vol. 4, n. 7 semestre 1
2019 ISSN 2448-3664
EDITORIAL......................................................................................................... 3 JOSÉ HENRIQUE BASSI SOUZA SPERANCINI
CONTRIBUIÇÕES DO BNDES NA GERAÇÃO DE COMPETÊNCIAS PARA PROMOÇÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NOS SUBSETORES FARMOQUÍMICO E ELETRÔNICO DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO VIA FUNTEC..................................................... 4 RODOLFO BALISTERO FRANCO
INVESTIMENTO EM INOVAÇÃO E RISCO SISTEMÁTICO NAS EMPRESAS................... 16 YAGO DE LIMA CARLOS E CLAUDIO FELISONI DE ANGELO
GESTORES DE PROJETOS DE INOVAÇÃO E TRAJETÓRIA DE CARREIRA SOB A PERSPECTIVA PROTEANA................................................................................... 27 MARCELO APARECIDO ALVARENGA, PRISCILA REZENDE DA COSTA
AMOSTRAGEM ESTRATIFICADA E DISTRIBUIÇÃO MULTINOMIAL NA PESQUISA DE OPINIÃO: APLICAÇÃO COM ALUNOS DE ADMINISTRAÇÃO...................................... 42 MARCOS RICARDO ROSA GEORGES
EMPREENDEDORISMO VIRTUAL (E-BUSINESS) NAS EMPRESAS BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE DO SETOR DE COMÉRCIO E SERVIÇOS ................................................... 55 EVANDRO PRIETO
INOVAÇÃO DAS PESQUISAS EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS NO DOUTORADO ACADÊMICO INDUSTRIAL DA UFABC A PARTIR DAS CONCEPÇÕES DOS SEUS DOCENTES E SUPERVISORES INDUSTRIAIS........................................................................... 67 LUARA SPINOLA, SOLANGE REGINA SCHAFFER, FABIANA CARLOS PINTO DE ALMEIDA, JULIO FRANCISCO BLUMETTI FACÓ
http://publicacoes.ufabc.edu.br/reni/
Equipe Editorial Editor Chefe
José Henrique Bassi Souza Sperancini - Doutor em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Tem experiência em ensino e pesquisa nas áreas de economia da saúde, evolucionismo, economia do turismo e avaliação de políticas públicas com ênfase nos temas da inovação tecnológica e do desenvolvimento econômico.
Conselho Editorial
Alberto Sanyuan Suen - Doutor em Administração pela FEA-USP. Tem experiência nas áreas de Economia, Administração e Direito, com ênfase em Economia Financeira, Administração de Empresas e Direito Comercial Alexandre Ottoni Teatini Salles - Doutor em Economia pela University of Hertfordshire. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Institucional, Economia Pós-Keynesiana, economia monetária e financeira, história econômica e desenvolvimento econômico. Ana Claudia Polato e Fava - PhD pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, mestrado e graduação pela Universidade de São Paulo. Tem experiência em Microeconomia, Econometria, Desenvolvimento Econômico, Economia da Família e Finanças Pessoais. Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha - Doutora em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Tem experiência na área de Estratégia competitiva e de inovação; Gestão de tecnologia e inovação; Gestão de inovação em economias emergentes; Tecnologia, inovação e desenvolvimento sustentável; Economia da inovação tecnológica; Estratégias empresariais; Políticas de ciência, tecnologia e inovação e Empreendedorismo. Hernàn Thomas (UNQ) - Doutor em Ciência e Tecnologia Política pela UNICAMP. Pós-doutorado no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (UNICAMP). Pesquisador do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) e professor da Universidade Nacional de Quilmes. Pesquisador (categoria 1) do programa de incentivo do Ministério da Educação. Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes. Ivan Fernandes é Bacharel em Relações Internacionais (2007) e Mestre e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2010). Foi Pesquisador Visitante com Bolsa de Doutorado Sanduíche na Universidade de Illinois em Urbana Champaign (2012). Tem experiência nas seguintes áreas de Ciência Política: tomada de decisão, política comercial, política burocrática, mudança institucional, voto econômico e a relação entre democracia e desigualdade social. http://lattes.cnpq.br/9951591696185495. Josmar Cappa - Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Economia, atuando principalmente nos seguintes temas: economia urbana e regional, políticas públicas contemporâneas, políticas públicas, transporte aéreo e aeroportos e economia do bem-estar social. Marta Cristina Marjotta - Mestrado e Doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: agronegócio, logística, marketing e setor sucroenergético. Mônica Yukie Kuwahara - Mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de microeconomia e economia do meio ambiente. Realiza pesquisas sobre qualidade de vida, desigualdade, desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental, com ênfase maior em seus indicadores e análises de políticas públicas. Octavio Augusto Camargo Conceição - Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Flutuações Cíclicas e Projeções Econômicas, atuando principalmente nos seguintes temas: instituições, abordagens institucionalistas, economia brasileira, desenvolvimento econômico e crescimento econômico. Ricardo Luiz Silveira da Costa - Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Filosofia Medieval e História Medieval.
Pareceristas
Alberto Sanyuan Suen (UFABC) Alexandre Ottoni Teatini Salles (UFF) Ana Claudia Polato e Fava (UFABC) Anapatrícia Morales Vilha (UFABC) José Henrique B. Souza Sperancini (UFABC) Josmar Cappa (PUC-Campinas) Marta Cristina Marjotta-Maistro (UFSCar) Márcia Carvalho de Azevedo (Unifesp) Mônica Yukie Kuwahara (UFABC) Octavio Augusto Camargo Conceição (UFRGS) Ricardo Luiz Silveira da Costa (UFES) Amilcar Davyt Garcia (UR) Caroline Rodrigues Vaz (UFSC) Prof. Dr. Raul Otto Laux (UNIFEBE) Marcos Ricardo Rosa Georges (PUC -Campinas) Takeshy Tachizawa (FACCAMP) Hamilton Pozo (FACCAMP)
Editoração
Ma. Kelly Cristina Silva Firmino Sandra Felix Santos
EDITORIAL O sétimo número da “Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação” (RENI) inicia com o trabalho de Rodolfo Balistero Franco da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). O autor trata da política de inovação tecnológica dos subsetores farmoquímico e eletrônico. Foca, em especial, a relevância dos mesmos na linha de financiamento não reembolsável do BNDES FUNTEC entre 2004 e 2014. Também sobre inovação, mas focando o universo micro, Yago de Lima Carlos e Claudio Felisoni de Angelo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, apresentam seus estudos sobre as causas dos maiores retornos obtidos por companhias estrategicamente voltadas para inovação estão. Apresentam, em destaque, como o investimento em inovação afeta o risco sistemático das empresas. No mesmo tema, Marcelo Aparecido Alvarenga e Priscila Rezende da Costa da UNINOVE, procuram detalhar como os gestores de projetos de inovação constroem suas carreiras. Através do método grounded theory e de reflexões sobre 36 encontros com dezoito entrevistados responsáveis por projetos inovadores apresentam a formação de trajetórias aderente ao tipo de carreira proteana. Abordam, principalmente, temas relativos ao autogerenciamento de carreira, orientação por valores pessoais e sucesso psicológico. Igualmente recorrendo à entrevistas, o Professor Dr. Marcos Ricardo Rosa Georges do Centro de Economia e Administração e do programa de mestrado em Sustentabilidade da Puc-Campinas apresenta uma pesquisa de opinião realizada com alunos de administração para conhecer suas expectativas futuras e sobre seu envolvimento nas atividades de ensino. O economista Evandro Prieto, formado pela FAAP, FGV, Universidade de Berkeley e USP, e membro da Strategic and Competitive Intelligence Professionals (SCIP) aborta o tema do empreendedorismo virtual (e-business). Seu estudo pesquisou 167 empresas do setor de comércio e serviços empregando o teste de Kruskal-Wallis. A análise dos dados aponta, entre os fatores que influenciam a adoção do empreendedorismo virtual, o papel de destaque do setor de atuação da indústria. Por fim, Luara Spinola, Solange Regina Schaffer, Fabiana Carlos Pinto de Almeida do Doutorado Acadêmico Industrial (DAI) da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Julio Francisco Blumetti Facó vinculado aos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Engenharia e Gestão da Inovação (UFABC), refletem sobre suas experiências no DAI da Universidade Federal do ABC. Por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com os supervisores industriais e os docentes do DAI e da análise de conteúdo dos relatos, investigou as concepções sobre as inovações que estão sendo geradas no programa. Aproveitamos para, mais uma vez, agradecer os colaboradores da “Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação” (RENI).
Editor Científico José Henrique Bassi Souza Sperancini http://lattes.cnpq.br/4308301332725560 Editores executivos Anapatrícia Morales Vilha http://lattes.cnpq.br/9529188963395388 Alberto Sanyuan Suen http://lattes.cnpq.br/6463536571997908 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
3
Contribuiçõesdobndesnageraçãodecompetênciasparapromoçãodainovaçãotecnológicanossubsetoresfarmoquímicoeeletrônicodaindústriadetransformaçãoviafuntec
REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664
Rodolfo Balistero Franco Mestrando em Economia e Desenvolvimento pela Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
CONTRIBUIÇÕES DO BNDES NA GERAÇÃO DE COMPETÊNCIAS PARA PROMOÇÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NOS SUBSETORES FARMOQUÍMICO E ELETRÔNICO DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO VIA FUNTEC BNDES CONTRIBUTIONS IN THE GENERATION OF COMPETENCES FOR TECHNOLOGICAL INNOVATION IN THE PHARMACEUTICAL AND ELECTRONIC SUBSECTORS OF THE MANUFACTURING INDUSTRY THROUGH FUNTEC
RESUMO Este artigo busca verificar se os subsetores farmoquímico e eletrônico da indústria de transformação receberam contribuições do BNDES para a promoção da inovação tecnológica - dado que estes setores representavam prioridades das políticas industriais vigentes - através de sua linha de financiamento não reembolsável, o BNDES FUNTEC, para o período que compreende entre 2004 e 2014. Esse período de análise se justifica dada a execução das últimas três políticas de desenvolvimento industrial: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior - PITCE (2004 a 2007); Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP (2008 – 2010); e Plano Brasil Maior - PBM (2011 a 2014). Os resultados obtidos sinalizam que os subsetores eletrônico e farmoquímico – em especial - da indústria de transformação receberam as maiores contribuições do BNDES para a promoção da inovação tecnológica. Palavras-Chave: BNDES, FUNTEC, inovação, farmoquímico, eletrônico.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL:RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC
ABSTRACT This article seeks to obtain the most recent key industry pharmacochemical and electronic subsectors of BNDES for technological innovation - given that these sectors represent the industrial progress policies - through its non-reimbursable financing line, BNDES FUNTEC, for the period which comprises 2004 and 2014. This period of analysis is justified by the implementation of its industrial development policies: Industrial, Technological and Foreign Trade Policy - PITCE (2004 to 2007); Productive Development Policy - PDP (2008 - 2010); and Plan “Brasil Maior” PBM (2011 to 2014).The results of this article refer to the pharmacochemical and interactive subsectors of the data industry received from BNDES for the acquisition of technological innovation. Keywords: BNDES, FUNTEC, innovation, pharmacochemical, electronic
JEL Classification: L 52 4
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Rodolfo Balistero Franco
1.
INTRODUÇÃO
O surgimento de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (IFD) decorre da necessidade de países mais pobres em atingir nível de desenvolvimento maior por meio da obtenção de linhas de crédito de longo prazo que ofereçam suporte econômico para a consecução de projetos e políticas estratégicas de desenvolvimento – visto que a maior parte das instituições privadas comerciais priorizam operações de curto prazo que ofereçam menor risco. As Instituições Financeiras de Desenvolvimento (IFD) podem ser subdivididas em: i) federais de desenvolvimento, priorizando atuação nacional; ii) federais priorizando atuação regional; iii) interestaduais; iv) estaduais exclusivamente de desenvolvimento; v) estaduais na forma de banco múltiplo. (Além, 1997). O BNDES faz parte da modalidade de instituições federais de desenvolvimento e se integra ao chamado Sistema Nacional de Fomento – subseção do sistema financeiro nacional – que atua como financiador do desenvolvimento socioeconômico brasileiro, concedendo créditos e/ou prestando garantias para setores estratégicos da matriz de insumo produto nacional ou para agentes e regiões que não possuem acesso ao crédito privado. (Cunha; Carvalho; Prates, 2015). O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) que posteriormente, a partir da década de 80, recebera uma nova denominação, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foi criado em 20 de julho de 1952 por meio da Lei nº 1628 no governo de Getúlio Vargas. O BNDES, de acordo com a Lei nº 4.595/64 tem como único acionista o Governo Federal, que o utiliza como instrumento para executar políticas de investimento de longo prazo que visem efetivar projetos promovedores de desenvolvimento econômico e social. (BNDES, 2008). O foco de atuação do banco se transforma ao longo das décadas. Seu propósito inicial Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
era apoiar o desenvolvimento econômico por meio da diversificação e modernização industrial, em busca de uma maior substituição de importações. Contudo, nos anos iniciais de sua criação, os recursos foram alocados em projetos de infraestrutura. Somente a partir da segunda metade da década de 50 o BNDE focalizaria sua atuação para a questão do desenvolvimento industrial durante o Plano de Metas. (LESSA, 1981). Nos anos 60, a atuação do BNDE tinha como prioridades a indústria de base, os bens de consumo, às pequenas e médias empresas e o desenvolvimento tecnológico. Em relação ao desenvolvimento tecnológico, o banco cria em 1964 o Fundo de Desenvolvimento Técnico e Científico (FUNTEC). (BNDES, 2002). Este fundo será objeto de análise deste artigo. Na década de 70, o banco atuou no sentido de promover os setores de insumos básicos e bens de capital, estando comprometido com o processo industrialização por substituição de importados. Na década de 80, as área de energia, agricultura e social receberam maior ênfase na atuação do banco. (BNDES, 2002). Nos anos 90, as ações do BNDES passam a ter como engajamento as questões relativas a estabilização macroeconômica, como privatizações, estímulo às exportações e geração de empregos. (Tavares, 2013). Algumas iniciativas como a criação do Prosof (programa destinado ao setor de desenvolvimento de softwares) revelam a preocupação, na época, com a modernização tecnológica a partir da tecnologia incorporada em equipamentos. A partir da segunda metade dos anos 2000, o reconhecimento da inovação tecnológica como instrumento ao desenvolvimento industrial é observado pelo BNDES. Neste sentido, a partir de 2005, linhas de financiamento – como PD&I e Inova Produção e programas de incentivo a inovação de enfoque setorial - como PROTVD, Pro-Aeronáutica - são criados. O maior enfoque dado a inovação ocorre em consonância a criação, pelo governo federal, da PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), política voltada 5
Contribuiçõesdobndesnageraçãodecompetênciasparapromoçãodainovaçãotecnológicanossubsetoresfarmoquímicoeeletrônicodaindústriadetransformaçãoviafuntec
ao fortalecimento bem como expansão da base industrial brasileira por meio da melhoria da capacidade inovadora das empresas. (Tavares, 2013). A partir de 2011 o BNDES prioriza sua atuação em setores que desenvolvam determinados tipos de tecnologia. Esta atuação se dá por meio do Plano Inova Empresa, criado em 2013, executado em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) com objetivo de elevar o P&D nas empresas. (Turchi e Morais, 2017). O BNDES oferece um conjunto programas de apoio à inovação na modalidade reembolsável e como foco no desenvolvimento setorial: i) BNDES P&G – destina-se ao desenvolvimento de uma cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de petróleo e gás natural (P&G); ii) BNDES Profarma – destina-se a apoiar empresas do complexo industrial da saúde; iii) BNDES Prosoft – visa apoiar empresas produtoras de software e fornecedoras de serviços de tecnologia da informação; iv) BNDES Proplástico – tem como objetivo o financiamento de empresas que integram a cadeia produtiva do plástico em produção, fornecimento de máquinas e equipamentos, distribuição e reciclagem; v) BNDES Proaeronáutica – tem como finalidade apoiar projetos executados por micro, pequenas e médias empresas que fazem parte da cadeia produtiva da indústria aeronáutica brasileira; vi) BNDES Proengenharia - visa apoiar projetos de engenharia; vii) PROTVD – objetiva apoiar empresas que fornecem tecnologia e equipamentos para produção de conteúdo para a TV digital. (BNDES, 2013) Além destes programas setoriais, como citado anteriormente, o BNDES lança em parceria com a FINEP o Plano Inova Empresa, que também possui enfoque setorial, mas tem como prioridade projetos com riscos tecnológicos maiores. Possui modalidades de financiamento reembolsável e não reembolsável. Na modalidade não reembolsável o BNDES apresenta o FUNTEC. Este, tem como objetivo apoiar projetos de pesquisa aplicada, desenvolvimento tecnológico e inovação – em parceria com centros 6
tecnológicos e universidades. No FUNTEC são apoiados projetos de pesquisa aplicada, desenvolvimento tecnológico e inovação (P, D & I). (BNDES, 2013). Esta modalidade, em tese, busca atender setores cujas tecnologias sofrem com maiores defasagens e/ou que possuem maior relevância dentro da política industrial vigente, sendo desta maneira, prioritárias. Os riscos também são maiores. Como os projetos são não reembolsáveis, a possibilidade de alocação de recursos públicos sem retorno compatível no que tange as externalidades positivas enquanto desenvolvimento tecnológico é maior. Dentre os itens que podem ser financiados pelo programa, estão: i) aquisição de equipamentos novos de pesquisa; ii) aquisição de equipamentos de pesquisa importados novos, sem similar nacional; iii) aquisição de software desenvolvido com tecnologia nacional ou, quando não houver similar nacional, com tecnologia de procedência estrangeira; iv) despesas de internação; investimentos em obras civis, instalações físicas e infraestrutura; v) aquisição de material de consumo e permanente; vi) despesas com remuneração da equipe de P, D & I; vii) despesas com treinamento e capacitação tecnológica; viii) despesas com viagens da equipe da IT e da IA; ix) despesas com contratação de serviços técnicos especializados e consultoria externa; x) aquisição, transferência e absorção de tecnologia; xi) despesas, no país e no exterior, relativas à propriedade intelectual resultante do projeto; e xii) despesas operacionais e administrativas. (BNDES, 2013) 1.1. PROBLEMATIZAÇÃO E OBJETIVOS Este artigo buscar-se-á responder a seguinte pergunta: os subsetores farmoquímico e eletrônico da indústria de transformação receberam contribuições do BNDES para a promoção da inovação tecnológica na modalidade de crédito não reembolsável Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Rodolfo Balistero Franco
FUNTEC no período correspondente aos das políticas industriais vigentes entre 2004 e 2014? O objetivo geral deste artigo é verificar se existiram de fato incentivos no que refere a obtenção de crédito não reembolsável aos subsetores farmoquímico e eletrônico da indústria de transformação em comparação com os demais levando em conta as últimas três políticas industriais: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), Política de Desenvolvimento Produtivo´(PDP) e Plano Brasil Maior (PBM).
2.
REFERENCIAL TEÓRICO
Este artigo utiliza como base teórica à teoria do desenvolvimento econômico sob o arcabouço teórico Neoschumpeteriano e evolucionista. Schumpeter argumenta que o desenvolvimento econômico ocorre a partir de saltos estruturais possíveis somente com novas combinações/formas de produção. Estas novas combinações/formas que resultam em novas técnicas de produção são alcançadas por meio da inovação. (Schumpeter, 1988). O empresário realiza investimento a fim de viabilizar novas combinações de produção que por sua vez geram novas técnicas quando possui um nível de reservas monetárias suficientes que torne possível a consecução dos projetos. Neste sentido a oferta de crédito de longo prazo tem papel fundamental. (Schumpeter, 1988). Em sua obra “A Teoria do Desenvolvimento Econômico”, Schumpeter por vezes evidencia a importância do papel do empresário no desenvolvimento do processo inovativo, pois é este quem toma a iniciativa para realizações que distanciam do padrão estabelecido. O empresário é líder na busca do convencimento e defesa de seus projetos a fim de financiá-los. Se o meio ambiente sociocultural e institucional colabora neste processo a tarefa do empresário torna-se um pouco menos difícil para enfrentar as condições da concorrência capitalista. Para o Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
autor, o conhecimento aplicado da sociedade e o meio ambiente sociocultural em que opera a economia influenciam – além do estoque de capital, força de trabalho e nível de recursos naturais. O impacto das transformações sociais, culturais e institucionais sobre a produtividade da economia. (Adelman, 1972). Neste sentido, a escolha da corrente de pensamento para a análise da atuação do BNDES se justifica, pois esta sinaliza que instituições influenciam no “meio-ambiente social” e alteram a distribuição de recursos, além de consequentemente, determinarem o nível de produtividade que a economia possa assumir. Esta alteração no “meio- ambiente social” pode ser compreendida como com mudanças do padrão tecnológico – a partir da inovação. (Moriochi; Golçalves, 1994). Em tal cenário, o BNDES exerce importante papel no processo de mudança tecnológica, atuando como condicionante institucional, conceito apresentado em (Tigre, 2006). Como condicionante institucional, o BNDES atua no financiamento à inovação. As mudanças tecnológicas a partir da inovação geram, claramente, ganhos de eficiência nos processos industriais tendo como resultado variações positivas na produtividade. (Hall, 2011). A discussão acerca da necessidade em promover a inovação como estratégia de se avançar nos ganhos de produtividade tornase pauta do governo no que tange a política industrial. Nos 2000 a pauta da competitividade avança na discussão da política governamental no Brasil e em 2004 é lançada a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior no país (PITCE). O lançamento da PITCE sinaliza decisão governamental em favor de uma política industrial com foco na inovação e em uma nova organização institucional que fosse capaz de conciliar politicamente os agentes envolvidos no processo de desenvolvimento industrial. (Furtado e Suzigan, 2006). Dentre os setores prioritários pela PITCE, estavam: bens de capital, software, semicondutores e fármacos. Além destes, eram priorizadas algumas áreas nas quais identificavam-se como de grande 7
Contribuiçõesdobndesnageraçãodecompetênciasparapromoçãodainovaçãotecnológicanossubsetoresfarmoquímicoeeletrônicodaindústriadetransformaçãoviafuntec
importância no futuro – as chamadas atividades portadoras de futuro -, a saber: biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis. (ABDI, 2006). O BNDES desempenhou importante papel no apoio à condução desta política, reduzindo as taxas de juros e adequando os prazos ao financiamento aos setores prioritários. Para os setores de fármacos e softwares, foram criados os programas Profarma e Prosoft, respectivamente - como citado na introdução deste artigo. Em relação ao setor de bens de capital, o BNDES exerceu papel relevante por meio de sua linha de financiamento (FINAME) e programas específicos (Modermarq e Moderfrota) a importação de máquinas e equipamentos sem similar nacional. E, finalmente, para o setor de semicondutores, o BNDES apresentou ao governo um projeto de implantação de uma indústria de semicondutores de circuitos integrados. (Fernandez, 2006). Já em 2008 é lançada a Política de Desenvolvimento Produtivo (2008-2010) em um cenário econômico intensamente favorável, dada a expansão da economia brasileira e mundial na época. A política surge a partir do risco que se tinha da capacidade produtiva não conseguir atender o crescimento acelerado da demanda. Entre os objetivos da PDP, estavam: ampliação da taxa de investimento; elevar o esforço de inovação no setor empresarial; preservar a robustez do balanço de pagamentos e fortalecer as pequenas e microempresas (MPEs). A Política de Desenvolvimento Produtivo, assim como na PITCE, contou com o apoio do BNDES. O Banco realizou financiamentos que ao todo somaram R$ 210,4 bilhões com a finalidade de viabilizar projetos de ampliação, modernização e de inovação na indústria e no setor de serviços. (IEDI, 2008). O PDP contou com 35 programas de política de desenvolvimento produtivo, subdividido em cinco macroprogramas. São eles: i) Consolidar e expandir a liderança. Setores prioritários: indústria aeronáutica, petróleo e gás, bioetanol, mineração, siderurgia, papel e celulose e carnes; ii) 8
Fortalecer a competitividade. Setores prioritários: complexo automotivo, bens de capital, têxtil e confecção, madeira e móveis, HPPC, construção civil, complexo de serviços, marítima, couro e calçados, agroindústria, brinquedos, plásticos, eletrônico de consumo, biodiesel e trigo; iii) Mobilizadores em áreas estratégicas. Setores prioritários: complexo da saúde, tecnologia da informação e comunicação, energia nuclear, indústria de defesa, nanotecnologia e biotecnologia. iv) Destaques estratégicos. Áreas de atuação: ampliação das exportações, fortalecimento das MPEs, integração produtiva com AL e Caribe, integração com a África, regionalização e produção limpa e desenvolvimento sustentável. v) Programas de ações sistêmicas – focadas em fatores geradores de externalidades positivas para o conjunto da estrutura produtiva. (ABDI, 2010) Em 2011, diferentemente da PDP, o Plano Brasil Maior é criado em um ambiente econômico extremamente desfavorável, e, por esta razão, é concebido com o intuito de representar uma política anticíclica a fim de estimular a manutenção do emprego e da renda. (ABDI, 2014). Por outro lado, já seguindo o exemplo da PDP, o Plano Brasil Maior apresentou uma diversidade muito ampla de setores ditos prioritários, sendo eles: petróleo, gás e naval; complexo da saúde; automotivo; defesa, aeronáutica, espacial; bens de capital; complexo eletrônico; química; energias renováveis; indústria da mineração; metalúrgica; papel e celulose; higiene pessoal, perfumaria e cosméticos; couro, calçados, têxtil, confecções e joias; móveis; construção civil; agroindústria; comércio; serviços; e serviços logísticos. (ABDI, 2014). Como objetivos e diretrizes do Plano estão o fortalecimento das cadeias produtivas, expansão de novas competências tecnológicas, expansão das cadeias de suprimento em energias, diversificação das exportações e a promoção de produtos manufaturados de tecnologias ditas intermediárias. (ABDI, 2014). Dentre as contribuições do BNDES para Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Rodolfo Balistero Franco
a consecução do Plano Brasil Maior, estão: a extensão do Programa de Sustentação do Investimento; ampliação de capital de giro para MPMEs - BNDES Progeren; relançamento do Programa BNDES Revitaliza; criação do Programa BNDES Qualificação; disponibilização de crédito préaprovado para planos de inovação empresas; oferta de R$ 2 bilhões para a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); ampliação dos programas setoriais; e a criação de programa para Fundo do Clima (MMA). (BNDES, 2011). 2.1. PROMOÇÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E GANHOS DE PRODUTIVIDADE A análise acerca das estratégias para o desenvolvimento da inovação no setor industrial é relevante na medida em que pode determinar os níveis de produtividade. Melhorias na produtividade, como destaca Hall (2011), estão relacionadas ao grau de inovação das empresas. Isso ocorre uma vez que a inovação pode aumentar a eficiência das empresas, melhorar produtos e processos – aumentando, naturalmente, a demanda, e, reduzindo custos. Adicionalmente, é possível inferir que assimetrias na produtividade são explicadas, majoritariamente, a partir de diferenças de conhecimento entre as firmas. (HALL, 2011). De acordo com Griliches (1979) os níveis
de produtividade, são na grande maioria das vezes explicados a partir da dimensão dos aportes realizados em equipamentos, atividades de P&D, absorção de novas tecnologias e do conhecimento tácito da mão de obra. Neste sentido, a teoria evolucionária, embasada nas ideias de Schumpeter, destaca a importância da inovação na evolução da produtividade em um ambiente econômico que tende, essencialmente, ao desequilíbrio. O arcabouço institucional também tem grande relevância na determinação da competitividade sistêmica da indústria. (Suzigan e Furtado, 2006) Faz-se relevante destacar que a evolução de nossa produtividade não pode ser considerada satisfatória, como destaca o estudo de Silva, Filho e Komatsu (2016). Este estudo analisa comparativamente os três macrosetores da economia – agricultura, indústria e serviços – para cinco países: Brasil, Estados Unidos, Chile, México e Coréia do Sul. Os autores objetivam compreender a evolução da produtividade por meio de sua decomposição entre efeitos tecnológicos e estruturais. Conceitualmente, os efeitos tecnológicos dizem respeito, basicamente, ao avanço tecnológico – que pode ser entendido como a variação na produção mantendo-se fixos os insumos. Já os efeitos de mudança estrutural referem-se a realocação da mão de obra de setores menos produtivos para os mais produtivos. Os resultados obtidos podem ser resumidos na Tabela 1.
