greenpeace.org.br
abril - maio - junho | 2010
Revista
Montagem Gabi Juns
sumário
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Juntando os pontos
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Parques represados
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Entrevista: Carlos Marés
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Green na web 2.0
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Encruzilhada energética
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Unidos pela contaminação
11 Patronos da nossa independência 16 Medindo a pressão 18 Frankenstein do campo 19 Foto oportunidade
© Greenpeace/Rodrigo Baleia
carta aos colaboradores
capa
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screvo esta carta ainda sem saber o que exatamente irá acontecer com o Código Florestal, uma legislação fundamental para garantir um futuro diferente, moderno e mais justo para o Brasil. Alvo da ira ruralista há pouco mais de uma década, período em que o Estado brasileiro começou a ganhar capacidade de combater o desmatamento selvagem no país, o código sofreu, a partir de meados do ano passado, uma ofensiva sem precedentes por parte da bancada da motosserra no Congresso. Na Câmara dos Deputados, criou-se uma comissão especial para desfigurar o código. Majoritários na comissão, os ruralistas entregaram ao deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) a tarefa de produzir o relatório final. Aldo fez mais do que imaginavam, incorporando ao seu texto, como vocês poderão ler na reportagem de Ana Galli na página 4, tudo que a bancada da motosserra sempre sonhou. O texto ainda precisa ser votado na comissão e depois, em plenário. O Greenpeace, com a ajuda de seus ciberativistas – uma história que Laura Fuser conta na página 7 – está conseguindo que os ruralistas paguem caro por mais essa tentativa de transformar o Brasil num deserto florestal. Nossas ações no Congresso, nosso trabalho nas redes sociais e na internet e junto à imprensa jogaram luz sobre a manobra da turma da motosserra e têm tudo para barrá-la. Alguns dos principais órgãos de opinião pública do país encamparam nossas posições e passaram a defender abertamente um modelo econômico virtuoso, no qual produzir mais não significa devastar mais ainda. É isso que nos dá a esperança de que a visão ultrapassada de que desmatamento é desenvolvimento não irá prosperar no país. O Greenpeace sempre defendeu que o Código Florestal é uma lei que, antes de ser mudada, precisa ser cumprida. Estamos inclusive cobrando dos candidatos à Presidência não só uma posição pública sobre o assunto mas também que ajam para parar o trator ruralista que ameaça nossas leis ambientais. Nossa capacidade de nos mobilizar em favor do ambiente no Brasil, de propor alternativas para um futuro sustentável e de enfrentar abertamente quem investe contra o imenso patrimônio ambiental brasileiro deve-se à nossa independência. E ela está diretamente ligada aos nossos colaboradores. Desde a sua fundação há 39 anos, o Greenpeace nunca aceitou dinheiro de empresas, partidos políticos e governos. É uma das poucas organizações não-governamentais no mundo que segue essa política. Para viver, dependemos de colaboradores como os que estão retratados na reportagem de capa, escrita por Cristina Amorim. Isso nos permite trabalhar sem prender o nosso rabo a ninguém. Aos nossos colaboradores, a minha sincera homenagem e agradecimento.
Marcelo Furtado Diretor Executivo Greenpeace Brasil
O Greenpeace é uma organização global e independente que promove campanhas para defender o meio ambiente e a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. Nós investigamos, expomos e confrontamos os responsáveis por danos ambientais. Também defendemos soluções ambientalmente seguras e socialmente justas, que ofereçam esperança para esta e para as futuras gerações e inspiramos pessoas a se tornarem responsáveis pelo planeta. O Greenpeace não aceita dinheiro de governos, partidos ou empresas. Ele existe graças às contribuições de milhões de colaboradores em todo o mundo. São eles que garantem a nossa independência. |3
amazônia
Juntando os pontos Ana Galli
Preservar o Código Florestal é preservar acordos setoriais, como a moratória da soja e o compromisso com os frigoríficos para não desmatarem mais a Amazônia.
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e por um lado iniciativas que visam o desmatamento zero, como a moratória da soja e o compromisso com frigoríficos que atuam na Amazônia, dão frutos e resultados positivos para a floresta e para a economia, por outro o ataque ruralista ao Código Florestal pode fazer o processo retroceder. Desde outubro do ano passado, quando foi criada uma comissão especial na Câmara dos Deputados para tentar desfigurar a legislação ambiental, o cumprimento ao código ficou ameaçado. É, por exemplo, a principal desculpa de agricultores de todo o país para driblar o Cadastro Ambiental Rural – documento em que o dono da propriedade declara a área total da propriedade, além da reserva legal e de áreas de preservação permanente (APPs). O raciocínio de fazendeiros sem escrúpulos e de seus representantes em Brasília, a bancada da motosserra no Congresso, é que, se o código for modificado em prol deles, o mais cômodo é aguardar a mudança para só depois fazer o cadastro. “A discussão deixa os produtores rurais à vontade para protelar o cadastro e, assim, o pagamento de multas e a recuperação de áreas indevidamente desmatadas”, afirma o responsável pela campanha de Código Florestal
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Alterar a lei é um péssimo negócio para o ambiente e para a economia do país. do Greenpeace, Rafael Cruz. Há um incentivo da bancada ruralista em fazer com que o agricultor adie o cadastramento. “Dessa forma, os parlamentares criam um ambiente de pressão política para que a lei seja modificada. É um cenário constituído, que a bancada alimenta em defesa de interesses próprios”, diz Cruz. O Cadastro Ambiental Rural é o meio que se tem para mapear e assim definir as fronteiras das propriedades rurais hoje no Brasil, explica o coordenador da campanha de gado do Greenpeace, Marcio Astrini. “Assim é possível cruzar os dados do monitoramento via satélite para identificar quem desmatou para plantar soja ou criar gado para punir os responsáveis por crimes ambientais.” INTELIGÊNCIA Na comissão especial, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) entregou no início de junho um relatório
que transformaria o Código Florestal em um “código de motosserra”. Indo para o plenário da Câmara, ele vira moeda de troca em ano eleitoral – o que só duplica o tamanho da ameaça que representa às florestas. Para Astrini, afrouxar as leis de proteção da floresta é uma sinalização de que o desmatamento compensa. Por outro lado, seguir a lei do jeito que é posta sinaliza para o mundo que o Brasil está preparado para atender aos critérios ambientais colocados neste século. Iniciativas como a moratória da soja e o acordo do gado mostram o quão exigente o mercado está para que o desmatamento não faça parte de sua cadeia produtiva. Os parlamentares que defendem o enfraquecimento do código a favor do desmatamento estão na contramão do mercado mundial. “Alterar a lei é um péssimo negócio para o ambiente e para a economia do país”, diz Astrini.
