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julho - agosto - setembro | 2010
Revista
Amaz么nia no mapa
© Greenpeace/Rodrigo Baleia
Amazônia no mapa
Aparelho de GPS dá as coordenadas de pasto irregular na Floresta Nacional do Jamanxim (PA) ©Ricardo Funari/Lineair
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Mapear é Saber Um olha do espaço. O outro do ar Mais um ano de trégua Amazônia em cinza Mudar incomoda Promessa é dívida Mundo em perigo Ativismo não é terrorismo Em ação
carta aos colaboradores
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raças ao desempenho eleitoral de Marina Silva, diziam as manchetes dos jornais da segundafeira seguinte ao 1º turno das eleições presidenciais, haverá 2º turno. Tenho a esperança de que, ao longo dessa segunda fase da campanha, a questão ambiental finalmente venha a fazer parte do debate eleitoral. Aliás, surpreende que ela ainda não tivesse feito parte da campanha. Entrevistado por Juliana Tinoco, o economista Sergio Besserman Vianna diz que debruçar-se sobre o ambiente hoje em dia é a única maneira de ficar sintonizado com a história. Segundo ele, a questão mais urgente é a das mudanças climáticas, porque ela agrava outros problemas ambientais e coloca a humanidade diante de um dilema que ela ainda não sabe resolver. Não se trata mais de descobrir apenas como crescer de maneira sustentável, diz o economista. Mas de construir algo novo para viabilizar a continuidade da civilização. O Brasil tem tudo para descobrir essa via de desenvolvimento diferente e não repetir modelos de crescimento escorados no petróleo que ameaçam a estabilidade do clima e o futuro do planeta. Oitenta por cento de nossa geração elétrica vem de fontes limpas. E podemos muito bem exigir dos dois candidatos que se comprometam em elevar esse percentual a 100%. Tecnologia e recursos naturais não faltam para limparmos de uma vez por todas a nossa geração. Do mesmo modo, é preciso insistir para que Dilma e Serra defendam nossas florestas e impeçam mudanças no Código Florestal. Ambos, aliás, já se comprometeram com isso, como mostra a reportagem de Ana Galli na página 10. Doze ONGs, entre elas o Greenpeace, enviaram ainda no 1º turno perguntas aos candidatos sobre a proposta do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) de alterar o Código Florestal. Serra e Dilma foram contra a ideia de anisitar desmatadores e rejeitaram a tese que ele prejudica a agricultura. O Greenpeace faz a sua parte na busca desse Brasil diferente, investigando e expondo agressões ambientais e propondo soluções para garantir o nosso futuro do planeta. Para tanto, é preciso ter informação de qualidade. É essa a razão pela qual o Greenpeace montou um laboratório de geoprocessamento em Manaus. Na reportagem de capa, Bernardo Camara conta como ele trabalha para mapear e levantar as informações sobre o que anda acontecendo na floresta.
Indo além do petróleo Água quente em pedra fria Greenpeace na Web Entrevista: Civilização Ambiental O legado permanece Foto oportunidade
Marcelo Furtado Diretor Executivo Greenpeace Brasil
O Greenpeace é uma organização global e independente que promove campanhas para defender o meio ambiente e a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. Nós investigamos, expomos e confrontamos os responsáveis por danos ambientais. Também defendemos soluções ambientalmente seguras e socialmente justas, que ofereçam esperança para esta e para as futuras gerações e inspiramos pessoas a se tornarem responsáveis pelo planeta. O Greenpeace não aceita dinheiro de governos, partidos ou empresas. Ele existe graças às contribuições de milhões de colaboradores em todo o mundo. São eles que garantem a nossa independência. |3
©Ricardo Funari/LineAir
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© Greenpeace/Marizilda Cruppe
amazônia
Mapear é saber Bernardo Camara e Danielle Bambace
Os sucessos colecionados pela campanha da Amazônia em dez anos de operação têm muito do departamento de geoprocessamento.
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Com auxílio da equipe de geoprocessamento, ativistas vão a campo ver de perto a devastação na Amazônia.
Conseguimos ter acesso e analisar dados com muito mais rapidez e precisão dados não sucumbam ao calor e à umidade dessas terras tropicais. “Trabalhar com Amazônia não é simples. Além de ser uma área enorme, a logística é complicada, pela falta de boas estradas e aeroportos. E, ao contrário do que muita gente pensa, a região não é nada homogênea, tanto em termos sociais, como ambientais e econômicos”, observa Edwin Keizer, que lidera a equipe do LabGeo. “Para entender essa complexidade e ter uma visão panorâmica, a melhor forma é por meio de mapas, que podem reunir e contextualizar as informações.” O crescimento do laboratório acompanhou o avanço da tecnologia. Há dez anos, quem buscava dados sobre a Amazônia tinha de se aventurar em pilhas de papel. Hoje, com alguns cliques, a informação está na tela do computador. O número de instituições que produzem dados sobre a região também in-
chou de lá para cá. Fatores que só contribuíram para a campanha que Greenpeace toca contra o desmatamento. “Hoje, conseguimos ter acesso e analisar dados com muito mais rapidez e precisão, o que é fundamental para o trabalho da organização”, diz Keizer. “A gente pode cruzar dados de desmatamento com a área de uma terra indígena ou uma unidade de conservação, por exemplo, para saber se elas estão sendo afetadas. Quanto mais rápido identificamos esses problemas, mais cedo podemos pressionar governo e empresas e tornar isso público.” Assim tem acontecido. No ano passado, o Greenpeace soltou o relatório “A Farra de Boi na Amazônia”, que denunciava como conhecidas marcas internacionais de calçados e grandes redes de supermercado contribuíam indiretamente para a devastação da floresta
tropical brasileira. Muitas com sede na Europa, as empresas compravam carne e couro de frigoríficos, que por sua vez compravam gado proveniente de áreas desmatadas. Por meio de imagens de satélite e interpretação de dados o documento mostrou, ponto a ponto, quem estava fora da lei. “Analisamos o avanço do desmatamento por propriedades e, depois de georreferenciar, íamos a campo documentar. Isso dá cara aos impactos que a gente vê pelas imagens de satélite”, explica Keizer. É também para “dar cara” ao desmatamento que esse ano o Greenpeace fechou uma parceria com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon (como mostra reportagem na página 06). Apesar de o LabGeo ter nascido com e para o trabalho na Amazônia, volta e meia a equipe ajuda outras
campanhas do Greenpeace. A organização prepara para este ano um material graficamente inédito: um atlas que mostra simultaneamente unidades de conservação já criadas, distribuição da biodiversidade, áreas prioritárias para conservação e áreas de exploração de petróleo ao longo da costa brasileira. A publicação terá um tom informativo, para que a situação dos oceanos seja entendida também por quem não é especialista no assunto. Na sala do LabGeo, os projetos e ideias não cessam. E novos trabalhos não param de chegar. Nesse ritmo, não vai demorar para que a sala fique apertada. “Boa parte do sucesso que temos nas investigações se deve ao departamento”, reconhece Marcelo Marquesini, antes de arrematar: “É impossível fazer trabalho de campo, ativismo e investigação na Amazônia sem geoprocessamento.”