Tabela 1: Decomposição da produtividade dos cinco países
Nota. ET: Efeito Tecnológico; EE: Efeito Estrutural Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados apresentados em Silva, Filho e Komatsu (2016) Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
9
Contribuiçõesdobndesnageraçãodecompetênciasparapromoçãodainovaçãotecnológicanossubsetoresfarmoquímicoeeletrônicodaindústriadetransformaçãoviafuntec
Dentre estes países a Coreia do Sul é a que mais se destaca ao ter ganhos de produtividade – sobretudo na indústria – superiores a 430% entre 1965 e 2010. Ao realizar a decomposição da produtividade para estes países, o estudo aponta para o efeito tecnológico como principal fator que explica ganhos de produtividade nos países que obtiveram as taxas mais elevadas de crescimento. Para a Coreia do Sul, dos 430% de ganhos de produtividade, 298% se devem ao efeito tecnológico e os 134% restantes devem-se a mudanças estruturais. Analogamente, para o Chile (segundo país
o crescimento da produtividade foi de 15% (atribuindo-se 9% ao efeito tecnológico e 6% ao efeito de mudança estrutural). Adicionalmente, o autor decompõe a taxa de crescimento da produtividade entre os macrosetores. Comparando a trajetória da produtividade coreana e brasileira, é possível destacar que o intenso crescimento da produtividade coreana é puxado pela indústria, enquanto que a trajetória da produtividade brasileira é puxada pelo setor de serviços (atribuído principalmente pelo efeito de mudança estrutural). Os resultados estão resumidos na Tabela 2.
Tabela 2: Decomposição da produtividade dos cinco países (1965 – 2010)
Nota. ET: Efeito Tecnológico; EE: Efeito Estrutural Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados apresentados em Silva, Filho e Komatsu (2016)
que mais obteve ganhos de produtividade destes analisados) dos 115% de ganhos de produtividade, curiosamente, 124% atribui-se ao efeito tecnológico, tendo o efeito referente à mudanças estruturais impacto negativo em 8% para os ganhos de produtividade, entre 1965 e 2010. O Brasil fica em terceiro neste ranking quando analisa-se o período entre 1965 e 2010, caindo sistematicamente quando a análise se debruça nas décadas mais recentes. No período de maior abrangência (1965 – 2010) a produtividade cresceu 102%, atribuindo-se 53% ao efeito tecnológico e 49% ao efeito de mudança estrutural. Quando o recorte temporal situa-se entre 1965 a 1980 o crescimento é ainda maior, 117% - atribuindo-se 50% a mudança estrutural e 67% ao efeito tecnológico. Contudo para as décadas recentes, considerando as décadas de 80 e 90, o saldo dos ganhos de produtividade foi negativo – na década de 80 o crescimento da produtividade foi de -19% (atribuindose -29% ao efeito tecnológico e 10% ao efeito de mudança estrutural) e na década de 90 10
Posto a trajetória de crescimento da produtividade brasileira em comparativo a outros países como a Coreia do Sul, que possuía nível desenvolvimento inferior ao nosso na década de 60, faz-se oportuno argumentar que nossa trajetória decrescente de produtividade (sobre maneira da indústria) assim como nossa trajetória decrescente do efeito tecnológico sob a produtividade desperta preocupações e deve ser mais profundamente analisada no que tange os investimentos no setor. Investimentos estes, que aplicados em inovação gerariam novas combinações de fatores de produção, novas técnicas de produção e em última instância, ganhos de produtividade, como destaca Schumpeter (1988). Neste cenário, o estudo dos mecanismos institucionais de incentivos à inovação, mais especificamente o FUNTEC - objeto de análise desta pesquisa - se faz oportuno e se justifica. Analisando mais profundamente a questão da produtividade interna, é possível, a partir do estudo de De Negri e Oliveira (2014) a respeito produtividade no Brasil, apresentar Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Rodolfo Balistero Franco
alguns indicadores – contidos nas tabelas 3 A tabela 5 ilustra os fatores aos quais e 4 - que sintetizam a tendência declinante o empresário mais julga relevante no da produtividade e da representatividade da desempenho da produtividade. É possível indústria nas últimas décadas. constatar que a falta de investimentos em P&D e inovação situa-se entre os principais Tabela 3: fatores em termos de relevância. Produtividade do trabalho entre 2000 e 2009 Setor
Crescimento médio anual da produtividade
Agropecuária Indústria Extrativa Transformação Outras industrias Serviços Total
3,8% -0,4% 2,0% -0,8% 0,0% 0,6% 1,0%
Nota. Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados apresentados em De Negri e Oliveira (2014)
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Este artigo caracteriza-se por ser um estudo descritivo na medida em que tem por finalidade descrever as características e relacionar os subsetores da indústria que foram financiados pelo BNDES. A pesquisa descritiva tem como objetivo central a
Tabela 4: Participação dos setores econômicos no valor adicionado
Nota. Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados apresentados em De Negri e Oliveira (2014)
Tabela 5: Grau de importância atribuído pelos respondentes aos fatores que prejudicaram a produtividade da empresa nos últimos cinco anos (em %)
Nota. Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados apresentados em De Negri e Oliveira (2014) Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
11
Contribuiçõesdobndesnageraçãodecompetênciasparapromoçãodainovaçãotecnológicanossubsetoresfarmoquímicoeeletrônicodaindústriadetransformaçãoviafuntec
descrição de características de determinada população ou fenômeno de relações entre variáveis (Gill, 1999). Na pesquisa descritiva a preocupação fundamental está em observar os dados, registrá-los, analisá-los e interpretálos, mas sem a interferência do pesquisador na manipulação destes. (Andrade, 2002). 3.1. COLETA DOS DADOS Os dados referentes as operações de crédito, referente ao FUNTEC, foram coletados junto ao portal do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na subseção de central de downloads referente aos dados sobre operações de financiamentos. Estes dados são bastante detalhados e foram divulgados recentemente, por este motivo, são atualizados até dezembro de 2017 – os dados partem de janeiro de 2002. Os dados tabulados fornecem as seguintes informações acerca das operações de contratos de financiamento realizados: cliente; CNPJ; descrição do projeto financiado; unidade federativa; município; código do município; número do contrato; data da contratação; valor contratado; custo financeiro; juros; prazo de carência do contrato; prazo de amortização do contrato; modalidade do apoio (reembolsável ou não reembolsável); forma do apoio (direta ou indireta); produto; setor CNAE1; subsetor CNAE; subsetor CNAE agrupado; subsetor CNAE código; subsetor CNAE – nome; setor de atividade BNDES; natureza do cliente (privada ou administração pública); agente financeiro; CNPJ agente; tipo de garantia. Dentre os dados tabulados e disponibilizados, citados no parágrafo acima, foram utilizados especialmente as informações a respeito do subsetor CNAE agrupado, a data de contratação, a modalidade de apoio e unidade federativa das empresas contratantes. Não se utilizará os dados acerca do valor contratado visto que cada projeto financiado possui características e peculiaridades 1
CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas
12
distintas e difíceis de serem comparadas. Por este motivo, a estimativa da importância de cada subsetor no período em análise se dará a partir da quantidade de projetos financiados pelo BNDES FUNTEC. 3.2. PERÍODO DE ANÁLISE O período de análise corresponderá à atuação do BNDES exatamente no mesmo período das políticas industriais implementadas no Brasil recentemente e discutidas acima entre 2004 e 2014. A escolha pelo Fundo de Tecnologia (FUNTEC), instrumento de incentivo a inovação de financiamento não reembolsável, ocorre por julgar que este representa uma modalidade que envolve maiores riscos ao BNDES e, desta forma, os critérios para a sua obtenção estabelece, em tese, maior aderência com que o banco julga ser estrategicamente mais relevante do ponto de vista de desenvolvimento tecnológico.
4.
RESULTADOS
Os resultados, apresentados na Tabela 6, indicam que existe convergência entre o protagonismo dado aos subsetores farmoquímico e eletrônico nas diretrizes das políticas de desenvolvimento industrial mencionadas2 com as operações de crédito não reembolsável do BNDES entre os períodos correspondentes a estas políticas. Em outras palavras, o BNDES atuou coerentemente de acordo com suas atribuições de banco de desenvolvimento, oferecendo subsídios aos setores que o governo julga serem fundamentais à promoção da indústria. Considerando que esta modalidade de financiamento (FUNTEC), em tese, busca atender setores cujas tecnologias sofrem com maiores defasagens e/ou ditas portadoras de futuro, é possível inferir, desta maneira, que os subsetores farmoquímico e eletrônico da 2 Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), Política de Desenvolvimento Produtivo´(PDP) e Plano Brasil Maior (PBM) Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Rodolfo Balistero Franco
indústria de transformação apresentam-se prioritários. Os resultados indicam expressividade majoritária ao complexo farmoquímico, sobremaneira no período referente a Política de Desenvolvimento Produtivo (2008 a 2010). Quase 90% do total dos recursos ofertados na modalidade não reembolsável (FUNTEC) foram alocados no complexo farmoquímico neste período.
devido a diferenças na complexidade e dimensão dos projetos financiados. A relevância dada ao complexo da saúde pode explicar a representatividade do subsetor farmoquímico na obtenção de crédito não reembolsável. Faz-se oportuno mencionar a criação das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP´s) para a saúde, iniciadas em 2012, como exemplo de maior preocupação
Tabela 6: Valores nominais das operações de empréstimo na modalidade não reembolsável (FUNTEC) por períodos correspondentes às políticas industriais vigentes.
Nota. Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com a base de dados mencionada nos procedimentos metodológicos
Os resultados acerca do período correspondente ao Plano Brasil Maior (2011 a 2014) também indicam a representatividade do subsetor farmoquímico. Neste período, porém, é possível verificar que apesar do valor total dos recursos nominais aplicados no subsetor farmoquímico serem amplamente superiores aos aplicados no subsetor de eletrônicos, a quantidade de contratos é a mesma (7 para cada). Tal fato pode ocorrer Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
do governo a este setor. Em linhas gerais as PDPs funcionam como um mecanismo de política industrial, que, ao realizar compras de fármacos e equipamentos para Sistema Único de Saúde (SUS) exigem-se contrapartidas no que se refere a transferências de tecnologia para um produtor nacional durante período vigente do contrato de parceria. O objetivo seria estimular a transferência de tecnologia a fim de que o SUS se torne 13
Contribuiçõesdobndesnageraçãodecompetênciasparapromoçãodainovaçãotecnológicanossubsetoresfarmoquímicoeeletrônicodaindústriadetransformaçãoviafuntec
BNDES. Cartilha de Apoia a Inovação. Brasília, menos dependente de produtos estrangeiros, 2013. Disponível em <https://www.bndes.gov.br/wps/ e, tratar o complexo da saúde de forma mais portal/site/home>. Acesso em fev. 2018. estratégica. (Varrichio, 2017). BNDES. 40 anos: um agente de mudanças. Rio de
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise acerca das estratégias para o desenvolvimento da inovação no setor industrial é relevante na medida em que pode determinar os níveis de produtividade. Com base nisso, o Governo a partir de políticas direcionadas ao desenvolvimento da indústria e utilizando-se de seus instrumentos – como por exemplo as linhas de financiamento do BNDES – pode promover a geração de competências a setores estratégicos do ponto de vista da geração de novas tecnologias. O resultado disso, com base no referencial teórico adotado por este artigo, seriam externalidades positivas no que se refere a evolução da inovação, tendo como consequência ganhos de produtividade.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADELMAN, Irma. Teorias do desenvolvimento econômico. São Paulo, Forense, 1972. ANDRADE, Maria M. Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação: noções práticas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2002; ALÉM, Ana. BNDES: Papel, desempenho e desafios para o futuro. Rio de Janeiro, nov. 1997. ABDI, Política industrial, tecnológica e de comércio exterior – Pitce balanço e perspectivas. Brasília, 2006. Disponível em: < http://www.abdi. com.br/Estudo/Balanco%20PITCE%20nov2006.pdf>. Acesso em mai. 2018 ABDI, Política de Desenvolvimento Produtivo – Relatório de macrometas. Brasília, 2010. Disponível em:< http://www.abdi.com.br/Estudo/2011%20-%20 Volume%201%20-%20Balanco%202008-2010%20-%20 Macrometas.pdf> Acesso em mai. 2018 ABDI, Plano Brasil Maior – Inovar para competir. Competir para crescer. Brasília, 2014. Disponível em: < http://www.abdi.com.br/Estudo/Relatorio%20 PBM%202011-2014.pdf> Acesso em mai. 2018 BNDES. Dados detalhados sobre as operações de crédito. Disponível em: <https://www.bndes. gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/ centraldedownloads>. Acesso em fev. 2018. 14
Janeiro, 1992. BNDES 50 anos: um agente de mudanças. Rio de Janeiro, 2002. BNDES. Relatório Anual. Brasília, 2008. Disponível em:< https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/ home/relacoes-com-investidores/relatorio-anual/ relatorio_anual_2008> Acesso em mai. 2018. CUNHA, André M.; CARVALHO, Carlos Eduardo; PRATES, Daniela Magalhães. Desenvolvimento de um Sistema de indicadores de desempenho do sistema nacional de fomento: Produto 5 – Estudo piloto: características do segmento e de suas instituições, incluindo governança e oferta de crédito. Porto Alegre, nov. 2015. DE NEGRI, Fernanda; OLIVEIRA, João Maria. O desafio da produtividade na visão das empresas. Produtividade no Brasil – Desempenho e determinante (IPEA). Vol. 1. Capítulo 10. Brasília, 2014. FERNANDEZ, Karen. et al. BNDES: atuação, papel e ideário nos governos Fernando Henrique e Lula. 30º Encontro anual da ANPOCS. GILL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. GRILICHES, Z. Issues in assessing the contribution of research and development to productivity growth. The Bell Journal of Economics, v. 10, n 1, p. 92–116, 1979. HALL, B. H. Innovation and productivity, Nordic Economic Policy Review, 2011. IEDI, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. A Política de Desenvolvimento Produtivo. Disponível em: < http://www.iedi.org.br/admin_ori/ pdf/20080529_pdp.pdf>. Acesso em mai. 2018. LESSA, C. Quinze anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1981. MORIOCHI, Luiz; GOLÇALVES, José Sidnei. Teoria do desenvolvimento econômico de Schumpeter: uma revisão crítica. Informações Econômicas, v.24, n.8. São Paulo, ago. 1994 SCHUMPETER, Joseph A.; Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. 3 ed. São Paulo. 1988. SILVA, Felipe; FILHO, Naercio, N e KOMATSU, Bruno. Evolução da Produtividade no Brasil: Comparações Internacionais. Policy Paper, nº 15. São Paulo, jan. 2016. SUZIGAN, W; FURTADO, J. Política industrial e desenvolvimento. Revista de Economia Política, v. 26, p. 163-185, abr.-jun. 2006. TAVARES, J. O papel do BNDES no financiamento da inovação tecnológica. 2013. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Rodolfo Balistero Franco
Janeiro, 2013. TIGRE, P. B. Gestão da inovação: a economia da tecnologia do Brasil. 5a. reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. TURCHI, L. M.; MORAIS, J.M. Políticas de Apoio à Inovação Tecnológica no Brasil e avanços recente, limitações e propostas de ações. Brasília, 2017. VARRICHIO, De Carvalho. As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo da Saúde. Políticas de inovação pelo lado da demanda no Brasil. Ipea, 2017. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/ portal/images/stories/PDFs/livros/livros/20170705_ politicas_de_inovacao.pdf>. ZUCOLOTO, Graziela; NOGUEIRA, Mauro. Inovação nas inovações ou mais do mesmo? o papel do BNDES no apoio ao desenvolvimento tecnológico. Políticas de apoio à inovação tecnológica no Brasil: avanços recentes, limitações e propostas de ações. Brasília, 2017.
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
15
Investimento em inovação e risco sistemático nas empresas
REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO
INVESTIMENTO EM INOVAÇÃO E RISCO SISTEMÁTICO NAS EMPRESAS
ISSN 2448-3664
INVESTMENT IN INNOVATION AND SYSTEMATIC RISK IN COMPANIES
RESUMO Yago de Lima Carlos Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo
Claudio Felisoni de Angelo Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo
Empresas estrategicamente voltadas para inovação estão associadas a maiores retornos e maior risco. Contudo, existe um debate sobre a causa desses retornos excessivos e sobre a incidência ou não de maior risco em companhias inovadoras. O nosso objetivo é descobrir como o investimento em inovação afeta o risco sistemático das empresas, propondo as seguintes hipóteses: 1) os gastos com inovação estão relacionados a um menor risco sistemático das empresas; 2) os gastos com inovação estão relacionados a um menor risco sistemático das empresas de alta tecnologia; e 3) os gastos com inovação estão associados a um maior risco sistemático em empresas de baixa intensidade tecnológica. Para tanto, as empresas foram divididas em alta e baixa tecnologia, foram realizadas análises gráfica e descritiva e foi proposto um modelo de regressão linear múltipla com dados em painel. Foram consideradas para o estudo todas as companhias industriais, de telecomunicação e geração de eletricidade com ações negociadas na BOVESPA, no período compreendido entre 2009 e 2016, resultando em um painel desbalanceado de 21 empresas, totalizando 97 observações. Os resultados indicaram que os gastos com inovação são significativos e diminuem o risco sistemático das empresas, o que corrobora a hipótese de que gastos com inovação estão relacionados a um menor risco sistemático das empresas. O tamanho da empresa também foi significativo e, contrariando estudos anteriores, estava associado a um maior risco. Esses resultados constituem evidência de que empresas inovadoras conseguem se manter competitivas e menos sujeitas ao risco no longo prazo. Palavras-chave: Inovação, Risco, Pesquisa e Desenvolvimento, Risco sistemático.
ABSTRACT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL:RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC
Companies strategically focused on innovation are associated with higher returns and greater risk. However, there is a debate about the cause of these excessive returns and the incidence or not of greater risk in innovative companies. Our objective is to unveil how investment in Innovation affects the systematic risk of companies, proposing the following hypotheses: 1) innovation expenditures are related to a lower systematic risk of firms; 2) innovation expenditures are related to a lower systematic risk of high-tech firms; and 3) innovation expenditures are associated with a higher systematic risk in low technology firms. Therefore, the companies were divided into high and low technology, graphical and descriptive analyses were performed and a multiple linear regression model with panel data was proposed. All industrial, telecommunication and electricity generation companies with shares traded on the São Paulo Stock Exchange (BOVESPA) were considered for the study, from 2009 to 2016, resulting in an unbalanced panel of 21 companies, totaling 97 observations. The results indicated that innovation expenditures are significant and reduce the systematic risk of companies, which corroborates the hypothesis that innovation expenditures are related to a lower systematic risk in companies. The size of the company was also significant and, contrary to intuition and previous studies, was associated with a higher risk. These results are evidence that innovative firms succeed in remain competitive and less risky in the long run. Keywords: Innovation, Risk, Research and Development, Systematic risk.
JEL Classification: O32 16
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Yago de Lima Carlos e Roberto Claudio Felisoni de Angelo
1.
INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, empresas estrategicamente voltadas para inovação estão associadas a maiores retornos e maior risco. Estudos já indicaram retornos anormais positivos associados a investimentos elevados em pesquisa e desenvolvimento (P&D) (Hungarato & Pagliarussi, 2006) e um maior risco sistêmico associado a essas empresas (Ho et al., 2004), o que indica que elas têm uma maior sensibilidade à volatilidade do mercado que outras empresas. Isso ocorreria uma vez que o investimento em inovação tende a ser caro e arriscado, os projetos podem levar muito tempo e, devido à “extrema complexidade das interfaces entre o progresso cientifico, a tecnologia e as mudanças de mercado” (Freeman, 2008), não gerar o retorno esperado. Contudo, existe um debate sobre a causa desses retornos excessivos, que seriam causados não por um maior risco, mas por uma assimetria de informação que não permitiria ao mercado precificar eficientemente os gastos em inovação e mesmo estudos que indicam que empresas inovadoras incorreriam em menos risco. Como a falência ou crise de grandes empresas líderes de mercado, como Kodak e Nokia, mostra, é cada vez mais difícil para as empresas manterem vantagens competitivas sustentáveis e, em vez disso, deveriam investir em vantagens transitórias (McGrath, 2013) que a deixariam menos vulneráveis a “inovações disruptivas” (Christensen, 2015). Nesse caso, empresas mais inovadoras poderiam representar menor risco no longo prazo, pois diversificariam suas atividades e se adaptariam com mais facilidade a um ambiente externo competitivo em constante mudança. O objetivo desse trabalho é descobrir como o investimento em Inovação afeta o risco sistemático das empresas. Mais especificamente, busca-se identificar o efeito dos gastos associados à inovação, sobretudo gastos em P&D, na volatilidade do preço das ações de companhias listadas na BOVESPA, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
representado pelo índice beta das ações. Buscando aumentar o conhecimento sobre um tema ainda pouco explorado no Brasil, baseado em estudos anteriores sobre risco e na classificação de intensidade tecnológica da Pesquisa Industrial Anual (PIA) de 2003 do IBGE, propomos as seguintes hipóteses: H0: Os gastos com Inovação não afetarem o risco sistêmico das empresas; H1. Os gastos com inovação estão relacionados a um menor risco sistemático das empresas; H2. Os gastos com inovação estão associados a um menor risco sistemático em empresas de alta intensidade tecnológica; e H3. Os gastos com inovação estão associados a um maior risco sistemático em empresas de baixa intensidade tecnológica, adotando como hipótese nula Estudos anteriores da mesma temática buscaram identificar como o mercado precifica os gastos com P&D nas demonstrações financeiras enquanto informação contábil, após um determinado período da divulgação. O presente estudo inova em utilizar apenas dados de empresas que divulgaram seus gastos com P&D tanto de despesa como de capital de maneira que permita a comparabilidade dos dados utilizando um modelo de regressão com dados em painel, que permite entender melhor a dinâmica entre as variáveis ao longo do tempo.
2.
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. INOVAÇÃO Segundo o manual de Oslo, publicação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que visa criar diretrizes para padronizar a coleta e interpretação de dados sobre inovação, definida, no âmbito empresarial, como: “...a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou 17
Investimento em inovação e risco sistemático nas empresas
um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas.” (Manual de Oslo, 2007, p. 55)
Dentro do cenário nacional, segundo dados do IBGE apenas 1,7% dentre aproximadamente 72 mil firmas industriais com mais de dez empregados inovam e diferenciam produtos. Contudo, esta pequena fração é responsável por 25,9% do faturamento da indústria nacional. Com isso, De Negri, Salerno e Castro (2005) constataram que as empresas que inovam e diferenciam produtos são mais eficientes e produtivas que as empresas especializadas em produtos padronizados e que as empresas que não diferenciam nem são especializadas em produtos padronizados. Eles apontam que essa diferença se deve em parte pela escala de produção, mas também à eficiência técnica. Esse aspecto fica claro quando se compara as empresas que inovam e diferenciam produtos com as especializadas em produtos padronizados, já que a eficiência de escala das inovadoras é 10% maior e o valor adicionado na produção é 67,3% maior, mas quando se compara eficiência técnica, a das empresas inovadoras é 66,6% maior. Segundo Arbache (2005), empresas inovadoras crescem mais, enquanto que de Negri (2005) demonstra através do estudo do desempenho inovador das empresas e do comércio exterior que empresas que inovam mais são mais eficientes, bem-sucedidas e competitivas internacionalmente quando comparadas às empresas similares que não inovam. Contudo, estudos apontam que diferentes setores da economia têm dinâmicas de inovação próprias. Rosemberg (2006) afirma que a inovação é um processo de interdependência e complementaridade, em que alguns ramos industriais contribuem de maneira desproporcional para a mudança tecnológica, como os de bens de capital e tecnologia da informação, enquanto outros, como o setor de geração de eletricidade, incorporam inovações geradas por esses setores, processo conhecido como difusão de tecnologia. Prochnik e Araújo afirmam que esse é o caso predominante do Brasil, onde prevalecem 18
inovações de processo, sendo que estas, na maioria das vezes, representam novidade para a firma, mas não para o mercado. Os autores também propõem que a atividade de inovação é qualitativamente diferente entre setores intensivos em tecnologia e setores de baixa intensidade tecnológica. As atividades de inovação em empresas de baixa intensidade tecnológica seriam mais técnicas, intensivas na transmissão de conhecimentos específicos e tácitos, baseadas em formas de organização diferentes e menos dependentes de setores de P&D e de pesquisa científica. 2.2. CLASSIFICAÇÃO DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA A classificação de intensidade tecnológica segue o modelo apresentado na Pesquisa Industrial Anual de 2003 do IBGE elaborada a partir dos dados de empresas brasileiras da PINTEC do ano de 2000. Essa classificação é uma proxy do modelo proposto pela OCDE, referência em pesquisas que envolvam inovação, adaptada às características das empresas industriais brasileiras. Tanto a classificação do IBGE, quanto a da OCDE categorizam os setores em quartis de alta, média-alta, média-baixa e baixa intensidade tecnológica de acordo com sua intensidade tecnológica, representada pela razão entre os gastos em P&D e a receita líquida de vendas.