© Greenpeace/Alois Indrich
Hidrelétrica de Tucuruí (PA): governo quer encher a Amazônia com hidrelétricas, mesmo que passe por cima de áreas protegidas
Parques represados Bernardo Camara
Criadas para proteger a biodiversidade, as unidades de conservação estão na mira do governo para abrigar novos projetos hidrelétricos.
N
o início de abril, o presidente Lula assinou o decreto 7.154/2010 e autorizou pesquisas sobre potencial de energia hidrelétrica em áreas federais protegidas. Agora, biólogos, botânicos e engenheiros florestais acostumados a tocar estudos sobre a riqueza biológica nesses santuários naturais devem esbarrar com técnicos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – braço do Ministério de Minas e Energia (MME). Esse tipo de pesquisa atropela o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), legislação que rege as áreas protegidas no Brasil. O governo disfarça e diz que nada disso ameaça as reservas e os parques. Porém, depois que os estudos estiverem prontos, não haverá espécie de animal ou de planta que os impeça de sair do papel. “Para fazer um estudo de potencial hidrelétrico, é preciso investir tempo e recursos. É impro-
vável que depois de um grande esforço o governo não transforme os dados em algo concreto”, afirma Raquel Carvalho, da campanha da Amazônia do Greenpeace. Antes de o decreto sair, um acordo feito entre Ministério do Meio Ambiente e MME em 2006 já havia colocado pesquisadores do setor elétrico dentro de 11 unidades de conservação. O objetivo era o mesmo: verificar os rios que têm condições de gerar eletricidade, com se bons números em megawatts fossem mais importantes do que a biodiversidade nesses locais. No Parque Nacional dos Campos Amazônicos – que abrange porções de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas – foi assim. Em 2007, aportaram ali os primeiros pesquisadores da EPE. Meses depois, nasceu um projeto de usina hidrelétrica no rio Machado, bem ao lado do parque, que alagaria pelo menos 1.400
hectares da unidade. Pelo SNUC, a obra não poderia existir. A direção do parque enviou documentos para Brasília provando que a construção teria impactos negativos na área e que ela deveria ser conservada. O projeto está atualmente em um enrosco judicial. Para solucionar o impasse, o governo decidiu então mudar o desenho do parque, em vez de procurar outro lugar para a usina hidrelétrica. “Agora está em andamento um processo de redefinição dos limites da unidade de conservação”, lamenta Renato Dumont, chefe interino do parque, sem se iludir: “Eles não vão guardar a informação dos estudos energéticos na gaveta. Se constatarem a viabilidade, vão construir hidrelétricas onde for.” Rômulo Mello, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do governo que tem a responsabilidade de cuidar das unidades de conservação, diz que o caso não é incomum. Com a pressão do setor elétrico, ele tenta apenas compensações para as áreas protegidas. “Vamos perder 1.600 hectares do Parque dos Campos Amazônicos, mas vamos crescer os limites da unidade para outros lados”, afirma. As controvérsias já resultaram em uma proposta de anulação do decreto, em tramitação no Congresso. Enquanto isso, a EPE se mantém silenciosa. Procurada pelo Greenpeace, a empresa disse não ter nada a declarar, pois ainda não sabe como serão os estudos – apesar de eles terem sido iniciados muito antes de qualquer decreto.
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entrevista
Propriedade coletiva
Arquivo pessoal
Bernardo Camara No furacão da crise climática global, uma certeza permanece de pé: todos os cidadãos brasileiros têm direito a um ambiente saudável para viver. Por conta disso, o que um proprietário de terra faz ou deixa de fazer porteira adentro não diz respeito somente a ele, mas a toda a sociedade. Quem o diz é o jurista Carlos Marés . Estudioso do tema, o procurador-geral no Paraná ressalta que cada árvore derrubada dentro de uma propriedade gera um prejuízo que ultrapassa os limites do cercado, pois afeta ar, água e solo, bens coletivos por excelência. Crítico das mudanças que os ruralistas querem implantar no Código Florestal, Marés diz que a lei de 1965 é atualíssima e que o burburinho em torno dela não faz sentido. “De 1965 para cá, foram 45 anos. É tempo suficiente para se adaptar”, alfinetou, em entrevista ao Greenpeace.
