das moças, segundo Rifaa, era a chave de uma sociedade ao mesmo tempo moderna e piedosa: uma vez educadas, as moças poderiam trabalhar e ler o Alcorão. Rifaa era contra o véu, "não prescrito no Alcorão", e durante toda a sua carreira precisou enfrentar a hostilidade dos muçulmanos conservadores. As controversas, que ainda hoje dividem os muçulmanos moderados contra os fundamentalistas, já existiam. As reformas de Rifaa inauguraram a era da modernização no Egito e em todo o Oriente Médio. No fim do século 19, o Cairo, Damasco ou Istambul começaram a parecer cidades europeias, com eletricidade, equipamentos sanitários, universidades, jornais independentes. Por que esta "Renascença árabe" ou esta "Modernização turca" não permitiram aos países muçulmanos recuperar seu atraso em relação à Europa ocidental, como aconteceu, por exemplo, com o Japão? Dentre todas as hipóteses – religiosas, culturais, coloniais, políticas – sublinhamos a fraqueza das instituições públicas. O paxá do Egito, assim como os sultões otomanos de Istambul, estavam prontos para importar as ciências, a indústria, o equipamento militar, mas não a aceder a um Estado de Direito. Rifaa fracassou quando quis convencer o paxá a adotar uma constituição segundo o modelo francês, que teria limitado seu poder absoluto. O paxá opôs-se a Rifaa quanto ao Estado de

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Direito e é provavelmente por isso que o caos sempre reinou no aeroporto do Cairo. Isso explica também porque os líderes da Revolução em curso exigem uma verdadeira constituição. Por que foi preciso que Rifaa fosse procurar as ciências, o progresso e a modernidade na França de 1829? Por que o mundo muçulmano estava tão atrasado em relação à Europa cristã? Tudo somado, esse não foi o caso até o século 12: a civilização muçulmana parecia então mais esclarecida que a civilização ocidental. O economista Angus Maddison mostrou que até o século 12 a renda individual no Oriente Médio muçulmano era largamente superior à renda europeia. Que teria ocorrido para que se invertesse a hierarquia econômica entre os dois mundos? Os economistas contemporâneos têm dificuldades para encontrar as origens do que o historiador turco Timur Kuran chama de "A Longa Divergência". De um ponto de vista religioso, os muçulmanos parecem beneficiar-se de uma vantagem econômica: o Islã é a única religião fundada por um comerciante, e Mohamed era casado com uma mulher de negócios. Os árabes sempre foram comerciantes por tradição; o Alcorão não se cansa de elogiar os comerciantes prósperos e a acumulação de riquezas. A única obrigação sagrada para esses ricos empreendedores era a de pagar uma taxa de 10%, o Zakat, à comunidade, como contribuição à solidariedade coletiva. Os árabes do Alcorão eram comerciantes, liberados de toda culpabilidade como de imposição progressiva. Segundo o Alcorão, a propriedade privada é tão sagrada quanto as riquezas acumuladas. Semelhante elogio ao espírito de empreendedorismo está em contraposição total com o desprezo evangélico pela riqueza: na religião cristã, os pobres são os mais bem colocados para acederem ao Paraíso, contrariamente aos ricos e aos comerciantes (pense em Jesus açoitando os comerciantes do Templo), que são malditos. Os muçulmanos parecem


se beneficiar de uma vantagem decisiva. Isso é provavelGreif, era suficiente para distinguir o mundo ocidental indivimente verdadeiro até à virada do século 12: o nascimento do dualista do oriente comunitário. A cultura pode assim ser incapitalismo na Itália. terpretada como sendo o fator determinante do Estado de DiAvner Greif, economista em Stanford, descreveu, apoianreito no ocidente. As instituições ocidentais, do crédito à dedo-se em arquivos medievais de Gênova e do Cairo, o modo mocracia, são substitutos estabelecidos no lugar da família cocomo essa invenção do capitalismo inverteu as relações ecomunitária ou tribal, o liame racional entre os indivíduos nômicas entre o Oriente Médio e a Europa ocidental. No coocupando o lugar dos laços de sangue. meço do século 12 o comércio marítimo no Mediterrâneo era Na teoria de Greif, a cultura suplanta claramente a relidominado por dois grupos, as famílias de Gênova e os magião. Os genoveses eram mais herdeiros da cultura grecogrebianos baseados no Cairo, na prática judeus originários de romana que dos cristãos. Eles não esperaram tornar-se proBagdá. Esses magrebianos respeitavam tradições e leis áratestantes para descobrir a ética do capitalismo! A célebre bes; eram de religião teoria de Max WeSXC judaica e de cultura b e r, p u b l i c a d a n a árabe, como os asAlemanha em 1900, quenazes, da Idade que estabeleceu um Média ao Holocausvínculo entre as orito, que pertenciam à gens do capitalismo religião judaica e à e a ética protestante, cultural alemã. Greif é falsa. O mesmo demonstrou como no Max Weber escrevecurso do século 12 os rá mais tarde que os genoveses progressichineses jamais se vamente ultrapassatornariam empreenram os magrebianos, dedores pois eram graças à criação de confucionistas: novas instituições juigualmente falso! rídicas, como os banSendo a cultura cocos, as letras de câmmunitária judaica bio, as sociedades magrebiana comum anônimas. Em Gênocom a cultura árabe va o comércio se demuçulmana, podeOs árabes sempre foram comerciantes por tradição; o Alcorão não se senvolveu entre indise concluir que não é cansa de elogiar os comerciantes prósperos e a acumulação de riquezas. víduos, não entre coa fé que faz a diferenmunidades. Cada ça econômica: tudo qual se engajava por indica que a cultura um contrato assinado e emprestava não sobre a lei de suas oritem mais impacto que a religião. gens mas apresentando sólidas garantias. As grandes empreGreif traz ainda um começo de resposta à Longa Divergênsas de Gênova não eram mais familiares, mas corporativas: as cia entre os árabes e o ocidente. Pois esta hipótese cultural não sociedades anônimas assumiam todos os riscos. As redes maé suficiente. Por que os magrebianos, depois os árabes muçulgrebianas, por sua vez, permaneciam ancoradas sobre a somanos, não adotaram as novas instituições capitalistas, já que lidariedade familiar e comunitária. Por natureza, tais laços elas eram mais eficazes? Timur Kuran, de Duke, encontrou, eram fragmentários: se fossem desfeitos, não haveria nenão no Alcorão (ditado por Deus a Mohamed), mas na Sharia, nhum meio legal de os reatar. Os comerciantes genoveses tora fé muçulmana escrita pelos doutores da lei, uma explicação naram-se então capazes de acumular mais capital para consalternativa à Longa Divergência. tituir empresas mais arriscadas e mais rentáveis; os magreOs árabes do Oriente Médio, observa Timur Kuran, citam bianos desapareceram do mercado. frequentemente a colonização europeia como razão de sua poPor que os magrebianos não adotaram as instituições genobreza econômica. Os colonos europeus frearam efetivamente o vesas? Segundo Greif, essas instituições genovesas, capitalisdesenvolvimento árabe. Um exemplo significativo é a indústas e modernas, contradiziam os valores árabes. Na sociedade tria têxtil egípcia no século 19, que os britânicos destruíram imcristã e europeia de Gênova, ancoradas sobre um passado grepondo direitos alfandegários protecionistas. Mas anteriorco-romano, os indivíduos estavam ligados não pelo sangue mente, por que os árabes foram colonizados? A colonização, mas por contratos válidos, a começar pelo contrato de casadiz Kuran, foi a consequência e não a causa da fraqueza da ecomento. No oriente era o oposto, particularmente no mundo nomia árabe. A verdadeira origem da colonização começa pela árabe. Entre os magrebianos o indivíduo não existia fora da coLonga Divergência. Timur Kuran vê a origem desta Divergênmunidade. Nada se concluía fora da família. As mulheres macia na lei islâmica, a Sharia. grebianas não tinham nenhum direito, elas pertenciam aos Originariamente essa lei islâmica estava longe de ser hosseus maridos e suas famílias. O estatuto da mulher, observa til ao progresso. O Islã era favorável aos negócios e à justiça

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social; a Sharia tentou ligar ambos através de flexíveis relâmicos, somente sob uma nomenclatura diferente. gras de direito e facilitando a criação de obras de caridade, Uma outra prova convincente da importância das instituique existem até hoje, a Waqf . Antes da emergência do capições como origem da Longa Divergência é a comparação do destalismo ocidental, muitas instituições islâmicas se revelatino econômico de diferentes comunidades do Oriente Médio. ram bastante eficazes, como o bazar para facilitar as permuA cidade de Alexandria parece ser o melhor exemplo, pois seus tas, a arbitragem por peritos islâmicos, serviços sociais fihabitantes, pertencentes a uma vasta escala de culturas e relinanciados pela Zakat, ou as Capitulações, que permitiam giões, estavam autorizados a escolher o sistema legal com o qual aos otomanos escolher o sistema legal – islâmico ou não – eles poderiam empreender. Os que escolheram as leis ocidentais sob o qual seus negócios pessoais e econômicos seriam gedo capitalismo, dentre os quais certos comerciantes árabes, viridos. A Sharia tornou-se contraproducente, não porque ram aumentar rapidamente suas riquezas, contrariamente aos fosse antiliberal - não era este o caso - mas somente depois que permaneceram coagidos pela Sharia. que o modelo legal ocidental se revelou mais eficaz. Foi soKuran esclarece sem dúvida as origens históricas da Lonmente por contraste e a posteriori, por causa de transformaga Divergência. Mas, depois do fim do século 19, todos os ções progressivas em outros lugares, que a Sharia, como empreendedores muçulmanos tomaram empréstimos às num trunfo, se tornou um rol de desvantagens. O mais reinstituições do sistema capitalista ocidental. Como dizem velador destas desvantagens, segundo Timur Kuran, foi a os juristas muçulmanos, o capitalismo ocidental é "compaparceria islâmica, em contraste com as societível com a Sharia". Apesar dessa reconverdades anônimas. Segundo a Sharia, a parcesão legal, os muçulmanos permanecem gloria islâmica não é uma entidade legal. Desabalmente mais pobres que os ocidentais. Segundo a parece com a morte de um dos parceiros. Essa Existiria uma razão oculta para que os muSharia, todo dinheiro parceria efêmera, que se mostrou produtiva çulmanos, e entre eles os árabes em particudespendido para uma no século 10º, deixa de sê-lo no século 12: o lar, não alcancem o resto do mundo? Estamos obra de caridade é porte do mercado evoluiu, apareceram nosempre a esperar que ruja um Tigre econômivos e mais equipados concorrentes. Uma ouco árabe, comparável aos Tigres asiáticos. isento de taxa: uma tra lei islâmica, inicialmente cheia de boas inTalvez uma razão islâmica possa explicar esboa intenção, mas às tenções, tornou-se contraproducente: a lete torpor do mundo muçulmano: a lei da vezes desvirtuada por gislação sobre a herança. Como o Alcorão auapostasia. Segundo a Sharia, um muçulmano astuciosos toriza a poligamia, a Sharia autoriza que que rompe com o Islã torna-se um apóstata comerciantes após a morte do marido, seu patrimônio seja que pode ser punido de morte. Entretanto, o equitativamente dividido entre suas viúvas que será a apostasia? Os eruditos autoproclamuçulmanos, que e seus filhos. Tal medida é justa, mas pulvemados, bem como os imãs designados pelo criaram obras de riza o capital. A justiça social fundada sobre a governo, são totalmente livres na interpretacaridade para Sharia desfavorece a acumulação do capital, ção da Sharia. No Islã sunita não existe autoescapar dos impostos. como foi, contrariamente, a regra na Europa ridade teológica central. Somente no regime ocidental. Na lei romana que domina a Euroxiita teocrático do Irã é que se encontra autopa até o século 19, o filho mais velho herda o ridade teológica. Por isso, qualquer imã supatrimônio de seu pai. Do mesmo modo, a Waqf, uma vez nita pode pregar uma leitura extensiva da apostasia. Esta recelebrada, se revelou contraproducente. Segundo a Sharia, gra poderia dissuadir, (hipótese de Kuran), numerosos mutodo dinheiro despendido para uma obra de caridade é isençulmanos de inovar. O risco de apostasia pode ser consideto de taxa: uma boa intenção, mas às vezes desvirtuada por rado como um obstáculo ao empresariado. O que não é fácil astuciosos comerciantes muçulmanos que criaram obras de de ser provado; mas as sociedades muçulmanas talvez secaridade para escapar dos impostos. Esta fraude fiscal jusjam mais obcecadas pelo risco da inovação do que pela tentificada pela Sharia impediu as instituições públicas de tação de inovar. prosperarem como no ocidente. O Estado de Direito tem neIsso quanto às origens, mas em nosso tempo as causas pocessidade de um Estado mínimo que os reinos árabes e o imlíticas e ideológicas tomaram a dianteira das hipóteses cultupério otomano jamais foram capazes de construir, por falta rais e religiosas. de uma base fiscal estável. Além disso, o objeto social da O Alcorão e a Sharia não são suficientes para explicar por Waqf é válido eternamente, o que impede qualquer adaptaque as nações muçulmanas penam para superar o atraso. Pação a uma sociedade em movimento, tornando essas obras rece-me que a explicação se situa sobretudo na história mode caridade frequentemente inúteis. derna. Em quase todos os países árabes, é o governo – e não o A literatura econômica deu muita importância à proibição Islã – que se revela ser o pior inimigo do capitalismo. Nede juros sobre empréstimos pela Sharia: trata-se da mais citada nhum país árabe tem governo democrático. Poucos países contradição entre Islã e capitalismo. Mas na realidade ela não é muçulmanos não árabes são democracias. A Malásia e a Insignificativa. Os advogados da Sharia, desde o século 12, audonésia, ambas longe do mundo árabe, e fortemente influentorizaram "honorários" sobre os empréstimos, que contornam ciadas pelos valores asiáticos, são as mais próximas do Estaa interdição das taxas de juros. Ainda é assim até hoje: os bando de Direito e as mais próximas de alcançar o capitalismo cos islâmicos seguem as mesmas regras que os bancos não ismundial. É também o caso de um outro país muçulmano, mas