2.3. RISCO E INOVAÇÃO O risco representa a incerteza referente à variabilidade dos retornos associados a um determinado ativo (Gitman, 2013). Um dos seus aspectos mais importantes, portanto, é como ele é percebido pelos investidores. Aceita-se que para um aumento no risco, exige-se um aumento no retorno, pois isso representa uma maior incerteza quanto ao resultado esperado pelo investimento. O risco de um ativo individual pode ser Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Yago de Lima Carlos e Roberto Claudio Felisoni de Angelo
Tabela 1. Classificação das divisões e agregações industriais por intensidade tecnológica e razão entre os gastos P&D/receita líquida de vendas – 2000.
Classificação
Divisões e agregações
CNAE (1)
Total
Alta intensidade tecnológica
1,31
Outros equipamentos de transporte
35
2,72
Equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios
33
1,77
Máquinas, aparelhos e materiais elétricos
31
1,76
Material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações
322, 323
1,75
Máquinas para escritório e equipamentos de informática
30
1,30
Máquinas e equipamentos
29
1,15
Veículos automotores, reboques e carrocerias
341 a 343, 345
1.04
Refino de Petróleo
232
0,96
Produtos farmacêuticos
245
0,83
Material eletrônico básico
321
0,69
Produtos do fumo
16
0,64
Produtos químicos
241 a 244, 246 a 249
0,62
Peças e acessórios para veículos
344
0,55
Produtos diversos
369
0,50
211
0,49
Total
Média alta intensidade tecnológica
Celulose e outras pastas para a fabricação de papel
0,63
Total
Média baixa intensidade tecnológica
0,36
Produtos siderúrgicos
271, 272, 273
0,44
Artigos de borracha e plástico
25
0,42
Produtos de metal
28
0,35
Metalurgia de metais não-ferrosos e fundição
274, 275
0,33
Papel, embalagens e artefatos de papel
212 a 214
0,32
Produtos de minerais não-metálicos
26
0,30
19
0,29
Couros, artefatos de couros, artigos de viagem e calçados
Total
Baixa intensidade tecnológica
Razão gastos P&D/receita líquida de vendas (%)
0,21
Produtos têxteis
17
0,27
Produtos alimentícios
151 a 158
0,25
Artigos do mobiliário
361
0,24
Indústrias extrativas
10, 11, 13, 14
0,23
Confecção de artigos do vestuário e acessórios
18
0,21
Produtos de madeira
20
0,19
Edição, impressão e reprodução de gravações
22
0,07
Bebidas
159
0,06
Coque, álcool e elaboração de combustíveis nucleares
231, 233, 234
0,03
Fonte: IBGE, 2005. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
19
Investimento em inovação e risco sistemático nas empresas
medido quantitativamente por meio de medidas estatísticas. Um dos indicadores de risco comum é o desvio-padrão. Ele mede a dispersão (ou volatilidade) em torno do valor esperado. Outra medida associada à volatilidade é o coeficiente de variação, que possibilita comparar ativos com diferentes retornos esperados. Contudo, o risco de um ativo específico pode ser mitigado através da diversificação de uma carteira por meio da combinação de ativos com correlação negativa. Através da combinação de ativos negativamente correlacionados é possível reduzir a variabilidade geral dos retornos da carteira. Entretanto, o risco de um ativo é composto de uma parte diversificável e uma não diversificável. Como qualquer investidor pode diversificar sua carteira, o risco mais relevante para os acionistas é o não diversificável. O coeficiente beta é a medida mais comum para o risco não diversificável. Ele indica o grau de variabilidade dos retornos de um ativo relacionado com a variação do retorno de uma carteira perfeitamente diversificada (normalmente utiliza-se algum índice de mercado, como o Ibovespa e o S&P 500). A fórmula para cálculo do beta é apresentada abaixo:
Onde: = coeficiente beta do ativo p; = covariância entre o ativo p e uma carteira perfeitamente diversificada b; = variância da carteira perfeitamente diversificada b O coeficiente beta entra no cálculo do modelo de precificação de ativos financeiros (do inglês, Capital Assets Pricing Model – CAPM), sendo o elemento que diferencia os retornos exigidos de diferentes ativos, sendo que, quanto maior o beta, maior o retorno exigido do ativo. Cavallo e Valenzuela (2007) analisaram 20
os determinantes do spread de títulos corporativos em economias emergentes para entender os fatores que afetavam o risco de cada empresa. O estudo analisou os spreads de 139 títulos, emitidos por 65 companhias em dez economias emergentes, seis na América latina e quatro no leste asiático. O estudo constatou que variáveis especificas da companhia, características do título, condições macroeconômicas, risco soberano e fatores globais são todos determinantes significativos do risco corporativo. Dentre as variáveis especificas (ou idiossincráticas) os coeficientes das proxies para rentabilidade (EBIT/Ativo) e capitalização (patrimônio líquido/capital) e do tamanho do ativo eram negativos e significativos. O coeficiente da proxy para alavancagem (Dívida/ Ativo) impactava positivamente o risco. Nas características do título, o prazo de vencimento afeta positivamente o risco, assim como o risco soberano. Dentre os fatores macroeconômicos testados, o crescimento do PIB se mostrou significativo, com coeficiente negativo, indicativo de que empresas em países com maior crescimento econômico apresentam menor risco. O estudo também constatou, através de uma análise de decomposição da variância, que as variáveis internas das companhias respondem pela maior parte da variância. Estudando a relevância da informação contábil dentro do mercado de capitais, Hungarato e Pagliarussi (2006) observaram que os gastos em P&D estão relacionados a retornos anormais positivos dos preços de ações de empresas de alta tecnologia e negativos no caso de empresas de baixa tecnologia. Já Hungarato e Lopes (2008), analisando ações da BOVESPA classificadas em alta e baixa tecnologia, não encontraram relação significativa entre os investimentos em P&D e os preços das ações, tanto para empresas de alta tecnologia quanto para as empresas de baixa tecnologia. Contudo, esses estudos focavam mais em como o mercado de capitais precifica as ações a partir de informações contábeis (como P&D) do que nos efeitos da inovação na geração de valor das empresas no longo prazo. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Yago de Lima Carlos e Roberto Claudio Felisoni de Angelo
O estudo de Da Silva (2017) buscou identificar se a subpreficicação dos investimentos em P&D e o retorno excessivo de companhias intensivas em P&D se devem à má precificação (mispricing) ou a um ajuste natural ao maior risco da atividade. O autor sugere que isso ocorre com empresas estrategicamente voltadas para o desenvolvimento de novas tecnologias pois os investidores não incorporariam corretamente os gastos em inovação no valor da empresa, devido à natureza estratégica e possivelmente confidencial desses investimentos e à incerteza quanto ao sucesso de projetos de inovação O estudo constatou retornos anormais positivos ao longo de três anos após a observação do investimento em P&D em portfólios formados por empresas com alta intensidade de P&D ajustada ao setor quando comparados com os portfolios de baixa intensidade e de companhias que não reportaram investimentos em P&D e que os fatores de risco utilizados no modelo não explicam esse padrão. O estudo também analisou a relação entre investimento em P&D e risco, representado pela volatilidade dos retornos futuros das empresas nos três anos após a divulgação dos gastos com P&D, e constatou que investimentos em P&D acima da média do setor estão associados a menor volatilidade. Esses achados reforçam a hipótese de que o mercado não precifica de maneira eficiente o benefício futuro de investimentos em P&D realizados por empresas que investem acima da média do seu setor, possivelmente devido à assimetria de informação dos investidores sobre esses investimentos. Essa precificação deficiente seria a causa da subprecificação e dos maiores retornos exigidos por empresas intensivas em P&D e não o risco, pois, como o estudo demonstrou, companhias de alta intensidade tecnológica tendem a ter menor volatilidade futura. Em um estudo de 2004, Ho, Xu e Yap analisaram o impacto do investimento em P&D no risco sistemático. Segundo os autores, risco sistemático seria explicado principalmente por três componentes, risco Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
intrínseco do negócio, o grau de alavancagem operacional e o grau de alavancagem financeira. Os resultados indicaram que portfólios com maior intensidade de P&D estavam associados a um maior risco sistêmico. Através de análise da correlação os autores concluíram que a influência da P&D no risco sistemático se dá pelo impacto dos investimentos em P&D no risco intrínseco do negócio e no risco operacional (alavancagem operacional). O estudo ainda concluiu que a relação entre a intensidade em P&D e os componentes do risco sistemático são particularmente robustos em companhias industriais, comparado com companhias não industriais.
3.
METODOLOGIA
3.1. MODELO O estudo foi baseado nos modelos de Cavallo e Valenzuela (2007) e de Da Silva (2017), utilizando as variáveis que se mostraram significativas como determinantes do risco. Para testar a influência do investimento em P&D no risco em conjunto com essas variáveis, já comprovadamente significativas, foi o proposto o seguinte modelo: BETAit = β0 + β1 P&Dit-1 + β2 TAMit + β3RENTit + β4LEVit + β 5TECi + μit Onde: BETAit: variável dependente da regressão, representa o índice beta, proxy para o risco da empresa i, no ano t; P&Dit-1: Intensidade tecnológica, medida pelos gastos em P&D divididos pela receita líquida da empresa i, com defasagem de um ano; TAMit: tamanho da empresa i, no período t, representado pelo logaritmo natural do ativo total da empresa; RENTit: retorno sobre o ativo da empresa i no período t, proxy para a rentabilidade; LEVit: dívida líquida sobre EBITDA da empresa i, no período t, proxy da alavancagem; 21
Investimento em inovação e risco sistemático nas empresas
TECi: variável dummy da classificação de intensidade tecnológica da empresa i, adquirindo valores 1, caso de alta tecnologia, e 0, caso de baixa; μit: termo de erro. Trata-se de um modelo de regressão linear múltipla, utilizando dados em painel, ou seja, contendo uma dimensão temporal, estimado pelo método Pooled Ordinary Least Square (POLS). Segundo Gujarati (2006) modelos de regressão com dados em painel proporcionam dados mais informativos e são mais adequados ao estudo da dinâmica de mudança. A intensidade tecnológica foi calculada dividindo-se os gastos em inovação pela receita líquida das empresas, o mesmo cálculo que o IBGE utiliza para calcular a intensidade tecnológica dos setores da economia e foram utilizados dados com defasagem de um ano em relação à variável dependente, devido à natureza de longo prazo dos efeitos de investimentos em P&D, neste modelo, espera-se que tenha sinal negativo, como no estudo de Da Silva (2017). Para as variáveis proxies de tamanho e rentabilidade espera-se sinais negativos e para a proxy de alavancagem, sinal positivo, de acordo com os resultados do estudo de Cavallo & Valenzuela (2007). Também foi adicionada uma variável dummy de classificação tecnológica, seguindo a classificação de setores da PIA 2003 do IBGE, como no estudo de Hungarato & Lopes (2008), para mensurar a diferença no risco de empresas de alta e baixa tecnologia, para essa variável espera-se sinal negativo.
anteriores, os gastos considerados para levantamento das informações de P&D foram as despesas com pesquisa e desenvolvimento e as contas do ativo intangível geradas internamente ou adquiridas externamente desde que envolvidas com o processo de inovação como: Softwares, Marcas e Patentes, Desenvolvimento e Desenvolvimento de Produtos. Esses dados foram coletados diretamente nas demonstrações financeiras, notas explicativas e relatórios da administração das empresas da BOVESPA. O valor do índice Beta e os indicadores de rentabilidade e alavancagem das empresas em cada ano foram coletados no banco de dados ECONOMATICA, assim como o valor do tamanho do ativo. Foram consideradas para o estudo todas as companhias industriais, de telecomunicação e geração de eletricidade com ações negociadas na BOVESPA, no período compreendido entre 2009 e 2016. Contudo, foram selecionadas apenas aquelas que divulgaram os gastos de P&D de despesa e de capital, totalizando 23 empresas e 137 observações. Após a coleta dos dados relativos ao risco a amostragem foi reduzida, resultando em um painel desbalanceado de 21 empresas, totalizando 97 observações. 3.3. CLASSIFICAÇÃO DE INTENSIDADE TECNOLÓGICA DAS EMPRESAS DA AMOSTRA
Baseado na classificação de intensidade tecnológica da PIA 2003 do IBGE, as empresas selecionadas na amostra foram segmentadas 3.2. SELEÇÃO DA AMOSTRA em alta e baixa intensidade tecnológica como Baseado nas orientações do Manual de Oslo mostra a seguinte tabela: e do pronunciamento CPC 04 e em estudos As empresas dos setores que compunham
Tabela 2. Empresas da amostra classificadas de acordo com a intensidade tecnológica.
22
Alta Intensidade Tecnológica
Baixa Intensidade Tecnológica
Baumer Braskem Embraer Fibria Fras-Le Indústrias Romi
Arezzo BRF Cemig Copel Cosan CSN Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Yago de Lima Carlos e Roberto Claudio Felisoni de Angelo
Oi Petrobrás Ultrapar WEG
EDP Engie Brasil M. Dias Branco Unicasa Vulcabras/Azaleia
os quartis de alta e média-alta intensidade tecnológica foram classificadas como de alta intensidade tecnológica e as que constavam nos quartis de média-baixa e baixa intensidade tecnológica foram agrupadas como de baixa intensidade tecnológica. Como os setores de eletricidade e telefonia não estão representados na classificação de intensidade tecnológica da PIA 2003 do IBGE, por não serem setores predominantemente industriais, eles foram classificados de acordo com o critério de intensidade tecnológica, razão dos gastos em P&D sobre a receita liquida de vendas, utilizado na composição da classificação original, de acordo com os dados da PINTEC 2011. O setor de telefonia foi classificado como de alta intensidade tecnológica, pois a razão P&D dividido por receita líquida do setor foi de 3,66%, bem acima da média de todos os setores no mesmo período, que foi de 2,56%. Já o setor de eletricidade foi classificado como de baixa intensidade tecnológica, com uma razão P&D/Receita líquida de 1,28%, abaixo da média de todos os setores.
4.
RESULTADOS
4.1. ESTATÍSTICA DESCRITIVA A tabela 3 mostra a estatística descritiva das variáveis utilizadas no trabalho. Todos
os dados foram agrupados de forma linear, sem levar em consideração seu efeito no tempo. Também foi elaborado um gráfico de dispersão entre os gastos em P&D divididos pela receita líquida e os coeficientes beta das empresas. Figura 1. Gráfico do risco das empresas em relação à intensidade tecnológica.
O eixo x representa os gastos em P&D
e o eixo y o beta das empresas. O gráfico apresenta uma leve tendência de queda no beta a medida que os investimentos em P&D aumentam, o que indica uma relação linear entre as duas variáveis. Para entender melhor a relação entre as variáveis, foi elaborada uma matriz de correlações, apresentada a seguir. As
variáveis
apresentaram
apenas
Tabela 3. Resultado da estatística descritiva das variáveis (LEV = alavancagem; RENT = rentabilidade; P&D = intensidade tecnológica; TAM = tamanho da empresa; BETA = coeficiente beta).
Média
Mediana
Desvio-padrão
Mínimo
Máximo
LEV
3,8870
1,6621
18,72851
-50,8011
166,3657
RENT
3,7097
3,6939
6,77341
-22,3897
15,7068
P&D
0,0138
0,0066
0,01666
0,0001
0,0735
TAM
23,2671
23,6882
1,93685
18,9020
27,5258
BETA
0,5293
0,4699
0,28394
0,0635
1,5055
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
23
Investimento em inovação e risco sistemático nas empresas
Tabela 4. Matriz de correlação entre as variáveis (LEV = alavancagem; RENT = rentabilidade; P&D = intensidade tecnológica; TAM = tamanho da empresa; TEC = classificação de intensidade tecnológica; BETA = coeficiente beta).
LEV
RENT
P&D
TAM
TEC
Beta
LEV
1,0000
RENT
-0,3954
1,0000
P&D
0,0387
-0,1815
1,0000
TAM
-0,0133
-0,0633
-0,3483
1,0000
TEC
-0,0669
-0,2306
0,4174
0,2522
1,0000
Beta
0,0006
0,0654
-0,3383
0,2907
-0,1297
correlações moderadas entre si e com a variável dependente. A variável de gastos com P&D apresentou a maior correlação (negativa) com o beta, variável dependente do modelo. 4.2. RESULTADOS DA REGRESSÃO O modelo de regressão foi aplicado quatro vezes, com algumas variações. Uma com todas as empresas da amostra e com a variável dummy de classificação tecnológica, uma vez com a amostra completa e sem a variável dummy, uma vez apenas com as empresas de alta tecnologia e uma vez apenas com as de baixa tecnologia, em ambos os casos sem a variável dummy de classificação. Os resultados são apresentados na tabela a seguir: A variável de alavancagem financeira
1,0000
não se mostrou significante em nenhuma das regressões, assim como a de rentabilidade e a variável dummy de classificação tecnológica. A variável de tamanho apresentou sinal positivo e foi significativa a 5%, no modelo geral com a variável de classificação tecnológica e quando se considerou apenas empresas de alta tecnologia, e a 10%, na regressão com amostra completa sem variável de classificação tecnológica. Já a variável de intensidade tecnológica apresentou sinal negativo e foi significativa a 5% na regressão com amostra completa sem variável dummy e a 10% quando incluída essa variável. Todas as regressões tiveram um coeficiente de determinação moderadamente baixo, mas a análise de variância indica que elas são significativas, exceto a regressão apenas com empresas de baixa tecnologia.
Tabela 5. Resultados das regressões (LEV = alavancagem; RENT = rentabilidade; P&D = intensidade tecnológica; TAM = tamanho da empresa; TEC = classificação de intensidade tecnológica).
Geral com Dummy
Geral sem dummy
Alta Tecnologia
Baixa tecnologia
Coeficientes
valor-P
Coeficientes
valor-P
Coeficientes
valor-P
Coeficientes
valor-P
Interseção
-0,2348
0,5599
-0,1096
0,7665
-0,8222
0,1383
1,0854
0,1636
LEV
0,0002
0,8804
0,0005
0,7732
0,0020
0,5500
0,0001
0,9530
RENT
0,0011
0,8061
0,0018
0,6917
-0,0042
0,6603
0,0004
0,9464
P&D
-3,5496
0,0982
-4,4477
0,0149
-1,9380
0,3814
-11,8949
0,0903
TAM
0,0358
0,0385
0,0297
0,0535
0,0571
0,0121
-0,0192
0,5491
TEC
-0,0549
0,4302
-
-
-
-
-
-
R-quadrado ajustado
0,1095
0,1131
0,2160
0,0159
F de significação
0,0078
0,0045
0,0069
0,3229
24
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Yago de Lima Carlos e Roberto Claudio Felisoni de Angelo
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
o que indica que em um mundo globalizado, cada vez mais complexo e volátil, empresas Os resultados corroboram a hipótese que inovam mais conseguem se manter H1, de que os gastos em inovação estão competitivas e estáveis, além de abrir espaço associados a um menor risco sistemático nas para uma discussão ainda recente no Brasil. empresas, complementando a pesquisa de Da Silva (2017). Assim, pudemos confirmar que a intensidade tecnológica diminui o risco das 6. REFERÊNCIAS empresas utilizando outra medida de risco, e contrariando o estudo de Ho et al. (2004) ARBACHE, J. S. Inovações tecnológicas e que indicava um maior risco sistemático exportações afetam o tamanho e a produtividade das associado a maiores investimentos em firmas manufatureiras? Evidências para o Brasil. Em: P&D. Entretanto, os resultados obtidos Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das nas regressões não foram significativos firmas industriais brasileiras (Org. por De Negri, J. A.; para aceitar as hipóteses alternativas H2 e Salerno, M. S.), p. 477–509, Brasília: IPEA, 2005. CAVALLO, E. A. & VALENZUELA, P. A. The H3, decorrente, possivelmente, do pequeno Determinants of Corporate Risk in Emerging número amostral. Markets : An Option-Adjusted Spread Analysis, É notável que, contrariando estudos International Monetary Fund, IMF Working Paper, anteriores, a variável de tamanho foi WP/07/228, 2007. CHRISTENSEN, C. M.; RAYNOR, M. E. & significativa para um aumento do risco McDONALD, R. What Is Disruptive Innovation? sistemático. Esse resultado contra intuitivo Harvard Business Review, 2015. Disponível em: pode ser devido ao fato de que grandes empresas https://hbr.org/2015/12/what-is-disruptiveda amostra, como Petrobras e Oi, tenham innovation. Acesso em: 08/2017. passado por crises durante alguma parte COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS CPC. (2010). Pronunciamento Técnico CPC 04: do período estudado, o que pode ocasionar ativo intangível. Disponível em: <http://static.cpc. um aumento da volatilidade. Também é mediagroup.com.br/Documentos/187_CPC_04_R1_ interessante notar que, diferentemente do rev%2006.pdf >. Acesso em: 07/2017 estudo de Cavallo e Valenzuela (2007), as DA SILVA, R. B.; KLOTZLE, M. C.; PINTO, A. C. variáveis de rentabilidade e de alavancagem F. & Da MOTTA, L. F. J. R&D investment and risk in não foram significativas em nenhuma das Brazil. Global Finance Journal, 2017. http://dx.doi. org/10.1016/j.gfj.2017.08.003. regressões. DE NEGRI, J. A.; SALERNO, M. S. & De CASTRO, Uma amostra maior, o que não foi possível A. C. Inovações, padrões tecnológicos e desempenho devido à pequena quantidade de empresas das firmas industriais brasileiras. Em: Inovações, que divulgam investimentos em P&D, poderia padrões tecnológicos e desempenho das firmas gerar resultados mais conclusivos em estudos industriais brasileiras (Org. por De Negri, J. A.; futuros. A busca pelos dados de gastos com Salerno, M. S.), p. 5–46, Brasília: IPEA, 2005. DE NEGRI, F. Padrões tecnológicos e de comércio inovação foi uma das grandes dificuldades exterior das firmas brasileiras. Em: Inovações, encontradas nesse estudo, problema que foi padrões tecnológicos e desempenho das firmas citado nos estudos anteriores que envolveram industriais brasileiras (Org. por De Negri, J. A.; P&D realizados no Brasil. A orientação do Salerno, M. S.), p. 75–118, Brasília: IPEA, 2005. FREEMAN, C. & SOETE, L. A economia da Comitê de Pronunciamentos Contábeis e a inovação industrial. 1 ed. Campinas: Editora da legislação permitem que as empresas decidam Unicamp, 816p., 2008. como tratar os investimentos em inovação e GITMAN, L. J. Princípios de administração sua discriminação nas demonstrações sequer financeira, 12 ed., Editora Pearson, 800 p., 2012. GUJARATI, D. Econometria básica, 4 ed. Editora é obrigatória. A falta de padronização torna Campus, 812 p., 2006. muito difícil a comparabilidade dos dados e HO, Y. K.; XU, Z. & YAP, C. M. R&D investment restringiu a amostra. and systematic risk. Accounting & Finance, vol. 44, Contudo, o estudo obteve evidências de n°. 3, p. 393–418, 2004. que o investimento em P&D e inovação HUNGARATO, A. & LOPES, A, B. Value-relevance dos gastos em P&D para o preço das ações das diminui o risco sistemático no longo prazo, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
25
Investimento em inovação e risco sistemático nas empresas
empresas brasileiras negociadas na bovespa. XXV Simpósio de Gestão da Inovação Tecnológica, 2008. HUNGARATO, A. & PAGLIARUSSI, M. S. A Relevância dos Gastos em P&D para o Preço das Ações das Empresas Listadas na BOVESPA. In: XXIV Simpósio de Gestão da Inovação Tecnológica, 2006. Gramado: Anais do XXIV Simpósio de Gestão da Inovação Tecnológica, v. 1, 2006. IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Industrial Inovação Tecnológica 2000, in Pesquisa Industrial Anual 2003, IBGE, 2005. MANUAL DE OSLO. Organization for economic co-operation and development: proposed guidelenes for collecting and interpreting technological inovation data. European Commission: Eurostat, 2005. Manual de Oslo, OCDE – Diretrizes para a coleta e interpretação de dados sobre Inovação. 3ª ed., Tradução FINEP, 2007, Disponível em:< www.finep. org.br> McGRATH, R. G. Transient Advantage. Harvard Business Review, 2013. Disponível em: https:// hbr.org/2013/06/transient-advantage. Acesso em: 08/2017. Pesquisa de Inovação 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Acompanha um CD-ROM. Disponível em: <http://www.pintec.ibge.gov.br/downloads/ pintec2011%20publicacao%20completa.pdf>. Acesso em: 10/2017. Pesquisa Industrial Anual 2003. Rio de Janeiro: IBGE, 2005, volume 22, número 1. Acompanha um CD-ROM. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/ home/estatistica/economia/industria/pia/empresas/ emp2003.pdf>. Acesso em: 09/2017. PROCHNIK, V. & De ARAÚJO, R. D. Uma análise do baixo grau de inovação na indústria brasileira a partir do estudo das firmas menos inovadoras. Em: Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras (Org. por De Negri, J. A.; Salerno, M. S.), p. 193–251, Brasília: IPEA, 2005. ROSENBERG, N. Por dentro da caixa-preta: tecnologia e economia. Campinas: Editora Unicamp, 432 p., 2006.
26
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664
Marcelo Aparecido Alvarenga Doutor e Mestre em Administração pelo PPGA – UNINOVE, (2018 e 2013). Especialização em Formação de Docentes para o Ensino Superior pela UNINOVE (2007) e em Administração de Recursos Humanos pela FAAP (2001) e graduação em Psicologia pela Universidade Paulista (1998). Atualmente é professor de ensino superior da UNINOVE.