© Greenpeace
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uatro milhões de quilômetros quadrados não cabem num olhar. Por isso, quando a campanha da Amazônia ainda engatinhava no Greenpeace, o martelo já estava batido: uma das vagas seria reservada para quem entendesse de geoprocessamento. “Precisávamos produzir nossos próprios mapas, para saber onde estávamos indo”, lembra o coordenador de pesquisa, Marcelo Marquesini. Hoje, é regra: não há saída de campo que não tenha alguém do LabGeo dando as coordenadas. O nome – Laboratório de Geoprocessamento – ainda soa pomposo para o time que trabalha em Manaus. Informalmente, todos se dirigem ao “pessoal de mapas”. Mas, a julgar pela importância que o departamento ganhou, a pompa faz todo o sentido. Se no princípio tudo se resumia a um especialista que não tirava os olhos do computador, agora seis pessoas – entre engenheiros agrônomo e florestal, biólogos e antropólogo – se revezam na produção e análise de dados. Quando não estão na estrada ou em sobrevoos estão numa das únicas salas do escritório que têm ar condicionado – prerrogativa para que as potentes máquinas que utilizam para processar os
Equipe de mapas no escritório de Manaus
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desmatamento
O beabá do monitoramento
Bernardo Camara
© Greenpeace
Dados de desmatamento do Imazon serão confirmados no campo pelo Greenpeace. Parceria aperfeiçoa monitoramento da Amazônia.
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cada mês, uma equipe da ONG Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) se debruça sobre mapas, imagens de satélite e equações matemáticas para gerar dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). Criado como ferramenta independente de acompanhamento da floresta, o SAD ganhou um aliado: o Greenpeace está sobrevoando algumas áreas de derrubadas para conferir o que os satélites estão dizendo. A parceria entre as duas organizações promete refinar ainda mais o monitoramento da floresta amazônica. Treinada especialmente para essa missão, uma equipe especializada em geoprocessamento decola a cada três meses com mapas do Imazon e GPS para registrar os pontos indicados. Na última viagem de verificação, o Greenpeace conferiu 108 polígonos de desmatamento,
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que o SAD apontara, e o resultado foi excelente: a grande maioria, 93%, estava certa. “Essa verificação é fundamental para sistemas de monitoramento como o SAD, pois as informações iniciais são baseadas em interpretação de imagens de satélite”, explica Edwin Keizer, coordenador do laboratório de Geoprocessamento (LabGeo) do Greenpeace. “Os dados reais, de campo, são complementares e confirmam se os alertas são verdadeiros.” Quando se trata de Amazônia, a função não é simples. Além da imensa extensão das áreas sobrevoadas, a verificação fica prejudicada em tempo de seca e queimadas. Em sobrevoos feitos no último mês, a fumaça resultante de incêndios para limpeza de terreno tornou as viagens arriscadas e impediu que alguns pontos fossem confirmados no sul do Amazonas, sudoeste do Pará
e norte do Mato Grosso. Os alertas emitidos pelo SAD também estão cada vez mais difíceis de serem dados, pois a dinâmica do desmatamento mudou de alguns anos para cá. Hoje, quase 60% das derrubadas são pequenos e fragmentados, enquanto o sistema só enxerga derrubadas maiores de 12,5 hectares. Mas a missão segue em frente. E a ideia é que, aos poucos, esse monitoramento se torne mais abrangente e envolva mais atores. “O Greenpeace está na Amazônia, conhece a realidade da região e tem parceiros locais. Aos poucos, pretendemos envolver associações e pessoas daqui, formando uma rede de parceiros que vai tornar esse trabalho ainda mais transparente”, diz Keizer. “É essa associação que vai tornar o monitoramento mais eficaz daqui para frente: um olho na tecnologia e outro no ‘mundo real’.”
Deter (www.obt.inpe.br/deter) é o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real, criado em 2004 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), braço do Ministério da Ciência e Tecnologia. Do outro lado da linha, está o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), tocado pela ONG Imazon (www.imazon.org.br). Os dois sistemas foram criados com objetivos semelhantes, de acender a luz amarela quando alguma derrubada fosse identificada. Assim, os órgãos de fiscalização podem ir ao local para autuar os responsáveis. Nem Deter, nem SAD vieram ao mundo para medir tamanho de desmatamento. Ambos usam imagens de satélite numa resolução baixa, que só enxerga devastações maiores que 25 hectares, no caso do Deter, e 12,5 hectares, no caso do SAD. Os números divulgados a cada mês, portanto, indicam apenas se há uma tendência de queda ou de aumento dos cortes rasos e da degradação da floresta. Hoje existe apenas um sistema que fornece a área desmatada na Amazônia: o Programa de Cálculo de Desmatamento, o Prodes (www.obt.inpe.br/prodes), também do Inpe. Ele gera relatórios anuais, divulgados no fim do ano, sobre a extensão das áreas desmatadas desde o fim da década de 1980. B.C.
Área desmatada para plantio de soja em Belterra, no Pará.
© Nilo D’Avila
Um olha do espaço. O outro, do ar
O marinheiro de primeira viagem que resolve acompanhar os altos e baixos do desmatamento na Amazônia acaba se perdendo na sopa de letras. A cada mês, é SAD para cá, Deter para lá, Prodes acolá. As siglas, porém, têm nome. Vamos a eles.
Mais um ano de trégua Laura Fuser
São quatro anos de sucesso, mas agora empresas do setor da soja precisam permitir completa exposição de quem ainda insiste em desmatar.