Revista do Greenpeace O Código Florestal é atrasado? Carlos Marés O código foi aprovado em 1965, sofreu boas modificações de lá para cá e é positivo justamente por atribuir responsabilidade pela preservação da natureza aos proprietários de terra. É um instrumento legal apto para as exigências de proteção ambiental do século 21. Que exigências? Há duas grandes crises nesse século: do clima e da água. E o código trata exatamente disso. Seu principal ponto é a proteção das águas, pela exigência de preservação das matas ciliares, e do clima, com a manutenção da reserva legal [área de floresta que deve ser mantida de pé nas propriedades privadas]. São problemas centrais do século 21, que têm a ver com a sobrevivência da humanidade. Por que um proprietário não pode desmatar à vontade em sua própria terra? No Brasil, sempre houve a concessão de terras, primeiro por meio das sesmarias e, depois, por terras devolutas. Isso quer dizer que todas as terras foram públicas. Com o advento de conceitos como função social da propriedade e prote6
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Há duas grandes crises nesse século: do clima e da água. E o código trata exatamente disso. ção à biodiversidade, a discussão passou a se centrar no conceito de propriedade da terra. Quando a lei diz que o proprietário deve produzir adequadamente, está exercendo o direito da soberania de todos a esse território. Como assim? O fato de alguém ser proprietário de um revólver não o legitima a matar: há uma restrição legal ao exercício do direito de propriedade da arma. Assim é com a terra. A lei obriga seu uso adequado pela função social da propriedade. Por isso, o proprietário não é livre para usála como bem entende. Para ele, não é um ônus manter a natureza viva, mas uma condição da propriedade, da concessão que a sociedade lhe fez de usufruir da terra. Os ruralistas reclamam de modificações que tornaram a lei mais rígida
de 1965 para cá. Eles têm razão? Quando o Código Nacional de Trânsito passou a exigir o cinto de segurança, as pessoas não o usavam, houve um tempo de adaptação. De 1965 para cá, foram 45 anos. É tempo suficiente para se adaptar ao código e, a cada mudança, os prazos são longos. O problema é que a maioria dos proprietários ignorou a lei, e até hoje alguns não se veem obrigados a seguir essas restrições. Reduzir as áreas de preservação é a saída para viabilizar a produção dos pequenos proprietários? O Estatuto da Terra [texto que disciplina a ocupação, o uso e as relações fundiárias] diz que um pedaço de terra deve manter o bem-estar de uma família e sua produtividade. Se isso não acontece, não adianta reduzir a proteção, destruir mais a natureza. Isso deixa a terra menos fértil e a produção vai entrar em colapso do mesmo jeito. A saída apontada pelo próprio estatuto, nesses casos, é aumentar a área da propriedade. Mas, para isso, é preciso desapropriar outras, maiores. E isso não interessa ao agronegócio. Leia a íntegra em www.greenpeace.org.br/revista
green n@ web
Você falou e ele ouviu Laura Fuser
Sessenta dias de petição, mais de 60 mil assinaturas, reação na imprensa e um novo estágio de participação on-line é o saldo da última ciberação do Greenpeace.
O
quadro era o seguinte: a bancada da motosserra organizou e conseguiu montar uma comissão especial para alterar o Código Florestal. Na relatoria, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apoiado por seus novos amigos ruralistas, cheio de influências, dinheiro no bolso e interesses escusos. Em defesa das florestas, o Greenpeace e seus ciberativistas. Era uma batalha de titãs. No dia 9 de abril, Aldo começou a receber e-mails via uma petição publicada no site do Greenpeace. Já na primeira semana, mais de 20.800 mensagens foram enviadas. Quase um mês depois, a expressão “Aldo Rebelo” foi uma das mais citadas
na rede social Twitter. O deputado sentiu a pressão e decidiu dar explicações: escreveu uma resposta aos ciberativistas enviada em forma de spam, foi para a TV e os jornais. Não convenceu. As pessoas continuaram a assinar e encaminhar aos amigos a petição, além de escreverem suas próprias respostas ao email arrogante do Aldo. Após uma segunda resposta do deputado, dessa vez desvirtuando o assunto sobre o código ao atacar o Greenpeace como organização com objetivos econômicos, parte de uma grande conspiração internacional, mais um chamado foi feito aos ciberativistas, que não decepcionaram: escreveram diretamente no Twitter
do Aldo manifestando-se contra as alterações na legislação ambiental. Ao longo desses dois meses de ciberação contra alterações no Código Florestal, o Greenpeace convocou seus ciberativistas a intervir. Eles foram munidos de informação e, entendendo a importância das mudanças propostas pelos ruralistas, tiraram esse complexo assunto do desconhecimento e se fizeram ouvir. A pressão popular foi maior do que os poderosos de Brasília.
Para virar um ciberativista e participar de uma mobilização on-line, acesse www.greenpeace. org/brasil/pt/participe/ciberativista
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energia
Encruzilhada energĂŠtica Caroline Donatti
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SXC
Modelo de desenvolvimento antiquado força o paĂs a gerar cada vez mais energia. Mas, afinal, para onde vai toda essa eletricidade?