Priscila Rezende da Costa Doutora em Administração pela FEA USP, 2012. Mestre em Administração pela FEA RP USP, 2007. Graduada em Administração pela UFLA, 2005. Atualmente é diretora do Programa de Pós-graduação em Administração da UNINOVE. É professora dos cursos de Mestrado e Doutorado em Administração, Linha de Inovação, na UNINOVE. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL: RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC
GESTORES DE PROJETOS DE INOVAÇÃO E TRAJETÓRIA DE CARREIRA SOB A PERSPECTIVA PROTEANA INNOVATION PROJECT MANAGERS AND CAREER PATHS FROM A PROTEAN PERSPECTIVE RESUMO Este estudo tem como objetivo compreender como gestores de projetos de inovação constroem suas carreiras na interação com ambientes dinâmicos, considerando os elementos de uma carreira do tipo proteana. A expressão proteana associa-se ao conceito de carreira em que o indivíduo é o principal responsável pelo gerenciamento de sua carreira e pelas adaptações de si mesmo perante as frequentes transformações do mundo, orientando suas decisões de carreira por meio de seus valores pessoais, tendo em vista a obtenção de sucesso psicológico. Considerando a perspectiva ontológica construtivista social, o delineamento epistemológico fundamentado no interacionismo simbólico e o paradigma interpretativista, este estudo possui natureza qualitativa e adota o método grounded theory. Para atender ao seu objetivo, neste estudo foram entrevistados 18 gestores responsáveis por projetos inovadores, tendo sido realizadas 36 entrevistas, sendo 18 entrevistas de história oral temática e 18 entrevistas em profundidade. Como principais resultados, os gestores apresentaram trajetória aderente ao tipo de carreira proteana, principalmente, no que tange aos elementos autogerenciamento de carreira, orientação por valores pessoais e sucesso psicológico. Elementos de carreira que foram constituídos a partir das experiências pessoais e profissionais e dos capitais humano e social desenvolvidos ao longo de suas vidas e que permitiram, assim, a condução de rotinas e processos que possibilitaram às organizações adaptarem-se aos contextos em que estavam inseridos. Palavras-chave: Inovação; Gestores de Projetos de Inovação; Trajetória de Carreira; Carreira Proteana.
ABSTRACT This study aims to understand how innovation project managers build their careers in the interaction with dynamic environments, considering the elements of a protean career. Protean expression is associated with the concept of career in which the individual is primarily responsible for the management of his or her career and for adapting himself to the frequent changes in the world, guiding his career decisions through his personal values, taking into account psychological success. Considering the social constructivist ontological perspective, the epistemological delineation based on symbolic interactionism and the interpretative paradigm, this study has a qualitative nature and adopts the grounded theory method. In order to meet its objective, in this study, 18 managers were interviewed for innovative projects, and 36 interviews were carried out, 18 oral history interviews and 18 in-depth interviews. As the main results, the managers presented a trajectory adhering to the type of protean career, mainly in relation to the elements self-management of career, orientation by personal values and psychological success. Career elements that were built from the personal and professional experiences and the human and social capitals developed during their lives and that allowed, therefore, the conduction of routines and processes that enabled the organizations to adapt to the contexts in which they were inserted. Keywords: Innovation; Innovation Project Managers; Career Path; Career Protean.
JEL Classification: O32 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
27
Gestores de projetos de inovação e trajetória de carreira sob a perspectiva proteana
1.
INTRODUÇÃO
Partindo da necessidade de as organizações e seus gestores de projetos de inovação (GPI) responderem de maneira flexível e adaptarem-se a uma nova dinâmica de mercado permeada por mudanças, ocorreram transformações na relação profissionalorganização que culminaram na atribuição ao indivíduo, e não às organizações, o papel principal na gestão de sua carreira (Hall & Moss, 1998). Autogerenciamento de carreira que, ao atender às necessidades de adaptabilidade desses GPI ao mercado em que estão inseridos, favorece a construção de uma trajetória de carreira do tipo proteana. Destaca-se que a expressão carreira proteana associa-se ao termo Proteus, termo esse que representa o deus da mitologia grega que detinha a capacidade de se transformar de acordo com sua vontade. Trata-se de uma expressão associada ao conceito de carreira em que o indivíduo é o principal responsável pelo gerenciamento de sua carreira e pelas adaptações de si mesmo perante as frequentes mudanças pelas quais passa o mundo (Hall, 1996). Tomando como base a responsabilidade do indivíduo pela gestão da sua própria carreira, destacam-se os elementos essenciais para o desenvolvimento do modelo de carreira proteana: (a) a carreira é gerenciada pela pessoa, não pela organização; (b) a carreira é uma série de experiências ao longo da vida, habilidades, aprendizados, transições e mudanças de identidade (“idade da carreira” conta, não idade cronológica); (c) o desenvolvimento é aprendizado contínuo, autodirigido, relacional, e encontrado nos desafios do trabalho; (4) o desenvolvimento não é (necessariamente) treinamento formal, reciclagem e mobilidade ascendente; (5) os ingredientes para mudanças de sucesso de saber-como para aprender-como, de segurança do trabalho para empregabilidade, de carreiras organizacionais para carreiras proteanas e do “eu trabalho” para “eu inteiro”; (6) a organização providencia: tarefas desafiadoras, relacionamentos 28
desenvolvedores, informação e outros recursos de desenvolvimento; (7) o objetivo principal é obtenção de sucesso psicológico (Hall & Moss, 1998). Trata-se de um modelo em que a organização é compreendida como um espaço constituído por recursos, desafios e possibilidades de desenvolvimento para esse indivíduo que se tornou o principal responsável pela gestão da sua carreira (Hall & Moss, 1998). Partindo do pressuposto da necessidade de adaptação de indivíduos e organizações aos ambientes que ambos estão inseridos, assim como, uma perspectiva de carreira de vida inteira envolvendo os diversos papeis e experiências pessoais e profissionais vivenciadas por esse indivíduo (Super,1980; Hall & Moss, 1998; Briscoe, Hall, & DeMuth, 2006), buscou-se respostas para a seguinte questão de pesquisa: Como se dá a construção da trajetória de carreira de gestores de projetos de inovação a partir de uma perspectiva proteana? Sendo assim, objetivou-se descobrir como gestores de projetos de inovação constroem suas carreiras, a partir da interação com o ambiente dinâmico que os cercam, considerando os elementos de uma carreira proteana. Cabe explicar que, apesar da existência de alguns estudos relacionados, de certa forma, à atuação de gestores (Priem, Li, & Carr, 2012; Dobelin, 2015), grande parte desses estudos enfocam aspectos mais organizacionais, estruturais e institucionais, não contemplando, com a devida profundidade, aspectos comportamentais e atitudinais (Einsenhardt & Martin, 2000; Nobre, Tobias, & Walker, 2011; Pavlou & Sawy, 2011; Wilden, Devinney, & Dowling, 2016). Destarte, este estudo contribui para o preenchimento dessas lacunas que envolvem construtos importantes para a comunidade científica, principalmente, no que tange à ênfase nesta pesquisa sobre as capacidades e comportamentos dos GPI na construção de suas carreiras, a partir de uma perspectiva proteana, levando-se em consideração as potenciais contribuições para a adaptabilidade das organizações em relação aos ambientes dinâmicos em que Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
ambos estão inseridos.
2.
REFERENCIAL TEÓRICO
A partir de uma perspectiva de carreira de vida inteira, envolvendo os diversos papeis e experiências pessoais e profissionais (Hall & Moss, 1998; Briscoe, Hall, & DeMuth, 2006), e de uma construção decorrente da complexa interação entre o indivíduo e o ambiente que o cerca (Veloso & Dutra, 2010; Veloso, 2012), o conceito de carreira proteana é constituído por dois componentes, a orientação e a trajetória de carreira proteana. A orientação de carreira proteana é formada por atitudes que levam o indivíduo a uma compreensão pessoal a respeito do que se constitui sucesso na carreira e, consequentemente, ao delineamento de uma trajetória de carreira específica (Gubler, Arnold, & Coombs, 2014), que, neste estudo, incluem os papeis desempenhados e as experiências pessoais e profissionais vivenciadas ao longo da vida (Hall & Moss, 1998; Briscoe, Hall, & DeMuth, 2006). Como componente atitudinal, a orientação de carreira proteana é constituída por elementos cognitivos, avaliativos e comportamentais. Enquanto os elementos cognitivos associam-se às crenças do indivíduo a respeito de sua carreira e os elementos avaliativos voltam-se para o julgamento do que é bom, ou não, para essa carreira, os elementos comportamentais, por sua vez, correspondem à predisposição desse indivíduo para adotar comportamentos específicos ao longo dessa mesma carreira (Briscoe & Hall, 2006). Tomando por base as atitudes e as trajetórias de carreira, o conceito de carreira proteana pode ser compreendido também a partir de duas dimensões que o caracterizam: a carreira orientada por valores e o autogerenciamento de carreira. A carreira orientada por valores constitui alicerce para o delineamento das medidas de sucesso que guiarão as decisões de carreira do indivíduo. O autogerenciamento, por sua vez, associa-se Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
às necessidades de adaptação desse indivíduo às demandas contextuais por desempenho e aprendizado (Hall, 2004; Briscoe, Hall, & DeMuth, 2006; Sullivan & Baruch, 2009). Adicionalmente, Gubler, Arnold e Coombs (2014) propuseram um refinamento do conceito de carreira proteana, de modo a enfatizar aspectos essenciais associados às dimensões: (a) carreira orientada por valores e (b) autogerenciamento de carreira. A dimensão carreira orientada por valores envolve a conscientização do indivíduo a respeito de elementos que determinam sua identidade pessoal, como, por exemplo, necessidades e interesses, motivações e valores pessoais que constituem base para orientar suas decisões e definir suas medidas de sucesso para a carreira (Gubler, Arnold, & Coombs, 2014). Tais medidas vinculam-se à obtenção de sucesso psicológico e, portanto, à realização pessoal (Hall, 1996) e à satisfação com a carreira em si (De Vos & Soens, 2008). Por outro lado, a dimensão autogerenciamento de carreira abrange tomadas de decisão centradas no próprio indivíduo, assim como, a capacidade de se adaptar às mudanças do ambiente por meio de processos de aprendizagem (Gubler, Arnold, & Coombs, 2014) e maior percepção de sucesso na carreira (De Vos & Soens, 2008; Volmer & Spurk, 2011). A ampliação dessa percepção de sucesso, potencialmente, se deve ao fato de essa dimensão ser responsável por intermediar as dimensões interna e externa da carreira desse indivíduo. Essa dimensão autogerenciamento possui ainda duas subdimensões: a reflexiva e a comportamental. Enquanto a primeira possibilita a geração de ideias relacionadas aos seus objetivos de carreira, a segunda incorpora comportamentos adotados por esse mesmo indivíduo ao tentar alcançar tais objetivos, como, por exemplo, o comportamento de buscar informações para tomar decisões de carreira, junto à sua rede de relacionamentos (De Vos & Soens, 2008). De modo complementar, diante da perspectiva de que a carreira proteana exige processos contínuos e colaborativos de aprendizagem, perspectiva que é 29
Gestores de projetos de inovação e trajetória de carreira sob a perspectiva proteana
corroborada por Briscoe, Hall e DeMuth (2006), Hall (1996) destaca a adaptabilidade e o autoconhecimento do indivíduo como metacompetências que possibilitam tais processos. Tais processos envolvem a capacidade de aprender quando se está diante de desafios associados ao trabalho, de modo a se obter novas imagens sobre o mundo e sobre si mesmo. Trata-se de aprendizados que, potencialmente, têm na educação e nas experiências vivenciadas elementos favoráveis a ações empreendedoras (Williamson, Lounsburry, & Han, 2013) De outro modo, traços de personalidade constituem elementos que proporcionam sustentação para esse modelo proteano. Dentre esses traços, uma personalidade proativa permite ao indivíduo superar possíveis restrições situacionais e posicionarse ativamente diante do ambiente em que está inserido. Somados a esse tipo de personalidade, o lócus de controle interno para tomar decisões, a alta autoestima, o reconhecimento da capacidade de gerenciar a própria carreira e a orientação para metas de aprendizagem constituem traços condizentes com esse modelo de carreira (Fuller Jr & Marler, 2009). Vale destacar que a compatibilidade entre o modelo de carreira proteana e as organizações consubstancia-se por meio de um contrato psicológico do tipo transacional que é estabelecido entre indivíduos que possuem atitudes de carreira proteana e seus empregadores (Hall & Moss, 1998). Tal contrato baseia-se nas expectativas desses indivíduos de que as organizações proporcionem oportunidades de desenvolvimento, o que favorece a manutenção dos níveis de empregabilidade desses indivíduos, e nas expectativas organizacionais no que tange ao atendimento de suas necessidades e de seus interesses por resultados expressivos (Hess & Jepsen, 2009). Diante das exigências desse contexto em que indivíduos e organizações estão inseridos, Clarke (2013) propôs um novo modelo de carreira organizacional baseado no atendimento de interesses tanto do empregador, quanto do empregado. Trata30
se de um modelo híbrido que enfatiza a adaptabilidade e a flexibilidade como elementos que compõe os perfis tanto desses indivíduos, quanto das organizações. Esse modelo prevê lealdade mútua entre empregador e empregado, suporte organizacional ao planejamento individual de carreira com foco no desenvolvimento de atitudes proteanas, movimentações laterais que promovam aprendizado e satisfação pessoal, perspectiva de longo prazo e adoção de medidas de sucesso que atendam aos interesses de ambos. Adicionalmente a essa proposta de modelo de carreira organizacional, a correspondência entre valores pessoais e valores organizacionais também constitui elemento importante para a manutenção do vínculo entre indivíduos e organizações, uma vez que a percepção de sucesso na carreira desses indivíduos é favorecida por essa correspondência (Enache, Sallan, Simo, & Fernandez, 2011; Volmer & Spurk, 2011), principalmente, em contextos organizacionais que considerem autonomia e proatividade como seus valores (Volmer & Spurk, 2011). Contextos que, ao considerarem essa autonomia como valor, são favoráveis ao desenvolvimento de ações empreendedoras em contextos organizacionais já existentes (Knörr, Alvarez, & Urbano, 2013). Vale ressaltar que essa correspondência entre valores pessoais e organizacionais pode ser compreendida por meio de relações de congruência ou complementaridade entre tais valores (Alvarenga & Pitombo, 2015). Visando favorecer a maior compreensão do fenômeno carreira proteana, é preciso considerar também esse tipo de carreira à luz de fatores culturais de maior amplitude, como aqueles associados à cultura específica de um setor (Sullivan & Baruch, 2009; Baruch, 2014) ou, até mesmo, de um país (Baruch, 2014), que podem impulsionar ou impor restrições à forma como esse conceito se configura. De maneira complementar, a trajetória de carreira proteana envolve a interação indivíduo e contexto social, interação essa que pode permitir a esse mesmo indivíduo se identificar e se apropriar de novas oportunidades de mobilidade de Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
carreira e de desenvolvimento profissional. Geralmente, contextos permeados por eventos e estruturas que configuram situações de risco e, concomitantemente, geradoras de oportunidades de sucesso na carreira tendem a favorecer o desenvolvimento desse tipo de trajetória (Forrier, Sels, & Stynen, 2009). Adicionalmente a esses contextos cultural, setorial e social, variáveis socioeconômicodemográficas presentes nas cidades também podem contribuir para o desenvolvimento de uma carreira proteana. Dentre essas variáveis, a educação oferecida nos níveis de graduação e pós-graduação, a intensidade de atividades econômicas, os recursos financeiros e o número de empresas e de trabalhadores formais dessas cidades podem constituir elementos de um cenário favorável para esse desenvolvimento (Balassiano, Ventura, & Fontes Filho, 2004).
3.
METODOLOGIA
Este estudo adota o construtivismo social como perspectiva ontológica, cuja concepção pressupõe um indivíduo que atribui significados à realidade que o cerca (Flick, 2004; Bandeira-de-Mello & Cunha, 2006). Partindo dessa perspectiva construtivista social, neste estudo foi considerado o interacionismo simbólico para o delineamento epistemológico que, para além do enfoque no indivíduo e na interpretação das experiências que vivencia ao longo da vida, enfatiza a estrutura como contexto para essa interpretação (Denzin, 2004). O interacionismo simbólico, por sua vez, apoia-se no paradigma interpretativista que, como forma de pensar cientificamente, compreende a realidade social por meio da subjetividade e da intersubjetividade dos indivíduos que vivenciam situações associadas a essa realidade (Morgan, 2005). Considerando os elementos filosóficos-base para o desenvolvimento desta pesquisa, quais sejam a perspectiva ontológica construtivista social, o delineamento epistemológico fundamentado no interacionismo simbólico Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
e o paradigma interpretativista, este estudo possui natureza qualitativa e adotou o método grounded theory. Adotou-se grounded theory para descobrir os significados da interação entre gestores de projetos de inovação e o ambiente dinâmico que os cercam, integrando condições, ações e consequências (Corbin & Strauss, 1990). Significados que têm, ao serem decorrentes da teoria substantiva que emerge do campo de pesquisa e na revisão sistemática da literatura, a possibilidade de aumentar os seus respectivos poderes explicativos (Bandeira-de-Mello & Cunha, 2006). Inicialmente foi adotado como estratégia para coleta de dados a realização de entrevistas de histórias orais de vida temáticas. Essas histórias orais de vida foram concebidas por Meihy e Ribeiro (2011) como técnica que se propõe a investigar e compreender um tema específico a partir de histórias pessoais. Como estratégia para a coleta de dados complementares, neste estudo foram realizadas entrevistas em profundidade (Mattos, 2006). Ao todo, foram entrevistados 18 sujeitos sociais (GPI), totalizando, portanto, 36 entrevistas, sendo 18 entrevistas de história oral temática e 18 entrevistas em profundidade, 1.510 minutos de duração e 609 páginas referentes às transcrições realizadas. Na codificação e análise dos dados, adotaram-se as comparações teórica e incidente-incidente. Enquanto a primeira estabelece a necessidade de o pesquisador interpretar e codificar os dados à luz da sua sensibilidade teórica e utilizando-se de figuras de linguagem e metáforas, a segunda referese à possível associação entre um novo dado e algum código ou categoria já identificado anteriormente (Bandeira-de-Mello, 2002). Para tanto, nas etapas de codificação e análise dos dados foi utilizado o software Atlas/ ti, software que possui aderência ao método grounded theory. Esse software possibilita “buscar, organizar, categorizar e registrar interpretações” (Bandeira-de-Mello, 2006, p. 431), integrar dados empíricos, construir e gerenciar redes conceituais, obter insights tanto no que se refere às relações entre os conceitos e as categorias identificados quanto 31
Gestores de projetos de inovação e trajetória de carreira sob a perspectiva proteana
de atuação, foi possível traçar um perfil agregado para as organizações (total de 16) em que os sujeitos sociais atuaram: 11 dessas empresas são multinacionais, 15 apresentam fins lucrativos e, baseado no número de funcionários como critério para classificálas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012), 11 dessas empresas são de grande porte, 3 são de pequeno porte e 2 são de médio porte. Considerando o setor de atuação dessas empresas, 12 atuam no setor de serviços, 2 no setor industrial, 1 nos setores industrial e de serviços e 1 no setor comercial. As experiências vivenciadas pelos entrevistados como GPI ocorreram nos seguintes contextos organizacionais: 4 empresas são prestadoras de serviços no setor de desenvolvimento de softwares, 2
na identificação de elementos constitutivos. 3.1. SUJEITOS SOCIAIS E ORGANIZAÇÕES DE ATUAÇÃO Apesar de somente os sujeitos E1, E3, E4, E10 e E13 ocuparem cargos cujas nomenclaturas associam-se formalmente à gestão de projetos, vale ressaltar que os demais sujeitos, apesar dos cargos formais ocupados, eram responsáveis pela gestão de projetos de inovação em suas respectivas áreas de atuação. Esses sujeitos tinham em média 41 anos de idade, 12 anos de experiência profissional na gestão de projetos e formação que varia entre bacharelado e doutorado completos (Tabela 1). No que tange aos contextos organizacionais Tabela 1 Dados dos sujeitos sociais participantes.
Perfis dos Participantes do Estudo Entrevistado
Cargo
(código)
Atual
E1 E2 E3
PMO Gerente de Tecnologia Gerente de Projetos Diretor de Marketing, Estratégia e Gestão de Projetos Controller da América do Sul Gerente de Suporte de Infraestrutura Global Assistente de Diretoria Gerente Sênior Gerente de Inovação PMO Analista de Sistemas Sênior Gestor Comercial
E4 E5 E6 E7 E8 E9 E10 E11 E12 E13 E14 E15 E16 E17 E18
Gerente de Projetos de Soluções Digitais Gerente Sênior Diretor de Negócios Diretor Geral Sócio-proprietário Gestor de Sistemas MÉDIA
Entrevistas
Experiência
EHOT
EP
(n° de pág.)
(n° de pág.)
35 13 10
46 14 10
53 31 31
25 4 7
Mestrado Especialização Especialização
EHOT* e EP** (minutos) 240 78 71
57
8
Mestrado
69
11
13
51
20
Mestrado
100
10
18
43
10
Bacharelado
51
7
10
42 48 38 30
10 21 15 9
Doutorado Especialização Especialização Especialização
91 81 40 69
13 21 6 13
16 15 9 11
51
22
Doutorado
80
22
25
33
12
75
16
14
41
6
Bacharelado Especialização
80
21
20
41 35 40 39 41 41,4
14 13 12 10 5 12,4
Especialização Bacharelado Mestrado Mestrado Doutorado TOTAL
63 77 70 97 78 1510
16 18 17 38 14 301
17 11 25 19 15 308
Idade
na Gestão de Projetos
Formação
Nota. Legenda: EHOT* (entrevista de história oral temática) e EP** (entrevista em profundidade). Fonte: Dados da pesquisa.
32
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
são indústrias do setor de fabricação de equipamentos de transporte e componentes eletrônicos, 2 são prestadoras de serviços no setor de telecomunicações, 2 possuem centros de pesquisa e inovação próprios, 2 receberam prêmios ou certificações associadas a inovação, 2 investem em soluções inovadoras, 1 investe no desenvolvimento de tecnologias digitais e 1 é prestadora de serviços pertencente ao setor de pesquisa e desenvolvimento. Trata-se de contextos que foram considerados como critérios para validação dos GPI como participantes deste estudo.
4.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
A codificação dos dados no Atlas Ti resultou em 859 citações vinculadas a 4 códigos, ou seja, foram identificadas 859 evidências relacionadas aos componentes de análise do estudo. Vale destacar que, dos 4 códigos evidenciados (componentes da categoria), 1 emergiu do campo (código assinalado com asterisco na Tabela 2) e 3 tinham sido previstos no protocolo de pesquisa (Tabela 2). Considerando, portanto, a fundamentação
por familiares, professores, amigos, comunidades religiosas e profissionais do mercado. Dentre os familiares, as figuras paterna e materna destacaram-se como influenciadores das escolhas de carreira dos sujeitos sociais, possivelmente, devido aos vínculos emocionais existentes entre esses sujeitos sociais e tais figuras. O incentivo do pai para que se dedicasse aos estudos constituiu, por exemplo, fator relevante para o delineamento da trajetória de carreira de E1, cujo vínculo emocional pôde ser claramente evidenciado. Diante da limitação de recursos familiares, o pai apresentou a E1 os estudos como possibilidade para ampliação desses recursos. O meu pai sempre me incentivou muito. Meu pai sempre me dizia o seguinte “eu não vou te deixar herança, eu vou te deixar aquilo que você conseguir nos seus estudos.” [...] Meu pai, sem dúvida. Aliás, eu não gosto de falar nisso porque eu choro (E1).
Para E10, a visão de mundo da mãe demonstrou caminhos que colaboraram para a descoberta das atividades profissionais mais associadas ao seu perfil, influenciando, inclusive, a sua decisão por atuar como gestor de projetos, uma vez que ela também atuava nessa mesma área. A concepção de sucesso para a família foi fator relevante na escolha de carreira de E8, uma vez que ele e sua família viam nas realizações de alguns
Tabela 2 Categoria de análise e o grau de fundamentação dos seus respectivos componentes.
Categoria de análise
Componentes (códigos)
Trajetória de Carreira Gestão de Carreira* Carreira proteana Dimensões de Carreira Objetivos de Carreira Fundamentação agregada a partir de dados empíricos
Grau de fundamentação (quantidade de citações) 685 21 94 59 859
Nota: *Novos componentes (códigos) que emergiram do campo. Fonte: Elaborada pelos autores, com auxílio do software Atlas Ti.
agregada a partir de dados empíricos, foram realizadas análises intracaso para a categoria de análise e seus componentes (parágrafos apresentados a seguir). Ao analisar a trajetória de carreira desses sujeitos sociais entrevistados, foi possível identificar que as escolhas preliminares de carreira foram, frequentemente, inspiradas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
de seus primos modelos a serem seguidos. De maneira semelhante, professores se apresentaram como influenciadores nas decisões de carreira dos sujeitos sociais como, por exemplo, E10 que, para além da influência materna, também reconheceu na figura de um professor fator relevante para sua decisão de atuar na gestão de projetos, 33
Gestores de projetos de inovação e trajetória de carreira sob a perspectiva proteana
principalmente, pelo conteúdo da disciplina e pela forma como esse professor ministrava suas aulas.
E teve um outro fator também que foi um fator que foi a cereja do bolo. A matéria de OSM. Eu tinha um professor que ele era muito bom e ele falava de sistemas, métodos, processos e projetos de forma muito apaixonada. E aí eu me encantei mais pelo assunto depois da matéria também. Naquele ano quando a matéria terminou eu falei: “essa é uma área que eu quero conhecer, que eu quero trabalhar” (E10).
Além de familiares e professores, alguns amigos também foram mencionados pelos sujeitos sociais como inspiradores para suas decisões de carreira, como, por exemplo, no caso de E2 que mencionou dois amigos como relevantes para sua decisão. Um deles possibilitou a ele conhecimentos sobre programação de computadores, ainda no início da infância, que lhe foram favoráveis para identificar atividades com as quais apresentava algum tipo de afinidade. E o outro permitiu a ele que tomasse consciência a respeito da necessidade de amadurecer pessoal e profissionalmente, o que favoreceu a sua inserção no mercado de trabalho e na área em que estudava na universidade à época. Uma pessoa que me influenciou muito, quando eu tinha 14 ou 15 anos, na minha adolescência, foi um colega meu de colégio que sabia muito mais do que eu sobre programação de computadores. A gente começou a brincar de invadir os amigos da escola, sem provocar danos materiais. E esse cara, esse meu colega que me fez interessar bastante por este lado tecnológico [...] Olhei para aquele meu colega com aquele terno e eu tive um insight: eu acho que acabou a brincadeira, acabou a hora de eu achar que a vida é só faculdade, pebolim. E foi nesse momento que eu cheguei em casa, me inscrevi no programa de estágio da empresa “x” e logo em seguida acabei indo para a empresa “x” (E2).
De forma semelhante ao que ocorreu com familiares, professores e amigos, a possibilidade de E3 participar de um grupo religioso e ser responsável pela organização e a gestão de alguns eventos constitui inspiração para suas decisões de carreira. A participação nesses eventos permitiu a ele desenvolver atividades práticas similares às realizadas por um gestor de projetos.