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moratória da soja, acordo feito para retirar o desmatamento da cadeia de produção de soja na Amazônia, completou quatro anos em julho e foi prorrogada por mais um ano. Desde sua implementação, as empresas do setor se comprometem a não comprar grãos de áreas recém-desmatadas. Para melhorar o monitoramento do cumprimento da moratória, neste ano o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) fornece informações detalhadas, obtidas por satélite, das terras ocupadas por agricultura na Amazônia. A moratória sobre a principal matéria-prima brasileira comercializada no exterior representa avanços rumo ao desmatamento zero da floresta amazônica. A previsão de uma safra de 66,1 milhões de toneladas para o período 2009/2010 mostra
que o setor pode crescer sem avançar sobre a vegetação nativa. Apesar do sucesso, ainda há pontos a serem trabalhados no acordo. O maior desafio é ampliar o número de fazendas com Cadastro Ambiental Rural (CAR), sistema oficial que detalha os limites da fazenda e, portanto, permite a identificação de quem desmata. A possibilidade de mudanças no Código Florestal, que ruralistas tentam deixar mais frouxo, tem sido usada como argumento para os fazendeiros não se regularizarem. “Avançar na governança do setor agropecuário é fundamental para acabar com o desmatamento na Amazônia. Avançamos nesses quatro anos de moratória da soja, mas ainda temos muito a fazer”, diz Raquel Carvalho, da campanha da Amazônia do Greenpeace.
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Bernardo Camara
Greenpeace registra queimadas na Amazônia. Seca, falta de infraestrutura e ano eleitoral formaram um prato cheio para o fogo se alastrar em 2010.
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© Greenpeace/Rodrigo Baleia
Desmatamento e pasto na Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará.
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odo ano é assim. Quando o segundo semestre aponta no calendário, começa a temporada de seca na floresta tropical brasileira. É quando os fazendeiros aproveitam para renovar seus cultivos. E é quando o verde das matas é, frequentemente, substituído pelo cinza. “Com o clima seco, quando alguém põe fogo numa área, a queimada pode facilmente perder o controle e chegar às matas”, diz Raquel Carvalho, da Campanha da Amazônia do Greenpeace. E dessa vez a seca veio com força. Em algumas regiões amazônicas, a umidade relativa do ar que geralmente bate os 80% chegou a 15%. Em agosto e setembro, o Greenpeace sobrevoou os estados do Mato Grosso, Pará e Amazonas, e constatou o que os satélites já adiantavam. Com os dados do Prodes, programa oficial de monitoramento do desmatamento na Amazônia, nas mãos, a equipe foi até os locais dos focos e notou uma relação estreita entre desmatamento e queimadas: geralmente, é na fronteira entre floresta e campo que o fogo começa. Jeito fácil e barato de “limpar” o terreno para cultivo, o uso do fogo é prática que atravessa séculos no Brasil. E continua, ainda no século 21, muito vivo na Amazônia. O rastro de prejuízos – que já ultrapassou, há muito, as cercas das fazendas – está a olhos nus. Mas nem por isso, a prática é deixada de lado. “É trágico, porque além de afetar a saúde da população as queimadas são, junto com o desmatamento, a principal contribuição que o Brasil dá para as mudanças climáticas”, aponta Paulo Adario,
diretor da Campanha da Amazônia do Greenpeace. Para botar em números, do total de emissões de gases estufa que o Brasil produz, 75% vem dessa combinação, que libera na atmosfera milhões de toneladas de gás carbônico (CO2). “É preciso parar isso”, defende Adario. Enquanto esse dia não chega, as labaredas não poupam nem as áreas protegidas. Durante os sobrevoos, a equipe documentou queimadas em algumas das terras indígenas e unidades de conservação mais vulneráveis ao fogo. É o caso da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no sudoeste do Pará. Espremida entre o chamado arco do desmatamento, região que concentra a derrubada da floresta, e a BR-163, a Flona teve mais de 800 focos de incêndio só no mês de agosto, liderando a lista das áreas protegidas mais afetadas. Apesar de o problema cruzar séculos e se repetir ano a ano, as autoridades até hoje não conseguiram resolvê-lo. “Em geral, os Estados não têm infraestrutura para lidar com as queimadas. E há uma desarticulação dentro do próprio poder público, dos órgãos de monitoramento, fiscalização e combate aos incêndios”, afirma Carvalho. Gargalos na infraestrutura de lado, o ano de 2010 ainda carrega outro fator que abre espaço para mais fogo. Historicamente, os incêndios e o desmatamento disparam em ano eleitoral, quando o poder público faz vista grossa para os crimes ambientais, em troca de um voto aqui e ali. Enquanto isso, os aeroportos fecham, as pessoas ficando doentes e a atmosfera permanece carregada de CO2.
Mudar incomoda Laura Fuser
Compromisso dos frigoríficos com o desmatamento zero na Amazônia completa um ano em outubro e deixa muita gente que defende a ilegalidade e o corte injustificado da floresta tropical brasileira de cabelo em pé.
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ssinado pelos maiores frigoríficos do país e apoiado pelo grupo internacional de compradores de couro, o compromisso pelo desmatamento zero na cadeia da pecuária na Amazônia completa um ano no dia 5 outubro. As empresas que participam se comprometem a não mais comprar gado de áreas recém desmatadas na Amazônia, de fazendas localizadas em unidades de conservação e terras indígenas, ou que estejam na lista negra do trabalho escravo. Essa conquista, de importância inquestionável, está incomodando ruralistas. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), por exemplo, política com cabeça do século passado e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entrou com pedido de suspensão da campanha “Carne Legal”, do Ministério Público Federal. A proposta era incentivar os consumidores a questionarem a origem da carne, para expor a ilegalidade que toma conta da cadeia – o que claramente incomoda a senadora. A Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) não fez muito diferente: ameaçou boicote aos frigoríficos que aderirem ao compromisso. Essa reação “é prova de que o compromisso está sendo executado e incomodando aqueles que se beneficiam do desmatamento”, diz Marcio Astrini, da campanha da Amazônia do Greenpeace. O compromisso dos frigoríficos foi uma resposta à denúncia do Greenpeace, feita em junho no ano passado no relatório “A Farra do Boi
na Amazônia”. O documento aponta a co-responsabilidade de grandes empresas na destruição da floresta da região. A criação de gado é hoje o maior vetor de desmatamento na Amazônia, que por sua vez é a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa do Brasil, o que coloca o país na vergonhosa posição de quarto maior emissor do mundo. Pelo acordo, se o pecuarista desmatou, os três frigoríficos que o assinaram, Marfrig, JBS e Minerva – os maiores do país –, param de comprar seus bois. A informação é obtida pelo cruzamento da localização das fazendas fornecedoras espalhadas pela Amazônia com imagens de satélite que identificam desmatamentos. Em julho, os frigoríficos participantes apresentaram o cadastramento de mais de 12.500 fazendas, o que, segundo eles, representa todos os seus fornecedores diretos. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), mantido pelo governo, ainda não dá conta do recado. No Pará, segundo maior rebanho da região e Estado campeão de desmatamen-
to, 30% das fazendas estão cadastradas. No Mato Grosso, o governo estabeleceu prazo até 13 de novembro deste ano para as fazendas se entrarem no CAR. “Houve avanços, mas precisamos cadastrar todas as fazendas”, afirma Astrini. Uma das tentativas de identificar quem desmata foi apresentada ainda em dezembro do ano passado. A Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) lançou um programa de certificação da carne vendida nas gôndolas, para oferecer ao consumidor apenas produtos de frigoríficos comprometidos com o fim do desmatamento. Porém, depois de quase um ano, o plano não saiu do papel. Alguns supermercados têm trabalhado de forma independente em busca de soluções, mas ainda existem aqueles que dão de ombros para o problema. Os consumidores têm o direito de saber a procedência dos produtos que compram, e os supermercados devem garantir que não vendem o desmatamento da Amazônia nas suas prateleiras.