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mpedir o “apagão” parece ser a única justificativa do governo para a construção de Belo Monte. Até parece que o país agora vive eternamente às portas de um blecaute. Não é bem assim. Essa espécie de ‘terrorismo” energético tão presente no discurso oficial acaba deixando de fora da discussão assuntos sérios e urgentes, como o caráter do nosso desenvolvimento e até o destino de toda essa energia que o Brasil gera. “Temos de discutir o modelo de desenvolvimento energético para o Brasil, antes de discutir um projeto em particular”, diz o economista da UFRJ, Carlos Vainer. “Nossa sociedade tem de debater e redefinir o que quer dizer com ‘progresso’, ‘crescimento’ e ‘desenvolvimento’. Precisamos de uma revolução na maneira em que produzimos, distribuímos e usamos energia”, afirma o coordenador da campanha de Energia do Greenpeace, Ricardo Baitelo. Isso significa mais do que simplesmente construir novas usinas, principalmente na Amazônia. Trata-se de uma nova forma de enxergar o mercado de energia, que deve ser baseado em aumento dos investimentos em eficiência energética e energias limpas, acesso à tecnologia adequada e uma visão compartilhada e justa da distribuição de serviços. Para crescer, não é preciso gerar energia na mesma velocidade do aumento do PIB. “Para cada aumento de um ponto percentual no PIB, podemos acrescentar 0,6% para o crescimento de energia”, ensina o engenheiro Afonso Henriques Moreira Santos, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica. Mas o governo ignora essa conta e sai propalando aos quatro ventos que precisa criar uma Itaipu em termos de geração a cada três anos para manter o país funcionando. Os últimos dados do Plano Decenal divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética projetam um crescimento
Temos de discutir um novo modelo energético antes de discutir um projeto em particular. de 56% da oferta de energia nos próximos dez anos. Será que os brasileiros precisam de tanta eletricidade? Dos 390 Gwh de energia consumidos pelo Brasil em 2009, quase 45% ficaram com as indústrias. A maior parte desse percentual vai para a mineração e beneficiamento de alumínio e outros produtos eletrointensivos para exportação. A energia exportada anualmente em forma de latinhas de alumínio excede em muito a produção de qualquer uma das obras atualmente em discussão. “O Brasil é um grande exportador de energia, que está embutida principalmente nas latinhas de cerveja e de saquê que o país vende ao Japão”, denuncia Vainer. O peso da energia no custo de produção de uma tonelada de alumínio chega a até 35% do total. Mesmo com todas as vantagens que o governo oferece, principalmente ao não contabilizar no custo de produção os danos sociais e ambientais que esse tipo de produção gera, os grandes consumidores ainda querem mais vantagens. “A construção de hidrelétricas como Belo Monte seria uma importante oportunidade de garantir o acesso à energia em condições mais competitivas para a indústria brasileira”, garante Luciano Pacheco, diretor-técnico regulatório da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Eles ainda argumentam que as regras são desfavoráveis às empresas porque os empreendedores aceitam
tarifas que não são suficientes para remunerar o investimento. Já para garantir o ar-condicionado e o banho quente dos brasileiros, basta distribuir melhor toda essa energia, dizem os especialistas. Há muita energia com poucos e pouca energia com muitos. A conta é simples e a cada dia que passa fica mais dificil de fechar. É aí que entra o governo dizendo que vamos ter um novo apagão. Só que isso é uma meia verdade. O gargalo do setor, se existir, afeta sobretudo as indústrias eletrointensivas. E é preciso se levar em conta a ineficiência do sistema nacional. Estima-se que cerca de 15% de toda a energia gerada é perdida pelo caminho, o dobro do desperdício aceitável em outros países. Controlar esta perda seria um caminho óbvio para reduzir a dependência nacional de novos grandes projetos de geração. Outra rota para evitar o estrangulamento da oferta de energia é fechar as outras torneiras do desperdício. O país precisa de políticas públicas que incentivem a produção de equipamentos e eletrodomésticos mais eficientes. As sugestões de especialistas é que o Brasil incorpore mais tecnologia em toda a cadeia de consumo. José Goldemberg, físico especialista em energia da USP, diz que uma casa construída de acordo com padrões de aproveitamento de luz e ventilação, usando iluminação natural e aquecimento solar, pode consumir 25% menos energia do que uma casa tradicional. “É possível reduzir a demanda nacional por energia pela substituição de chuveiros elétricos – um dos grandes vilões do consumo doméstico – por aquecedores solares”, afirma Baitelo, coordenador da campanha de energia do Greenpeace. A troca de cerca de metade dos chuveiros no país por coletores solares custaria metade do valor da construção de Belo Monte e reduziria toda a demanda de energia que a usina deve suprir.
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© Greenpeace/Philip Reynaers
Na 15ª versão do Guia de Eletrônicos Verdes, lançada em maio, o Greenpeace detalha as marcas que prezam pela saúde ambiental e humana. Na liderança desta edição estão Nokia, Sony e Philips, que eliminaram químicos perigosos de seus produtos e tiveram bons desempenhos em quesitos energéticos. Publicado trimestralmente desde agosto de 2006, o guia visa a pressionar grandes marcas a produzirem eletrônicos limpos e duráveis, que possam ser substituídos, reciclados e descartados. Na lista estão 18 grandes empresas fabricantes de computadores, celulares, TVs e consoles de jogos eletrônicos, avaliados nas categorias químicos, energia e lixo, em quesitos como uso de substâncias tóxicas, pegada de carbono e reciclagem. Toshiba e Samsung caíram no ranking, penalizadas por descumprirem metas de diminuição de PVC, componente do plástico, e Retardantes de Chama Bromados (BFR, na sigla em inglês), substância usada para inibir a combustão, ambos altamente tóxicos. Subiram de posição Panasonic, Sony e Sharp, todas com bons pontos em químicos. Apple e HP ganharam destaque por oferecerem aos consumidores a maior gama de aparelhos ecologicamente corretos. Juliana Tinoco Veja o guia completo em www.greenpeace.org.br/revista
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Laura Fuser
O município de Caetité, no interior da Bahia, está muito mais próxima de Akokan, cidade da República do Níger, do que imagina nossa vã filosofia.
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m maio deste ano, o Greenpeace publicou um relatório que denuncia pontos de contaminação nuclear em Akokan, cidade no Níger, de onde a empresa estatal francesa Areva extrai metade de todo o urânio que alimenta as usinas nucleares de seu país. A primeira denúncia do Greenpeace de contaminação na cidade africana é de 2009, quando 11 pontos apresentaram níveis de radioatividade acima dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde. No começo de 2010, a Areva admitiu ser responsável pelo acesso da população ao material radioativo e se comprometeu em descontaminar as ruas da cidade. Mas, ao voltar a Akokan, o Greenpeace novamente identificou pontos contaminados. Dessa vez, a Areva não se pronunciou, mas continua a propagandear que é uma empresa amiga do ambiente. A organização pede que um estudo independente seja realizado na área. No ano passado, a Areva foi parte de um acordo de cooperação entre o Brasil e a França para ampliar o programa nuclear brasileiro. Isso não surpreende. Afinal, a estatal
Indústrias Nucleares do Brasil (INB) segue os mesmos passos radioativos que a Areva. Mesma história Em Caetité, cidade no interior da Bahia, o Greenpeace também identificou pontos com níveis de radiação acima dos recomendados. É de lá que sai o urânio que alimenta as usinas nucleares brasileiras Angra 1 e 2. A mineradora é administrada pela INB que, há pelo menos dez anos, opera sem cumprir as diretrizes estipuladas no licenciamento ambiental, que serviriam para assegurar a qualidade e a segurança de suas operações. Assim como acontece em Akokan, os moradores de Caetité correm risco pelo descaso com que são tratados pela estatal. “A cada dia que passa, a INB fatura com exploração dos recursos naturais locais enquanto a população é cada vez mais exposta à contaminação”, diz André Amaral, coordenador da campanha contra energia nuclear do Greenpeace. “O que, além de lucros e desrespeito, terão as duas estatais a ensinar uma à outra?” Assista ao vídeo sobre Níger em www.greenpeace.org.br/revista
© Greenpeace/Philip Reynaers
nuclear
Guia verde
Unidos pela contaminação
capa São os quase 50 mil colaboradores no Brasil que garantem a capacidade do Greenpeace de expor quem destrói o planeta.