Durante a adolescência eu tive muito contato com a parte social da igreja católica. E sempre
34
ocorriam eventos e ações sociais. Então, eu tinha que fazer um documento, eu tinha que controlar dinheiro e envolver as pessoas. O que a gente tem que fazer, quando a gente tem que fazer, quem que é responsável pelo o que. E isso acabou me aproximando muito da parte de projetos (E3).
Carreiras que também foram inspiradas por profissionais que atuavam no mercado como, por exemplo, a reconhecida influência de um antigo chefe de E8 para sua capacidade de inovar e de procurar realizar atividades diferenciadas no ambiente de trabalho. Então por exemplo, quando que eu entrei na empresa “x”, eu tive um chefe que pelo jeito dele, pela forma despojada, pelo jeito até inovador dele para o contexto que existia, me influenciou. Apesar de ele ser uma pessoa que tinha uma formação muito pequena... Eu acho que ele nem tinha terminado a faculdade. Ele era um cara inovador para aquela situação e ele me influenciou nesse sentido, teve uma influência na minha carreira lá atrás (E8).
A análise das influências de familiares, professores, amigos e profissionais do mercado permitiu identificar que as experiências vivenciadas pelos sujeitos sociais junto a essas pessoas proporcionaram aprendizados informais e relacionais (Hall & Moss, 1998; Hall, 2004) que lhes possibilitaram novas imagens sobre si mesmo e o mundo que os cercava (Hall, 1996), aprendizados característicos de uma carreira proteana. A experiência prática vivenciada por E3 em um grupo religioso corrobora a necessidade apontada por Williamson, Lounsbury e Han (2013) de os jovens adquirirem conhecimentos e colocálos em prática para que, de fato, possam desenvolver atributos empreendedores, como aconteceu com E3, cuja experiência o permitiu atuar, posteriormente, de maneira intraempreendedora na gestão de projetos inovadores. Após discutir as inspirações de carreira, o elemento educação presente no componente trajetórias de carreira permitiu perceber que, diante das experiências vivenciadas e das influências recebidas, vários sujeitos sociais relataram ter optado por realizar cursos técnicos, como ocorreu, por exemplo, com E5, E11, E12, E13 e E16. Mesmo alguns não tendo realizado cursos técnicos, todos esses sujeitos sociais optaram por realizar cursos Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
superiores, momentos que foram permeados por indecisões, seja pela afinidade individual com mais de uma carreira (evidenciado por E2) ou pela tentativa de conciliar essa escolha com o contexto organizacional em que estava inserido (evidenciado por E7). Por outro lado, após escolher e iniciar um curso superior, indecisões também se apresentaram em relação às possíveis áreas de atuação habilitadas por esses cursos (evidenciado por E4). A minha indecisão era entre Arquitetura e Computação. Então, por que Arquitetura e Computação? Porque nos dois você cria. Eu sempre fui apaixonado por geometria por ciências exatas e arquitetura, a beleza de criar algo também me apaixonava (E2).
Dentre os cursos superiores escolhidos pelos sujeitos sociais, foi possível perceber que vários deles optaram por cursos de tecnologia em processamentos de dados (escolhidos por E2, E6, E11, E16 e E18), por administração (escolhido por E7, E8, E10 e E17) e por engenharia (escolhido por E4 e E13). Adicionalmente, as empresas em que atuaram também ofereceram cursos diversos, como preparatórios para certificações nas áreas de projetos (relatado por E1 e E16) e tecnologia da informação (relatado por E6 e E8), para o exercício da liderança (relatado por E8) e idiomas (relatado por E6). De outra maneira, as empresas por onde passaram esses sujeitos possibilitaram experiências profissionais que também se reverteram em aprendizados (evidenciado por E2). Os aprendizados decorrentes da realização desses cursos ou dessas experiências vivenciadas no ambiente de trabalho também corroboraram as observações de Hall e Moss (1998) a respeito do aprendizado contínuo, decorrente, muitas vezes, dos desafios proporcionados pelas empresas, como característico do novo contrato de carreira proteana estabelecido entre tais empresas e os sujeitos sociais. Considerando as ocupações e as experiências profissionais vivenciadas pelos sujeitos sociais ao longo das suas trajetórias de carreira, os diversos contextos organizacionais, nos quais os gestores de projetos inovadores estiveram inseridos, possibilitaram a vários Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
desses gestores desenvolverem no início de suas trajetórias atividades mais operacionais, com alto grau de estruturação (evidenciado por E3, E5, E6, E7, E10, E12, E13, E15 e E18). E, à medida que alguns desses gestores foram realizando cursos técnicos e/ou superiores, esses contextos possibilitaram também o desenvolvimento de atividades técnicas seja ocupando cargos efetivos (evidenciado por E1, E4, E5, E7, E10, E12, E14 e E15) ou atuando como estagiários (evidenciado por E4, E8, E9, E10, E13, E15 e E18). Tomando esses contextos organizacionais como propulsores de aprendizados por meio dos cursos oferecidos pelas empresas ou das atividades desenvolvidas pelos sujeitos sociais, foi possível inferir que tais contextos, potencialmente, contribuíram para o estabelecimento de um modelo híbrido de gestão, apresentado por Clarke (2013), que, frequentemente, favorece a adaptabilidade das organizações e do indivíduo. Além de atuarem como funcionários contratados por empresas, muitos desses gestores também se dedicaram à carreira como consultores (evidenciado por E8, E10, E16 e E17) ou manifestaram seu desejo de desenvolverem atividades de consultoria (evidenciado por E4, E9 e E11). De forma semelhante, alguns atuaram também como professores (evidenciado por E1, E8 e E11) ou manifestaram esse desejo por atuarem (evidenciado por E4, E7 e E9). Os dados revelaram ainda que seis desses gestores, para além de atividades intraempreendedoras, desenvolveram atividades empreendedoras (evidenciado por E3, E8, E10, E13, E14 e E17), sendo responsáveis, portanto, pela abertura de empresas das quais eram proprietários. Diante do exercício ou do desejo de exercer atividades associadas a essas carreiras de consultor, professor e empreendedor, os sujeitos sociais denotaram possuir autonomia, o que, potencialmente, como salientado por Knörr, Alvarez e Urbano (2013), constitui característica favorável a atuações intraempreendedoras e ao autogerenciamento de carreira, característico de uma carreira proteana, como destacado por Hall e Moss (1998). 35
Gestores de projetos de inovação e trajetória de carreira sob a perspectiva proteana
Ao longo de suas trajetórias de carreira, alguns sujeitos sociais relataram ter vivenciado conflitos entre a afinidade que possuíam por algumas atividades e o trabalho desenvolvido junto às empresas como, por exemplo, no caso de E5 que deixou de atuar na área de eletrônica em razão da carreira que havia iniciado em um banco. De maneira semelhante, E16 deixou de lado a atuação na área de desenvolvimento, à qual demonstrava mais afinidade, para dedicar-se à gestão. Os conflitos de natureza profissional-familiar também foram vivenciados por alguns desses sujeitos como, por exemplo, E4 que demonstrou ter vivido um dilema entre realizar cursos para sua formação e oferecer atenção à família. Atenção à família que levou E8 a também viver dilema semelhante em relação às exigências profissionais que o impediam de proporcionar essa atenção. Somados aos conflitos vivenciados, essas trajetórias de carreira também compreenderam obstáculos às carreiras desses sujeitos sociais. Obstáculos decorrentes de características pessoais (evidenciado por E1 e E7), escassez de recursos financeiros (evidenciado por E3), frustrações (evidenciado por E2), demissões inesperadas (evidenciado por E3) e problemas de saúde em decorrência da pressão no ambiente de trabalho (evidenciado por E18). Eu sempre era o cara que estava por trás, apresentando ideias, mas nunca era o cara que ia pra frente. Esta questão de assumir a liderança aconteceu só quando eu estava no ambiente de trabalho (E1). Primeiro, você não está habituado e, para fazer faculdade, eu tive que trabalhar em dois empregos, eu tive que trabalhar em call center. Só pude fazer faculdade um pouco tarde, com 24 anos (E3). Esse foi o primeiro trabalho que eu tive. Fiquei dois meses. O sistema não funcionava e isso me frustrava muito, porque eu não podia corrigir já que eu não era o programador oficial da casa, eu era helpdesk (E2).
Como provocadores de desconforto, esses conflitos e obstáculos de carreira, potencialmente, influenciaram a obtenção de sucesso psicológico por parte dos sujeitos sociais, uma vez que esse tipo de sucesso se vincula à realização (Hall, 1996) e à satisfação pessoal com a carreira (De Vos e Soens, 2008). 36
Na medida em que tais conflitos e obstáculos geraram frustrações, como foi mencionado por E2, e também a necessidade de os sujeitos sociais buscarem rotas alternativas para suas trajetórias de carreira, compreende-se que tais desconfortos interferiram, mesmo que momentaneamente, na obtenção de sucesso psicológico. Finalizada a discussão do componente trajetória de carreira relacionado à categoria carreira proteana, os dados associados ao componente gestão de carreira permitiram a emersão de uma gestão de carreira do tipo orgânica, em que as decisões de carreira foram acontecendo à medida que se faziam necessárias (evidenciado por E2, E6, E8 e E12). A gestão de carreira do tipo orgânica foi mencionada por Veloso e Dutra (2010) e Veloso (2012), como resultante de uma complexa relação entre os sujeitos sociais e o mundo que os cerca. Trata-se de um tipo de gestão que, à medida que compreende decisões de carreira, levando-se em consideração as especificidades das situações vivenciadas, potencialmente, contribuiu para a adaptabilidade desses sujeitos perante as transformações das empresas e do mercado em que estavam inseridos. Tal adaptabilidade foi apontada por Hall (1996) e Hall e Moss (1998) como característica que possibilita ao indivíduo gerenciar sua própria carreira frente a essas transformações. Após a discussão dos componentes associados às trajetórias de carreira dos sujeitos sociais e à forma como os sujeitos sociais conduziram a gestão de suas carreiras, os dados associados ao componente dimensões de carreira possibilitaram a emersão do autogerenciamento, que atribui ao próprio indivíduo a responsabilidade por essa gestão, como uma dessas dimensões. Para E18 esse autogerenciamento envolveu a possibilidade de ele mesmo administrar desde os desafios que lhe foram apresentados pela organização, desafios que E18 assumiu como formas de obter realização pessoal, até o interesse que possuía por realizar uma transição de carreira no futuro. Já para E7, o autogerenciamento permitiu a ele desenvolver-se e preparar-se Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
para eventuais imprevistos e futuras decisões de carreira. No que se refere a E5, esse mesmo autogerenciamento propiciou um processo de autoavaliação, motivado por situações de insucesso na carreira, de modo a favorecer a identificação de possíveis ajustes e, assim, obter ascensão profissional. Considerando as histórias de carreira relatadas pelos sujeitos sociais, os dados apresentaram a existência de potenciais gatilhos que favoreceram o despertar da capacidade de esses sujeitos autogerenciarem suas carreiras. Compreendendo esses gatilhos como situações vivenciadas na juventude, E7 destacou que, ao tomar decisões e projetar seu futuro profissional, lembra-se da situação que o levou a assumir a responsabilidade por gerenciar seus estudos. Situação que, segundo ele, se constituiu referência para situações em que é necessário que ele próprio tome decisões de carreira na vida adulta. Para E8, as situações adversas vivenciadas no início da adolescência, que exigiram muito esforço e dedicação de seu pai ao trabalho, levaram-no a despertar para a necessidade de ele próprio agir e conduzir sua vida pessoal e, potencialmente, sua vida profissional. O autogerenciamento de carreira, destacado por Gubler, Arnold e Coombs (2014) como associado ao sentimento de independência do indivíduo que o permite aprender e adaptar-se às transformações do ambiente, é o que possibilitou aos sujeitos sociais refletirem e agirem (De Vos & Soens, 2008) de modo a levarem em consideração os seus próprios interesses e as transformações apresentadas pelo ambiente externo. Esse autogerenciamento se harmoniza com a autonomia requerida de profissionais que se dedicam a uma atuação do tipo intraempreendedora (Knörr, Alvarez, & Urbano, 2013), como ocorreu com os sujeitos sociais participantes deste estudo. Adicionalmente, em relação ainda ao componente dimensões de carreira, surgiram evidências da orientação por seus próprios valores como referência para as decisões de carreira desses sujeitos sociais. No caso de E14, por exemplo, apresentaram-se valores, como fé e amor, que constituíram norte Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
para suas decisões de carreira. Decisões que envolveram desde a escolha momentânea por aceitar, ou não, trabalhar em determinadas empresas, como ocorreu com E1, até escolhas por trajetórias futuras, como foi relatado por E9. Já no caso de E5, seus valores compuseram critérios, inclusive, para as escolhas por outros profissionais que iriam compor suas equipes de trabalho.
Fé e amor são duas palavras fortes que qualquer coisa que eu faça na minha vida, que são valores na realidade muito importantes pra mim. Qualquer coisa que eu faça na minha vida que eu dê valor pra essas duas coisas, provavelmente, vai dar certo (E14). Já tive uma oportunidade de trabalhar na empresa “x”. Eu não conhecia essa empresa e fui pesquisar. E o que eu li sobre a empresa não me agradou. Eu pensei assim: “será que eu quero trabalhar nesta empresa?” “Será que eu não vou ficar com vergonha de falar que eu trabalho na empresa “x”?” Aí eu falei assim: “olha, esta posição não é muito interessante para mim não” (E1).
De forma semelhante ao que ocorreu com a dimensão autogerenciamento, os dados evidenciaram potenciais gatilhos, situações vivenciadas na infância ou na adolescência, que possibilitaram a esses sujeitos orientarem suas carreiras por meio de seus valores pessoais. O valor respeito às pessoas, para E5, por exemplo, associou-se às experiências vivenciadas com seu pai desde a infância, já para E10, esse mesmo valor o remeteu para as experiências que vivenciou em um grupo de teatro. Por outro lado, para E7, cuidar das pessoas constituiu valor que se refletiu tanto nas suas escolhas de carreira na infância, quando apresentou um interesse inicial por cursar medicina, quanto em sua atuação profissional em uma das empresas por onde passou. Ao reconhecerem esses valores pessoais como norteadores de suas decisões de carreira, esses sujeitos sociais demonstraram consciência a respeito de suas próprias identidades e motivações pessoais (Gubler, Arnold, & Coombs, 2014). Esse valores foram destacados por Hall (2004) como referências para as medidas adotadas por esses sujeitos para determinarem o que é ter, ou não, sucesso na carreira. Sucesso cuja percepção pode ser maximizada quando da existência 37
Gestores de projetos de inovação e trajetória de carreira sob a perspectiva proteana
de correspondência entre os valores pessoais e os valores dos contextos organizacionais em que os sujeitos atuaram (Enache, Sallan, Simo, & Fernandez, 2011; Volmer & Spurk, 2011). Após identificar as dimensões de carreira autogerenciamento e orientação por valores, características de uma carreira proteana, os dados do componente objetivos de carreira possibilitaram a identificação de adaptabilidade dos sujeitos sociais às transformações de mercado, adaptabilidade compreendida como meio para que seus objetivos de carreira pudessem ser atingidos. Essa adaptabilidade se apoiou nas transformações do ambiente profissional, e nas novas necessidades geradas por essas transformações (evidenciado por E12a), se concretizou por meio do aprendizado necessário para a atuação profissional desses sujeitos (evidenciado por E1) e, potencialmente, se delineou como elemento impulsionador para a ascensão de tais sujeitos (evidenciado por E5). Trata-se de uma adaptabilidade que, potencialmente, também teve como gatilhos situações que esses sujeitos sociais vivenciaram na infância ou na adolescência, fato esse que pôde ser evidenciado, por exemplo, pelo reconhecimento de E12b de que sua adaptabilidade provém da vivência junto à sua mãe. A adaptabilidade apresentada pelos sujeitos sociais foi delineada como ajustes que esses sujeitos realizaram em si mesmos (Hall, 1996), como aprendizados (Gubler, Arnold, & Coombs, 2014) demandados pela dinâmica do mercado (Hall & Moss, 1998). A capacidade de adaptar-se a essa dinâmica foi compreendida por Hall (1996) como uma metacompetência para que os processos de aprendizagem desses sujeitos se concretizem. Da mesma forma, os dados associados ao componente objetivos de carreira permitiram observar que os sujeitos sociais apontaram como objetivo a possibilidade de realizar atividades profissionais que lhes proporcionassem satisfação e prazer, ou seja, destacaram o sucesso psicológico como objetivo principal de carreira (evidenciado por E2, E7, E14 e E15). Objetivo que se apresentou tanto nas escolhas por um curso 38
superior (evidenciado por E2) quanto na busca por novas atividades e áreas de atuação dentro da empresa (evidenciado por E7). Os relatos apresentados por E2 e por E9 denotaram ainda que, potencialmente, esse sucesso psicológico apresentou como gatilhos situações vivenciadas na infância e associadas, por exemplo, ao prazer proporcionado por jogos de computador (E2) ou por desmontar brinquedos (E9). Enquanto o relato de E2 se associou à escolha por uma carreira associada a jogos de computador e a satisfação pessoal, o relato de E9 demonstrou ainda que a situação descrita por ele na infância vinculada à curiosidade pelo funcionamento de seus brinquedos, potencialmente, guardou relação com as atividades profissionais desenvolvidas por um gerente de inovação. Relação que pode ser compreendida à medida que essa curiosidade, presente desde a infância, o leva, como gerente que atua de maneira intraempreendedora, a ir além daquilo que todos veem e, possivelmente, a criar e a inovar.
Na infância eu tinha encantamento por desmontar meus brinquedos por querer ver como eles funcionavam, como que era a fricção de um carrinho, como era a mecânica de ligar e desligar então eu sempre gostei muito de desmontar e montar os meus brinquedos (E9).
Como objetivo principal de uma carreira do tipo proteana (Hall & Moss, 1998), o delineamento do sucesso psicológico apresentado pelos sujeitos sociais baseouse em elementos individuais e específicos atrelados às suas necessidades, interesses e valores pessoais (Gubler, Arnold, & Coombs, 2014). Como elementos da dimensão interna desses sujeitos, o sucesso psicológico se configurou a partir do surgimento ou da busca por sensações de realização (Hall, 1996) e de satisfação (De Vos & Soens, 2008) proporcionadas por suas carreiras.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que capacidades e comportamentos individuais foram desenvolvidos ao longo da vida, envolvendo Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
elementos como o autogerenciamento de carreira, a orientação por valores pessoais e a obtenção de sucesso psicológico como objetivo principal, foi possível concluir que os gestores de projetos de inovação investigados construíram uma carreira do tipo proteana. Elementos de carreira que foram constituídos a partir das experiências pessoais e profissionais e dos capitais humanos e sociais desenvolvidos por esses profissionais ao longo de suas vidas e que permitiram, assim, a condução de rotinas e processos que possibilitaram às organizações adaptarem-se aos contextos em que estavam inseridos. No que tange ao desenvolvimento de uma carreira aderente ao modelo proteano, foram também identificados gatilhos, ou seja, situações vivenciadas durante a infância ou a Perspectivas
Propriedades Adaptabilidade
Individual
Organizacional
adolescência, que possibilitaram aos sujeitos sociais autogerenciarem e orientarem suas carreiras por meio de seus valores pessoais, adaptarem-se às transformações ambientais e adotarem o sucesso psicológico como objetivo dessa carreira. Gatilhos que denotam que os elementos característicos de uma carreira proteana podem ser estimulados e desenvolvidos desde a infância. Considerando o construto carreira proteana e a teoria fundamentada que emergiu do campo, foi realizada, por fim, uma análise agregada dos significados da interação entre os gestores de projetos de inovação e o ambiente dinâmico que os cercam, considerando as perspectivas individual, organizacional e contextual de suas carreiras de vida inteira (Figura 1). Este estudo restringiu-se à percepção e Papel e Importância
Adequações da carreira ocorrem diante de exigências organizacionais e contextuais. O próprio indivíduo se responsabiliza pela gestão da sua carreira (gestão orgânica).
Autogerenciamento de Carreira Carreira Orientada por Valores embasam as decisões de carreira. Valores Sucesso Psicológico A subjetividade do indivíduo é critério de sucesso. Processos de Aprendi- Processos de aprendizagem possibilitam adaptabilidade do indivíduo zagem na relação com os contextos. Desenvolvimento da identidade profissional e de habilidades para Educação lidar com ambientes dinâmicos permeados por incertezas. Familiares, professores, amigos, comunidades religiosas e profisInspiração sionais de mercado são fontes ativas para o desenvolvimento de carreira. Experiências ProfissioAtuação em múltiplas carreiras (consultores, professores e emnais preendedores) em busca de sucesso psicológico. Habilidade de lidar com conflitos envolvendo área de afinidade e Gestão de Conflitos contexto organizacional, bem como, demandas profissionais e questões familiares. Superação de Obstá- Resiliência para superar escassez de recursos financeiros, frustraculos ções profissionais, demissões inesperadas e problemas de saúde. Elementos característicos de uma carreira proteana são estimulados e desenvolvidos ao longo da vida, desde a infância, como o Gatilhos de Carreira agir próprio, a condução da vida pessoal e os estudos, os valores pessoais e adaptação frente às situações do ambiente. Expectativas mútuas baseadas na entrega de competências por Contrato Psicológico parte dos indivíduos e da contrapartida das organizações considerando os resultados obtidos. Vínculo entre indivíduos e organizações baseado, principalmente, Comprometimento na obtenção de sucesso psicológico por parte desses indivíduos e por meio de atividades que resultam em inovação. Valores Organizacionais Estabelecer e manter vínculos entre indivíduos e organizações. Intermediar interesses individuais e organizacionais e recompensar Carreira Organizacional por resultados obtidos. Incentivar o indivíduo a continuar desenvolvendo seu trabalho, reMotivação compensando-o e contribuindo para sua permanência na organização. Impulsionar o desenvolvimento de atividade inovadoras e a carreira Cultura Organizacional proteana.
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
39
Gestores de projetos de inovação e trajetória de carreira sob a perspectiva proteana
Ambiente Acadêmico Contextual Ambiente Social
Estrutura e suporte acadêmico possibilitam o desenvolvimento da carreira proteana por meio de processos de aprendizagem. Impulsionam o desenvolvimento da carreira proteana e possibilitam processos de aprendizagem formais e informais.
Figura 1: Significados da interação entre os gestores de projetos de inovação e o ambiente dinâmico que os cercam, considerando as perspectivas individual, organizacional e contextual das suas carreiras, a partir de elementos associados à carreira proteana. Fonte: Elaborado pelos autores.
aos significados atribuídos pelos 18 sujeitos sociais participantes, impossibilitando a generalização dos resultados obtidos. Por fim, diante dos gatilhos associados aos elementos de uma carreira proteana (autogerenciamento, orientação por valores, adaptabilidade e sucesso psicológico), sugere-se a realização de estudos que possam compreender a configuração desses gatilhos e as possíveis ações educacionais que podem ser empreendidas para o desenvolvimento desses elementos.
6.
REFERÊNCIAS
Alvarenga, M. A., & Pitombo, N. R. (2015). O papel dos valores nas escolhas de carreira de jovens discentes/trabalhadores. Gestão & Regionalidade, 31(92), 86-102. Balassiano, M., Ventura, E. C. F., & Fontes Filho, J. R. (2004). Carreiras e cidades: existiria um melhor lugar para se fazer carreira?. Revista de Administração Contemporânea, 8(3), 99-116. Bandeira-de-Mello, R. (2002). Uma teoria substantiva da adaptação estratégica a ambientes turbulentos e com forte influência governamental: o caso das pequenas construtoras de edificações. Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Bandeira-de-Mello, R. (2006). Softwares em pesquisa qualitativa. In Godoi, C. K., Bandeira-deMello, R., & Silva, A. B. (Orgs.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva. Bandeira-de-Mello, R., & Cunha, C. J. C. A. (2006). Grounded theory. In Godoi, C. K., Bandeira-de-Mello, R., & Silva, A. B. (Orgs.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva. Baruch, Y. (2014). The development and validation of a measure for protean career orientation. The International Journal of Human Resource Management, 25(19), 2702-2723. Briscoe, J. P., & Hall, D. T. (2006). The interplay of boundaryless and protean careers: combinations and implications. Journal of Vocational Behavior, 69(1), 4-18. 40
Briscoe, J. P., Hall, D. T., & DeMuth, R. L. F. (2006). Protean and boundaryless careers: An empirical exploration. Journal of Vocational Behavior, 69(1), 30-47. Clarke, M. (2013). The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, 24(4), 684703. Corbin, J., & Strauss, A. (1990). Grounded theory research: procedures, canons and evaluative criteria. Zeitschrift für Soziologie, 19(6), 418-427. De Vos A., & Soens N. (2008). Protean attitude and career success: the mediating role of selfmanagement. Journal of Vocational Behavior, 73(3), 449-456. Denzin, N. K. (2004). Symbolic interactionism. In Flick, U., von Kardoff, E., & Steinke, I. (Eds.). A companion to qualitative research. London: Sage. Dobelin, S. (2015). Os efeitos da adoção de práticas de inovação gerencial sobre a flexibilidade organizacional. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Eisenhardt, K. M., & Martin, J. A. (2000). Dynamic capabilities: what are they?. Strategic Management Journal, 21(10-11), 1105-1121. Enache M., Sallan J.M., Simo P., & Fernandez V. (2011). Examining the impact of protean and boundaryless career attitudes upon subjective career success. Journal of Management & Organization. 17(4), 459-473. Flick, U. (2004). Symbolic interactionism. In Flick, U., von Kardoff, E., & Steinke, I. (Eds.). A companion to qualitative research. London: Sage. Flick, W. (2009). Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed. Forrier, A., Sels, L., & Stynen, D. (2009). Career mobility at the intersection between agent and structure. Journal of Occupational and Organizational Psychology, 82(4), 739-759. Fuller Jr, B., & Marler, L. E. (2009). Change driven by nature: a meta-analytic review of the proactive personality literature. Journal of Vocational Behavior, 75(3), 329-345. Gubler, M., Arnold, J., & Coombs, C. (2014). Reassessing the protean career concept: empirical findings, conceptual components, and measurement. Journal of Organizational Behavior, 35, S23-S40. Hall, D. T. (1996). Protean careers of the 21st century. The Academy of Management Executive, 10(4), 8-16. Hall, D. T. (2004). The protean career: A quartercentury journey. Journal of vocational behavior, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcelo Aparecido Alvarenga, Priscila Rezende da Costa
65(1), 1-13. Hall, D. T., & Moss, J. E. (1998). The new protean career contract: helping organizations and employees adapt. Organizational Dynamics, 26(3), 22-37. Hess, N., & Jepsen, D. M. (2009). Career stage and generational differences in psychological contracts. Career Development International, 14(3), 261-283. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012). Demografia das Empresas: 2010, Rio de Janeiro, RJ, Gerência do Cadastro Central de Empresas. Recuperado em 20 de agosto de 2017, de http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/ liv61536.pdf. Knörr, H., Alvarez, C., & Urbano, D. (2013). Entrepreneurs or employees: a cross-cultural cognitive analysis. International Entrepreneurship and Management Journal, 9(2), 273-294. Mattos, P. L. C. L. (2006). Análise de entrevistas não estruturadas: da formalização à pragmática da linguagem. In Godoi, C. K., Bandeira-de-Mello, R., & Silva, A. B. (Orgs.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva. Meihy, J. C. S. B., & Ribeiro, S. L. S. (2011). Guia prático de história oral: para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto. Morgan, G. (2005). Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações. RAE - Revista de Administração de Empresas, 45(1), 58-71. Nobre, F. S., Tobias, A. M., & Walker, D. S. (2011). Uma visão da empresa baseada em habilidades: contextos estratégicos e contingenciais. Revista de Administração Contemporânea, 15(3), 413-432. Pavlou, P. A., & El Sawy, O. A. (2011). Understanding the elusive black box of dynamic capabilities. Decision Sciences, 42(1), 239-273. Priem, R. L., Li, S., & Carr, J. C. (2012). Insights and new directions from demand-side approaches to technology innovation, entrepreneurship, and strategic management research. Journal of Management, 38(1), 346-374. Sullivan, S. E., & Baruch, Y. (2009). Advances in career theory and research: a critical review and agenda for future exploration. Journal of Management, 35(6), 1542-1571. Super, D. E. (1980). A life-span, life-space approach to career development. Journal of Vocational Behavior, 16(3), 282-298. Veloso, E. F. R. (2012). Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil: desafios e oportunidades para pessoas e organizações. São Paulo: Atlas. Veloso, E. F. R., & Dutra, J. S. (2010). Evolução do conceito de carreira e sua aplicação para a organização e para as pessoas. In Dutra, J. S. (Org.). Gestão de carreiras na empresa contemporânea. São Paulo: Atlas. Volmer, J., & Spurk D. (2011). Protean and boundaryless career attitudes: relationships with Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
subjective and objective career success. Zeitschrift für ArbeitsmarktForschung, 43(3), 207-218. Wilden, R., Devinney, T. M., & Dowling, G. R. (2016). The architecture of dynamic capability research identifying the building blocks of a configurational approach. Academy of Management Annals, 10(1), 997-1076. Williamson, J. M., Lounsbury, J. W., & Han, L. D. (2013). Key personality traits of engineers for innovation and technology development. Journal of Engineering and Technology Management, 30(2), 157-168.