© Greenpeace/Marizilda Cruppe
Amazônia em cinza
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Marina Silva e os dois candidatos que passaram ao segundo turno, Dilma e Serra, se comprometeram a defender nossas florestas da investida dos ruralistas.
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precisa construir um caminho seguro para a regularização ambiental das propriedades agrícolas”, defendeu Dilma. Marina afirmou que as mudanças na legislação devem ser feitas em busca de aumentar a proteção das florestas, não de diminuir. “O desmatamento é o principal fator de emissão de gases de efeito estufa no Brasil, de modo que a busca pelo cumprimento das metas de redução por parte do governo federal deve ser coerente, colocando a garantia da preservação e uso sustentável das florestas no centro da discussão sobre a alteração da legislação ambiental.” O documento também cita o risco sofrido por moradores de encostas e beiras de rios, que deveriam ser áreas de preservação permanente. Sobre o tema, Serra se declarou contrario à ocupação dessas áreas e citou um projeto que prevê a retirada de 5.800 famílias da Serra do Mar. “O projeto é considerado pelo BID como o maior do mundo com deslocamento humano por razões ambientais”, disse o candidato tucano.
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“O Brasil pode expandir sua produção agrícola sem desmatar. Hoje existem 60 milhões de hectares de pasto mal utilizados ou subutilizados que precisam ser recuperados. É área mais que suficiente para expandir nossa produção pelas próximas décadas.”
“Consideramos fundamental manter e, quando for o caso, recuperar as matas ciliares nas propriedades rurais, especialmente aquelas que protegem nascentes de água; são essas áreas de biodiversidade próximas de recursos hídricos que prestam serviços ambientais mais relevantes.”
“Sou contrária a esta proposta de anistia pois ela gera impunidade, o que favorece o descrédito da lei e o aumento do desmatamento. Além do que, a anistia é uma injustiça aos proprietários que corretamente seguiram a lei em suas terras, mantendo as áreas de floresta previstas.”
“Os pobres são jogados para as piores áreas das cidades, que não reúnem condições de abrigar casas ou habitações, quando vêm as chuvas são estes os primeiros a sofrer. Defendemos que as pessoas que moram em área de risco sejam removidas e que essas áreas sejam recuperadas.”
Dilma Rousseff (PT)
José Serra (PSDB)
Marina Silva (PV)
Plínio de Arruda Sampaio (PSOL)
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Natureza em perigo Ana Gali
Mais uma vez as metas de conservação da biodiversidade não são cumpridas pelos governos. Daqui a pouco será tarde demais.
© Denis Ferreira Netto
© Ricardo Stuckert
© Ricardo Stuckert
m setembro, no Dia da Árvore, o Greenpeace e outras 11 organizações ambientalistas divulgaram o posicionamento dos então quatro principais candidatos à Presidência sobre a atual legislação ambiental e as inúmeras tentativas do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e de ruralistas de enfraquecerem o Código Florestal. Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV) e Plínio de Arruda (PSOL) responderam a sete questões sobre os principais pontos alterados na legislação ambiental e, pelo menos no papel, disseram ser a favor da floresta. Todos se declaram contrários à suspensão das multas a desmatadores prevista no relatório de Rebelo. Também discordaram do argumento ruralista que o atual Código Florestal representa um entrave à expansão da produção agrícola. “Discordo da conivência com o desmatamento e da leniência e flexibilidade com os desmatadores. O Brasil
© Greenpeace/Daniel Beltra
Ana Galli
© Valter Campanato/ABr
eleições
Promessa é dívida
Sanhaço-do-coqueiro (Thraupis palmarum) no Parque Estadual do Cristalino, Mato Grosso.
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ndispensável para a sobrevivência do mundo, a preservação da biodiversidade é um concenso unânime no meio científico. O problema é convencer governantes, empresários e outros setores da sociedade da real importância da preservação da natureza não só para o planeta como também para a economia. “Permitir que (nossa infraestrutura natural) decline é como jogar dinheiro pela janela”, disse o secretário-geral das Organizações das Nações Unidas (ONU), Ban Kimoon. Exemplo disso é o esvaziamento da Convenção da Diversidade Biológica (CDB). A reunião marcada para outubro, em Nagoya, no Japão, tinha o objetivo de decidir caminhos para reverter a perda da biodiversidade no mundo, fator que, segundo o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, “ameaça a sobrevivência da
espécie humana”. Pois a reunião já estava desacreditada antes mesmo de começar. Boa parte dos 170 países participantes, entre eles o Brasil, não conseguiu – ou não quis – cumprir as metas de preservação da fauna e da flora assumidas em 2002, na 6ª reunião da convenção. De extrema relevância para a biodiversidade brasileira, uma das metas mais relevantes era inserir em unidades de conservação pelo menos 30% da Amazônia e 10% dos demais biomas e da zona costeira e marinha, dados do Ministério do Meio Ambiente divulgados recentemente revela que a meta não foi alcançada. De acordo com o governo, a Amazônia registrou 26,2% do território protegido, o cerrado, 7,9%, a mata atlântica, 7,8%, a caatinga, 7,3%, o Pantanal, 4% e as zonas costeira e marinha apenas 1,5%.
O mesmo acontece com a meta para retardar o declínio da biodiversidade, que faz parte dos oito Objetivos de Desenvolvimento do milênio traçados pela ONU. Segundo dados da organização, cerca de 17 mil espécies vegetais e animais estão em risco de extinção, enquanto o número de espécies sob ameaça também cresce a cada dia. Esse cenário de descumprimento de metas e acordos tira as esperanças de o mundo manter uma taxa de biodiversidade mínima para a sobrevivência da sociedade em longo prazo. De acordo com estudos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a humanidade já consome mais de 30% de recursos naturais acima da capacidade de reposição do nosso planeta, uma verdadeira tragédia para a natureza. “Estamos quebrando a nossa economia natural”, alerta Ban.