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não árabe, a Turquia, que se torna democrática e desenvolde capitalismo que domina o Oriente Médio muçulmano. Pavida. Os governos fortes, habitualmente despóticos, que dora o indivíduo, o mais curto caminho para a riqueza, do Marminam os árabes, não encontram nem sua origem nem sua rocos ao Paquistão, e para além, é ficar próximo da elite dilegitimidade no Islã, todos decorrem de guerras de descolorigente para obter um monopólio. Os lucros serão depois disnização dos anos 60. Todos emprestaram sua retórica naciotribuídos entre o empresário cortesão e os burocratas dirigennalista à ideologia ocidental. Vários deles emprestaram seu tes. O que se conhece sob o nome de economia de renda. Obter modelo econômico socialista ou estatal do ocidente e não da uma renda é mais lucrativo do que buscar a inovação num tradição islâmica. Convém recordar que todos os países muambiente concorrencial. A renda é mais atraente nos países çulmanos foram colonizados pelos europeus: os franceses, os dotados de importantes riquezas naturais como o petróleo e o britânicos, os holandeses, os russos. Esta colonização, que foi gás. Não somente a renda substitui a inovação, mas estes paíviolada, gerou sentimentos antiocidentais e anticapitalistas ses sofrem também do que os economistas chamam "a malque não desaparecedição dos recursos Dmitry Samodelov/SXC ram totalmente. naturais": nada inciA descolonização ta a trabalhar e a dipor sua vez não se versificar a econodeu sem choques. mia local. A única diEla gerou violentos versidade entre os enfrentamentos, até países árabes produmesmo guerras, cotores de petróleo e mo na Algéria. Esta gás se encontra na rehistória recente quadistribuição: reinos se sempre conduziu como os emirados do ao poder os militares golfo e o reino saudique se bateram pela ta tendem a redistriindependência. Nos buir mais que as repaíses em que o exérpúblicas - que de recito não detém legalpublicano têm apemente o poder, ele nas o nome – como a está bem próximo de Algéria ou a Líbia. governos fantoches, Por esta razão, os reiseja numa monarnos parecem resistir quia como o Marromais que as repúbliOs que escolheram as leis ocidentais do capitalismo, dentre os quais certos cos, seja numa repúcas quando são concomerciantes árabes, viram aumentar rapidamente suas riquezas. blica como o Egito frontados com as reou na Algéria. Esses voluções: eles são de governos "nacionaalguma forma mais listas" não estão dispostos a deixar os empreendedores livres legítimos, pois eles partilham uma parte de seus lucros. Asnem para estabelecer um Estado de Direito que limitaria seu sim, cada saudita ou kuaitiano tornou-se como quem de fato poder. Além disso, a independência foi conquistada numa vive de rendas, deixando pouco espaço ao espírito empreenépoca em que a União Soviética era influente e em que o sodedor. Com 13 mil dólares anuais de renda por habitante, os cialismo parecia o caminho mais rápido para a prosperidade. sauditas, que deixam os imigrantes trabalhar em seu lugar, Os governos árabes foram pois tentados a confiscar a proprievivem até bem. Mas jamais farão melhor que isso. dade privada, erradicar a burguesia empresarial, criar monoEsse capitalismo de compadrio se revela verdadeiro em topólios estatais. A tentação foi tanto maior quanto maior eram dos os níveis: no Egito, no Marrocos ou na Algéria, é possível os recursos naturais que podiam ser nacionalizados: petrótornar-se um grande empresário graças às relações com o poleo, gás, fosfato, cobre. Em nome da independência nacional der, ou um pequeno empresário graças à corrupção dos pequee da racionalização econômica, toda a riqueza podia ser connos burocratas. O Egito é um exemplo eloquente deste modelo. centrada nas mãos do exército e da burocracia dirigente. A Na cúpula, as assim chamadas privatizações transferiram, nos modesta cultura capitalista árabe que tinha florescido no anos 1990, os monopólios do Estado para o setor privado. Mas Oriente Médio, mesmo durante a colonização, foi arrasada a os novos empresários privados são em geral membros da fapartir dos anos 1960. mília do ex-presidente Mubarak, ou de oficiais superiores. Por Após a queda da União Soviética e depois que o socialismo baixo, o economista Hernando de Soto calculou o número de se revelou menos eficaz que o liberalismo, os governos árabes dias que são necessários para obter o direito de abrir uma pecomeçaram a redinamizar o mercado, mas sem abandonar toquena padaria no Cairo: quase dois anos. A cada etapa de destalmente sua autoridade tirânica. Desta tentativa de encongastante processo o aspirante a padeiro deve "molhar a mão" trar um compromisso originou-se o que os economistas desde um burocrata. Enfim, quando o negócio é aberto, o padeiro crevem como o "capitalismo de compadrio". Hoje, é a forma deve pagar à polícia local para ser protegido. Seja qual for o

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Mohamed Hossam/AFP

Não somente a renda substitui a inovação, mas estes países sofrem também do que os economistas chamam "a maldição dos recursos naturais": nada incita a trabalhar e a diversificar a economia local.

porte da empresa, o modelo é o mesmo. Ainda se ressente o fracasso de Rifaa em estabelecer um Estado de Direito no Egito, explicando o crescimento lento, o desemprego maciço e o vasto setor informal em que o egípcio médio luta para sobreviver. Além das normas políticas e burocráticas anti-capitalistas, os governos autocráticos produzem normas sociais que prejudicam o capitalismo. No Marrocos, pesquisas compararam os sistemas de gestão. O patrão marroquino tem um escritório maior, numerosos assistentes, secretários e motoristas. Quase sempre é autoritário: seu poder e os sinais de seu poder têm mais importância que os benefícios: ele imita o rei e sua corte. A influência do governo sobre o capitalismo é bem ilustrada pela história contemporânea da Turquia. No início do século 19, quando o sultão de Istambul, tal como o paxá egípcio, descobriu o atraso que tomou conta do império otomano, ele tentou importar a "ciência ocidental", isto é, as técnicas militares ocidentais, mas não as instituições. O império otomano soçobrava na pobreza, diz o economista turco Evket Pamuk, pois a preocupação dominante do sultão sempre foi a de prevenir a emergência de qualquer poder de oposição. O nascimento de uma burguesia ocidentalizada, fundada sobre o empresariado privado, era seu maior temor. "O Islã", adverte Evket Pamuk, nada nos ensina sobre o atraso otomano: "a obsessão do poder político entre os dirigentes de Istambul é uma explicação suficiente para compreender a economia otomana". Quando o império otomano se tornou a república turca em 1921, poucas coisas mudaram. O fundador da república, Mustafá Kemal, fascinado pelo modo italiano fascista então em voga (as Fraternidades Muçulmanas egípcias, fundadas em 1924, também copiaram a organização fascista), decidiu "que não existia espírito de empreendedorismo entre os turcos." Segundo Kemal, competia ao governo substituir o empreendedor ou escolher os que mereciam criar um novo empreendimento: uma nova burguesia de Estado. Sob o re-

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gime kemalista, que se converteu numa ditadura militar após a morte de Kemal (1938), a economia turca progrediu pouco, mas uma sólida rede de pequeno grupo de empresários se enriqueceu enormemente. Pamuk tem razão: o Islã não pode ser apontado como o responsável dos fracos resultados da economia turca, pois que a religião era fortemente reprimida pela nova república leiga. Sob o regime kemalista, nenhum cidadão abertamente muçulmano podia ter acesso a um posto importante na administração, no exército ou como empresário. A Turquia moderna só começou a prosperar quando um líder francamente muçulmano tomou o poder e liberou o mercado. O primeiro passo se deu em 1987 quando Turgut Özal, economista do Banco Mundial, atacou o déficit público e a inflação. Özal não era apenas um economista liberal, era um muçulmano devoto. Ele abriu as portas para a vitória eleitoral do partido muçulmano hoje no poder (AKP - Partido da Justiça e do Desenvolvimento) em 2002. Desde a chegada deste partido ao poder tem sido excepcional a transformação econômica da Turquia. O orçamento do Estado é equilibrado, os preços estáveis, reina o livre comércio, os monopólios do Estado e o "capitalismo de compadrio" foram severamente reprimidos.. O Estado de Direito na Turquia é imperfeito mas ele tem se aproximado dos critérios da União Europeia. A taxa de crescimento da Turquia tornou-se uma das mais elevadas do mundo, em média 8% ao ano, próxima dos recordes do Sudeste asiático. A renda média por habitante é mais elevada que a da Arábia Saudita... e a Turquia não tem petróleo. Podemos observar que atrás dessa história de sucesso encontra-se uma nova geração de empreendedores da parte anatólica do país. Esses empreendedores são muçulmanos devotos e conservadores, mas não extremistas; eles não são a favor da islamização da sociedade turca, o que aliás não seria tolerado nem pelos leigos de Istambul e nem pelo exército. Esses "Tigres da Anatólia" não cessam de nos surpreender, mal con-