41
Amostragem estratificada e distribuição multinomial na pesquisa de opinião: aplicação com alunos de administração
REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664
Marcos Ricardo Rosa Georges Centro de Economia e Administração. Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
AMOSTRAGEM ESTRATIFICADA E DISTRIBUIÇÃO MULTINOMIAL NA PESQUISA DE OPINIÃO: APLICAÇÃO COM ALUNOS DE ADMINISTRAÇÃO STRATIFIED SAMPLING AND MULTINOMIAL DISTRIBUTION IN OPINION RESEARCH: APPLICATION WITH ADMINISTRATIVE STUDENTS
RESUMO Este artigo apresenta uma pesquisa de opinião feita com alunos de administração elaborada com o objetivo de conhecer a opinião dos alunos sobre infra-estrutura, professores, expectativas futuras e sobre seu envolvimento nas atividades de ensino. O principal interesse do artigo reside na definição do tamanho da amostra usando a técnica de amostragem estratificada para se proceder a pesquisa de opinião, bem como a presença de uma distribuição multinomial. Os estratos foram concebidos a partir da linha de formação do curso de administração e do período oferecido, constituindo oito diferentes estratos na população objeto. Já a distribuição multinomial surge em função de perguntas com três alternativas de respostas. A presença de uma distribuição multinomial e o uso de estratificação na amostragem exigem a aplicação de um procedimento específico para determinação do tamanho da amostra. Detalhes do cálculo do tamanho da amostra são mostrados no artigo, bem como a apresentação dos resultados que revelam a opinião dos alunos. Palavras-Chave: Ensino em Administração, Pesquisa de Opinião, Metodologia de Pesquisa, Amostragem Estratificada, Distribuição Multinomial.
ABSTRACT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL:RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC
This article presents a survey carried out with business students developed in order to know the opinion of students on infrastructure, teachers, future expectations about their involvement in teaching. The main interest of this article is the sample size definition and the use of stratified sampling technique to make the survey, as well as the presence of a multinomial distribution. The strata were designed by course and the period, representing eight different strata in the population object. Already a multinomial distribution arises due to questions with three possible answers. The presence of a multinomial distribution and use of stratification sample technique requiring the application of a specific procedure for determining the sample size. Details of the calculation of sample size are shown in the article, as well as the presentation of results that reveal the students’ opinion. Keywords: Business Teaching, Opinion Poll, Research Methodology, Stratified Sampling, Multinomial Distribution.
JEL Classification: I21 42
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcos Ricardo Rosa Georges
1.
INTRODUÇÃO
A pesquisa de opinião é um instrumento amplamente usado por empresas e indivíduos. Em empresas, é comum o uso de pesquisas de opinião para se saber o quão satisfeito estão seus clientes, para se levantar opiniões dos funcionários sobre o clima organizacional e em diversas outras situações de natureza mercadológica onde se deseja conhecer a opinião dos clientes em relação a características de um produto a ser lançado. Já estudantes e pesquisadores em administração usam com freqüência a pesquisa de opinião como instrumento de coleta de dados nos estudos e pesquisas em administração quando se deseja levantar a opinião de pessoas, gestores ou clientes sobre algum fenômeno de interesse. Porém, nenhuma outra situação é tão emblemática para representar o uso da pesquisa de opinião como nas pesquisas de intenção de voto que antecedem as eleições. Pesquisas de opinião são feitas para representar as opiniões de uma população fazendo-se uma série de perguntas a um pequeno número de pessoas e então extrapolando as respostas para um grupo maior dentro do intervalo de confiança. É um levantamento estatístico realizado sobre uma amostra da população. Numa perspectiva histórica, o primeiro exemplo de pesquisa de opinião que se tem conhecimento foi uma enquete conduzida pelo The Harrisburg Pennsylvanian em 1824, que indicava o candidato Andrew Jackson à frente de John Quincy Adams por 335 a 169 votos, na disputa pela presidência dos Estados Unidos (MOON, 1999). Mesmo sem rigor científico e sem permitir qualquer generalização mais precisa que a mera adivinhação, este tipo de enquete tornava-se cada vez mais popular a cada nova eleição presidencial norte-americana. Em 1916, o Literary Digest iniciou uma pesquisa nacional postando milhões de cartões postais aos seus leitores que, após indicarem seu candidato, os remetiam de volta. Contando os cartões que retornaram, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
o Literary Digest previu corretamente o vencedores na eleição daquele ano e também nas quatro eleições presidenciais seguintes. Woodrow Wilson em 1916; Warren Harding em 1920; Calvin Coolidge em 1924; Herbert Hoover em 1929, e Franklin Roosevelt em 1932 foram os presidentes americanos corretamente previstos pela Literary Digest usando este sistema simples de enquete com base na contagem de cartões remetidos de volta a redação (MOON, 1999). No entanto, este tipo de pesquisa de opinião publica sem rigor científico estava prestes a revelar-se traiçoeiro e, em 1936, a Literary Digest protagonizou um dos maiores fiascos da história ao predizer, erroneamente, o candidato vitorioso daquele ano (MADONNA e YOUNG, 2002), Segundo Bryson (1976) e Squire (1988), em 1936 o Literary Digest foi surpreendido! Seus 2,3 milhões de “eleitores” constituíam uma vasta amostra, porém, eram pessoas de maior poder aquisitivo e que tendiam a ser simpatizantes do Partido Republicano. O Literary Digest nada fez para corrigir esse viés e divulgaram que Alf Landon seria o candidato vitorioso. Mas quem ganhou a eleição foi Franklin D. Roosevelt. Para tornar completo o fiasco da previsão da Literary Digest, George Gallup efetuou uma pesquisa para a mesma eleição, usando uma amostra muito menor, porém com base científica. A pesquisa de Gallup apontou corretamente a vitória de Roosevelt. Foi o inicio da bancarrota da Literary Digest e o inicio da era das pesquisas de opinião com base estatística! Segundo Bryson (1976), o sucesso na pesquisa de Gallup para a eleição de 1936 foi a seleção de uma amostra que representasse a distribuição demográfica dos eleitores segundo sua orientação política. Atualmente, no âmbito da política, a pesquisa de opinião é amplamente utilizada por todos os países democráticos no mundo. Para além da política, a pesquisa de opinião também se tornou um instrumento valioso para as organizações, seja na pesquisa de satisfação dos clientes ou em pesquisas de mercado. 43
Amostragem estratificada e distribuição multinomial na pesquisa de opinião: aplicação com alunos de administração
O embasamento científico na realização de uma pesquisa de opinião é respaldado na estatística que, no século XX, evoluiu sobremaneira a ponto de estabelecer diversas técnicas de amostragem e tratamento dos dados para assegurar uma previsão confiável e representativa da opinião de toda a população que se queira saber.
2. PESQUISA, AMOSTRAGEM E DISTRIBUIÇÕES O objetivo de uma pesquisa de opinião, ou simplesmente pesquisa, é conhecer a opinião da população a respeito de algum fenômeno. No entanto, o custo e o tempo necessário para perguntar a todos os indivíduos da população a sua opinião tornam os censos inviáveis, sendo necessário o questionamento a somente uma parcela da população. Esta parcela é chamada de amostra. Existem diferentes meios de se estabelecer o tamanho da amostra e o campo da estatística que reúne estes métodos é chamado de amostragem. Basicamente há duas formas distintas de se estabelecer a
amostra de uma pesquisa: probabilística e não-probabilista. Uma amostra não-probabilística não faz uso de procedimentos estatísticos que garantirão a escolha de indivíduos de forma aleatória. A escolha dos indivíduos da amostra pode ser por conveniência ou por interesse do pesquisador. Já a amostra probabilística, os critérios de inclusão dos indivíduos na amostra são aleatórios e não estão sujeitos ao julgamento e nem a vontade do pesquisador. A figura 1 a seguir apresenta um esquema que resume as diferentes técnicas de amostragem. Cada método de amostragem traz vantagens e desvantagens em relação aos demais. No entanto, em termos de precisão e confiabilidade, os métodos de amostragem probabilística são mais vantajosos que os métodos de amostragem não-probabilísticas. Na categoria dos métodos probabilísticos, a amostragem estratificada traz vantagens em relação a amostragem aleatória simples e amostragem sistemática por permitir uma pesquisa com mesma margem de erro usando-se uma amostra menor (COCHRAN, 1977). Na verdade,
Figura 1 - Classificação das Técnicas de Amostragem (fonte: Malhotra, 2006)
44
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcos Ricardo Rosa Georges
quanto maior a discrepância do comportamento de cada estrato, menor será o tamanho da amostra. Esta característica pode ser útil se bem manipulada. A amostragem estratificada pode ser aplicada para se realizar uma pesquisa quando, na população objeto, pode ser observada a existência de estratos, ou seja, de grupos bem determinados que particionam a população objeto em grupos (estratos) distintos (DOWNING & CLARK, 2002). Portanto, a técnica de amostragem adotada influenciará o tamanho da amostra necessária para se realizar a pesquisa e, dentre as técnicas de amostragem probabilística, a amostragem estratificada possibilita um tamanho de amostra menor para uma mesma margem de erro se comparada a uma amostra determinada por outras técnicas. Mas, além da técnica de amostragem adotada, outra característica fundamental e determinante para se definir o tamanho da amostra é a distribuição de probabilidade do fenômeno a ser pesquisado. O tipo mais simples de distribuição de probabilidade é a distribuição de Bernoulli, aquela que define somente duas possíveis respostas para uma pergunta, como sim e não. Uma amostra constituída de diversos questionários com distribuição de Bernoulli (duas alternativas de resposta) terá distribuição binomial. Outra distribuição de probabilidade bem conhecida é a distribuição normal, uma distribuição contínua e que representa uma quantidade enorme de fenômenos físicos na natureza. Na maioria absoluta da literatura científica sobre pesquisa de opinião, pesquisa de marketing e até mesmo em livros específicos sobre estatística e amostragem, as formulas para cálculo do tamanho da amostra são definidas para uma distribuição normal ou para uma distribuição de binomial. Logo, a determinação do tamanho da amostra só será preciso se a pesquisa for elaborada para se ter apenas respostas dicotômicas (sim e não) ou para se medir variáveis contínuas normalmente distribuídas. No entanto, o que se observa com freqüência são pesquisas com questionários Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
com escalas de mensuração discretas e com mais de duas alternativas de resposta, constituindo assim, uma distribuição multinomial. Portanto, determinar uma amostra a partir de uma distribuição multinomial e fazendo-se uso da técnica de amostragem estratificada é o desafio que motivou este artigo e espera-se que a pesquisa exemplo apresentada a seguir possa servir de referência para os administradores que queiram realizar suas pesquisas, mas que esbarram na dificuldade de somente encontrar formulas de determinação de tamanho de amostra que consideram apenas distribuições normais ou binomiais.
3. A PESQUISA DE OPINIÃO COM ALUNOS DE ADMINISTRAÇÃO: USO DE AMOSTRA ESTRATIFICADA COM DISTRIBUIÇÃO MULTINOMIAL A pesquisa de opinião realizada neste artigo é bem simples e tinha como objetivo conhecer o quão satisfeito os alunos estão com a instituição, com seus professores e sua expectativa em relação ao mercado de trabalho. Também há questões que buscam conhecer o perfil do aluno. São perguntas simples e as respostas são múltipla escolha, com três alternativas (sim, não, em parte) e com duas alternativas (sim e não). O uso da metodologia de amostragem estratificada com a presença de uma distribuição multinomial é um dos objetivos da pesquisa, cuja metodologia está detalhada a seguir. A pesquisa tem como população objeto todos os alunos do curso de Administração. Essa população pode ser dividida em diversos agrupamentos, como o período que o aluno cursa (matutino ou noturno), o ano que ele está (do primeiro ao quarto ano), a modalidade de curso que o aluno está matriculado (administração, comercio exterior ou logística e serviços) e ainda se o aluno pertence ao novo currículo ou se pertence ao currículo em extinção. Estas diversas categorias que a população objeto pode ser dividida 45
Amostragem estratificada e distribuição multinomial na pesquisa de opinião: aplicação com alunos de administração
constituem em estratos. Um estrato é uma partição da população objeto, os estratos são mutuamente excludentes e exaustivos, ou seja, os elementos a serem amostrados (unidades de observação) pertencem a um, e somente um dos estratos e não há unidade de observação que não pertença a um estrato (os estratos cobrem toda a população objeto). A pesquisa será aplicada em uma amostra da população objeto. Esta amostra da população objeto é chamada de população estudo que será determinada através de um procedimento de pesquisa por amostragem estratificada. Embora a pesquisa por amostragem estratificada seja mais complexa e exige maior conhecimento da população objeto, a sua aplicação trás maiores vantagens em oposição à técnica de amostragem aleatória simples. A tabela 1 a seguir apresenta os estratos da população objeto, são eles: ADM – alunos que cursam Administração de Empresas (currículo novo); COMEX – alunos do curso de Comércio Exterior; LOG – alunos do curso de Logística e Serviços e ADM EXT – alunos do curso de Administração de Empresas (currículo em extinção). Tabela 1 – População Objeto e seus Estratos
ESTRATO ADM COMEX LOG ADM EXT
Matutino 283 148 57 86
Noturno 981 255 233 473
TOTAL 1264 403 290 559
TOTAL
574
1942
2516
Muitos outros estratos naturais poderiam ser definidos, como série, sexo, religião, entre outros, mas a partição da tabela 1 já fornece oito estratos bem definidos e o suficiente para aplicar a metodologia pretendida. A teoria de amostragem nos diz que a técnica de amostragem estratificada trás maior precisão quanto maior for à heterogeneidade entre os estratos. Ou seja, quanto maior for a variabilidade e o valor médio entre os estratos maior será a precisão do resultado final em oposição ao uso da técnica de amostragem aleatória simples 46
(COCHRAN, 1977). Porém, como não se tem nenhuma informação sobre a distribuição nos estratos, foi realizada uma amostra piloto para se conhecer a distribuição dentro dos estratos para depois realizar a amostragem definitiva. 3.1. REALIZAÇÃO DA AMOSTRA PILOTO Como não se tem nenhuma informação de como é a distribuição das respostas para as perguntas da pesquisa foi necessário realizar uma amostra piloto. De posse das respostas da amostra piloto será possível determinar o número da amostra definitiva com base na distribuição das respostas obtidas na amostra piloto. Porém, a pesquisa é constituída de perguntas que têm 2 e 3 alternativas (veja o questionário na figura 2 a seguir) e sabe-se que, quanto maior a heterogeneidade entre os estratos, menor será o tamanho da amostra. Dessa forma, a determinação do tamanho da amostra piloto será feita levando-se em consideração o pior caso, ou seja, quando há a mínima heterogeneidade entre as repostas, e também se levando em consideração o fato de se ter respostas com distribuição binomial e multinomial. 3.1.1. TAMANHO DA AMOSTRA USANDO DISTRIBUIÇÃO BINOMIAL A determinação do tamanho da amostra é determinada por diversos fatores, entre eles: a distribuição do parâmetro de interesse, o nível de confiança do intervalo de confiança e a margem de erro, e também do tipo de informação que se deseja determinar. No caso da avaliação institucional o parâmetro de interesse é a proporção de alunos que responderam sim, não ou em parte (ou outra resposta equivalente). Observa-se que o questionário a ser respondido é constituído de nove perguntas, sendo as cinco primeiras com respostas tricotômicas e as quatro últimas dicotômicas, e são as cinco primeiras questões onde reside o maior interesse desta pesquisa. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcos Ricardo Rosa Georges
É interessante observar que na amostra piloto não se tem nenhuma informação sobre a variabilidade dos estratos, portanto para a amostra piloto o procedimento adotado será o pior caso para uma amostra aleatória simples. Para estimar a proporção na amostra aleatória simples a técnica de amostragem fornece a seguinte expressão matemática para o cálculo do tamanho da amostra:
Equação 1 – determinação do tamanho da amostra aleatória simples para proporção
z 2 PQ d2 n= 1 z 2 PQ 1 + 2 − 1 N d
Figura 2 – Questionário da pesquisa realizada
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
47
Amostragem estratificada e distribuição multinomial na pesquisa de opinião: aplicação com alunos de administração
Esta equação 1 pode ser simplificada se chamarmos o numerador de n0 e reescrever a equação, o resultado final será: n=
n0
1+
1 (n0 − 1) N
, onde
n0 =
z 2 PQ d2
Equação 2 – simplificação da equação 1
Nesta equação z representa o nível de confiança do intervalo de confiança a ser construído para a estimativa de interesse, d representa a margem de erro e PQ representam a proporção de alunos que responderam sim e não respectivamente. Como não se tem qualquer informação sobre a distribuição do parâmetro de interesse, portanto será assumido o pior caso, quando há um equilíbrio na preferência entre as respostas (lembre-se que são respostas dicotômicas: sim e não), ou seja quando há uma intenção de 50% para a resposta sim e 50% para a resposta não. Esta distribuição equilibrada fornece o pior caso em termos de número de unidades amostrais a ser pesquisada, isto pode ser visto claramente no gráfico 1 abaixo.
de erro mostradas na tabela 2 a seguir. Tabela 2 – Margem de Erro e conseqüente tamanho da amostra
Margem de erro
Tamanho da amostra
1
1993.87
1.5
1583.18
2
1228.83
2.5
954.23
3
749.52
3.5
597.92
4
484.79
4.5
399.18
5
333.39
6
241.29
7
181.90
8
141.67
9
113.27
10
92.54
O cálculo para o tamanho da amostra apresentado nesta tabela 2 foi obtido da equação 1, adotando P = Q = 0,5; z = 1,96; N = 2516. A margem de erro escolhida foi de 7%, o que resulta em um tamanho de amostra igual a 182 alunos para o pior caso (quando P = Q = 0,5). Espera-se que a proporção entre P e Q seja mais desigual, reduzindo o número de unidades amostrais a serem pesquisadas. 3.1.2. TAMANHO DA AMOSTRA USANDO DISTRIBUIÇÃO MUTINOMIAL
Um método bastante simples para se estimar o número de amostras necessárias para estimar a proporção em uma distribuição mutinomial com um determinado nível de confiança e margem de erro é proposto por Thompson (1987). Gráfico 1 – valor de p.(1-p) Este método determina o tamanho da amostra para o pior caso, análogo ao O nível de confiança para construir o intervalo de confiança para a estimativa de feito no item anterior, mas aqui é para uma interesse será fixada arbitrariamente em 95%. distribuição multinomial e não para uma Observe que quanto maior será o nível de distribuição binomial. O método consiste em determinar o confiança maior será o número de unidades nível de confiança, que neste caso é de 95%, e amostrais a ser pesquisado. A margem de erro será definida pela depois basta olhar em uma tabela e encontrar coordenação do curso de Administração, que o número correspondente e dividir este teve como alternativas de escolha as margens número pelo quadrado da margem de erro. O interessante deste método é que o tamanho 48
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcos Ricardo Rosa Georges
da amostra para o pior caso não depende seis estratos baseados na regra de proporção. do número de categorias da distribuição multinomial, seja para três (como o caso Tabela 4 – unidades amostrais para a amostra piloto desta pesquisa) ou um n qualquer, o pior Matutino Noturno caso será o mesmo. ADM 11.7 40.6 52.2 Nota-se também que para o pior caso COMEX 6.1 10.5 16.7 LOG 2.4 9.6 12.0 não se necessita nenhuma informação a ADM EXT 3.6 19.6 23.1 priori do parâmetro de interesse, assim como TOTAL 23.7 80.3 104.0 no item anterior, o pior caso ocorre quando há um equilíbrio entre as respostas. Arredondando-se os valores obtêm-se Tabela 3 - Pior Caso para Tamanho da Amostra novos valores para a quantidade de unidades amostrais a serem pesquisadas na amostra a d2n piloto, estes valores estão apresentados na 0.50 .44129 tabela 5 a seguir. 0.40
.50729
0.30
.60123
0.20
.74739
0.10
1.00635
0.05
1.27359
0.25
1.55963
0.01
1.96986
Tabela 5 – unidades amostrais definitivas para a amostra piloto
Matutino
Noturno
TOTAL
ADM COMEX LOG ADM EXT
12 7 3 4
41 11 10 20
53 18 13 24
TOTAL
26
82
108
Para o caso desta pesquisa o a = 0.05 e portando d2n = 1.27359. Dividindo-se d2n por (0.07)2, que foi a margem de erro escolhida 3.3. O PROCEDIMENTO DE SORTEIO obtém: n = d2n / (0.07)2 = 1.27359/0.0049 = O procedimento de sorteio das 259.91 ou 260. Logo o tamanho da amostra unidades amostrais dentre todas as unidades para o pior caso será de 260 alunos. de observação foi feita de posse do cadastro dos alunos fornecida pela secretaria de 3.2. TAMANHO DA AMOSTRA PILOTO graduação da faculdade de Administração. Este cadastro contém as seguintes EM CADA ESTRATO informações: RA do aluno; nome completo; A Amostra Piloto tem a finalidade curso (ADM, ADM EXT, LOG, COMEX); série de obter uma estimativa aproximada para a (1, 2,..., 8);classe (1, 2, 3,...); turno (1 ou 3) e proporção de alunos que responderam cada situação acadêmica (matriculado, trancado, alternativa, para então determinar o tamanho afastado, etc..). De posse da relação completa dos definitivo para a amostra. Para a amostra piloto será adotado alunos o primeiro passo foi introduzir esta arbitrariamente o valor de 40% do número listagem no software Minitab, e estratificar total de unidades amostrais do pior caso esta listagem por curso e por turno, resultando para a distribuição multinomial, ou seja, uma listagem completa dos alunos para cada 0.4*260 = 104 alunos. Assim a amostra piloto um dos seis estratos definidos inicialmente. Para cada um dos seis estratos foi será constituída de 104 alunos sorteados aleatoriamente e em número proporcional de adotado o procedimento de amostragem seus estratos, ou seja, para a amostra piloto aleatória simples para sortear as unidades será adotado o procedimento de amostragem amostrais, este procedimento consistem em gerar números aleatórios com distribuição estratificada proporcional. A tabela 4 a seguir indica a quantidade uniforme entre 0 e 1 e depois ordenar a de alunos a serem amostrados de cada um dos relação dos alunos em ordem crescente e Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
49
Amostragem estratificada e distribuição multinomial na pesquisa de opinião: aplicação com alunos de administração
entrevistar o número desejado de alunos a partir desta lista. De posse da lista dos alunos sorteados em cada um dos estratos para amostra piloto o passo seguinte foi identificar qual é a sala de cada aluno. Cada estrato é constituído de diversas salas de aulas, pois são quatro anos de curso e algumas salas por ano, assim, um estrato é constituído por mais de uma sala, e um aluno sorteado para responder ao questionário deve ser encontrado em sua sala. Prevendo-se algumas ausências dos alunos no ato da entrevista, a lista dos alunos sorteados contém mais alunos do que a amostra piloto necessita. Caso um aluno falte, o aluno seguinte da lista será chamado.
pois o principal objetivo é o cálculo do tamanho final da amostra. A tabela 6 a seguir revela os resultados obtidos da amostra piloto sem distingui-los em estratos. Para cada uma das oito questões é calculado a proporção de respostas sim, +/- e não. A resposta sim equivale a reposta Adequada ou Alta do questionário, a resposta +/- equivale às respostas parcialmente adequadas ou médias, e a resposta não equivale às respostas não adequadas ou baixas do questionário. Tabela 6 - Proporções das respostas na Amostra Piloto
3.4. O RESULTADO DA AMOSTRA PILOTO
P (SIM)
P (+/-)
P (NÃO)
Q1
0.240741
0.712963
0.046296
Q2
0.259259
0.685185
0.055556
Q3
0.259259
0.62963
0.111111
Q4
0.351852
0.601852
0.046296
Q5
0.231481
0.657407
0.111111
O resultado da amostra é de extrema Q6 0.925926 0.074074 valia por fornecer alguns parâmetros iniciais, Q7 0.490741 0.509259 especialmente a distribuição da característica Q8 0.685185 0.314815 de interesse. Também se apresenta como Q9 0.185185 0.814815 resultado imediato da amostra piloto o reconhecimento de dificuldades encontrada A tabela 7 a seguir mostra os resultados durante o procedimento de coleta de dados. Por ora, somente a distribuição da da amostra piloto estratificada para cada um característica de interesse será mencionada, dos 8 estratos. Tabela 7 - Respostas da Amostra Piloto
Estrato 1 –
Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Q6 Q7 Q8 Q9
Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Q6 Q7 Q8 Q9
50
Sim 4 3 2 5 3 12 8 6 5
sim 12 14 13 14 9 38 21 32 7
Adm. Mat. +/8 8 7 7 6
Estrato 5 –
Estrato 3 –
Estrato 2 – Comex Mat. não 0 1 3 0 3 0 4 6 7
Adm. Not. +/não 28 1 26 1 26 2 25 2 30 2 3 20 9 34
sim 1 2 1 1 1 5 2 0 0
+/5 5 4 6 4
não 1 0 2 0 2 2 5 7 7
sim 2 2 1 1 1 3 3 2 0
Estrato 6 – Comex Not. sim 0 1 2 6 3 11 5 9 1
+/10 10 9 5 7
não 1 0 0 0 1 0 6 2 10
sim 4 4 6 8 4 7 3 8 0
Log. Mat. +/1 1 2 2 2
Estrato 7 – Log. Not +/6 6 4 2 6
Estrato 4 – não 0 0 0 0 0 0 0 1 3
não 0 0 0 0 0 3 7 2 10
Adm. Ext. Mat.
sim 0 0 0 0 1 4 1 1 3
+/3 4 3 3 3
Estrato 8 –
Adm. sim 3 2 3 3 3 20 10 16 4
não 1 0 1 1 0 0 3 3 1
Ext. Not. +/não 16 1 14 4 13 4 15 2 13 4 0 10 4 16
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcos Ricardo Rosa Georges
Observa-se na tabela 6 que a reposta que obteve o maior grau de equilíbrio na opinião dos alunos foi a questão nº 7, que pergunta se o aluno vem para a faculdade com automóvel próprio. Mas são as cinco primeiras questões onde reside o maior interesse, então o número definitivo da amostra final deverá ser calculado em função das cinco primeiras questões. 3.5. DETERMINAÇÃO DA AMOSTRA DEFINITIVA A determinação do tamanho da amostra definitiva será feita em função de apenas uma das cinco primeiras questões, exatamente a questão que apresentar o maior equilíbrio entre as respostas dadas pelos alunos. Isto se justifica em função de quanto mais equilibradas forem às proporções, maior será o tamanho da amostra. Isto é claramente observado para a distribuição binomial e Thompson (1987) afirma que o mesmo ocorre com distribuições multinomiais.