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Indo além do petróleo
Ativismo não é terrorismo Membros da equipe do Greenpeace sofrem punições desmedidas por exercerem seu direito ao ativismo.
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Começa por você
© Greenpeace/Masi Torres
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Ativismo. Na acepção do dicionário, é um conjunto de princípios que priorizam a ação em detrimento da teoria. Para o Greenpeace, é a filosofia que guia seu modo de operação na luta ambiental. Praticar o ativismo, direito assistido pela Organização das Nações Unidas (ONU), no entanto, recentemente virou alvo de notícia em página policial. É o que aconteceu em setembro. Nesse mesmo mês, militantes japoneses foram condenados por revelarem um crime e ativistas americanos descobriram-se membros de uma lista negra de terrorismo. Há dois anos enfrentando um processo repleto de falhas, dois membros da equipe do Greenpeace no Japão, Junichi Sato e Toru Suzuki, foram condenados a um ano de prisão, com pena suspensa por três anos. O crime? Denunciaram um esquema de corrupção dentro do programa baleeiro japonês. Eles interceptaram uma carga clandestina de carne de baleia contrabandeada e entregaram à Justiça. Por conta desta investigação, de interesse público, pesaram sobre Sato e Suzuki acusações de roubo e invasão de propriedade. O julgamento, criticado por organizações de direitos civis, a ONU e a Anistia Internacional, foi repleto de testemunhos contraditórios por parte da acusação. Ainda assim, os réus foram impedidos pelo governo de se envolver em atividades do Greenpeace por três anos.
Laura Fuser
No mesmo mês do anúncio da condenação, uma reportagem do jornal “The Washington Post” pegou todos de surpresa. Ela revelou que, nos últimos três anos, ativistas do Greenpeace constavam da lista negra do FBI como potenciais terroristas. A notícia veio graças a um relatório publicado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que monitorou as atividades do FBI no pós- 11 de setembro, concluindo que o órgão cometeu excessos ao classificar pacifistas como criminosos. Em uma ação realizada em setembro, em São Paulo, cerca de 40 pessoas protestaram na frente do Consulado do Japão por conta da condenação dos ativistas japoneses. Vestidos de preto, os manifestantes carregavam faixas com os dizeres “Ativismo não é crime”. Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de oceanos, aproveitou a data para relembrar que a prática que norteia as ações pacifistas do Greenpeace desde a sua criação, graças a qual muitas vitórias em prol do ambiente foram vencidas, não pode ser vista como um ato fora da lei: “O ativismo é um direito do cidadão.”
Sabe o que é SWU? É a sigla para a frase “começa com você” em inglês (starts with you), um movimento criado para levar e alimentar a consciência ambiental. Nos dias 8, 9 e 10 de outubro, o movimento organizou um fórum sobre sustentabilidade na cidade de Itu, no interior de São Paulo, com a presença de pessoas que são um exemplo de como colocar em práticas os preceitos de vida em harmonia com o ambiente. Entre os convidados, estavam Leonard Schelesinger, consultor da Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos – que lançou uma plataforma global, a Entrepreneurial Planet, que visa a fornecer ferramentas e capital para novos negócios sustentáveis entre os alunos das melhores faculdades do mundo –, e Alessandra França, presidente do Banco Peróla, de microcrédito. O Greenpeace esteve no evento com a equipe de Diálogo Direto e um estande. No dia 10 (Dia de Ação Global), ganhadores de uma promoção que distribuiu ingressos entre colaboradores participaram de um ato em prol da defesa ambiental. Isso tudo enquanto o show rolava solto no palco, que contou com grandes nomes da música nacional e internacional, como Jota Quest, Capital Inicial, Sublime With Rome, Joss Stone, Dave Matthews Band, Kings Of Leon, entre outros.
© Greenpeace/Will Rose
Juliana Tinoco
Greenpeace protesta em São Paulo contra a criminalização do ativismo após condenação de ativistas japoneses.
Greenpeace lança campanha de denúncia dos impactos da exploração de um recurso para lá de poluente.
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ez anos atrás, a British Petroleum (BP), uma das maiores empresas petrolíferas do mundo, gastou milhões na renovação de seu logotipo e seu slogan. A sigla BP foi rebatizada como Beyond Petroleum (além do petróleo) e seus diretores incluíram em seus discursos expressões como “poder dos ventos e do Sol” e “energias renováveis”. Tudo papo. O investimento não passou de propaganda e a companhia não renovou em nada sua carteira de investimento e suas práticas danosas ao ambiente. O maior exemplo é a explosão de uma plataforma de petróleo, em abril, no Golfo do México. Onze pessoas morreram e o consequente vazamento de óleo por meses transformou-se no maior desastre ambiental da história americana. O problema é tão grande que um panorama claro dos impactos à biodiversidade e às cidades costeiras demorará ainda algum tempo para ser integralmente avaliado. Outras empresas continuam a ignorar os dados, cada vez mais claros e frequentes, que esse recurso começa a chegar ao fim, que sua contínua exploração colocou a hu-
manidade na beira de um precipício chamado aquecimento global e que deixar para trás o petróleo, e investir em fontes limpas e renováveis de energia, precisa ser muito mais do que uma jogada de marketing. De acordo com o Instituto de Pesquisa Climática de Postdam (Alemanha), para que o mundo não se aqueça além dos 2º graus, considerado o limite máximo tolerável, só podemos queimar 25% do total de combustível fóssil a que temos acesso em todo o mundo. Contudo, essas empresas mantêm investimentos pesados, com o apoio político e financeiro de governos, na busca por petróleo em camadas cada vez mais profundas e distantes, ameaçando inclusive ambientes praticamente intocados como o Ártico. A fim de chamar atenção para essa ameaça, o Greenpeace deslocou ativistas para a Groenlândia a bordo do navio Esperanza. A ideia é empregá-los para tentar interromper a atividade de plataformas de exploração ali estacionadas. Na última semana de setembro, por exemplo, ativistas galgaram as correntes das âncoras de um navioplataforma da empresa Chevron
impedindo por cerca de 100 horas que ele continuasse sua rota rumo à um ponto de exploração de petróleo no Ártico. Obrigados a se retirar por ordem judicial, os ativistas não se deram por vencidos e mergulharam nas águas geladas da região para se postar em frente à proa do navio, atrasando ainda mais sua partida. Atualmente, investimentos governamentais nas indústrias de combustíveis fósseis, como o petróleo, são dez vezes maiores do que os investimentos em energia limpa. O que não entra nesse cálculo é o montante de recursos necessário para resolver os problemas causados pelo aquecimento global. “O Brasil, por exemplo, tem potencial de se tornar um país totalmente renovável e dar um exemplo para o mundo”, diz Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energia do Greenpeace. “A energia hidrelétrica tem limitações para o crescimento, por conta dos seus impactos sociais e ambientais. Já a eólica tem toda a sua expansão pela frente: aqui venta o suficiente para produzir até 300 mil MW de energia, o que seria mais do que suficiente para abastecer todo o país.”