Suhaib Salem/Reuters

As revoluções árabes começaram em janeiro de 2011 na Tunísia, seguida pelo Egito. As manifestações reuniram milhões de pessoas, sem medo da polícia e do exército.

seguimos explicar sua emergência como motor da modernidade turca. Quando se os interroga (têm seu próprio sindicato patronal muçulmano), os empreendedores da Anatólia insistem sobre os valores do trabalho e da família inerentes a sua religião. Outros invocam as tradições locais da Anatólia (encruzilhada entre a Ásia e a Europa na época do império otomano). Evdek Pamuk, ele mesmo um turco leigo, prefere se concentrar sobre fatores pragmáticos como o fraco nível dos salários na Anatólia, combinado com a proximidade de um vasto mercado europeu. A Turquia exporta hoje 25% da sua produção, contra 3% em 1980. Quaisquer que sejam as razões desta arrancada anatólica, o Islã talvez seja um fator neutro, mas certamente não será negativo. Não se pode negar que a posição favorável do Alcorão em relação ao comércio e ao empreendedorismo reforça o espírito liberal que hoje reina na Turquia. Acaso este modelo turco se estenderá aos seus vizinhos árabes? Em resposta a esta questão, as revoluções árabes da primavera de 2011 abrem um novo capítulo. As revoluções árabes começaram em janeiro de 2011 na Tunísia, seguida pelo Egito. As manifestações reuniram milhões de pessoas, sem medo da polícia e do exército. Depois de uma primeira tentativa de conter as multidões, que fez centenas de mortos nos dois países, o exército decidiu postar-se do lado dos manifestantes. O presidente tunisiano se exilou, o presidente egípcio foi denunciado por corrupção. Houve eleições livres, todos os partidos políticos foram autorizados a se apresentar, inclusive os partidos islâmicos até então proibidos, novas constituições serão redigidas. Estas revoluções tunisiana e egípcia sacudiram todo o mundo árabe. Todos os governos reagiram prometendo reformas democráticas. Somente os dirigentes da Líbia e da Síria entraram em guerra civil contra seus povos. Ainda é muito cedo para se saber qual será o porvir destas revolu-

ções. Mas elas já transformaram profundamente o mundo árabe e o que dele pensávamos saber. Acima de tudo, a centelha que incendiou o mundo árabe era totalmente inesperada. Desde há numerosos anos, os intelectuais árabes exigiam a democracia, o que ordinariamente os conduzia à cadeia ou ao exílio, sem nenhum impacto sobre os déspotas no poder. Ao mesmo tempo, os governos ocidentais sustentavam estes déspotas árabes como se eles fossem uma muralha contra o risco maior de um golpe de Estado islâmico. No coração do mundo árabe, o Egito recebeu um apoio particular, em troca da promessa do antigo presidente Mubarak de não entrar em guerra contra Israel. Em dezembro de 2010, um jovem tunisiano se imolou, incendiando-se, porque um policial confiscara sua carrocinha de frutas e legumes: Mohamed Bouaizizi tinha um diploma universitário, mas jamais obteve um emprego decente, o que acontece muitas vezes com jovens árabes letrados. Bouaizizi tentou ganhar a vida colhendo frutas e legumes. Não tinha se inscrito na burocracia local e não possuía documentos oficiais. Nem tinha molhado a mão da polícia local. O suicídio de Bouaizizi, morto alguns dias mais tarde, foi a gota d'água que fez o mundo árabe desabar na rua: milhões de árabes se identificaram com ele, um modesto microempresário. Ele faz recordar outro mártir, Jan Palach, estudante tcheco que se imolou, pelo fogo, em Praga, em 1969 e se tornou símbolo da revolução que iria destruir o império soviético. A frustração econômica foi claramente o ponto de partida das revoluções árabes. As multidões que fizeram despencar o déspota egípcio eram constituídas majoritariamente de estudantes das universidades do Cairo e de Alexandria, sem esperança de encontrar um trabalho, senão no exterior. A exigência de liberdades econômicas e direitos políticos foi o motor dessas revoluções. Podemos nos indagar qual a razão de ninguém, tanto nos

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Goran Tomasevic/Reuters

Desde há numerosos anos, os intelectuais árabes exigiam a democracia, o que ordinariamente os conduzia à cadeia ou ao exílio. O Egito recebeu um apoio particular, em troca da promessa do antigo presidente Mubarak de não entrar em guerra contra Israel.

governos árabes quanto nos governos ocidentais, ter antecipado essas revoluções. É que ninguém prestava a menor atenção a Bouaizizi e a seus pares. Toda a atenção estava concentrada sobre os líderes democráticos e sobretudo sobre os movimentos islâmicos interditados. Poucos islamólogos pensavam em revoluções democráticas, populares, não violentas. A polícia não consultava o Facebook: a rede social desempenhou um papel decisivo na mobilização dos rebeldes. Manifestações no Facebook já tinham sido tentadas no Egito, mas sem sucesso: no dia 25 de janeiro de 2011, porém, a movimentação foi possível graças à morte de Bouaizizi. Era impossível contrariar a combinação dos dois elementos. O que aconteceu com os movimentos islâmicos, como o das Fraternidades Muçulmanas, muito temidos no ocidente? Eles não deram início às revoluções, não as influenciaram, mas as alcançaram depois que elas deram provas de sucesso. No decurso dessas revoltas populares não foi proferido sequer um slogan islâmico, nenhum estandarte islâmico foi brandido e nem se viu queimarem bandeiras israelitas. Quando se realizarem as eleições, novas constituições serão redigidas, novos governos serão empossados, as organizações muçulmanas desempenharão um papel político; pode-se esperar que elas serão minoritárias e seu modelo será provavelmente mais a AKP turca do que a Al-Qaeda. A mensagem das revoluções árabes é clara: os árabes, muçulmanos ou não, homens e mulheres, não querem mais ficar à margem do resto do mundo. Os estudantes egípcios da Praça Tharir, no Cairo, disseram – em inglês e em francês – que eles queriam a democracia e a mundialização, não a islamização. Estes jovens são os filhos de Rifaa El Tahtawi, não são os herdeiros de El Banna, fundador das Fraternidades Muçulmanas, nem de Sayyid Qutb, o inspirador da Al-Qaeda. O ocidente de-

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ve revisar seus preconceitos sobre o mundo árabe. A "primavera árabe" de 2011 coloca um termo ao que Edward Said, professor palestino em Princeton, chamava "o orientalismo". O orientalismo é essa visão errada sobre os árabes, considerados como "diferentes". Ironia do destino, os únicos não orientalistas no ocidente eram os neoconservadores americanos, que sempre consideraram que o mundo muçulmano merecia a democracia e a prosperidade pelo capitalismo. A transição entre os antigos regimes autoritários e o Estado de Direito será caótica, porque em nenhum lugar o exército renunciará facilmente aos seus privilégios. O futuro econômico talvez seja mais previsível, porque quase todos os partidos políticos do mundo árabe se revelarão favoráveis ao liberalismo. Encontram-se ainda alguns partidos socialistas no Marrocos e na Tunísia, onde a influência francesa deixou suas digitais, mas tais partidos só são socialistas de nome. O verdadeiro socialismo tem má reputação entre as massas árabes: ele recorda o desastre econômico dos anos 1960, sob Nasser; e para o muçulmano piedoso é a ideologia ateia da ex-União Soviética. Isso não significa que o mundo árabe passará, de um dia para o outro, do "capitalismo de compadrio" a um verdadeiro liberalismo. A tendência, todavia, será claramente pró-liberal. As novas forças políticas, ateias ou não, estarão a favor de um mercado mais aberto, onde milhões de Bouaizizi poderão tornarse empreendedores, quando não será mais necessário esperar dois anos para abrir uma padaria no Cairo. No fim das contas, não se vê nenhuma razão cultural ou religiosa que proibiria a um café no Cairo de funcionar tão bem quanto um café em Marseille. Os muçulmanos não estão condenados pelo Islã a permanecerem na pobreza ou sob a tutela de déspotas: os muçulmanos foram vítimas de sua história, e não de sua fé.


Análise estratégica das revoltas nos países árabes

Danish Ismail/Reuters

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Paulo Pampolin/Hype

Quando os muçulmanos falam em liberdade, estão se referindo a outra coisa qualquer, jamais à liberdade individual.

Heitor de Paola

Esam Al-Fetori/Reuters

Médico, analista político e escritor

Esperar que movimentos islâmicos instaurassem a democracia e a liberdade equivale a esperar que uma passeata de prostitutas restaure a moralidade. Heitor de Paola

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U

m jornalista (sic) que se autodenomina 'especialista' em Oriente Médio contestou a afirmação que fiz no último artigo (ver em htt p://w ww.he itord epaol a.com /publ icacoes_materia.asp?id_artigo=2487) de que os planos da Al Qaeda seriam facilmente endossados, com mínimas discordâncias, pela Fraternidade Muçulmana e outros movimentos políticos, religiosos ou terroristas, pois segundo ele a Fraternidade não apoia grupos terroristas, nem tem vínculos com a Al Qaeda. Ora, um 'especialista' em Oriente Médio deve no mínimo entender alguma coisa de estratégia e saber que divergências táticas jamais impedi-

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ram alianças estratégicas. Dei a ele a resposta que coloquei em epígrafe ao lado. Como já adverti em artigos anteriores, as discussões diplomáticas e a avaliação estratégica dos países islâmicos não podem ser desenvolvidas com base em pré-concepções ocidentais exclusivamente judaico-cristãs, tais como democracia, liberdade, livre iniciativa, direitos trabalhistas e das minorias etc. Estes conceitos e estas crenças não pertencem ao universo mental, consequentemente à religião e nem à ideologia, islâmicas, totalmente baseadas na submissão a Allah e seu Profeta Mohamed, tal como prescrita no Alcorão, nos Haddithim e na Sunna. Aqueles conceitos só podem ser aplicados aos povos oci-


cathal McNaughton/Reuters

Um princípio fundamental do Islã é a al Taqiyya, o sagrado direito à fraude, de mentir em nome da maior glória de Allah.