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o serviço sou o chato, o cara que diz para os outros não jogarem lixo para fora da janela.” É meio sério, meio a brinca, que Júlio Cesar Costa, de 30 anos, motorista de caminhão de uma grande empresa de bebidas, conta como é falar sobre preservação ambiental no seu dia-a-dia. Ele vive com os pais em uma casa simples com paredes coloridas em Sapopemba, bairro no extremo sudeste de São Paulo. A família se mudou para a região quando ainda era zona rural, com plantação e capataz de cavalo e arma no coldre. Júlio é colaborador do Greenpeace desde o ano passado. Hoje casas pequenas ocupam de maneira desorganizada o morro na vizinhança. Há pouquíssimas árvores no bairro. Júlio compensa a carência de verde assistindo a documentários em canais fechados de TV. Mas foi na TV aberta, há mais de dez anos, que ele primeiro ouviu falar do Greenpeace, quando viu cenas de ativistas em ação. Ele alentou por muitos anos o sonho de ele próprio ser um ativista. A vida não deixou. Seu filho de sete meses entra na sala no colo da avó, dona Maria. Nos olhos grandes do bebê, o pai vislumbra um futuro sombrio. “Será muito diferente de hoje. Não vai ser bom.” O ceticismo contudo não o impede, nem sua família, de fazer sua parte. Na cozinha, o pai, seu Jair, separa a caixa de leite para reciclagem. Júlio tornou-se parte do quadro dos colaboradores no ano passado, quando visitou o navio Arctic Sunrise em Santos. O motorista é o modelo de quem ajuda o Greenpeace a se manter no Brasil como uma organização forte e independente. Jovem, com ensino médio ou superior completo, sem muita grana na carteira mas com uma profunda noção de seu lugar no planeta e de sua relação com o ambiente, ele e outros milhares de Júlios, Pedros, Marias e Catarinas doam um pedaço de seu salário, todos os meses, para a organização levar adiante suas campanhas em defesa do planeta.
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© Greenpeace/Masi Torres
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Sem colaborar, o Greenpeace não existiria. Meu filho de sete meses já não vai pegar o mundo como eu conheço, será muito diferente de hoje. Não vai ser bom. Faço a minha parte, reciclo o lixo, no serviço sou o chato, o cara que diz para os outros não jogarem lixo para fora da janela. Viro motivo de chacota mas não ligo, eles que são cegos. A minha preocupação com a natureza vem de dentro. Não gosto de matar para comer, não consigo ver gente matando baleia, arrancando barbatana. Sinto dor e raiva dos governantes quando vejo árvores sendo cortadas na Amazônia. Júlio Cesar Costa, motorista, 30 anos
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O colaborador do Greenpeace está antenado ao mundo em que vive e viverão seus descendentes. Quer um planeta saudável e tenta fazer sua parte em casa, com atitudes ambientalmente corretas, como economizar água e reciclar o lixo. A ONG entra como a realização de sua consciência, com pernas capazes de pular as barreiras institucionais que tanto seguram a atuação do brasileiro. “Vim para o Greenpeace por convergência, como o braço com competência política para agir quando me sinto impotente”, conta o médico Wilmelm Kenzler. O anjo justiceiro Wilmelm, um cidadão comum do Brasil, enfrenta grande dificuldade de se fazer ouvir por empresas poderosas, como Cargill, Garoto e JBS-Friboi, assim como presidentes e congressistas – mesmo sendo esses, em princípio, seus representantes. Para isso, é necessário integrar
A responsabilidade, principalmente moral, de cumprir nosso papel é imensa. Clelia Maury, diretora de Marketing e Mobilização de Recursos do Greenpeace to: enquanto o Greenpeace combate no mundo externo, eu combato no interno”, diz Wilmelm, psiquiatra. O médico respira fundo e para um minuto para pensar em sua ligação com o planeta. Cada colaborador tem sua própria história, um momento ou uma passagem da vida que o aproximou da natureza, a ponto de se importar com sua preservação. O psiquiatra, de 76 anos, retorna à infância pobre, em um cortiço na região central da capital paulista, distante de qualquer contato com um ambiente natural. Ele revive o deslumbramento de sua primeira visita ao campo,
uma mobilização popular muito densa – como foram as Diretas Já – e, mesmo assim, enfrentando forte resistência de quem não quer mudar o estado das coisas. O Greenpeace é uma alternativa à inércia. É como o anjo justiceiro Micael, compara o médico. Ele aponta uma estátua no canto de seu escritório, no Alto da Boa Vista, bairro de classe média alta na zona sul de São Paulo. O olhar do anjo contempla o horizonte, o futuro, enquanto segura o mal com um pé e sustenta uma balança da Justiça na mão. “É um arquétipo, como do Davi contra o Golias. É um pouco como me sin-
Quem são os colaboradores?
Onde estão?
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A maioria dos colaboradores vem do Sudeste e cursa ou já cursou uma faculdade.
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pleto om inc or
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os an
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Sudeste
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escolaridade
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3%
57% Quantos anos têm?