Saiba mais sobre as ações do Greenpeace no Ártico e no Golfo do México em www.greenpeace.org.br/revista
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Danielle Bambace
Imagem de satélite da geleira Petermann, no Ártico.
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© Greenpeace/Will Rose
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subtropicais do oceano Atlântico circulam sob os fiordes da região e colaboram dia a dia com o derretimento das geleiras na Groenlândia. Os dados que dão base à conclusão vieram de um equipamento instalado na região durante a expedição do navio Arctic Sunrise em 2009 e recolhido agora. Durante o ano, os pesquisadores, sob a batuta da oceanógrafa Fiamma Straneo, do Woods Hole, obtiveram informações como temperatura, salinidade e oxigenação das águas. Os dados ainda serão analisados, mas de cara já mostram que as águas ali esquentaram 1ºC de um ano para outro. É muito. Quanto mais quente está o oceano, mais rapidamente as geleiras derretem, como cubos de gelo em uma bebida quente. O raciocínio é simples, mas parece ainda não ter sido assimilado na mente dos governantes. “A única forma de evitar esse verdadeiro desastre ambiental é assumindo compromissos efetivos de redução de emissões de gases do efeito estufa”, afirma Nicole Figueiredo, coordenadora da campanha de Clima do Greenpeace. “Precisamos agir antes que o processo de derretimento torne-se irreversível.”
Correntes, câmera, ação!
© Nasa
Pesquisa realizada com ajuda do Greenpeace ajuda a esclarecer detalhes de como o aquecimento do oceano reduz gradativamente o gelo no Ártico. ra um evento anunciado. Ainda assim, foi impressionante. Em agosto, no Hemisfério Norte, um iceberg de 250 mil quilômetros quadrados – a área do Pantanal – se descolou da geleira Petermann após um longo processo de fragmentação e derretimento. Agora, essa imensa placa flutua no estreito de Nares, entre a Groenlândia e o Canadá, como um lembrete das transformações que o Ártico vem sofrendo nos últimos anos. A extensão da camada de gelo no Ártico tem diminuído gradualmente nas últimas três décadas, mas o processo sofreu uma aceleração nos últimos quatro anos. Em 2007, a área de água congelada durante o verão chegou a um nível que, de acordo com previsões iniciais, não seria atingido antes de 2080. A quebra da geleira Petermann é mais uma evidência de que o planeta passa por grandes mudanças, numa relação cada dia mais clara com o aquecimento global. Novos detalhes desse processo estão sendo desvendados com a ajuda do Greenpeace. Um estudo feito por cientistas do Instituto Oceanográfico Woods Hole, dos Estados Unidos, publicado no início do ano, mostra que águas
green n@ web
© Greenpeace/Felipe Barra
Transmissão ao vivo realizada durante ação no Itamaraty.
Laura Fuser
Ativistas tentam apagar incêndios florestais na Rússia.
Um ano pra lá de quente
Vista aérea de iceberg em processo de degelo no Ártico.
O ano de 2010 ainda nem terminou e tudo indica que será o mais quente desde quando o homem começou a fazer esse registro, em 1850. A média das temperaturas em oito meses já se igualou a de 1998, ano recorde até agora, e tem tudo para ultrapassá-lo. Segundo o Centro Nacional para Dados da Neve e do Gelo dos Estados Unidos, o aumento na temperatura global fez com que, em 10 de setembro, a cobertura de gelo do Ártico atingisse a sua menor extensão do ano, com menos de 5 milhões de quilômetros. D.B.
Greenpeace aproxima público dos ativistas e voluntários ao realizar transmissões ao vivo na internet de protestos e mobilizações nas ruas.
O © Greenpeace/ Igor Podgorny
clima
Água quente em pedra fria
s protestos do Greenpeace estão mais perto de qualquer um, em qualquer lugar, a apenas um clique. Há um ano, o escritório no Brasil transmite ações e outras atividades ao vivo na web, para quem quiser acompanhar a movimentação em tempo real e compartilhar com amigos. Tudo começou com uma câmera na mão e um laptop nas costas, enquanto ativistas pediam ao presidente Lula, na frente de seu escritório em Brasília, que participasse mais ativamente das discussões em torno do aquecimento global. Aos poucos, a equipe web – responsável pela transmissão – mudou equipamento, pegou jeito e passou a acompanhar os protestos mais importantes que o Greenpeace realiza. “Nosso objetivo é proporcionar a todos a mesma emoção de agir em defesa do ambiente que sentimos nos protestos, além de poder acompanhar os desdobramentos dessa ação”, diz Edu Santaela, coordenador da equipe de web do Greenpeace. Outros escritórios,
como do Canadá e da Argentina, também fazem a transmissão online em tempo real de protestos. Atualmente, a transmissão no Brasil é feita de duas formas. Um laptop com conexão sem fio e uma câmera estática são usados nos casos de cobertura de atividades em locais fechados, como no seminário para jornalistas sobre Código Florestal, organizado em maio em São Paulo. Em ações externas, como a entrega dos painéis solares ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizada em agosto, o celular com conexão 3G dá mais mobilidade ao cinegrafista. Desde outubro do ano passado, as transmissões somaram mais de 3,5 mil visualizações, das quais 1,3 mil aconteceram no protesto contra a usina de Belo Monte, projetada para ser construída no rio Xingu. Em abril, o Greenpeace jogou 3 toneladas de esterco na frente do prédio onde foi realizado o leilão da usina – para a sorte dos internautas, eles acompanharam apenas o protesto com a visão, não o olfato.
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entrevista
Civilização ambiental Juliana Tinoco
© Arquivo pessoal Sergio Besserman
O economista carioca Sérgio Besserman Viana é um homem multifacetado. Foi diretor do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), presidente do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e do Instituto Pereira Passos, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Hoje preside a Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da mesma prefeitura, além de ser professor universitário de Economia e ainda encontrar tempo para observar aves, calcular a pegada ecológica da família e se emocionar ao ver um mico-leão dourado. Apaixonado por natureza a despeito de ter crescido em uma família essencialmente urbana, é leitor voraz de Darwin. Depois do “Mengão”, estudar é sua segunda maior paixão.