dentais, nunca a quaisquer outros povos. Sejam hinduístas, xintoístas, budistas, animistas e outros todos os que falam em democracia o fazem dentro de parâmetros mentais totalmente diversos dos nossos, tornando as negociações numa conversa de surdos. Um conceito totalmente desconhecido fora do ocidente é o de liberdade individual. Quando se negocia com estes outros povos deve-se levar em consideração que, quando falam em liberdade, estão se referindo a outra coisa qualquer, jamais à liberdade individual, para nós o bem maior. Para os muçulmanos, então, esta é completamente desconhecida e mais ainda: desejá-la é uma heresia, um atentado contra a submissão corânica. Falta aos ocidentais o conhecimento de um princípio fundamental do Islã: al Taqiyya, o sagrado direito à fraude, de mentir em nome da maior glória de Allah. A falsidade para impedir as ofensas ao Islã, para se proteger, ou para promover a causa

do Islã é aceita e estimulada pelo Alcorão e pela Sunna, incluindo a mentira sob juramento perante uma corte. Um muçulmano está autorizado a negar ou denunciar sua própria fé se, ao fazer isto, ele estiver protegendo os interesses do Islã, desde que, em seu coração ele permaneça fiel. A Taqiyya vem sendo usada desde o século 7º para confundir e dividir o inimigo. É derivada dos antigos hábitos tribais beduínos (2). Embora muitos estudiosos advoguem que seja um hábito puramente xiita, na verdade é inerente ao Islã como um todo. Ibn Abbas comentava que "al-Taqiyya é uma expressão exclusivamente da língua, enquanto o coração permanece confortado com a fé". Significa que à língua é permitido expressar qualquer coisa, desde que o coração não seja afetado. Abd Ibn Hameed, sob a autoridade de al-Hassan, disse: "al-Taqiyya é permitida até o Dia do Juízo, somente então não poderá ser

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usado" (3). É exatamente este estratagema que permite dizer que o Islã é uma "religião de paz", enquanto matam mais dos que os comunistas e nazistas o fizeram (4). Origens dos distúrbios que afetam os países árabes (5)

Embora o jornalismo indiano esteja anos-luz à frente dos seus colegas brasileiros, divididos entre imbeciloides arrogantes e outros comprometidos com a expansão das forças globais que ameaçam a civilização ocidental, parece-me um pouco tarde para apenas desconfiar! Desde 18/02/2011 comecei uma série de artigos (Ignorância, mentiras e idiotices em relação aos distúrbios do Oriente Médio), seguido de outro para o Jornal Visão Judaica (O cerco a Israel), além de publicar textos de Donald Hank, Molares do Val, do site de Inteligência STRATFOR, de Ivanaldo Santos, e outros, onde esta ilusão de "movimento pela democracia" era mostrada com clareza e profundidade de análise como uma claríssima mentira inventada pelas potências ocidentais na defesa de seus próprios interesses.

A análise de Barry Rubin (Who Really Made Egypt's Revolution? The Story The Media Missed) mostra a especificidade do discurso que animou a chamada Khaled Desouki/AFP "primavera da Praça Tahir". Rubin não nega que alguns membros do movimento pediam eleições livres, o fim da ditadura de Mubarak e seus líderes visíveis genuinamente desejavam alguma forma de democracia e direitos humanos – mas não os direitos indiviOs fundamentos ideológicos duais. "Porém, os elementos bem da "Democracia" árabe organizados por trás das manifestações têm uma interpretação de Em 2008 o University of Maryland's democracia bastante diferente da Program on International Policy Attitudefinição ocidental deste conceito des, realizou uma pesquisa no Egito so(...) A ideia de que os inimigos dabre as preferências políticas do povo. quela ditadura são radicalmente Os resultados mostraram claramente o hostis ao ocidente e favoráveis aos que os egípcios entendem por demoIslã nem passa pela cabeça dos obcracia: embora 82% tenham se mostraservadores ocidentais". do a favor de algo que chamam "demoDo ponto de vista da maioria dos cracia", 73% apoiavam a aplicação mais militares egípcios e dos envolvidos na estrita da Lei Islâmica (Sharia). Destes, revolução, o Islã é a única resposta con68% defendem aplicação da Sharia patra a detestável ocidentalização dos ra regulamentar o comportamento mocostumes, com incremento da criminaral dos cidadãos; 64% defendem as puO ex-ditador egípcio Hosni Mubarak foi lidade e da injustiça. "Os militares nições tradicionais como apedrejadeposto em fevereiro deste ano. veem no Islã a resposta para os promento para adúlteras; 62% querem que blemas de identidade, justiça social o governo policie a vestimenta das mue estabilidade interna". Portanto, lheres e 59% apoiam o uso da Sharia coum Egito muçulmano é muito mais atraente do que o do ocimo a única Lei. Um ano antes, a mesma universidade conduziu dentalizado Mubarak, assim como o Xá era detestado no Irã e uma pesquisa de opinião no Egito, Marrocos, Paquistão e Indopor sua tentativa de modernização é que foi derrubado. Mesnésia. 60% responderam que a "democracia" era desejável para mo que não queiram um Estado dominado pela Fraternidade, seus países, mas 71% concordaram com a "estrita aplicação da eles estão abertos para uma maior influência da mesma nas reSharia em todos os países islâmicos''. Tais resultados sugerem gras religiosas, ao mesmo tempo em que existe um profundo que a ideia de democracia naquela região se restringe à reasentimento de ódio a Israel, à América e ao ocidente. lização de eleições sem incluir nem sombra de direitos inO noticiário sobre a "primavera árabe", a derrubada de ditadodividuais, exatamente o que temiam os Founding Fathers res e a imposição da democracia, dá mostras de refluir para as páquando aprovaram a Constituição Americana e as primeiginas centrais. Alguns, já começam a desconfiar que a tal primaras dez Emendas, o Bill of Rights. vera não passa de um inverno – ou inferno! Chinmaya R. GhaVejamos a situação como se apresenta em alguns desses rekhan publicou dia 22 de junho no The Hindu, um artigo intitupaíses. lado Is Arab Spring wishful thinking?, onde diz que "as expectativas Tunísia: Possivelmente a Tunísia é o único país norte-africano e esperanças engendradas pelos eventos na Tunísia e no Egito pacapaz de evoluir para uma forma realmente democrática de gorecem ter se mostrado baseadas apenas em wishful thinking e não verno que inclua alguns direitos individuais. Como aponta Bruce numa avaliação cuidadosa e acurada das características especíMaddy-Weitzman, quatro fatores são favoráveis: 1) uma entidaficas de cada país árabe e nos interesses de potências estrangeiras de nacional compacta e bem definida, com forte sentimento naque desejavam dirigir os acontecimentos numa determinada dicional e com tradição de economia de mercado e trocas com o exreção (...). Precisamos esperar para ver que rumo os acontecimenterior; 2) sofreu um processo de modernização importante, com tos vão tomar". A análise de Chinmaya R. Gharekhan abrange ouuma classe média culta, o banimento da poligamia e com a menor tros países da região, como Líbia, Síria, Iêmen e Bahrein. taxa de crescimento populacional de todo o mundo árabe; 3) a tra-

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Esam Al-Fetori/Reuters

Afastado Kadhafi, o que está cada vez mais difícil, o que farão com uma Líbia destruída? Quem reconstruirá a infraestrutura do país, senão empreiteiras ocidentais? Quem tomará conta do petróleo líbio?

dição de uma sociedade civil atuante; e 4) forças armadas de pequeno porte, não politizadas e que se recusaram a substituir o poder civil após a queda do governo ditatorial. Líbia: Por que os bombardeios da OTAN e dos EUA, alegadamente apenas para derrubar Kadhafi, estão destruindo sistematicamente toda a infraestrutura do país e matando civis? Afastado Kadhafi, o que está cada vez mais difícil, o que farão com uma Líbia destruída? Quem reconstruirá a infraestrutura do país, senão empreiteiras ocidentais? Quem tomará conta do petróleo líbio? Entre os revoltosos de Benghazi alguns portavam a velha bandeira dos tempos do Rei Ídris I, com quem era mais fácil para as grandes multinacionais petrolíferas negociarem vantajosamente, principalmente a italiana Ente Nazionale Idrocarburi (ENI). O fato é que podem estar enganados e entregar o poder para fanáticos muçulmanos, pois Ídris era o líder da Irmandade Senussi, uma seita anti-ocidental que pratica uma forma austera e conservadora do Islã e a estratégia pode sair um tiro pela culatra. Seu avô, Sayyid Muhammad ibn Ali as-Senussi, foi o fundador da religião inspirada nos Wahabismo dominante na Arábia Saudita. Além dos monarquistas e de uma minoria de supostamente democratas, outras duas facções podem ser identificadas no Libyan National Transitional Council (NTC): extremistas islâmicos, aliados dos monarquistas, que podem ser chamados de monarquitas-fundamentalistas, que almejam estabelecer um Estado Religioso e elementos até então ligados a Kadhafi que o abandonaram por oportunismo. Estudos franceses citados por John Rosenthal no Nationa Review em Al-Qaeda and the Libyan Rebellion mostram que membros do Libyan Islamic Fighting Group filiado à Al Qaeda constituem o principal pilar da insurreição, portanto a "coalizão militar da OTAN está apoiando terroristas islâmicos (...) É inegável que os rebeldes líbios que Washington apoia, há pouco tempo estavam matando soldados americanos no Iraque", onde foram recruta-

dos por Abdul-Hakim al-Hasadi, um ex-combatente no Afeganistão que foi preso pelos americanos em 2002 e solto na Líbia em 2008. Al-Hasadi é o comandante de uns mil homens nas cidades de Damah e Bin Jawad, no leste da Líbia (6). Quem leu meus artigos anteriores verá que estas não são novidades. Eu apenas acrescento que Barack Hussein Obama sabe perfeitamente disto e é de sua estratégia entregar o Oriente Médio aos jihadistas da Al Qaeda e aos fundamentalistas islâmicos. Egito: As autoridades militares provisórias do Egito, além de reabrirem a fronteira com a Faixa de Gaza sem consultar Israel nem denunciar oficialmente o acordo entre ambos, concederam licença de inscrição como partido político ao mais antigo movimento islâmico do país, a Fraternidade Muçulmana (fundada em 1928). Simultaneamente conseguiram organizar também um novo partido, Hizb al-Nour, de origem salafita. Nada menos que quatro partidos salafitas estão em processo de formação desde a queda de Mubarak. Mas com a formação estimulada pelos militares do Hizb al-Nour é a primeira vez que um grupo salafita aceita participar de eleições relativamente livres, pois, diferentemente do fingido núcleo islâmico central, eles e os wahhabitas aos quais muito se assemelham, se opõem claramente à ordem democrática e à elaboração de leis humanas não emanadas diretamente do Alcorão. Para estes grupos radicais que incluem jihadistas, a democracia é anti-islâmica porque é um sistema que permite aos homens se apoderarem do direito de fazer leis, exclusivo de Allah. Salafi é uma palavra árabe que significa sunitas seguidores da Salaf islâmica, que pode ser traduzida por "predecessores" ou "ancestrais": as três primeiras gerações islâmicas, os Sahaba (companheiros de Mohammed), os Tabi'un (seguidores) e os Tabi' al-Tabi'in (os que vieram imediatamente depois dos seguidores), que são exemplares de como o Islã deve ser praticado através de uma interpretação estrita da Escritura.