4.
O MÉTODO DE CÁLCULO DE N
Este método é extraído de Thompson
(1987) e determina o tamanho da amostra para distribuições multinomiais com k categorias e com informações prévias sobre a distribuição de cada categoria. É um método iterativo composto de duas etapas onde se procura satisfazer as equações 1/2 Θi = 2(1 - Φ(zi)), e zi = di (n) / (pi (1 - pi ))1/2 , onde di é margem de erro para a i-ésima proporção e Φ(zi) é a distribuição normal padrão acumulada. Para o caso deste trabalho a margem de erro é de 7% para todas as proporções e o nível de confiança é de 5%. A princípio espera-se que o maior n será encontrado para a questão número 3, pois apresenta o maior equilíbrio. Mas para a surpresa o cálculo foi efetuado para todas as questões e foi para a quarta questão que resultou no maior número da amostra. Na tabela 8 abaixo estão todos os n´s obtidos para cada uma das cinco questões tricotômicas, todos calculados pelo método descrito acima; também estão nesta tabela 8 os tamanhos da amostra para as quatro questões dicotômicas também presentes no questionário, mas estas calculadas segundo o método da distribuição binomial.
Tabela 8 - Cálculo de n para cada uma das questões
P (SIM)
P (+/-)
P (NÃO)
n
Q1
0.240741
0.712963
0.046296
199
Q2
0.259259
0.685185
0.055556
210
Q3
0.259259
0.62963
0.111111
221
Q4
0.351852
0.601852
0.046296
240
Q5
0.231481
0.657407
0.111111
210
Q6
0.925926
-
0.074074
53
Q7
0.490741
-
0.509259
182
Q8
0.685185
-
0.314815
159
Q9
0.185185
-
0.814815
114
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
51
Amostragem estratificada e distribuição multinomial na pesquisa de opinião: aplicação com alunos de administração
Logo o tamanho da amostra a ser usado neste trabalho será de 240 alunos. 4.1. O CÁLCULO DA AMOSTRA PARA CADA ESTRATO Para calcular o tamanho da amostra para cada um dos oito estratos será utilizado o procedimento de partilha ótima, ou partilha de Neyman (COCHRAN, 1977). Este procedimento requer a informação de quantos alunos pertencem a cada um dos oito estratos e também a variabilidade de cada um dos oito estratos. A variabilidade de cada um dos oito estratos será calculada a partir da questão nº4, justamente a questão que forneceu o pior caso para o tamanho da amostra. A variabilidade é calculada através do software Minitab, através do comando Display Descriptive Statistics, e os resultados estão expostos a seguir.
resultado piloto (estrato = 1) Variable Mean StDev Q1 1.333 0.492 Q2 1.167 0.577 Q3 0.917 0.669 Q4 1.417 0.515 Q5 1.000 0.739 resultado piloto (estrato = 2) Variable Mean StDev Q1 1.000 0.577 Q2 1.286 0.488 Q3 0.857 0.690 Q4 1.143 0.378 Q5 0.857 0.690 resultado piloto (estrato = 3) Variable Mean StDev Q1 1.667 0.577 Q2 1.667 0.577 Q3 1.333 0.577 Q4 1.333 0.577 Q5 1.333 0.577 52
resultado piloto (estrato = 4) Variable Mean StDev Q1 0.750 0.500 Q2 1.0000 0.000 Q3 0.750 0.500 Q4 0.750 0.500 Q5 1.250 0.500
resultado piloto (estrato = 5) Variable Mean StDev Q1 1.2683 0.501 Q2 1.3171 0.521 Q3 1.2683 0.548 Q4 1.2927 0.558 Q5 1.1707 0.495
resultado piloto (estrato = 6) Variable Mean StDev Q1 0.9091 0.301 0.301 Q2 1.0909 Q3 1.182 0.405 Q4 1.545 0.522 Q5 1.182 0.603
resultado piloto (estrato = 7) Variable Mean StDev Q1 1.400 0.516 Q2 1.400 0.516 Q3 1.600 0.516 Q4 1.800 0.422 Q5 1.400 0.516
resultado piloto (estrato = 8) Variable Mean StDev Q1 1.100 0.447 Q2 0.900 0.553 Q3 0.950 0.605 Q4 1.050 0.510 Q5 0.950 0.605 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Marcos Ricardo Rosa Georges
Observando somente a questão nº 04 obtêm-se as seguintes variâncias:
Tabela 9 - Variâncias Amostrais dos Estratos
S1
S2
S3
S4
S5
S6
S7
S8
0,2652
0,1439
0,3330
0,2500
0,3114
0,2725
0,1781
0,2601
O peso de cada um dos estratos é dado por:
Tabela 10 - Peso de Cada Estrato
W1
W2
W3
W4
W5
W6
W7
W8
SW
0.1125
0.0588
0.0227
0.0342
0.3899
0.1013
0.0926
0.1880
1.000
O produto da variância e do peso fornece:
Tabela 11 - Produto do Peso e Variância Amostral de Cada Estrato
S1W1
S2W2
S3W3
S4W4
S5W5
S6W6
S7W7
S8W8
SSW
0.0298
0.0085
0.0076
0.0086
0.1214
0.0276
0.0165
0.0489
0.2688
Assim, para cada estrato o tamanho da amostra será dado por:
Tabela 12 - Tamanho da Amostra para cada Estrato
n1
n2
n3
n4
n5
n6
n7
n8
S
26.64
7.55
6.75
7.63
108.40
24.65
14.72
43.66
240
27
8
7
8
109
25
15
44
243
Mas como os questionários da amostra piloto serão aproveitados, então a amostra definitiva para cada estrato será dada por: Tabela 13 - Tamanho da Amostra Final para cada Estrato
n1
n2
n3
n4
n5
n6
n7
n8
S
15
1
4
4
68
14
5
24
135
4.2. O PROCEDIMENTO DE SORTEIO O procedimento de sorteio será o mesmo para definir os alunos sorteados para a amostra piloto. Ou seja, de posse do cadastro é feito um procedimento de geração de números aleatórios com distribuição uniforme (0,1) e depois estes números são ordenados. Os alunos associados aos primeiros números serão escolhidos para responder o questionário.
5.
O RESULTADO DA PESQUISA
O resultado da pesquisa está apresentado na tabela 14 a seguir e revela que, com relação a infra-estrutura da faculdade, 25,5% dos alunos consideram-na adequada, 66,7% consideram parcialmente adequada e 7,8% consideram a infra-estrutura Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
inadequada. Com relação a competência de seus professores, 25,9% dos alunos a considera adequada, 63,8% consideram parcialmente adequada e 10,3% consideram inadequada. Quanto ao conteúdo ministrado nas disciplinas, 21,4% consideram adequado; 65,8% consideram parcialmente adequado e 12,8% consideram inadequado. Com relação a expectativa do mercado, 40,3% tem alta expectativa, 56,4% tem uma expectativa parcial e 3,3% não tem expectativas quanto ao mercado de trabalho após a conclusão do curso. Quanto ao envolvimento nas atividades propostas pelos professores, 18,5% dos alunos consideram que se envolvem adequadamente nas atividades, 67,5% tem envolvimento parcial e 14% não se envolvem 53
Amostragem estratificada e distribuição multinomial na pesquisa de opinião: aplicação com alunos de administração
adequadamente. Mais além, 81,4% dos alunos possuem computadores, 51,9% vão a faculdade com automóvel próprio, 67,5% dos alunos estão empregados atualmente e 18,1% são fumantes. Tabela 14 - resultados finais da pesquisa
Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Q6 Q7 Q8 Q9
PSIM
0.255 0.259 0.214 0.403 0.185 0.814 0.519 0.675 0.181
P
+/-
0.667 0.638 0.658 0.564 0.675 -
PNÃO
0.078 0.103 0.128 0.033 0.140 0.186 0.481 0,325 0.819
6. CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS Este artigo fez uma pesquisa de opinião com alunos de administração usando um questionário com três respostas, necessitando usar um procedimento mais elaborado para se determinar o tamanho da amostra que quando se faz uma pergunta com somente duas respostas. O procedimento adotado, extraído de Thompson (1987), se mostrou difícil de ser aplicado num primeiro momento, porém acredita-se que os benefícios de se elaborar questões com mais de duas respostas sejam compensadores para se optar um procedimento mais difícil. O uso da amostragem estratificada também se mostrou um recurso interessante, por exemplo, foi observada que o oitavo estrato (alunos do período noturno cursando currículo de administração em extinção) se mostrou muito mais insatisfeitos com a competência dos professores que os demais estratos. Sabendo do histórico deste estrato e dos professores que ministraram aula, é possível analisar este fato de modo mais detalhado que quando se tem somente este índice de satisfação global, sem a estratificação por período e por curso. Muitas outras análises seriam possíveis 54
de serem feitas se o questionário fosse mais bem elaborado e versasse sobre assuntos mais específicos, no entanto, neste primeiro momento o objetivo era conhecer um pouco mais os alunos, sua opinião e, sobretudo, aplicar a técnica de amostragem estratificada e questões com distribuição multinomial.
7.
BIBLIOGRAFIA
Bryson, Maurice C. The Literary Digest poll: Making of a statistical myth. The American Statistician, v. 30, n.4, p.184-185, 1976. Chocran, W. G. – Sampling Techniques. John Wiley & Sons, New York, 1977 Downing D. & Clark, J. – Estatística Aplicada. 2ed. Ed. Saraviva, São Paulo, 2002. MADONNA, G.T. e YOUNG, M. - The First Political Poll, In Politically Uncorrected Column, 2002. Disponível em <http://www.fandm.edu/ politics/politically-uncorrected-column/2002politically-uncorrected/the-first-political-poll> acessado em 05 de junho de 2013. Malhotra, Naresh K. Pesquisa de Marketing: Uma Orientação Aplicada. 4ed., Ed. Bookman, Porto Alegre, 2006. MOON, Nick – Opinion Polls: history, theory and pratice. Oxford, 1999. SQUIRE, Peverill. Why the 1936 Literary Digest Poll Failed. Public Opinion Quarterly, p. 125-133, 1988. THOMPSON, Steven K. Sample size for estimating multinomial proportions. The American Statistician, v. 41, n. 1, p. 42-46, 1987.
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Evandro Prieto
REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664
Evandro Prieto Formado em Ciências Econômicas (FAAP – 1986), Pós Graduado (CEAG – FGV – 1992 e Universidade de Berkeley – 1996) e Mestre em Engenharia de Produção (PoLI – USP – 2007). Vivência profissional em marketing, pesquisa de mercado, área comercial e consultoria na área de qualidade. Professor de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de marketing, estratégia de negócios, qualidade, gestão da produção e inovação. Gestão de projetos na área da qualidade e marketing, além de treinamentos de capacitação. Membro voluntátio na Strategic and Competitive Intelligence Professionals (SCIP) - http://www.scip.org/group/ saopaulo.
EMPREENDEDORISMO VIRTUAL (E-BUSINESS) NAS EMPRESAS BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE DO SETOR DE COMÉRCIO E SERVIÇOS VIRTUAL ENTREPRENEURSHIP (E-BUSINESS) IN BRAZILIAN COMPANIES: AN ANALYSIS OF THE TRADE AND SERVICES SECTOR
RESUMO Neste novo ambiente econômico marcado pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, o empreendedorismo virtual (e-business) se configura como uma solução que vem sendo adotada pelas empresas para enfrentar os novos desafios competitivos, dentre eles a diminuição dos ciclos de vida dos produtos e contínua expansão da globalização. A literatura aponta alguns fatores que influenciam a adoção do empreendedorismo virtual. Entre estes fatores apresentados o setor de atuação da indústria foi selecionado como objeto de estudo. Este trabalho tem como objetivo identificar a influência do setor de atuação na adoção do empreendedorismo virtual das pequenas e médias empresas. Foram pesquisadas 167 empresas do setor de comércio e serviços. Trata-se de um estudo quantitativo que empregou o teste de KruskalWallis para análise dos dados. Palavras-chave: Empreendedorismo virtual, comércio e serviços, Teste de Kruskal-Wallisade Intelectual, Gestão da Inovação, Ensino Técnico, Patentes;
ABSTRACT UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL: RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC
In this new economic environment characterized by the development of information and communication technologies, virtual entrepreneurship (e-business) is regarded as a solution that is being adopted by companies to face new competitive challenges, including the reduction of product life cycles and continued expansion of globalization. The literature points to several factors that influence the adoption of virtual entrepreneurship. Among these factors presented the Business Sector of the industry was selected as the object of study. This work aims to identify the influence of the sector of activity in the adoption of virtual entrepreneurship of small and medium enterprises. 167 companies in the trade and services sector were investigated. This is a quantitative study that used the Kruskal-Wallis test for data analysis. Keywords: Virtual entrepreneurship, Trade and services, Kruskal-Wallis test
JEL Classification: L26 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
55
Empreendedorismo virtual (e-business) nas empresas brasileiras: uma análise do setor de comércio e serviços
1.
INTRODUÇÃO
O empreendedorismo emergiu com destaque no contexto econômico mundial, a partir da década de 70; período em que os mercados europeu e norte-americano começaram a saturar. Tal fato, combinado com a disseminação de produtos japoneses durante a ascensão do Toyotismo, aumentando a oferta, e com as crises do petróleo, momento de estagflação, gerou redução sensível de empregos. Como decorrência, o equilíbrio no mercado de trabalho foi viabilizado pelas pequenas empresas, responsáveis pela maioria dos empregos criados na época (Rosas; Sauaia, 2009). Na década de 90 o empreendedorismo ganhou novo impulso com a criação de um grande número de negócios eletrônicos, também denominado e-business, constituídos em grande maioria por pequenas e médias empresas (PMEs) estruturadas com base em serviços e produtos ofertados pelos Web-sites. Tanto no Brasil como em outras economias o empreendedorismo vem ganhando importância com relevante destaque às PMEs que têm proporcionado expressivo número de inovações, criação de empregos e crescimento econômico. Devido a estas novas oportunidades de negócios na Web atualmente nos deparamos com o surgimento de organizações e empreendimentos virtuais para redução de seus custos de transação e além disso, passam por um processo de internacionalização para enfrentar os obstáculos e dificuldades (Roode, 2009; Peres, C. O., 2018). Em detrimento destas mudanças outros termos relacionados aos novos empreendedores virtuais tem sido denominados de “e-empreendedor”, “webempreendedor”, ou ainda “empreendedor virtual” (Gomes, 2003; Pazoti,C. M.; 2017). Através do relatório Ebit (2017, p. 9) e de Pazoti, C. M. (2017) foi identificado que o comércio virtual é um dos meios de negociação que cresce de maneira extremamente rápida mesmo em um cenário desfavorável e foi um dos poucos setores a conseguir andar na contramão da crise, onde 56
“48 milhões de consumidores compraram no comércio eletrônico pelo menos uma vez em 2016, alta de 22% ante 2015”. As empresas alteraram sua forma de atuação e começaram a explorar inúmeras características que a nova tecnologia proporciona para estarem sempre à frente no mercado desenvolvendo estratégias que facilitem a sua fixação e crescimento. Rovere (1999) e Kwun et. al. (2010) concordam que os benefícios e oportunidades geradas pelo empreendedorismo virtual são diversos, como a aquisição de vantagens competitivas ao reduzir os custos de marketing, distribuição dos produtos e atendimento ao consumidor, melhora nos canais de comunicação com os clientes, maior agilidade nos processos de compra, venda ou troca de produtos, serviços ou informações. Ou seja, as ferramentas tecnológicas têm sido utilizadas para apoiar processos de negócios (Fuentes, 2010). Essas tecnologias oferecem o potencial de criação de formas totalmente novas de trabalhar, dando origem a uma nova geração de PMES, em que o empreendedor e seus colaboradores adotam uma forma mais flexível e eficaz de trabalhar e competir em mercados dominados pelas grandes empresas. Portanto, estas tecnologias propiciam um novo paradigma para apoiar a integração entre os processos, tecnologia e integrantes (players) da cadeia de suprimentos (incluindo os principais parceiros, fornecedores e clientes). Neste contexto a adoção do empreendedorismo virtual está condicionada a uma integração entre estratégia, estrutura e sistemas com pessoas e processos (Chang, 2009). A adoção do empreendedorismo virtual também depende do tipo de ambiente competitivo em que as PMEs estão inseridas (Marasini et. al., 2008), que são: 1- estáveis / estáticos possível um planejamento para a adoção das mudanças e 2- turbulentos – o planejamento das mudanças são caracterizadas por um processo dinâmico e complexo. Além disso, os diferentes objetivos de negócio estabelecidos pelas PMEs são determinantes na adoção do e-business. Alguns empreendimentos nascem Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Evandro Prieto
com objetivos economicamente racionais, como vantagem competitiva e crescimento (Parker, 2009). Outros são criados com a finalidade principal do empreendedor de se dedicar para manter a família ou adotar um estilo de vida que valorize o prazer, convívio, autonomia, sobrevivência e estabilidade manter, e que em muitos casos determina o pequeno porte destas organizações (Parker, 2009). Portanto, de acordo com os fatores apresentados, este trabalho tem como objetivo analisar e avaliar se existe um comportamento padrão na adoção do empreendedorismo virtual por setores de atuação das PMEs. Ou seja, pretende-se analisar e avaliar a influência do setor de atuação na adoção do empreendedorismo virtual das PMEs no que tange ao planejamento para a sua adoção, objetivos que as empresas esperam atingir, dificuldades que as empresas encontraram para iniciar suas atividades e resultados obtidos com sua adoção. A influência setorial no empreendedorismo virtual será avaliada nas áreas de comércio e serviços. O artigo apresenta a revisão da literatura (conceituação e importância do empreendedorismo virtual, representatividade econômica e setores de atuação das PMEs, identificação dos determinantes para a adoção do empreendedorismo virtual), os procedimentos metodológicos, apresentação, análise e conclusão dos resultados.
2. A NOVA ECONOMIA E O EMPREENDEDORISMO VIRTUAL NAS PMES Nos anos 90, com o inicio dos empreendimentos virtuais, novas estratégias de inserção competitiva tornaram possível o aumento da competitividade das PMEs. Como afirma Schumpeter (1942), o empreendedorismo é definido como uma atitude de colaboração para que idéias inovadoras se tornem uma realidade através da definição de novos modelos de negócio e ao mesmo tempo substituir os sistemas de negócios convencionais por torná-los Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
obsoletos. Zao (2006) complementa que o empreendedorismo em seu sentido estrito, envolve a captura e conversão das idéias em produtos e/ ou serviços, bem como a sua viabilização comercial. Portanto, o empreendedor é a figura chave desse processo atuando como um catalizador e gerador de novas oportunidades através das inovações, criando novos postos de trabalho, intensificando transações econômicas e contribuindo para a maior competitividade e produtividade. A característica chave de um empreendimento de sucesso, seja convencional ou virtual é a capacidade de formar um novo ou desenvolver negócios já existentes, elevando substancialmente seu valor patrimonial, várias vezes acima da média esperada das empresas congêneres no mesmo período e no mesmo contexto sócio-político-econômico (Luqman, 2011). No contexto sócio-político-econômico atual os conhecidos empreendimentos tradicionais necessitam agregar novas habilidades para se adaptarem à nova economia do empreendedorismo virtual. Ou seja, atualmente é quase inevitável que os empreendimentos precisam adotar este novo modelo de negócios via Web. Portanto, a utilização de uma rede informacional como a internet, intranet, e extranets assumem um papel central no desenvolvimento dos empreendimentos de PMEs. Kwun et al.(2010) argumentam que o empreendedorismo virtual está sendo apropriado rapidamente entre as empresas em todo o mundo. Portanto, este novo paradigma tecnológico determina a criação de novos mercados e a participação de entidades governamentais no fomento do empreendedorismo virtual. Uma das evidências desse fenômeno são as ações governamentais estabelecidas entre a Câmara Brasileira de Comercio Eletrônico e a Camara Britanica (IMRG – E-Commerce Industry Association) no ano de 2011 para a troca de informações sobre a economia digital dos dois países. O objetivo desta parceria é estimular ações que contribuam para a disseminação, desenvolvimento e melhoria da tecnologia da informação e do comercio 57
Empreendedorismo virtual (e-business) nas empresas brasileiras: uma análise do setor de comércio e serviços
digital – tanto entre e-consumidores como em empresas e entidades governamentais e não governamentais. Em termos de dimensões, o mercado britânico é parecido com o brasileiro. Na Inglaterra existem 51 milhões de internautas e 37 milhões de e-consumidores; e no caso do Brasil a previsão era que em 2011 o ano terminasse com 32 milhões de e-consumidores e 70 milhões de internautas. O cenário do e-commerce no Brasil vem apresentando um crescimento que promete continuar nos próximos anos. De acordo com a E-bit, no ano de 2016, o setor apresentou um crescimento de 7,4% em relação ao ano anterior, fechando R$44 bilhões em faturamento, mesmo com a crise. A Global Entrepreneurship Monitor, um grupo de pesquisa formado pelo Babson College e Business School, considera que as PMEs podem ser responsáveis por um terço da variação do crescimento de um país. No caso do Brasil as PMEs também assumem relevância no crescimento econômico. Brasília - Os pequenos negócios respondem por mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Juntas, as cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas no País representam 27% do PIB, um resultado que vem crescendo nos últimos anos. Os dados inéditos são revelados pelo presidente do SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas, Luiz Barretto. “O empreendedorismo vem crescendo muito no Brasil nos últimos anos e é fundamental que cresça não apenas a quantidade de empresas, mas a participação delas na economia”, afirma Barretto. Em 1985, o IBGE calculou em 21% a participação dos pequenos negócios no PIB brasileiro. Como não havia uma atualização desse indicador desde então, o SEBRAE contratou a Fundação Getúlio Vargas para avaliar a evolução das micro e pequenas empresas na economia brasileira, com a mesma metodologia utilizada anteriormente. Em 2001, o percentual cresceu para 23,2% e, em 2011, atingiu 27%. Em valores absolutos, a produção gerada pelas micro e pequenas empresas quadruplicou em dez anos, saltando de R$ 58
144 bilhões em 2001 para R$ 599 bilhões em 2011, em valores da época. A Serasa Experian (2009) aponta que, no Brasil, as PMEs produzem uma parte substancial do total de bens e serviços na economia brasileira. Elas empregam o maior contingente de pessoas e contribuem com impostos, além de estimular a competição e a inovação. Conforme dados do SEBRAE de 2005, as PMEs detinham 20% de participação no PIB e geravam 60% dos empregos formais no setor privado. Em conjunto, elas responderam, naquele mesmo ano por 99,2% do número total de empresas formais, 57,2% dos empregos totais e 26% da massa salarial. Essa participação é ampliada quando se incorpora a economia informal, composta basicamente pelo pequeno capital. Apesar da relevância econômica dessas empresas, seu ciclo de vida costuma ser curto. Ainda, segundo o SEBRAE, em 2002, 49,4% delas encerraram suas atividades com até 2 anos de existência, 56,4% com até 3 anos e 59,9% com até 4 anos, sendo que 75% das que deixaram de existir ocupavam entre 2 e 9 pessoas (SEBRAE, 2005). A chamada taxa de mortalidade, em 2005, foi de 22% (Vox Populi, 2005). Em grande parte, esta vulnerabilidade das PMEs é em decorrência de suas inúmeras deficiências financeiras, econômicas e tecnológicas, bem como pelas dificuldades na utilização das fontes de recursos. Portanto, para superar estas barreiras, garantir sua sobrevivência e perpetuação as PMEs dependem da adoção de estratégias competitivas de inserção nos mercados que garantam posicionamentos defensáveis duradouros. A literatura aponta determinantes específicos para a adoção do empreendedorismo virtual, que são apresentados a seguir. 2.1. DETERMINANTES PARA A ADOÇÃO DO EMPREENDEDORISMO VIRTUAL A partir do momento em que a internet começou a propiciar a diminuição dos efeitos negativos de escala (como custos de transação) para as PMEs, criaram-se novas possibilidades de desenvolvimento Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Evandro Prieto
de estratégias de negócios mais eficientes e efetivas (Brand; Huizingh, 2008). Mas, se por um lado estas novas oportunidades geradas pela internet podem ter efeitos positivos nos negócios, a decisão e viabilização da sua adoção implicam, principalmente, na adequação dos recursos financeiros e tecnológicos (Levy et al., 2005; Serasa Experian, 2009). Além destes determinantes (custos de transação, recursos financeiros e tecnológicos) outros são identificados pelos seguintes autores: Angehrn (1997); El-Gohary (2010); Fuentes, 2010; Kwun et al. (2010); Levy et al. (2005); Osterwalder (2002); Rovere (1999); Scupola (2009) e Zao (2006). O Quadro 1 sintetiza estes determinantes necessários para a adoção do empreendedorismo virtual.