Besserman, 53 anos, é hoje uma das vozes brasileiras mais influentes quando o assunto são as mudanças climáticas, tema que considera de transformação histórica. Em entrevista, ele fala das raízes do seu engajamento, de sua visão do futuro e do conceito de desenvolvimento sustentável, que, para ele, significa mais do que simples readequações de atitudes cotidianas: seria a construção de uma nova civilização. Revista do Greenpeace Como o tema ambiente entrou na sua vida? Sérgio Besserman Viana Sou filho de pais comprometidos com a luta pela democracia e pelas causas humanistas. Durante muitos anos me dediquei às questões econômicas, sem preocupação com agressões ambientais. Em meados dos anos 80, já no BNDES, tive um colega, o Paulo Sérgio Fonseca, que me trouxe dois presentes. O primeiro foi me ensinar a ser um observador de aves. O segundo foi me apresentar à literatura ambiental. Compreendi então que esta é a agenda de alguém que pretende se sintonizar de verdade com a história. 16
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Neste momento, vamos ter de ser capazes de tomar decisões globais. Qual é a questão principal dessa agenda? O grande tema para mim sempre foram as mudanças climáticas. Não por ter um valor maior do que as outras dimensões da crise ambiental, mas por ser mais profunda e urgente. Ela é a principal causa do agravamento dos outros fatores – perda de biodiversidade, extinção de espécies, desertificação, acidificação dos oceanos, escassez de água doce. Envolve tudo, desde o mundo dos negócios até a geopolítica do poder, determinada por onde estarão as fontes de energia no futuro e pela competitividade dos países em função das tecnologias. Entrei nessa questão por fazer parte de uma geração que assistirá – de maneira mais inteligente ou mais estúpida – ao fim de uma civilização, a
dos combustíveis fósseis, e o início de uma nova era, a das tecnologias de baixo carbono. O que mudou no discurso ambiental nos últimos anos? O movimento ambientalista surgiu no século 20 com a preocupação de evitar a destruição da natureza da qual dependemos. Hoje a questão é outra, não é só o crescimento destrutivo versus aquele que incorpora questões sustentáveis. Esse é o modo de pensar antigo. A questão é construir algo novo, que ainda não sabemos o que é, para viabilizar a continuidade da civilização. O que está em jogo é a sociabilidade. Nós nunca fomos uma humanidade do ponto de vista concreto, sempre fomos tribos. Somos europeus ou africanos, budistas ou cristãos, palmeirenses ou flamenguistas. Mas, neste momento, vamos ter de ser capazes de tomar decisões globais. Que tipo de decisões? As duas populações com maior risco no contexto das mudanças climáticas são os pobres e os empresários. As empresas vão nascer e
morrer aos borbotões para construir uma economia de baixo carbono. Se o processo demorar mais, significa que vai ser mais acelerado no futuro; se demorar menos, a gente faz com mais organização. A construção de uma economia de baixo carbono não é apenas uma transição tecnológica. Achamos que tecnologia é suficiente para resolver todo e qualquer problema. Besteira. A técnica é fundamental, mas sem envolver relações civilizatórias não vai nos levar para nenhum lugar. O filósofo romano Sêneca já dizia: o navio que não sabe seu rumo a qualquer vento serve. Que mudanças de mentalidade são necessárias? Até hoje vivemos a relação com a natureza de forma excessivamente arrogante, como se tivéssemos direito a ela e, ao mesmo tempo, fossemos seus protetores. A humanidade não pode nem destruir, nem salvar a natureza. Ela tem milhões de anos para se recuperar: 5 a 10 milhões é o tempo de recuperação da biodiversidade após as grandes extinções. Mas há uma outra natureza, da qual nós fazemos parte e dependemos. É essa que estamos destruindo. É por isso que o desenvolvimento sustentável é a questão da história do século 21. O que significa desenvolvimento sustentável? Não sabemos – felizmente. Um psicanalista francês, Alain Green, disse uma vez que a resposta é a infelicidade da pergunta. Nós temos uma pergunta muito boa porque ela não é uma receita, é a construção de uma história. A idéia básica que norteia o conceito de desenvolvimento sustentável quando ele é primeiro cunhado no Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em
A questão do desenvolvimento sustentável torna-se uma questão civilizatória.
tencial criativo de uma história, de uma cultura, de uma pessoa. É um crescimento diferente daquele que pareceu ser na história do século 20. Está na hora de entender que desenvolvimento sustentável é mais do que reorientar práticas. É construir outra civilização.
1987, é a de que o futuro nos traria custos e de que teríamos de ter preocupação com as próximas gerações. De lá para cá, descobrimos que a questão é mais ampla: já ultrapassamos diversos limites da capacidade do planeta, é quase certo que a temperatura da Terra ultrapassará os 2oC, o que não poderia acontecer de jeito nenhum. Temos 4,5 bilhões de pessoas querendo o mesmo padrão de consumo das 1,5 bilhão que mais gastam, e outras 3,5 bilhões previstas para nascer nas próximas décadas. Se continuarmos baseados no modelo oferecido, morreremos todos sufocados. A questão do desenvolvimento sustentável torna-se então uma questão civilizatória.
O mundo ainda pode crescer? Eu digo que temos de fazer como seleção brasileira de futebol: vamos para o ataque. Queremos mais ciência e mais tecnologia para termos mais desenvolvimento, mas tudo em um contexto de mais consciência. Nos últimos 20 anos, estivemos em um estágio muito primitivo dessa questão e manter o ambiente ainda era visto como preservacionismo. Agora chegou o momento político da sustentabilidade sofrer um debate mais aprofundado no seu interior. Tem de ser feito porque não temos mais tempo. Estamos em um momento de grande profundidade histórica.