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Nordeste
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Norte
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Sou um pouco do Greenpeace e o Greenpeace é um pouco do Wilmelm. O conceito de ecologia que a organização busca bate com o conceito de ecologia humana que trabalho: o ser humano é um microcosmo, tem a parte ‘planta’ e a parte ‘animal’. Enquanto o Greenpeace combate no mundo externo, eu combato no interno. Todo mundo tem de entrar nos ‘Greenpeaces’ da vida, pois é um gesto colaborativo. Proponho que o homem é Homo sofiens, do qual sofiens significa sabedoria. É de onde parte a antroposofia, linha que sigo, e da qual a ecologia é parte inerente.
© Greenpeace/Masi Torres
Wilmelm Kenzler, médico, 76 anos
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a um sítio simples de um amigo dos pais. “Tinha 9, 10 anos e vivi um impacto ao ver animais, plantas, vivenciar a vida de quem mora fora da cidade. Até os 14 anos queria estudar agronomia”, lembra. Wilmelm seguiu outra profissão, mas a marca da mudança ficou gravada. Hoje pai de três filhos adultos e avô de quatro netos, poderia justificar sua contribuição como um passaporte para um futuro limpo para seus familiares. “Não é por mim, nem por meus filhos, é pela humanidade. Quero ser um cidadão do planeta, não do meu país ou do meu bairro.” Confiança A organização dá voz para as pessoas. As pessoas dão fôlego para o Greenpeace. É o dinheiro dos colaboradores que garante a total independência da organização. Os R$ 5 milhões arrecadados anualmente no país são aplicados integralmente nas campanhas nacionais. “A responsabilidade, principalmente moral, de cumprir nosso papel é imensa”, diz Clelia Maury, diretora de marketing e mobilização de recursos do Greenpeace. Por cumprir o papel, compreende-se questionar a Cargill (cujo porto em Santarém, para escoar soja plantada na Amazônia, foi construído de forma irregular), a Garoto (suspeita de usar ingredientes transgênicos em 2008), a JBS-Friboi (frigorífico que comprou carne proveniente de áreas desmatadas), entre outras grandes empresas nacionais e internacionais.
O Greenpeace também expõe deputados e senadores que trabalham incansavelmente para destruir as florestas que ainda existem no Brasil, como a bancada da motosserra que tenta destruir o Código Florestal, e pressiona o presidente Lula para seguir uma política ambiental consistente – o que não acontece sempre. “A doação é a expressão econômica do endosso à organização. A pessoa é tão alinhada ao Greenpeace que abre a carteira para colaborar, com um nível de confiança difícil de se alcançar no Brasil, onde existe tanta ‘pilantropia’ por aí”, explica Maury. Quase 99% dos colaboradores permitem o desconto mensal de um valor da conta-corrente ou do cartão de crédito. “Esse nível de confiança não é trivial.” Júlio, o motorista de caminhão, mesmo com filho pequeno e o dinheiro contado, não pensa em parar de colaborar. “Tem gente que diz que sou louco de dar dinheiro todo mês. Mas só tenho a ganhar”, insiste.
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Se você mudou de endereço, telefone ou e-mail, é importante entrar em contato com o Greenpeace e atualizar seus dados. Assim a organização pode manter o canal aberto de comunicação e mantê-lo informado das atividades conduzidas no Brasil e no mundo. A atualização pode ser feita pelo telefone (11) 3035 1151 ou pelo e-mail:
Bola rolando Na Semana do Meio Ambiente, no início de junho, o Greenpeace preparou uma série de atividades para mostrar à população como as florestas brasileiras estão sob ameaça. A turma da motosserra que atua em Brasília partiu para um ataque intenso neste ano, tentando desfigurar completamente a legislação ambiental. Em resposta, ativistas do Greenpeace levaram informações para a população sobre o Código Florestal, com a ajuda do HomemMotosserra, e como uma comissão especial da Câmara dos Deputados, apinhada de ruralistas, trabalha para acabar com ele. A exposição de fotos “Floresta Ameaçada”, levada para Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e São Paulo, mostrava imagens de beleza da Amazônia, assim como as queimadas e os desmatamentos que acabam com a mata. Na ocasião, os visitantes eram convidados a votar sim pela manutenção das florestas. Em Brasília, Manaus, Recife e Rio, um jogo de futebol entre os times Bancada da Motosserra Futebol Clube e Florestas Futebol Clube lembrou à população, em clima de Copa do Mundo, que todos são goleiros da ofensiva ruralista na hora de proteger as árvores nacionais (leia mais sobre o Código Florestal nas páginas 4 a 7).
relacionamento@greenpeace.org /AF Rodrigues
rvatório de Favelas
© Greenpeace/Obse
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clima&oceanos
O navio Esperanza levou equipe para estudar impactos do aquecimento global.
Medindo a pressão Danielle Bambace
O Greenpeace parte para o Ártico para investigar o que ameaça nossos oceanos.