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Sharia versus secularismo Assim, também são os wahhabitas, seita sunita predominante na Arábia Saudita, seguidores de Muhammad ibn Abd-alOs especialistas árabes discutem há muito se alguns prinWahhab, que preconizava no século 18 purgar o Islã de todas as cípios democráticos poderiam ser introduzidos num sistema inovações surgidas nos últimos séculos, consideradas heréticas. islâmico baseado na Sharia (8) e, se isto for viável, qual a meTeoricamente, a aceitação de uma limitada democracia por lhor forma de fazê-lo. Muitos defendem que a introdução da parte dos salafitas significaria um passo muito grande rumo lei islâmica com mais vigor seria vital nas autocracias árabes, à democratização do Islã. No entanto, analistas conhecedoequivaleria ao nosso rule of Law limitando a ação dos autores das intricadas relações entre grupos políticos egípcios, cratas na medida em que tais regimes não seguem lei alguma, acreditam que seja uma jogada dos militares para impedir a a não ser a prática ditatorial personalista. Para os que pensam quase certa maioria da Fraternidade em eleições gerais, aliaassim, o chamado da Sharia não seria um apelo ao sexismo, o da aos jihadistas do Al Qaeda e outros grupos. Opondo dois obscurantismo ou às punições selvagens. Outros como Abpoderosos grupos ultraconservadores estariam pretendendullahi Ahmed An-Na'im, Professor de Direito na Emory do assumir o papel do fiel da balança e, se possível, a eterniUniversity, consideram que o governo secular seria a melhor zação no poder como uma espécie de "poder moderador". forma de usar o poder coercitivo da Sharia como lei do Estado Tais mudanças aparentemente são temidas pela Arábia Saue não religiosa. As opiniões variam quanto a qual a melhor dita, acossada pelas potências xiitas do Golfo Pérsico, prinforma de balancear a lei islâmica com a lei secular. De maneira cipalmente o Irã e as maiorias no Iraque e Bahrein – além das geral existem três formas principais usadas pelos países islâminorias xiitas dentro de suas fronteiras, cada vez mais fortes micos: o duplo Sistema Legal, o Governo de Deus e os comna franja petroleira do Golfo, no Iêmen e nos Emirados. Ocorpletamente seculares. re que existem salafitas em seu território exiDuplo sistema legal: A maioria segue um gindo mudanças desde 1990 sem sucesso e duplo sistema legal, no qual o governo é secuseu crescimento poderia desestabilizar a "ilha Os alawitas lar, mas os muçulmanos podem escolher lede tranquilidade" em que vivem os sauditas existem há mais var as disputas familiares e financeiras a trisob mãos de ferro de seus 7.000 príncipes. bunais baseados na Sharia. O limite entre amSíria: Este país de maioria sunita é controde mil anos, bos é extremamente variável de país para lado por um exército alawita, um dos ramos predominantemente país. O único que segue estritamente este mais radicais da facção xiita do Islã o que imnas montanhas princípio é o Qatar. Em outros países, como plica numa situação inusitada entre os países Jabal al-Nusayriyah Nigéria e Quênia, as disputas quase sempre árabes. Os alawitas existem há mais de mil no noroeste da Síria, resolvidas pelos tribunais religiosos incluem anos, predominantemente nas montanhas Jacasamento, divórcio, problemas de herança e bal al-Nusayriyah no noroeste da Síria, consticonstituindo uma guarda das crianças. Na Tanzânia existe uma tuindo uma população de 1,6 milhão ou 13% população de 1,6 variante: a decisão por qual corte deve ser da população do país. Os demais 600 mil dismilhão ou 13% da usada depende da tradição ancestral dos contribuem-se pela Turquia e Líbano. Praticam população do país. tendores. O Líbano e a Indonésia têm jurisdiuma religião sincrética e esotérica, que mistura ções mistas baseadas nos resíduos do sistema o Islã com tradições religiosas babilônias, helegal colonial suplementados pela Sharia. lênicas, persas e cristãs. Embora seu nome deO governo de Deus: Predominante em todos os países onde rive de Ali, genro do Profeta, são considerados hereges pelos o Islã é a religião constitucional, a Sharia é considerada como a sunitas em função deste sincretismo. Não possuem mesquitas única fonte da Lei por ser a Lei que emana de Deus através do e as reuniões religiosas se dão nas casas dos fiéis. Alcorão transmitido pelo Profeta Mohamed. Seguem este prinPois é deste povo que são constituídas as forças militares, cípio a Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Iêmen e Emirados Árafirmemente controladas pelos Assad e por eles protegido. Isbes Unidos. No Paquistão, Egito, Irã e Iraque é proibido aprovar to reduz em muito as possibilidades de pressão militar pela leis contrárias ao Islã. A interpretação mais estrita é seguida pela queda de Assad, diferentemente da Tunísia e do Egito, apesar Arábia Saudita, onde existe uma polícia religiosa que pode reda presença de alguns comandantes sunitas recentemente vistar as mulheres, estas não podem dirigir carros, nem sair sem promovidos. A terra natal dos Assad, Kardaha, fica em pleser acompanhada por um homem – marido, irmão ou filho – e nas montanhas alawitas. Mas estes não constituem uma redevem se mostrar completamente cobertas em público. Já nos ligião homogênea, são divididos em várias tribos e quatro raEmirados as bebidas alcoólicas são toleradas e existem jurisdimos de sub-seitas que não se entendem entre si. Isto pode leções especiais para não muçulmanos. var a uma luta interna que enfraqueça o exército e o poder de Totalmente seculares: Azerbaijão, Tadjiquistão, Chade, Assad. As diversas facções se uniram para apoiar Hafez AsSomália e Senegal. A Turquia é um caso à parte. O secularissad que os protegia dos levantes sunitas, como os que ocormo foi imposto pela Revolução de 1923-4 comandada por reram na década de 1970. Desde então a sorte de toda a coMustafá Kemal Atatürk, com a abolição do Sultanato e do Camunidade está inseparavelmente ligada ao clã Assad. Porém lifado, reconhecimento de direitos iguais de homens e mupodem ser confrontados agora com a necessidade de tomar lheres, reforma das vestimentas tradicionais, abolição de tíoutras decisões. Tudo depende da medida em que sejam restulos e do dízimo, adoção do calendário internacional. Mas peitados e legitimados por outras forças (7).

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Mike Nelson/AE

Predominante em todos os países onde o Islã é a religião constitucional, a Sharia é considerada como a única fonte da Lei por ser a Lei que emana de Deus através do Alcorão, transmitido pelo Profeta Mohamed.

principalmente a abolição da lei canônica, a instituição de um código civil e unificação da educação para todos. Estas mudanças são garantidas pelos militares, que têm a missão constitucional de impedir que a lei islâmica substitua a civil e o estabelecimento de uma teocracia. Na atualidade o Partido do Desenvolvimento e Justiça Islâmico, do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, ameaça a adoção de leis islâmicas. No entanto, segundo conhecedores profundos do país, mesmo ocorrendo a diminuição do poder dos militares, dificilmente haverá um retorno ao passado, pois diferentemente de outros países, não somente os mecanismos democráticos, mas também os direitos individuais e o rule of Law ocidental já estão entranhados na mentalidade dos turcos. CONCLUSÕES Conforme as informações aqui esboçadas e a opinião de especialistas no assunto, podemos concluir que:

(1) Este texto reúne as Partes IV das séries Subsídios para entender o

Islam e Ignorâncias, Mentiras e Idiotices em Relação aos Distúrbios do Oriente Médio publicadas em meu site www.heitordepaola.com e no Mídia Sem Máscara www.midiasemmascara.com.br (2) Ver mais detalhes em http://www.islam-watch.org/Warner/ Taqiyya-Islamic-Principle-Lying-for-Allah.htm (3) Ver outras referências e comentários em http://www.alislam.org/encyclopedia/chapter6b/1.html (4) Embora não esteja no escopo deste artigo, é este estratagema mentiroso que permitiu que um muçulmano nascido no Quênia fosse eleito Presidente dos Estados Unidos e continue mentindo com a maior cara de pau, porém mantendo inabalável a crença em seu coração! Voltarei a este tema em breve. (5) Uma boa cobertura cronológica, país a país, pode ser consultada

1 - O Islã é incompatível com qualquer noção de liberdade individual e, portanto é improvável, senão impossível, o estabelecimento de um regime semelhante às democracias ocidentais 2 - Os que exultam com o surgimento de tal regime como resultado das revoltas em andamento se baseiam muito mais em wishful thinking do que numa avaliação acurada das condições reais. 3 - Pode-se esperar em alguns países, como a Tunísia, um regime baseado em eleições gerais que simulem uma democracia. 4 - Mesmo nestes países há possibilidade de que eleições levem a um regime autoritário, como ocorreu no Egito com a queda da monarquia em 1956, ou o estabelecimento de partidos únicos controlados pelo clero, ou teocracias como o Irã. 5 - Emborapossahaveroestabelecimentodeumaconstituição que preveja eleições periódicas e multipartidarismo, é extremamente dubitável que isto ocorra na prática. De maneira geral os observadores ocidentais da mainstream media se conformam com documentos pomposos que jamais serão seguidos.

no Washington Post Foreign Policy neste link http://www.washingtonpost.com/wp-srv/special/world/middleeast-protests/ (6) Mais sobre al-Hasadi em http://pajamasmedia.com/blog/rebelcommander-in-libya-fought-against-u-s-in-afghanistan/, http://www.weeklystandard.com/blogs/unknownlibya_555447.html, http://www.ilsole24ore.biz/art/notizie/201103-21/reportage-ribelli-islamici-tolleranti231527.shtml?uuid=Aa6nhTID (7) Para mais detalhes ver http://www.huffingtonpost.com/dr-josefolmert/bashar-assad-the-alawite-_b_853355.html (8) Para Shari'a ver ainda http://www.heitordepaola.com/ publicacoes_materia.asp?id_artigo=1937, http://www.jihadwatch.org/2011/03/the-sharia-catechism.html

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Arestides Baptista/Ag. A Tarde/AE

Dida Sampaio/AE

Fontes alternativas de energia: são adequadas apenas para abastecimentos pontuais e localizados.

ENERGIAS ALTERNATIVAS:

EQUÍVOCOS E FATOS Geraldo Luís Lino

Divulgação

Geólogo, diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e autor do livro A fraude do aquecimento global: como um fenômeno natural foi convertido numa falsa emergência mundial (Capax Dei, 2009).Este artigo foi originalmente publicado no site Mídia@Mais (www.midiaamais.com.br)

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T

oda a discussão sobre as chamadas energias alternativas, às vezes também denominadas renováveis, tem sido prejudicada por dois equívocos fundamentais. O primeiro é que, a despeito de todas as projeções otimistas sobre elas (geralmente oriundas de grupos ambientalistas motivados ideologicamente), é tecnológica e economicamente inviável se abastecer em grande escala sociedades urbanizadas e industrializadas com tais fontes energéticas - eólica, solar, biomassa, geotérmica, maremotriz e outras. Estas são adequadas apenas para abastecimentos pontuais e localizados ou, no máximo, para complementar em pequena escala as fontes convencionais de geração de eletricidade, responsáveis pela chamada geração de base - usinas termelétricas a carvão, gás ou óleo combustível ou diesel, termelétricas nucleares e hidrelétricas.