Como aplicar o conceito na vida cotidiana? Adotar práticas sustentáveis é o primeiro passo porque é barato. A gente faz tudo um pouco melhor: troca fontes de energia por outras mais sustentáveis, adota melhores padrões de consumo, usa menos o carro e a água, não come carne de desmatamento. O segundo passo vem com a mudança da idéia de que é o consumo que define o humano. Mudar as relações sociais de tal forma que a obra e a criatividade de uma pessoa tenham um valor muito maior do que a quantidade de recursos que ela acumula. É a isso que nós teremos que chamar de progresso. A palavra desenvolvimento significa desfazer (prefixo des) aquilo que está envolvido, ou que está “envelopado”. Desenvolvimento é libertar o po-
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cartas
memória
O legado permanece
O papel da ciberação “Tornar-se ciberativista significa lutar por uma, ou mais, causas no ambiente virtual, buscando modificações reais. Naturalmente que a militância virtual não substitui a ação social feita na sola do sapato. Nem por isso o adepto da ciberação deixa de ter a necessidade de possuir o mesmo grau de envolvimento com a causa que pretende defender. Formalizar e socializar causas é o caminho para mudança - aquilo que não for difundido terá pouca ou nenhuma eficácia. Portanto, busque a sua causa e mãos à obra!”
Ana Galli
Dois fundadores do Greenpeace morreram em julho. Seu espírito permanece vivo nos milhares de funcionários, colaboradores e ativistas.
Antonio José Correa, No fórum da área de colaboradores do site
Dorothy Stowe, em junho de 2009.
O
REVISTA DO GREENPEACE Rua Alvarenga, 2331 Cep: 05509 006 - São Paulo SP ASSOCIAÇÃO CIVIL GREENPEACE Conselho diretor
Jim Bohlen, (esq.), em maio de 1971.
movimento mundial em defesa do ambiente perdeu recentemente dois importantes personagens de sua história. Jim Bohlen e Dorothy Stowe, co-fundadores do Greenpeace, faleceram em julho no Canadá, com 84 e 89 anos, respectivamente. Bohlen, nascido em Nova York, foi operador da Marinha americana na Segunda Guerra Mundial, mas abandonou o Exército em 1966 e fugiu para o Canadá para evitar que seu enteado fosse enviado para a Guerra do Vietnã. Lá, começou a se envolver em causas de defesa do ambiente. Stowe, nascida em Rhode Island, Estados Unidos, teve uma longa vida dedicada à causa ambiental e à justiça social. Em busca de um mundo melhor, os dois ativistas fizeram parte do grupo de 12 pessoas que no dia 15 de setembro de 1971 protagonizou a ação que deu origem ao Greenpeace. Foi nessa época que Bohlen e Stowe, além de outros ambientalistas e jornalistas, alugaram o Phyllis Cormack, uma pequena embarcação que seguiu rumo a Amchitka, nas ilhas Aleutas, no Alasca. O objetivo da viagem era evitar que o governo americano promovesse mais um teste nuclear no local. Mais de 10 mil pessoas se mobilizaram contra o teste, mas apesar disso ele foi apenas adiado. Da aventura nasceu o Greenpeace, que começou a operar no ano seguinte e se transformou em uma das maiores organizações no mundo em defesa do ambiente. Stowe inspirou, até seus últimos dias de vida, pessoas de várias gerações, que a procuravam para conhecer sua visão de defesa da paz e da natureza. Ela faleceu no dia 23 de julho em Vancouver, Canadá. Bohlen foi diretor do Greenpeace até se aposentar, em 1993, e morreu no dia 5 de julho em Comox, Canadá, em decorrência de complicações de Mal de Parkinson.
Presidente Conselheiros
Diretor executivo Diretor de campanhas Diretor de campanha da Amazônia Diretor de comunicação Diretora de marketing e captação de recursos
Marcelo Sodré Eduardo M. Ehlers Marcelo Takaoka Pedro Leitão Raquel Biderman Furriela Marcelo Furtado Sérgio Leitão Paulo Adario Manoel F. Brito Clélia Maury
REVISTA DO GREENPEACE É uma publicação trimestral do Greenpeace Editora Editora de fotografia Redatores
Designer gráfico Prepress e impressão
Cristina Amorim (MTb 29391) Danielle Bambace Ana Galli Bernardo Camara Caroline Donatti Danielle Bambace Juliana Tinoco Laura Fuser Karen Francis W5 Criação e Design D’lippi
Este periódico foi impresso em papel reciclado em processo livre de cloro. Tiragem: 29 mil exemplares. www.greenpeace.org.br
O selo FSC garante que este produto foi impresso em papel FSC.
ATENDIMENTO
E se fosse aqui? No início de agosto, ativistas simularam um vazamento de petróleo em frente ao escritório da BP, em São Paulo. O protesto chamou a atenção para o desastre ambiental provocado no Golfo do México, o maior da história dos Estados Unidos, após a explosão de uma plataforma de petróleo da empresa no dia 20 de abril. Por aqui, o Greenpeace usou uma imitação anódina do óleo (já que dele a gente quer mais é distância) para chamar a atenção sobre os impactos aos ecossistemas da região afetada. O vazamento só foi contido em meados de agosto, depois de o equivalente a 5 milhões de barris de petróleo serem lançados no mar.
telefone 11 3035 1151
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relacionamento@greenpeace.org
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© Greenpeace/Alexandre Cappi
© Greenpeace/Alan Katowitz
© Greenpeace/Robert Keziere
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ESPERANZA
Virando a maré O Rainbow Warrior está na Tailândia, esquentando os motores para iniciar uma expedição pelo Sudeste Asiático. Até dezembro, a tropa vai cruzar a Tailândia, a Indonésia e as Filipinas, numa campanha para que os governos da região façam sua opção pelas energias renováveis e enfrentem com seriedade a crise climática global. Para isso, o navio segue fazendo escalas em cidades e vilarejos, para promover eventos que mobilizem e conscientizem a população local.
ARCTIC SUNRISE RAINBOW WARRIOR
Para acompanhar o paradeiro dos navios em imagens ao vivo acesse: entre em: http://www.greenpeace.org/international/photosvideos/ship-webcams
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© Greenpeace/Staporn Thongma
Indo além do petróleo Enquanto um time trabalha no Golfo do México, outro está na Groenlândia tentando impedir que os erros se repitam. Ali, ativistas interromperam a operação de uma plataforma de exploração de petróleo da empresa Cairn Energy e de um navio-plataforma da Chevron. O óleo em contato com águas quase congeladas leva mais tempo para se dispersar e, em caso de desastre, poderia envenenar um dos mais importantes ambientes marítimos do mundo.
© Greenpeace/Will Rose
© Greenpeace/Mannie Garcia
Hora de calcular os danos Para medir os estragos do maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos, o vazamento de óleo provocado pela explosão de uma plataforma da BP, o Arctic Sunrise partiu para o Golfo do México com uma tropa de cientistas. O monitoramento pretende mostrar como uma política energética suja pode afetar por décadas não só a biodiversidade e os ecossistemas do planeta, mas pôr em xeque a própria economia.