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o século XV, Henry Hudson, um dos grandes navegadores da história, desbravou a Passagem Noroeste entre o Oceano Atlântico e o Pacífico, na região hoje conhecida como Ártico. Assim como ele, outros descobridores enfrentaram intempéries geladas para abrir caminho ao comércio e à exploração, cruzando um dos mais preciosos ecossistemas do planeta. Começava ali uma história de conquistas, mas também de devastação e descaso com o ambiente. Seis séculos depois, a história ainda se repete. Ecossistemas frágeis e únicos do Ártico continuam sendo afetados pelas mãos do homem. O vilão de hoje atende pelo nome de aquecimento global e suas consequências vão de acidificação dos mares à extinção de espécies como o urso polar. É para avaliar esses impactos 16
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– e outros que possam surgir no futuro – que o Esperanza, o maior e mais moderno navio do Greenpeace, navegou em direção ao Ártico. A viagem, que começou em meados de maio e terminou no fim de junho, teve como objetivo desenvolver pesquisas, fiscalizar a pesca irregular, e, claro, mostrar as belezas naturais que estão sob ameaca. A expedição foi uma parceria entre pesquisadores do Greenpeace e cientistas do Instituto Alemão de Pesquisa Marinha (IFM, em inglês) e do Centro de Pesquisa para Geociências Marinhas (Geomar, em inglês), que navegaram até Svalbard, na Noruega, para realizar experimentos práticos. Desses, o mais aguardado, resultado da coleta de dados a partir de estruturas artificiais, promete revelar o que acontece com o ambiente marinho quan-
do a acidificação da água aumenta drasticamente. A cada ano, oito milhões de toneladas de CO2 derivadas da produção de combustíveis fósseis são absorvidas pelos mares. Quando entra em contato com o gás carbônico, a água forma um ácido que, a partir de certo nível de concentração, começa a dificultar a formação de conchas e esqueletos de microcrustáceos, por exemplo. A ausência de uma única espécie como essa pode trazer danos irreversíveis a toda a cadeia alimentar envolvida. Pouca gente sabe, mas essa pode ser uma das piores consequências do aquecimento global aos oceanos. A sede humana por combustíveis fósseis acaba de provocar também o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos. O susto com vazamento de óleo no Golfo do
© Greenpeace/Nick Cobbing
Alerta da tragédia A explosão seguida de vazamento da plataforma de petróleo Deepwater Horizon, no dia 20 de abril, vem causando o maior desastre do tipo nos Estados Unidos. Segundo estimativas, cerca de 5 mil barris de óleo por dia são cuspido de um buraco no fundo do Golfo do México. O óleo já contaminou estuários, praias e mangues, matando animais marinhos e aves da costa da Lousianna. Após o acidente, o presidente Barack Obama confirmou moratória de seis meses para novos poços de petróleo em alto-mar, por falta de segurança. Um aviso para o Brasil, que começará a explorar a petróleo na camada do pré-sal, a 250 quilômetros da costa brasileira.
México, fruto da explosão da plataforma Deepwater Horizon em 20 de abril, foi suficiente para que o presidente americano Barack Obama decretasse uma moratória de seis meses para novos poços de petróleo em alto-mar, suspendendo também a perfuração na costa do Alasca. Tempo obviamente insuficiente para sanar o problema, uma vez que a única solução para evitar catástrofes como essa é banir para sempre esse tipo de exploração, investindo em fontes renováveis de energia (leia mais acima). As ameaças provocadas pelo aquecimento global no Ártico não param por aí. Com o derretimento das geleiras, áreas que antes eram cobertas de gelo estão cada dia mais expostas a atividades como a pesca industrial. Já existem registros de traineiras de arrasto nessas áreas. Tal modalidade
de pesca, além de dizimar espécies, causa graves danos ao substratos marinhos e aos corais. Para registrar esse tipo de impacto serão utilizados veículos subaquáticos com câmeras, controlados remotamente. Esse tipo de equipamento garante operações em maiores profundidades e durante um tempo prolongado. A biodiversidade no Ártico, apesar de rica, é ainda pouco conhecida e está ameaçada. Certamente poderíamos observar um Ártico bem mais preservado e próximo da realidade que Henry Hudson viu séculos atrás, se a região fosse uma área marinha protegida. O Greenpeace exige a criação dessas áreas e uma moratória permanente para qualquer tipo de atividade industrial na região, como forma eficiente de preservar não só esse ecossistema único, mas nossos oceanos.
No dia 8 de junho, Junichi Sato e Toru Suzuki, dois ativistas do Greenpeace no Japão, ouviram a promotoria de Aoki pedir 18 meses de cadeia para os dois ao tribunal onde estão sendo julgados por roubo e invasão de propriedade. Na verdade, Junichi e Toru não cometeram crime algum. Foram metidos à força no banco dos réus porque, além da militância contra a indústria de pesca da baleia no Japão, denunciaram um esquema de desvio de dinheiro público e contrabando dentro de uma das empresas que caçam cetáceos, com finaciamento do governo, no Atlântico Sul. Sob o argumento de que realiza pesquisa científica, o Japão mantém um programa de matança de baleias que escapa do alcance da Moratória da Caça Comercial decretada em 1982. Em abril de 2008, Junichi e Toru investigaram uma história de que os navios japoneses não apenas estavam arpoando mais baleias do que o permitido pelo tal programa científico, mas que seus tripulantes estavam desviando o produto da caça ilegalmente, lesando o contribuinte japonês. Junichi e Toru comprovaram a denúncia, entregando a promotores japoneses caixas com carne de baleia que eram desviadas. A promotoria abriu investigação, mas, dois meses depois, resolveu encerrá-las. Ato contínuo, deu partida no processo contra os dois ativistas. Além de desafiar a lógica, o caso serviu para colocar no banco dos réus, junto com os dois ativistas, não apenas o programa de caça japonês, mas a lisura do seu Judiciário. A ONU disse que o processo contra Junich e Toru é uma clara violação de seus direitos civis e das práticas jurídicas aceitas internacionalmente. J. T.
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Recorte da ilustração de Molly Intersimone.
© Greenpeace/Daniel Beltrá
Golpe legal
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© Greenpeace/Mihalis Karayannis
transgênicos
Ativistas protestam em Atenas contra a importação de sementes geneticamente modificadas em 2000.
Frankenstein do campo
cartas Depois o morro desaba e ninguém entende o porquê “É só começar a chover para ver gente morrendo soterrada na própria ignorância. Depois decretam ‘calamidade pública’, arrecadam alguns milhões, investem alguns milhares, desviam o restante e abafam o caso. A natureza avisa: ‘Não construam aqui, não morem aqui, me deixem em paz’. Mas ninguém escuta. A natureza dá e a natureza tira.” Marco Aurélio Valori, No fórum da área de colaboradores do site
Juliana Tinoco
Fabricantes de transgênicos prometeram eliminar ervas daninhas e diminuir uso de tóxicos no campo, mas terminaram por criar monstros: as superpragas.