Luciano Andrade/AE

O segundo é o fato de que a sua principal motivação, a suposta necessidade de se reduzir o uso de combustíveis fósseis - carvão mineral, petróleo e gás natural -, devido à alegada influência das emissões de carbono sobre as temperaturas atmosféricas e oceânicas, simplesmente, não tem fundamento científico, apesar de todo o alarido a respeito. Possivelmente, as fontes tradicionais de geração elétrica não estariam sendo questionadas na proporção atual, se a ideologia ambientalista e o conjunto de interesses políticos, econômicos, acadêmicos, midiáticos etc., que sustentam o movimento ambientalista internacional, não tivessem atingido a enorme influência obtida nas últimas décadas. Como muitos estudos independentes têm demonstrado, esse empenho tem muito pouco a ver com preocupações legítimas com a compatibilização das atividades humanas com requisitos racionais de proteção do meio ambiente, e muito mais com uma agenda de múltiplos interesses restritos, cujo objetivo central é obstaculizar a industrialização mundial e a ascensão das sociedades em desenvolvimento a níveis de bem estar social mais próximos dos atingidos pelas nações mais avançadas (além de aproveitar as oportunidades econômicas e financeiras

criadas pelo ambientalismo). A virtual histeria global sobre as mudanças climáticas representa o estágio mais avançado e audacioso desse processo, que ganhou vida própria e, simplesmente, desconsidera a inexistência de quaisquer evidências científicas concretas que permitam atribuir à ação humana as variações de temperaturas, níveis do mar, cobertura de neve e gelo e outras, observadas após a Revolução Industrial do século 18. Se a irracionalidade ambientalista não fosse tão prevalecente, a Humanidade como um todo estaria celebrando a ampla disponibilidade de combustíveis fósseis, para levar as comodidades proporcionadas pela eletricidade a todos os povos do planeta. O carvão mineral, o combustível mais usado e "democraticamente" distribuído pelo mundo, tem reservas para mais de um século, aos níveis de consumo atuais. As reservas de gás natural estão se multiplicando rapidamente, com a introdução da promissora tecnologia de exploração de gás de folhelhos (shale gas, em inglês). E a nova fronteira exploratória das águas oceânicas profundas oferece perspectivas igualmente promissoras, tanto para o gás natural como para o petróleo, como demonstra a descoberta da camada présal da costa brasileira.

Apesar dos acidentes de Chernobyl e Fukushima, a energia nuclear detém um sólido histórico de confiabilidade e segurança.

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Jonne Roriz/AE

Da mesma forma, não se estariam criando absurdos obstáculos à construção de usinas hidrelétricas, como obrigar a redução dos seus reservatórios (uma das poucas formas de se "armazenar" energia, sob a forma de água), e promovendo campanhas histéricas contra a energia nuclear, que, mesmo com os acidentes de Chernobyl e Fukushima, ainda detém um sólido histórico de confiabilidade e segurança. Apesar de serem tecnologias em uso comercial há mais de um século, ainda existem mais de 1,5 bilhão de habitantes do globo sem acesso à eletricidade e aos

É ilusório imaginar que as fontes alternativas vão suprir a necessária expansão em geração de energia elétrica.

Agliberto Lima/DC

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combustíveis modernos, principalmente, na África Subsaariana, Ásia, América Latina e Caribe. Grande parte deles é obrigada a recorrer a combustíveis como a lenha e o esterco, os mais primitivos conhecidos pelo homem, para as suas necessidades básicas diárias. Nesses países, estima-se que ocorram cerca de 2 milhões de mortes anuais, principalmente de crianças, causadas por doenças pulmonares e cardiovasculares relacionadas à inalação dos gases tóxicos emanados da queima daqueles combustíveis precários. O consumo per capita de eletricidade é, reconhecidamente, um dos melhores indicadores de bem estar social. O quadro acima, baseado em dados da Agência Internacional de Energia, proporciona uma rápida apreciação dos níveis de consumo das diversas regiões do planeta (2006). Esses números evidenciam que qualquer esforço sério de modernização econômica em escala global, nas décadas vindouras, terá que considerar, minimamente, uma elevação da média mundial de consumo para algo próximo dos níveis atuais dos países da antiga União Soviética. Isto implica em


Por isso, é ilusório imaginar que a necessária expansão da geração elétrica em âmbito global, que se antevê para as próximas décadas, poderá se basear em tais fontes. Ironicamente, como não servem para a geração de base, uma ampliação da geração eólica e solar, na escala proposta por certos ambientalistas desinformados, acabaria exigindo um aumento da capacidade de geração de base pelas fontes tradicionais, uma vez que os grandes centros urbanos e industriais não poderiam ficar na dependência de fornecimentos instáveis. Em suma, é facilmente perceptível que, salvo por alguma revolução tecnológica que não está à vista, pelo menos até a segunda metade do século, a geração de eletricidade em grande escala terá que se basear, predominantemente, nas fontes tradicionais atuais. Qualquer sugestão em contrário implicaria um virtual "congelamento" do desenvolvimento socioeconômico mundial em níveis pouco diferentes dos atuais, marcados por uma descabida desigualdade entre os países mais desenvolvidos e "eletrificados" e os menos desenvolvidos, nos quais os benefícios da eletricidade ainda são luxos para grande parte de suas populações. Além de moralmente inaceitável, tal perspectiva é científica e tecnologicamente injustificável, além de representar um inconcebível retrocesso civilizatório.

A geração de eletricidade em grande escala terá de se basear, predominantemente, em fontes tradicionais.

Divulgação/Edgar de Souza

multiplicar os níveis da América Latina pelo menos por um fator de 2-3 e os da África e Ásia, por um fator de 4-5. A tendência de aumento do consumo energético no setor em desenvolvimento já se manifesta. Em 2008, pela primeira vez, o consumo de energia (em todas as suas formas) dos países em desenvolvimento superou o dos desenvolvidos, e tudo indica que este impulso deverá se manter. Quanto às fontes de geração elétrica, os combustíveis fósseis respondem por cerca de 65% do total, com as hidrelétricas e nucleares praticamente empatadas, cada qual com cerca de 17%, sobrando pouco mais de 1% para a biomassa e as fontes eólicas, solares, geotérmicas e maremotrizes - as "alternativas". Por sua vez, estas últimas padecem de limitações técnicas insolúveis, que as inviabilizam para algo mais que a condição de fontes complementares às tradicionais. Os aerogeradores só funcionam quando há ventos constantes entre certos limites de velocidade, nem muito fracos nem muito fortes. Centrais solares não funcionam à noite ou em tempo nublado. Usinas geotérmicas e maremotrizes dependem da existência de "pontos quentes" a profundidades não muito grandes na crosta terrestre e de marés de grande amplitude ambas, condições pouco comuns.

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Lições da longa e dolorosa convivência com a inflação Newton Santos/Hype

Ulisses Ruiz de Gamboa Economista da Associação Comercial de São Paulo

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filósofo alemão Hegel acreditava que o estudo da história da filosofia se fazia inútil, ao ser realizado sobre "ruínas" de equivocadas ideias anteriores. De certa forma, quem percorrer, com deleite, as quase quinhentas páginas do livro "Saga Brasileira: A Longa Luta de um Povo por sua Moeda" da jornalista Miriam Leitão (Editora Record, 2011), se defrontará com um relato de "escombros" produzidos pelos vários planos de combate à inflação implementados no Brasil entre 1986 e 1994. Contudo, esses "escombros" resgatam importante memória da história recente da economia brasileira e são fundamentais, principalmente para as novas gerações, pois representam um manancial de aprendizado da longa e dolorosa convivência com uma inflação, que parecia resistir a tudo, e cuja taxa acumulada durante esse período chega ao espantoso número de 13.342.346.717.617,70%. Longe de ser tedioso, o livro relata não só os bastidores dos diferentes planos e o contexto econômico, político e social em que se vivia, como também, e aí está a grande novidade, traz relatos de como pessoas comuns, uma professora ou um confeiteiro, por exemplo, conseguiam conviver com uma inflação descontrolada e adaptar-se às várias mudanças, na maioria das vezes traumáticas, como o confisco do Plano Collor, produzidas pelas sucessivas tentativas de estabilização da moeda. Essa nova abordagem está em linha com o moderno estudo da história, que, diferentemente do enfoque tipicamente marxista, mostra que os acontecimentos do devir histórico dependem, em última instância, não de uma força incorpórea que busca incessantemente um sentido teleológico, ideia originalmente acalentada pelo próprio Hegel, mas da ação individual. Nesse sentido, de forma lúcida, a jornalista conclui que se a

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inflação foi uma escolha, embora equivocada, por parte da sociedade, esta aprendeu ao longo do tempo que a estabilidade de preços é um valor que merece ser defendido, o que muitas vezes exigiu grande sacrifício. Em tempos de aguda desvalorização da imagem de nossos homens públicos é reconfortante constatar a partir do relato que, durante grande parte dessa longa jornada, em que reinava o mais absoluto descontrole fiscal e monetário, um pequeno conjunto de servidores públicos, verdadeiramente comprometidos com o bem estar da nação e a governabilidade, resistia como uma ilha de ética e racionalidade, esboçando um conjunto de reformas que posteriormente viria a fazer parte do arcabouço atual da economia. Em termos de política econômica, a narrativa permite extrair cinco lições relevantes. A primeira delas é a importância do equilíbrio das contas públicas para o controle da inflação. Justamente a não consideração dessa causa básica, num contexto em que o País vivia com quatro orçamentos públicos independentes e aparentemente sem limites, condenou o Plano Cruzado ao fracasso desde seu momento inicial. Essa lição se reveste de aguda importância num momento em que a autoridade econômica parece hesitante em praticar uma política de gastos públicos realmente austera, baseando o equilíbrio fiscal nos aumentos de arrecadação tributária. A segunda lição, derivada diretamente do Plano Bresser, é a impossibilidade de ter, simultaneamente, inflação baixa e aumentos de salários. Novamente, esse aprendizado parece ter sido totalmente esquecido pelas autoridades econômicas atuais, que ratificaram uma fórmula de reajuste do salário mínimo que tende a conceder aumentos desproporcionalmente altos em relação ao real crescimento da produtividade da mão de obra, promovendo, ademais, uma ampliação


Wilson Pedrosa/AE TadashiNakagomi/Folhapress

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ução

externas não pareçam ser insustentáveis no curto prazo, é inegável a existência de um fator de risco crescente, na media em que o financiamento do excesso de importações, que refletem excesso de gasto público e privado, dependa cada vez mais da entrada de capitais financeiros com elevada proporção de componentes especulativos, num contexto de grandes incertezas sobre os destinos da economia mundial. Por fim, em termos gerais, o livro também mostra que a conquista da estabilidade da moeda fez parte de um longo processo, não podendo ser creditada totalmente a uma pessoa ou a um partido político determinado, embora destaque a importância fundamental do Plano Real e da equipe envolvida em sua criação e implementação. Sendo assim, fica a lição, também já incorporada pela classe política, de que a sociedade brasileira valoriza, acima de ideologias, o compromisso dos partidos com a estabilidade de preços. Essa tendência haverá de acentuar-se com a continuidade do crescimento da Classe C, cuja imensa massa de integrantes "recémchegados" estará disposta a aferrar-se ao padrão de vida adquirido. O livro de Miriam Leitão é, portanto, leitura indispensável para todos aqueles, jovens ou não, que se interessem por fazer do Brasil um país verdadeiramente moderno. Se desprezarmos os ensinamentos dessa longa travessia da estabilidade da moeda estaremos condenados a fatalmente repetir os erros passados e alijaremos de qualquer sentido o sofrimento compartilhado durante décadas por milhões de brasileiros que, como no poema de Bandeira, "tomaram tristeza", e hoje "tomam alegria".

Reprod

da memória inflacionária, ao embutir no cálculo a totalidade da variação da inflação do ano anterior. O reajuste previsto para o próximo ano, de aproximadamente 14%, será tanto uma "bomba de efeito retardado" nas despesas públicas, como combustível adicional para o crescimento do consumo, complicando de maneira importante o retorno da taxa de inflação à meta de 4,5%. A terceira lição, oriunda do malfadado Plano Collor, refere-se à importância da abertura da economia e da privatização no aumento da eficiência produtiva e no próprio controle da inflação, pela maior concorrência externa, que permite, inclusive, a redução do poder de mercado de empresas pertencentes a setores oligopolizados. Embora a abertura econômica continue prevalecendo, auxiliando, num contexto de elevada valorização da moeda, o controle da inflação, o atual governo parece insistir na escolha de "campeões" da economia, viabilizando via crédito subsidiado do BNDES uma série de operações de fusão e aquisição de duvidosa justificativa, tanto do ponto de vista da eficiência, quanto concorrencial. A quarta lição, proveniente do Plano Real, aponta para aspectos que transcendem, ao mesmo tempo em que complementam, a estabilidade de preços: sistema bancário saudável e solvência das contas externas. Com relação ao primeiro aspecto, a lição, por fim, parece ter sido aprendida, contando-se com um Banco Central que permanentemente vai aperfeiçoando os mecanismos de regulação financeira, antecipando-se à implementação das medidas sugeridas pelo Basileia III e criando o Comitê de Estabilidade Financeira (COMEF). Por sua vez, embora os saldos negativos das contas

Aqueles que lerem o livro da jornalista Miriam Leitão se defrontarão com um relato de "escombros" produzidos pelos vários planos de combate à inflação implementados no Brasil entre 1986 e 1994. Neste período, a inflação acumulada soma mais de 13 trilhões percentuais.

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Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Arte: Alfer

Carlos Valdesuso Presidente do Inst. Adizes Brasil

Introdução

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objetivo deste trabalho é entender o que significa Sabedoria, por que precisamos dela e como podemos desenvolvê-la dentro das organizações. Começarei descrevendo a "Armadilha do Conhecimento", um ciclo de retroalimentação entre conhecimento e mudança destrutiva que ameaça nossa existência. Em seguida, apresentarei a Pirâmide Epistemológica para distinguir quatro níveis de conhecimento: Dados, Informação, Conhecimento (senso estrito) e Sabedoria. Dentro dessa estrutura, posiciono a Sabedoria no nível mais alto, com foco na integração e na construção de sentido. Como um terceiro ponto, apresento o conceito de Problemas Divergentes, definidos por Schumacher como problemas que exigem opções entre opções logicamente opostas, porém simultaneamente necessárias. Defendo a posição de que todas as questões gerenciais podem ser caracterizadas como sendo Problemas Divergentes e, portanto, exigem Sabedoria para serem resolvidas ou integradas. Como ponto central, focalizo a essência da Sabedoria e sua relação com virtudes e valores, a fim de chegar a duas conclusões-chave: primeiro, que enquanto o conhecimento está intrinsecamente relacionado à ação, a Sabedoria está intrinsecamente relacionada às opções; e, segundo, que a essência da Sabedoria é resolver ou integrar Problemas Divergentes decorrentes da natureza da vida humana. Por fim, faço previsões sobre o futuro da Sabedoria e apresento conclusões e recomendações sobre como as organizações podem desenvolver a Sabedoria, para fazer sentido e assegurar nossa sobrevivência.

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Cada aumento de conhecimento requer um aumento de sabedoria Bertrand Russell

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I - Armadilha do Conhecimento

"Nossas ações criam os problemas que enfrentamos" Peter Senge Como aprendemos de Maturana e Varela (1992), todos os organismos estão envolvidos num processo constante de aprendizado e adaptação em relação aos seus ambientes, estes em contínuas mudanças. Assim, o aprendizado e a adaptação são essenciais para a sobrevivência e o desenvolvimento. Se adotarmos a metáfora das organizações e sociedades serem ou se comportarem como organismos vivos (Davis & Mayer, 2003), podemos afirmar que as organizações também precisam de constante aprendizado e adaptação para poder sobreviver e se desenvolver. Durante aproximadamente cem mil anos (Diamond, 1992), um intervalo de tempo bastante curto em termos geológicos, os comportamentos humanos não fizeram muita diferença para nosso ambiente ou para nós mesmos. Contudo, parece que chegamos a um ponto de inflexão (Gladwell, 2002): à medida que cresce em números e conhecimento, a humanidade passou de sujeito passivo das mudanças a principal agente dessas mudanças. Enfrentamos mudanças perniciosas criadas por nosso próprio conhecimento. Essas mudanças exigem

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novos conhecimentos, que geram novas mudanças, e assim por diante. Consequentemente, ficamos presos numa armadilha: um ciclo retroalimentado e fora de controle entre conhecimento e mudanças. A obsessão pelo poder e o desrespeito pelos valores humanos (Rapoport, 2000) aceleram esse ciclo. Como resultado, nossas próprias criações técnicas e sociais agora nos ameaçam (Senge, 1990; Tsoukas, 2005). As mudanças estão se acelerando de forma tal que, quando tomamos conhecimento dos seus efeitos colaterais indesejados, é tarde demais para implementar o conhecimento necessário para nos adaptarmos (Ichak Adizes, 2009). Em outras palavras, perante as mudanças prejudiciais que nós mesmos criamos, estamos nos adaptando mais lentamente do necessário para nossa sobrevivência. Além disso, o que já foi apenas uma ameaça às pessoas tornou-se agora uma ameaça para as organizações e a humanidade. Não só vivemos perante o contínuo perigo de um holocausto atômico, como também continuamos a poluir nosso ambiente em níveis insustentáveis. Desintegração do Conhecimento Para Adizes (2009), todo problema é um sintoma de desintegração. Como todos os sistemas são compostos de subsistemas (Simon, 1997), a desintegração nasce da incapacidade dos subsistemas de mudarem em sincronia. Conforme descrito a seguir, o conhecimento (lato sensu) é composto de quatro níveis: Dados, Informação, Conhecimento


(stricto sensu) e Sabedoria. Esses quatro níveis de conhecimento não se adaptam de forma sincronizada perante as mudanças geradas pelos nossos próprios conhecimentos. Em particular, a sociedade atual privilegia a Informação, enquanto que desvaloriza a Sabedoria. Por tanto, os problemas que a humanidade enfrenta são manifestações da desintegração do conhecimento (lato sensu). II - Os Níveis de Conhecimento Peter Senge (1990) em seu livro pioneiro "A Organização que Aprende", propõe uma definição que nos ajuda a distinguir entre conhecimento (lato sensu) e Conhecimento (stricto sensu). Para Senge, o Conhecimento (stricto sensu) significa "entender as estruturas e os processos subjacentes". A literatura e a mídia, normalmente, usam o termo "conhecimento" em seu "lato sensu", ou seja, incluindo os quatro níveis. Segundo Watzlawick (1974), confundir um integrante de uma classe com a classe toda é um engano comum nas ciências sociais. Por esse motivo, para melhor entendermos o que é conhecimento e quais forças que o impactam, devemos distinguir entre esses quatro níveis de conhecimento "lato sensu". A "Pirâmide Epistemológica" é uma representação gráfica (figura na pág. 88), que descreve os diferentes níveis de conhecimento, e seus Meios (teoria) e Fins (práticas). A Pirâmide faz referência à Metodologia Adizes para explicar como cada nível focaliza diferentes ações dentro das organizações. Esses níveis conceituais não são totalmente independentes, separados ou permanentes, mas nos ajudam a entender melhor como se relacionam esses quatros conceitos básicos. A Pirâmide, composta de quatro níveis, implica em uma hierarquia com Dados no nível mais baixo e Sabedoria no nível mais alto. Portanto, a fim de entender o significado de cada nível, o nível mais alto deve ser percebido. Os diferentes níveis estão também associados a um menor ou maior grau de juízo (Vickers, 1983). 1 - Nível de Dados

"Se a porta da percepção fosse limpa, tudo se apresentaria ao homem tal como é: infinito." William Blake

Dados são eventos ou condições não questionados. O nível de dados é nossa interface com o mundo, através de nossos cinco sentidos. Esse nível levanta questões de percepção. A questão epistemológica geral para este nível está relacionada à nossa capacidade de perceber o mundo "tal como ele é". Existe um consenso geral sobre nossa incapacidade de entender totalmente o mundo como ele "realmente é". Como seres humanos não podemos ter uma descrição completa, exata e única sobre o que o mundo é. (Putnam, citado por Lakoff, 1987). A forma como nosso corpo participa do ato da percepção pode ser generalizada para incluir as raízes corporais de todo o conhecimento (Polanyi, citado por Tsoukas, 2005). A ciência e a tecnologia nos permitem estender, cada vez mais, o alcance de nossos cinco sentidos. Por exemplo, recentemente (novembro, 2009), o telescópio orbital Hubble transmitiu imagens espetaculares da galáxia NGC-1415, resultante de uma mega explosão estelar. Fomos assim capazes de ver imagens (dados) de um evento que aconteceu 6 mil anos atrás. Contudo, fenômenos além de nossos cinco sentidos precisam ser convertidos através de metáforas e analogias, para um conhecimento que possamos entender (Lakoff, 1987). 2 - Nível da Informação

"Estamos afogados em Dados e sedentos por Informação." Provérbio da área de Informática A questão central no nível de Informação é distinguir Dados de Informação e Informação de Conhecimento, os quais, na literatura e na mídia, são tratados, usualmente, como conceitos equivalentes. A raiz da palavra Informação vem do latim, e significa formatar. Poderíamos ler a palavra "informação" como "in-forma-ação" isto é, como algo que dá forma a uma ação. Assim, Informação são Dados relevantes a uma decisão. A palavra "decisão" também vem do latim e significa "cortar ou separar" e, dessa forma, implica na pré-existência de escolhas explícitas ou implícitas. Neste nível, Dados se transformam em Informação apenas quando fazem sentido para o Conhecimento ou a Sabedoria (Pepper, 1942). Do contrário, continuam sendo apenas Dados. Por exemplo, se reconhecemos que a imagem recebida do Hubble tem a aparência de uma borboleta com as asas bem

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abertas (analogia) e estivermos projetando uma escultura, poderíamos decidir (informação) utilizar essa imagem para transmitir um sentido universal. 3 - Nível do Conhecimento

"Conhecimento e poder humano são sinônimos" Francis Bacon A ênfase da sociedade atual da Informação e a confusão entre Informação e Conhecimento (stricto sensu) subestimam a importância do Conhecimento e da Sabedoria e obscurecem a relação entre

os quatro níveis. Neste nível, conceituamos o Conhecimento segundo a definição de Peter Senge (1990): "entendimento das estruturas e processos subjacentes". Essa definição nos ajuda a distinguir os quatro níveis que nos permite analisar por que a sociedade atual diminui a importância do Conhecimento e da Sabedoria. É no nível do Conhecimento que damos um salto criativo da Informação para o entendimento das estruturas e processos (Senge, 1990). A diferença entre Conhecimento e Informação é que o Conhecimento entende as relações de causalidade; dessa forma, é capaz de prever o impacto de nossa ação ou inação. A Informação, sozinha, não é capaz de fazer essa previsão. Por exemplo, se compararmos a imagem em forma de borboleta transmitida pelo Hubble com formas geométricas similares existentes na Terra, poderíamos concluir (conhecimento) que a geometria fractal de Mandelbrot se aplica a todo o universo. Não é apenas a nossa percepção que está condicionada por nossas capacidades sensoriais (Lakoff, 1987), mas também nosso Conhecimento.