Você também pode mandar seu comentário, dúvida ou sugestão. REVISTA DO Greenpeace Rua Alvarenga, 2331 Cep: 05509 006 São Paulo SP
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soja transgênica Roundup Ready (RR), líder de vendas da empresa multinacional de biotecnologia Monsanto, vem transformando o suposto milagre da agricultura transgênica em pesadelo para as lavouras. Usado de forma extensiva no campo por mais de 30 anos, o herbicida de mesmo nome revelou-se capaz de gerar ervas daninhas resistentes, mais fortes e predatórias. Veio dos Estados Unidos o primeiro alerta de pragas que resistem ao spray do RR e que se multiplicam ferozmente. No Brasil, relatos indicam pelo menos nove espécies resistentes em cultivos de soja transgênica. Os produtores são obrigados a recorrer então a altas doses de outros produtos tóxicos e a técnicas ultrapassadas e caras de eliminação do mato. Dessa maneira seus gastos aumentam e eles repassam tanto o custo quanto o veneno para o consumidor. O herbicida Roundup Ready, com glifosato na composição, foi patenteado em 1970 pela Monsanto e se tornou campeão de vendas da empresa nos anos 1990. A liderança veio graças à venda casada do produto com as sementes transgênicas de milho e soja chamadas Roundup Ready, que já vinham prontas para receber banhos do produto. “Quando usamos um mesmo herbicida em larga escala e por muito tempo, é esperado que isso ocasione o surgimento de superpragas”, explica Paulo Kageyama, professor titular da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). Ao longo do tempo, morrem as ervas daninhas suscetíveis ao produto, deixando vivas, graças à seleção natural, aquelas com genes resistentes. “O corpo científico da Monsanto sabia que isto aconteceria”, afirma Kageyama. Em recente declaração à imprensa, a empresa garantiu desenvolver químicos complementares para controle das superpragas. Kageyama critica a inserção de mais tóxicos na lavoura: “Novos produtos nunca são testados em todos os seus efeitos. Por exemplo, não se verificou a reação do Roundup na células do útero da mulher. Anos depois descobriu-se que ele tem efeito abortivo”, diz. Para substituir o RR, agricultores brasileiros vêm recorrendo até ao 2,4-D, um dos químicos presentes na composição do “agente laranja”. Esse produto provoca a queda das folhas e é altamente tóxico. Foi usado na guerra do Vietnã, para acabar com as florestas do país, e causou inúmeras deficiências físicas em fetos, até ser proibido em vários países. “As promessas de que as culturas transgênicas seriam favoráveis ao ambiente e trariam mais lucros aos produtores estão sendo enterradas pelo surgimento das ervas resistentes”, diz Iran Magno, coordenador da campanha de transgênicos do Greenpeace.
ASSOCIAÇÃO CIVIL GREENPEACE Conselho diretor
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Marcelo Sodré Eduardo M. Ehlers Marcelo Takaoka Pedro Leitão Raquel Biderman Furriela Marcelo Furtado Sérgio Leitão Paulo Adario Manoel F. Brito Clélia Maury
REVISTA DO GREENPEACE É uma publicação trimestral do Greenpeace
Editora Editora de fotografia Redatores
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Cristina Amorim (MTb 29391) Danielle Bambace Ana Galli Bernardo Camara Caroline Donatti Danielle Bambace Juliana Tinoco Laura Fuser Gabi Juns D’lippi
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relacionamento@greenpeace.org
No dia 20 de abril, ativistas despejaram três toneladas de esterco e se acorrentaram ao portão principal do prédio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em Brasília. O objetivo era protestar contra o leilão de concessão para construção e operação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O custo inicial previsto pelo governo para a obra, R$ 7 bilhões (valor esse já revisado agora em R$ 19 bilhões), seria suficiente para formar um parque eólico equivalente a Itaipu. Se construída, Belo Monte inundará 51 mil hectares de floresta, compreendendo inclusive unidades de conservação.
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© Greenpeace/Felipe Barra
Não a qualquer custo
© Greenpeace/Nick Cobbing
O Esperanza no Ártico Depois do Arctic Sunrise, quem partiu para o Ártico foi o Esperanza. O Greenpeace pede uma moratória de todas as atividades industriais na região, algo similar ao que já foi feito na Antártida. E funcionou, a área é destinada exclusivamente a pesquisa e não pode sofrer exploração mineral por 50 anos (leia mais na página 17).
ESPERANZA
RAINBOW WARRIOR
ARCTIC SUNRISE
Navegando pelo atum azul O Rainbow Warrior e o Arctic Sunrise estão em campanha no Mediterrâneo para impedir a pesca excessiva de atum azul. A expedição mal começou e já não fomos muito bem recepcionados. Ao tentar liberar atuns azuis ameaçados de extinção de uma rede de pesca, nossos ativistas foram atacados por pescadores armados com ganchos, arpões e rojões. Um ativista ficou ferido. O atum azul é o exemplo de como os oceanos e a gestão da pesca estão à beira do colapso. Globalmente, mais de 90% dos grandes predadores como esta espécie de atum desapareceu de nossos oceanos e estima-se que mais da metade das espécies que são comercializadas hoje pode desaparecer até 2050. Essa expedição do Greenpeace foi planejada para expor esse drama e pressionar os governos a proibirem imediatamente a pesca de atum azul no Mediterrâneo.
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Os navios são plataformas fundamentais para o trabalho do Greenpeace. Essa frota verde viaja pelos quatro cantos do mundo e funciona como um verdadeiro escritório móvel – para expor e confrontar os responsáveis pelos crimes ambientais ou documentar as agressões em áreas remotas do planeta.
Para acompanhar o paradeiro dos navios em imagens ao vivo acesse: entre em: http://www.greenpeace.org/international/photosvideos/ship-webcams
© Greenpeace/Gavin Parsons