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Nossa capacidade de entendimento e raciocínio está intrinsecamente relacionada à nossa existência física. O fato de que a nossa mente reside em um corpo físico impacta a forma como percebemos, entendemos e aprendemos . 4 - Nível da Sabedoria

"Todo valor tem um preço; se não tiver preço não é um valor" Jerome Kohlberg A palavra grega para Sabedoria é "Paidéia" e significa mais do que ter cultura e educação: implica numa obrigação ética de melhorar a sociedade e numa atitude de se importar (Audrey e Cohen, 1999). Enquanto o Conhecimento (stricto sensu) está relacionado à ação, a Sabedoria está relacionada às opções, ao como julgar o que devemos ou não fazer (MacIntyre, 1985). Sabedoria é construir um sentido (humano) a partir de Dados, Informações e Conhecimentos e está composta de Valores e Visão (Nonaka, 2008). O sentido é alcançado alinhando ações com valores, estes definidos como preferência por determinados estados das coisas em relação a outros (Tsoukas, 2005). A sociedade ocidental pensou que a ciência e a tecnologia iriam resolver todos os problemas humanos, mas não foi assim. Em vez disso, a evolução do Conhecimento causou uma involução da Sabedoria. A busca de sentido da Sabedoria foi colocada de lado pela arrogância do Conhecimento. Como resultado, o século 20 acabou sendo o século mais cruel da história humana. A questão central no nível da Sabedoria pode ser resumida pela frase de Jerome Kohlberg: "Todo valor tem um preço; se não tiver preço, não é valor". Assim, não é que tenhamos uma longa tradição de sabedoria (Bloom, 2004; McIntyre, 1985). O que acontece é que, como indivíduos, organizações ou nações, a maioria das vezes não estão dispostos a pagar o preço (tangível ou intangível) dos valores. Para verificar a validade e o sentido do nosso conhecimento (stricto sensu), precisamos refletir não apenas sobre o que fazemos e como fazemos, mas precisamos também questionar por que o fazemos e para quem o fazemos (Tsoukas, 2005). O Conhecimento não fornece as perguntas nem os valores que nos permitem decidir sobre qual a opção que devemos seguir; tais perguntas e respostas veem da Sabedoria (Tsoukas, 2005).


Segundo Nonaka (2008), o componente de valores do nível da Sabedoria inclui a Verdade, a Bondade e a Beleza, três das quatro propriedades que Aristóteles (citado por MacIntyre, 1985) conceitua como as propriedades transcendentais do ser. A quarta propriedade transcendental é a Unidade a qual, nos termos de Adizes (2009), pode ser entendida como Integração. Assim, se aceitarmos que a nossa prioridade como seres humanos é fazer sentido, a Sabedoria é mais importante que a Tecnologia (Nonaka, 2009; Tsoukas, 2005). A Visão consiste em uma imagem vívida e motivante da organização que queremos ser. Sustento que a energia necessária para a mudança organizacional reside precisamente nesse "querer ser". Voltando ao exemplo do telescópio Hubble, se questionarmos porque estamos preocupados com uma explosão galáctica que ocorreu 6 mil anos atrás, no lugar de despender esses esforços em salvar nosso próprio habitat, estaremos no nível da Sabedoria. Em suma, a Sabedoria vem da construção de sentido a partir do Conhecimento, assim como o Conhecimento vem da construção de sentido a partir da Informação, e a Informação vem da construção de sentido a partir de Dados (Aubrey & Cohen, 2009)

sários, e "fraternidade" é o princípio mais alto que os integra. Vale lembrar que o lema da bandeira do Brasil já foi "Ordem, Amor e Progresso". As organizações como todo ser vivo precisam lidar com conflitos divergentes. Se um gerente não estiver de mãos suadas por ter de lidar com problemas divergentes, então não está gerenciando. Por esse motivo, gerenciar não é apenas uma arte (Schon, 1983), mas também a sabedoria de transcender opções contraditórias, mas simultaneamente necessárias, aparentemente sem solução. IV - Sabedoria, Valores e Virtudes

III - Por que Precisamos de Sabedoria?

"Aprendemos demais para viver sem sabedoria" E.F. Schumacher

"Ideias morais são partes essenciais de uma organização" Douglas (1986)

Em seu inspirado livro "Guia para os Perplexos", Schumacher (1977) faz uma distinção entre problemas Convergentes e Divergentes. Problemas convergentes estão relacionados à parte física do universo e acabam sendo resolvidos, por exemplo, a cura do câncer. Problemas divergentes referem-se à essência da vida e consistem em conflitos entre dois opostos simultaneamente Necessários, por exemplo, como governar um país, com Ordem ou com Progresso? Os problemas divergentes não podem ser "resolvidos", ensina Schumacher. Eles podem apenas ser "integrados", recorrendo-se a um conceito de nível mais alto. Na opinião de Schumacher, o melhor exemplo de problema divergente é o lema da França: "Liberté, Égalité, Fraternité", no qual "liberdade" e "igualdade" são os dois valores opostos e simultaneamente neces-

Vimos que o Conhecimento está intrinsecamente relacionado à ação, e que a Sabedoria está intrinsecamente relacionada às opções: ao como julgar o que devemos fazer (MacIntyre, 1985). A Sabedoria constrói sentido a partir das opções disponíveis e decide qual alternativa deve ser seguida, guiando assim decisões e comportamentos (Douglas, 1986). O processo de tomada de decisão é guiado por valores, vistos como o estado preferencial das coisas. Fazer uma escolha entre valores qualifica tais decisões como Problemas Divergentes; isto é, significa escolher entre estados de ser opostos, porém simultaneamente desejados. Vimos também que todo valor tem um preço. Assim, qualquer escolha resultará em custos tangíveis ou intangíveis implícitos em cada opção.

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Desde Platão, os filósofos se questionam como a Sabedoria (um conhecimento mais tácito) pode ser aprendida. Para MacIntyre (1986) a resposta reside nas Virtudes. As Virtudes validam a noção de um bem maior que existe acima dos indivíduos. Assim, as virtudes são critérios gerais, aperfeiçoados pela experiência da humanidade, para decidir e orientar o comportamento (MacIntyre, 1985) em direção a bens maiores. Segundo Platão, as quatro grandes virtudes são: prudência, justiça, fortaleza e temperança (Virtues, Wikipédia). Três outras virtudes são de particular relevância para todas as práticas profissionais (Schon, 1983): Altruísmo, Honestidade e Tradição. Além de virtudes, que se concentram no que "devemos fazer", precisamos também levar em consideração o que "não devemos fazer". Segundo Aristóteles (citado por MacIntyre, 1985), para cada virtude existem também dois vícios ou pecados, um em cada extremo oposto de cada virtude. No mundo "VICA" (volátil, imprevisível, complexo e ambíguo) em que vivemos, muitas vezes é mais importante saber o que não fazer, do que o - sim - fazer. Sabedoria, valores e virtudes constituem um sistema ético de decisão, esculpido pela humanidade ao longo de milhares de anos de história. Um dos primeiros documentos não numéricos descobertos, datado de aproximadamente 4000 a.C., era uma carta de um pai sumério dizendo que o mundo estava próximo do fim, pois as crianças não mais obedeciam a seus pais. Isso comprova quantas

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questões humanas básicas permanecem semelhantes ainda hoje, apesar das rápidas mudanças trazidas pela tecnologia. Para aplicar de forma eficaz esse sistema ético na construção de sentido, as organizações devem estar dispostas a aceitar a primazia da ética e o custo dos valores. Em resumo, podemos definir a essência da Sabedoria como fazer escolhas relacionadas aos problemas divergentes da vida por meio da construção de sentido humano e em direção a um bem social maior. V - O Futuro da Sabedoria

"Podemos aprender a sabedoria por três métodos: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e, terceiro, por experiência, que é o mais amargo." Confúcio


Como vimos, problemas divergentes referemse à essência da vida e consistem em conflitos entre opostos simultaneamente necessários. Descrevi a essência da Sabedoria como fazer escolhas relacionadas a problemas divergentes para a construção de sentido humano À medida que a sociedade escala a espiral do desenvolvimento, os valores e a sabedoria também evoluem. "A necessidade é a mãe de todas as invenções", diz um velho ditado, destacando que a competição e o desafio parecem acender o Conhecimento. Por outro lado, a Sabedoria parece surgir da meditação (reflexão), da imitação e, principalmente, de experiências dolorosas. Paradoxalmente, como seres humanos, aprendemos mais das perdas do que dos ganhos (Bazerman, 2007). O uso crescente das infomedias não parece favorecer o desenvolvimento da Sabedoria. Pelo contrário, a tecnologia da informação privilegia o rápido e o superficial em detrimento do que requer tempo e do profundo, nos níveis individual, organizacional e social. Portanto, para desenvolver a Sabedoria precisamos: praticá-la deliberadamente, refletir sobre ela e ensiná-la (Schon, 1983). Conclusões

"Não podemos resolver problemas no mesmo nível de consciência que os criaram". Albert Einstein A partir da discussão acima, podemos chegar às seguintes conclusões: 1) Temos necessidade de uma nova consciência, não só de nos adaptar, mas de agir proativamente e de unir as forças necessárias para concretizar, em tempo, as soluções necessárias (Adizes, 2009) 2) O desenvolvimento do conhecimento, o que para o homem seria a panaceia para todos os problemas, colocou a Sabedoria de lado. As consequências de nosso conhecimento sem sabedoria agora ameaçam nossa felicidade, bem-estar e sobrevivência. 3) O sucesso de cada mudança social depende de sua base filosófica (Tsoukas, 2005). Portanto, a filosofia é mais importante que a tecnologia

(Nonaka, 2009). Contudo, o materialismo, a arrogância e o egoísmo dominam o mundo. 4) A humanidade precisa assumir uma nova posição filosófica que, ciente dos aspectos tangíveis e intangíveis do universo, dê significado ao conhecimento através da Sabedoria. 5) Do ponto de vista organizacional, precisamos adotar a metáfora de que as organizações são organismos vivos, capazes de aprender e tratá-las de forma correspondente (Pepper, 1967). 6) Para Tsoukas (2005), os dois processos organizacionais mais importantes são missão e estrutura. A missão deve ser enriquecida com um tratamento direto de Visão e Valores, e com metas estratégicas para conhecimento e sabedoria (Aubrey e Cohen, 1995) Precisamos também de estruturas e processos que reforcem a sabedoria, os valores e as recompensas intrínsecas, e que evitem os negócios predatórios e as burocracias egoístas e impiedosas. 7) A sociedade humana parece estar a caminho de uma grande catástrofe, na qual poderemos, da forma mais amarga, reencontrar a Sabedoria que perdemos no Conhecimento.

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Referências Adizes, I. (2009). Managing in times of crises, Santa Barbara, CA Adizes Institute.

Ormerod, Paul. (2005). Why most things fail; evolution, extinction and economics. New York, Pantheon Books.

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DIGESTO ECONÔMICO JUNHO/JULHO 2011

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