Conforme Quadro 1, identificouse que as forças competitivas setoriais (determinante 6) além do preparo e porte da organização (determinante 7) podem exercer pressão na adoção ou aprimoramento no desenvolvimento do empreendedorismo virtual nas PMEs. A literatura propõe que setores industriais caracterizados por empresas com maior preparo, porte, e alta competitividade podem estar sendo impulsionados para uma adoção mais incisiva do empreendedorismo virtual. Portanto, conforme Scupola (2009) as políticas governamentais podem promover a competitividade e criação de empreendimentos virtuais nas PMEs. O autor menciona medidas dos governos da Austrália e Dinamarca no sentido de disseminar o uso
1: Determinantes para a adoção do empreendedorismo virtual
1- A Mentalidade e motivação empreendedora são consideradas como principal fator de mudança no processo de decisão pela adoção do e-business. 2- Recursos – obtenção de financiamento, mão de obra especializada, prioridade nos investimentos em recursos tecnológicos, entre outros. 3- Percepção do valor estratégico como forma de melhorar significativamente a colaboração e integração entre parceiros comerciais, permitindo uma importante vinculação entre fornecedores e clientes no planejamento dos estoques e nas estimativas de demanda, programação da produção e na gestão do relacionamento com clientes. Além disso, pode colaborar com nas atividades de marketing (prospecção de mercados, pesquisa, ..) e na eliminação de intermediários 4- Comunicações com foco nas necessidades dos consumidores para possibilitar relacionamentos estratégicos com parceiros comerciais e acesso às informações dentro e entre as empresas (descentralização). 5- Setores industriais em que existe alto grau de competitividade podem gerar uma alta propensão na sua adoção Obs: o empreendedorismo virtual não é adotado somente com o objetivo de atingir as melhores práticas, eficiência operacional e um novo posicionamento estratégico que incorpore maior valor, mas também para se adequar às novas forças competitivas da indústria 6- Setores industriais caracterizados por organizações com maior preparo e porte pode induzir (facilitar) a implementação mais acelerada. Estas características são detalhadas abaixo: - Preparo: disponibilidade de recursos internos (infra-estrutura e conhecimento técnico dos colaboradores internos sobre as tecnologias computacionais) e a sua compatibilidade com as atividades da empresa; - Porte: as grandes empresas são mais propensas na implementação em relação às PMEs nos seguintes aspectos: a) tendem a ter maior disponibilidade de recursos, (b) mais propensas a alcançar economias de escala, (c) mais capazes para gerenciar os altos riscos associados com os investimentos nas tecnologias de e-business, e (d) possuem maior poder de mercado para influenciar seus parceiros comerciais a adotarem as tecnologias de e-business (Ex: implementação do Electronic Data Interchange – EDI). Fonte: Elaborado pelo autor com base na literatura Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
59
Empreendedorismo virtual (e-business) nas empresas brasileiras: uma análise do setor de comércio e serviços
de tecnologias para a implementação de negócios eletrônicos em setores da economia, e principalmente nas PMEs. De acordo com Scupola (2009), estudos multi setoriais, ou constituídos por empresas de diferentes ramos de atividades podem proporcionar uma maior riqueza de informações sobre os fenômenos relacionados à adoção do empreendedorismo virtual nas PMES. Portanto, neste trabalho optou-se pela pesquisa em duas áreas: comércio e serviços.
3.
METODOLOGIA
O objetivo desta pesquisa é analisar e avaliar se existe um comportamento padrão na adoção do empreendedorismo virtual por setores de atuação das PMEs. Ou seja, pretende-se analisar e avaliar a influência do setor de atuação na adoção do empreendedorismo virtual das PMEs no que tange ao planejamento para a sua adoção, objetivos que as empresas esperam atingir, dificuldades que as empresas encontraram para iniciar suas atividades e resultados obtidos com sua adoção. A influência setorial no empreendedorismo virtual será avaliada nas áreas de comércio e serviços. O método de pesquisa selecionado foi o quantitativo. Foi elaborado um questionário com perguntas fechadas para definir o porte, ramo de atividade e setor de atuação das empresas entrevistadas. Em relação ao empreendedorismo virtual foram pesquisadas as seguintes assertivas: ações de planejamento, principais objetivos que a empresa espera atingir, dificuldades que a empresa identificou para iniciar suas atividades e vantagens obtidas com a sua adoção. A amostra foi definida como não probabilística. Através da parceria com a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) foi disponibilizado um mailing para 1258 empresas associadas de Micro, Pequeno e Médio porte localizadas no Estado de São Paulo. A escolha de empresas membro da Associação Comercial de São Paulo deveuse ao fato de que muitas pequenas empresas vivem na informalidade, principalmente as 60
que nascem com o intuito de atuar somente através da Internet; portanto a escolha de empresas associadas à ACSP garante que essas empresas são formalmente constituídas e possuem obrigações legais, societárias, fiscais e comerciais no mercado em que atuam. A adoção do empreendedorismo virtual foi avaliada por um agrupamento de assertivas denominadas de ações de planejamento (8 assertivas), objetivos que a empresa espera atingir (9 assertivas), dificuldades identificadas na sua adoção (13 assertivas) e vantagens obtidas (11 assertivas). O setor de atuação foi definido como variável nominal. Para os agrupamentos de assertivas de avaliação da adoção do empreendedorismo virtual foi utilizada a escala ordinal, considerando-se os seguintes graus de concordância para as assertivas: (1) Nada importante, (2) Pouco importante, (3) Indiferente, (4) Importante, e (5) Muito importante. Para facilitar a interpretação dos dados, as frequências das assertivas foram agrupadas em três graus de concordância, sendo: Pouco Importante (menores ou iguais a dois), Neutralidade (igual a três) e Importante (maiores ou iguais a quatro). Além deste agrupamento de frequências foi feito o das opções “Não se aplica” e “Aspecto não considerado”. O questionário foi enviado por correio eletrônico para todas as empresas. Os empresários que não responderam o questionário foram contatados por telefone para a coleta dos dados pesquisados. Deste universo, obtiveram-se 167 questionários respondidos. Esta amostra correspondeu a aproximadamente 13.0% do universo pesquisado. Para alcançar o objetivo proposto foi estabelecida a hipótese de que há diferença significativa entre o setor de atuação da empresa e a adoção do empreendedorismo virtual. Para testar a hipótese foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis ao nível de significância de 5%. Trata-se de um teste não paramétrico que faz ranking dos dados utilizando a mediana quando existem variáveis ordinais. Os dados Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Evandro Prieto
Com base na amostra representada na também foram analisados utilizando-se a estatística descritiva. Utilizou-se o software Tabela 1 - Caracterização da amostra por setor de atuação e porte verifica-se que as micro, SPSS versão 17. pequenas e médias empresas, representam respectivamente 35.9%, 48.5% e 15.6% do 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS total das entrevistas. Em relação à representatividade dos setores de atuação, a amostra é composta A Tabela 1 apresenta a caracterização da por instituições financeiras (5 empresas amostra coletada. 3.0%), prestadoras de serviços (45 empresas Tabela 1 Caracterização da amostra por setor de atuação e porte
Setor de Atuação Inst_financeiras Servicos Comercio Varejista Comercio Atacadista Outros Total %
Porte (nº de funcionários) 100 a 499 Até 19 20 a 99 3 1 1 19 20 6 15 25 7 11 15 5 12 20 7 60 81 25 35,9 48,5 15,6
As empresas foram caracterizadas quanto ao porte de acordo com os critérios adotados pelo SEBRAE (2005), sendo: micro empresa considerada a que possui até 19 funcionários, pequena empresa com 20 a 99 funcionários e média empresa com 100 a 499 funcionários. Quanto à definição e dimensão dos setores foram adotados os critérios definidos por Levy et. al. (2005), que são: a) empresas Industriais: aquelas que efetuam as transformações de matérias-primas em produtos acabados, produções de bens e serviços; b) empresas comerciais (atacado/ varejo): vendas de mercadorias diretas ao consumidor; também recebem o nome de varejista, ou de atacadistas; estes, porém, compram direto dos produtores e vendem aos varejistas; e c) empresas de prestação de serviços: são aquelas que oferecem seus trabalhos especializados como lazer, comunicação, manutenção, transporte e outros itens. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Total
%
5 45 47 31 39
3,0 26,9 28,1 18,6 23,4 167
– 26.9%), comercio varejista (47 empresas - 28.1%), comércio atacadista (31 empresas 18.6%) e “outros - prestadoras de serviços aos associados da ACSP (39 empresas - 23.4%). Do total das 167 empresas, 63 (38%) possuem lojas físicas e virtuais e 5 (3%) atuam somente no mercado virtual. A seguir são apresentados os dados quanto ao empreendedorismo virtual, de acordo com os seus agrupamentos, sendo: Tabela 2 - Ações de Planejamento para empreendedorismo virtual, Tabela 3 - Principais objetivos que a empresa espera atingir com o empreendedorismo virtual, Tabela 4 Dificuldades que a empresa identificou para iniciar suas atividades de empreendedorismo virtual, e Tabela 5 - Vantagens obtidas com a adoção do empreendedorismo virtual. A Tabela 2 apresenta a estatística descritiva relacionada às ações de planejamento para o empreendedorismo virtual. 61
Empreendedorismo virtual (e-business) nas empresas brasileiras: uma análise do setor de comércio e serviços
Tabela 2 - Ações de Planejamento para o empreendedorismo virtual
Pouco Importante (1 e 2)
Neutralidade (3)
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
AP1-Determinação dos custos da implantação
8
4,8
9
5,4
101
60,5
49
29,3
ASSERTIVAS
Importante (4 e 5)
Não se aplica / Aspecto não considerado
AP2-Previsão de receita de vendas
8
4,8
17
10,2
79
47,3
63
37,7
AP3-Capital de giro para atuar neste mercado
13
7,8
23
13,7
97
58,1
34
20,4
AP4-A logística de entrega dos produtos aos clientes
8
4,8
10
6,0
92
55,1
57
34,1
AP5-A adequação das atividades de cobrança dos clientes
9
5,4
22
13,2
86
51,5
50
29,9
AP6-Parcerias com fornecedores
13
7,8
30
18,0
86
51,5
38
22,7
AP7-Propaganda para divulgar o e-commerce da empresa
4
2,4
16
9,6
93
55,7
54
32,3
AP8-A identificação da demanda pela aquisição de produtos da empresa
4
2,4
19
11,4
88
52,7
56
33,5
Frequência Total
67
5,0
146
10,9
722
54,0
401
30,0
A assertiva AP1 (determinação dos custos de implementação) foi considerada a principal ação de planejamento para o empreendedorismo virtual com 101 menções dos entrevistados. Considerandose o agrupamento das assertivas verifica-se a expressiva importância dada às ações de planejamento para o empreendedorismo virtual, com freqüência total de 722 (54.0%) menções dos entrevistados. No teste de Kruskal Wallis evidenciase que o setor de atuação da empresa influencia a adoção do empreendedorismo
virtual quanto à determinação dos custos e implementação (AP1 - nível de significância 0.047); logística de entrega dos produtos aos clientes (AP4 - nível de significância 0.037); adequação das atividades de cobrança dos clientes (AP5 - nível de significância 0.024); e propaganda para divulgar o e-commerce da empresa (AP7 - nível de significância 0.018). A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva relacionada aos principais objetivos que a empresa espera atingir com o empreendedorismo virtual.
Tabela 3 - Principais objetivos que a empresa espera atingir com o empreendedorismo virtual
ASSERTIVAS
Pouco Importante (1 e 2)
Neutralidade (3)
Importante (4 e 5)
Não se aplica / Aspecto não considerado
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
PO1-Melhorar a exposição de marca / produto
0
0
4
2,4
162
97,0
1
0,6
PO2-Aumentar as vendas
6
3,6
9
5,4
141
84,4
11
6,6
PO3-Atingir mercados geograficamente distantes
7
4,2
19
11,4
134
80,2
7
4,2
PO4-Atuar em nichos de mercado inexplorados
12
7,2
28
16,8
117
70,1
10
5,9
PO5-Diminuir o armazenamento de produtos em estoque
23
13,8
35
21,0
64
38,3
45
26,9
62
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Evandro Prieto
PO6-Aumentar a quantidade de informações sobre os produtos comercializados
8
4,8
12
7,2
140
83,8
7
4,2
PO7-Diferenciar seu(s) produto(s) ou serviço(s) perante os concorrentes
1
0,6
13
7,8
150
89,8
3
1,8
PO8-Melhorar o relacionamento com os clientes
3
1,8
7
4,2
157
94,0
0
0,0
PO9-Melhorar o relacionamento com os fornecedores
6
3,6
30
18,0
105
62,9
26
15,5
Frequência Total
66
4,4
157
10,4
1170
77,8
110
7,3
A assertiva PO1 (melhorar a exposição de marca / produto) foi considerada o principal objetivo que as empresas esperam atingir com o empreendedorismo virtual com 162 menções dos entrevistados. Considerando-se o agrupamento das assertivas verifica-se a sua expressiva importância, com frequência total de 1170 (77.8%) menções dos entrevistados.
No teste de Kruskal Wallis evidencia-se que o setor de atuação da empresa influencia a adoção do empreendedorismo virtual quanto à diminuição do armazenamento em estoque (PO5 – nível de significância de 0.001). A Tabela 4 apresenta a estatística descritiva relacionada às dificuldades que a empresa identificou para iniciar suas atividades de empreendedorismo virtual.
Tabela 4 - Dificuldades que a empresa identificou para iniciar suas atividades de empreendedorismo virtual
Pouco Importante (1 e 2)
Neutralidade (3)
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
DF1-Determinação dos custos para implantação da loja virtual
28
16,8
26
15,6
52
31,1
61
36,5
DF2-Escolha da tecnologia para criação e administração do site
39
23,4
58
34,7
60
35,9
10
6,0
DF3-Definição dos parceiros para desenvolvimento da loja virtual
37
22,2
29
17,4
43
25,7
58
34,7
DF4-Definição das atividades que podem conduzir aos objetivos estratégicos
54
32,3
44
26,3
51
30,5
18
10,9
DF5-Adequação da logística para a gestão e entrega dos pedidos
29
17,4
19
11,4
34
20,4
85
50,8
DF6-Pessoas qualificadas para atuarem nas atividades relacionadas com a Internet
55
32,9
33
19,8
55
32,9
24
14,4
DF7-Conscientização dos profissionais envolvidos nas atividades do e-commerce
31
18,6
27
16,2
47
28,1
62
37,1
DF8-Resistência dos clientes em realizar transações comerciais através da a Internet
27
16,2
34
20,4
49
29,3
57
34,1
DF9-Obtenção de suporte profissional para manutenção do site e/ou da loja virtual
45
26,9
26
15,6
72
43,1
24
14,4
DF10-Manutenção de estoque adequado de produtos para atender a demanda
23
13,8
31
18,6
49
29,3
64
38,3
DF11-Falta de conhecimento de como atuar no mundo virtual
36
21,6
46
27,5
59
35,3
26
15,6
ASSERTIVAS
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Importante (4 e 5)
Não se aplica / Aspecto não considerado
63
Empreendedorismo virtual (e-business) nas empresas brasileiras: uma análise do setor de comércio e serviços
DF12-Adequação dos processos financeiros em função das transações via e-commerce
17
10,2
30
18,0
40
24,0
80
47,8
DF13-Transmitir aos clientes as sensações vivenciadas no ambiente físico para o ambiente da loja virtual
32
19,2
37
22,2
34
20,4
64
38,2
Frequência Total
453
20,9
440
20,3
645
29,7
633
29,2
A assertiva DF9 (obtenção de suporte profissional para manutenção do site e/ ou da loja virtual) foi considerada a maior dificuldade para iniciar suas atividades de empreendedorismo virtual com 72 menções dos entrevistados. Considerando-se o agrupamento das assertivas verifica-se que não há consenso quanto às dificuldades que a empresa, com frequência total no grau de concordância (Importante) de 645 (77.8%) menções dos entrevistados. No teste de Kruskal Wallis evidencia-se que o setor de atuação da empresa influencia a adoção do empreendedorismo virtual quanto à determinação dos custos para implantação da loja virtual (DF1 - nível de
significância 0.011); definição dos parceiros para desenvolvimento da loja virtual (DF3 – nível de significância 0.017), adequação da logística para a gestão e entrega dos pedidos (DF5 – nível de significância 0.001); conscientização dos profissionais envolvidos nas atividades do e-commerce (DF7 - nível de significância 0.010), manutenção de estoque adequado de produtos para atender a demanda (DF10 - nível de significância 0.015), adequação dos processos financeiros em função das transações via e-commerce (DF12 - nível de significância 0.020). A Tabela 5 apresenta a estatística descritiva relacionada às vantagens obtidas com a adoção do empreendedorismo virtual.
Tabela 5 - Vantagens obtidas com a adoção do empreendedorismo virtual
Pouco Importante (1 e 2)
Neutralidade (3)
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
VT1-Ampliação do alcance geográfico das vendas da empresa
8
4,8
13
7,8
129
77,2
17
10,2
VT2-Rapidez no atendimento aos pedidos dos clientes
6
3,6
13
7,8
125
74,9
23
13,7
VT3-Diminuição dos custos na comercialização de produtos
15
9
38
22,8
80
47,9
34
20,3
VT4-Criação de relacionamento com clientes e fidelização
9
5,4
14
8,4
129
77,2
15
9,0
VT5-Melhora na exposição da empresa e de sua marca
2
1,2
5
3,0
154
92,2
6
3,6
VT6-Atendimento a nichos de mercado inexplorados
15
9,0
32
19,2
108
64,7
12
7,1
VT7-Aumento nas vendas
7
4,2
24
14,4
117
70,1
19
11,3
VT8-Melhora na organização das tarefas de comercialização dos produtos
5
3,0
29
17,4
102
61,1
31
18,5
VT9-Maior segurança no recebimento dos valores transacionados
8
4,8
27
16,2
70
41,9
62
37,1
ASSERTIVAS
64
Importante (4 e 5)
Não se aplica / Aspecto não considerado
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Evandro Prieto
VT10-Disponibilidade da loja virtual 24 horas por dia
5
3,0
10
6,0
91
54,5
61
36,5
VT11-Diversificação dos produtos comercializados
9
5,4
26
15,6
95
56,9
37
22,1
Frequência Total
89
4,8
231
12,6
1200
65,3
317
17,3
Tanto a assertiva VT1 (ampliação do alcance geográfico das vendas da empresa) como a VT4 (criação de relacionamento com clientes e fidelização) obtiveram 129 menções de importância pelos entrevistados. Considerando-se o agrupamento das assertivas verifica-se a sua expressiva importância, com frequência total de 1200 (65.3%) menções dos entrevistados. No teste de Kruskal Wallis evidencia-se que o setor de atuação da empresa influencia a adoção do empreendedorismo virtual quanto ao atendimento a nichos de mercado inexplorados (VT6 – nível de significância 0.043); melhora na organização das tarefas de comercialização de produtos (VT8 - nível de significância 0.016); e maior segurança no recebimento dos valores transacionados (VT9 - nível de significância 0.018).
5.
CONCLUSÕES
desenvolvimento da loja virtual; adequação da logística para a gestão e entrega dos pedidos; conscientização dos profissionais envolvidos nas atividades do e-commerce; manutenção de estoque adequado de produtos para atender a demanda; e adequação dos processos financeiros em função das transações via e-commerce; 4- Vantagens obtidas com a adoção do empreendedorismo virtual (Tabela 5): atendimento a nichos de mercado inexplorados; melhora na organização das tarefas de comercialização de produtos; e maior segurança no recebimento dos valores transacionados. De acordo com o referencial teórico apresentado e a opção pela análise do setor de atuação como fator de influência na adoção do empreendedorismo virtual, destaca-se que: a) as ações de planejamento estão relacionadas às diferenças de preparo entre as empresas pesquisadas; b) os principais objetivos que as empresas esperam atingir estão relacionado com as distintas práticas de gestão adotadas entre os setores analisados (comercio varejista e atacadista possuem estoque físico e o setor de serviços estoques intangíveis); c) as dificuldades identificadas pelas empresas para iniciar suas atividades estão relacionadas ao seu porte (quanto maior o porte, maior propensão à aquisição de capacidades de gestão e financeiras); e d) as vantagens obtidas com a adoção do empreendedorismo virtual estão relacionadas com a adequação às novas forças competitivas dos setores analisados. Portanto, a hipótese de que há diferença significativa entre o setor de atuação da empresa e a adoção do empreendedorismo virtual foi evidenciada na pesquisa.
Os resultados obtidos, de acordo com o Teste de Kruskal Wallis, demonstram que o setor de atuação influencia a adoção do empreendedorismo virtual de acordo com as seguintes assertivas dos agrupamentos, que são: 1- Ações de Planejamento para o empreendedorismo virtual (Tabela 2): determinação dos custos e implementação; logística de entrega dos produtos aos clientes; adequação das atividades de cobrança dos clientes; e propaganda para divulgar o e-commerce da empresa; 2- Principais objetivos que a empresa espera atingir com o empreendedorismo virtual (Tabela 3): diminuição do armazenamento em estoque; 3Dificuldades que a empresa identificou para iniciar suas atividades 6. BIBLIOGRAFIA de empreendedorismo virtual (Tabela 4): ANGEHRN, A. Designing mature Internet determinação dos custos para implantação business: the ICDT Model. European Management da loja virtual; definição dos parceiros para Journal (15:4) 1997, pp 361-369, 1997.
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
65
Empreendedorismo virtual (e-business) nas empresas brasileiras: uma análise do setor de comércio e serviços
BOONE, C., CARROLL, G. R., WITTELOOSTUIJN, A. Size, Differentiation and the Performance of Dutch Daily Newspapers. Industrial and Corporate Change, v. 13, n.1. 117-148, 2004. BRAND, M. J.; HUIZINGH, E. K. R. E.. Into the drivers of innovation adoption. European Journal of Innovation Management, 11(1), 5-24, 2008. CHANG, H-LU. A roadmap to adopting emerging technology in e-business: an empirical study. Information Systems in E-Business Management. April, 8:103–130, 2010. EBIT – Estudo Webshoppers 37ª edição – 2017 https://www.mktdeafiliados.com.br/estudo-ebitwebshoppers-37-edicao-2017.html EL-GOHARY, H. E-Marketing - A literature Review from a Small Businesses perspective. International Journal of Business and Social Science Vol. 1 No. 1; October 2010. FUENTES, J. M. The Influence of the Supply Chain Integration on the Level of Implementation of e-Business Capabilities. Universia Business Review, cuarto trimestre; ISSN: 1698-5117; 2010. GOMES, R. C. O. G. Empreendedor versus E-Empreendedor. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 2, n.1, maio 2003 - http://revistas. facecla.com.br/index.php/recadm. HENDERSON, J.C., VENKATRAMAN, N. Strategic Alignment: Leveraging Information Technology For Transforming Organizations. IBM Systems Journal, v.32, n.1, p.4-16, 1993 KWUN, O; NICKELS,D; ALIJANI, G. S.; OMAR, A. Orleans the Perceived Strategic Value Of E-Commerce in the Face of Natural Disaster: E-Commerce Adoption by Small Businesses in Post-Katrina New Orleans. International Journal of Entrepreneurship, Vol. 14, 2010. LEVY, M; POWELL, P.W. Strategic Intent and E-Business in SMEs: Enablers and Inhibitors. Information Resources Management Journal, 18, 4, oct-dec 2005. LUQMAN, A.; ABDULLAH, N. K. E-business Adoption Amongst SMEs: A Structural Equation Modeling Approach. Journal of Internet Banking and Commerce, vol. 16, no.2, aug. 2011. MARASINI, R.; IONS K.; AHMAD M. Assessment of E-business Adoption in SMEs: A study of Manufacturing Industry in the UK North East Region. Journal of Manufacturing Technology Management, vol. 19, pp. 627-644, No. 5, 2008. OSTERWALDER, A.; LAGHA, S.B.; PIGNEUR, Y. An Ontology for Developing e-Business Models. 2002. Disponivel em <http://www.hec.unil.ch/yp/ Pub/02-DsiAge.pdf> Acesso em 01.nov.2011. PARKER, C. M.; CASTLEMAN, T. Small firm e-business adoption: a critical analysis of theory. Journal of Enterprise Information Management, vol. 22, n. 1/2, pp. 167-182, 2009. PAZOTI, C. C. M. Comércio virtual: um diferencial para empreendedor e consumidor. Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do 66
grau de Especialista em Gestão de Negócios, no Curso de Pós-Graduação em Contabilidade, Setor de Ciências Sociais. PERES, C. O. Internacionalização de Pequenas e Médias Empresas: Estratégias utilizadas dentro de um consórcio de exportação. Artigo apresentado como trabalho de conclusão do curso de Especialização em Gestão e Desenvolvimento de Negócios da Universidade do Sul de Santa Catarina, 2018. ROODE, T. Thesis - Master Information Sciences - Programma Business Information Systems. Universiteit van Amsterdam - Faculteit Natuurwetenschappen, Wiskunde en Informatica en Faculteit Economie en Bedrijfskunde - Sectie Informatiemanagement - 27th, May 2009. ROSAS, A. R.; SAUAIA, A. C. A. Modelo Conceitual de Decisões no Estágio de Criação de um Negócio: Base para Construção de um Simulador para Jogos de Empresas. Revista de Administração Contemporânea, vol.13, n.4. Curitiba, oct./dec., 2009. ROVERE, R.L. Difusão de Tecnologias da Informação em Pequenas e Médias Empresas: um Estudo de Caso. RBE Rio de Janeiro 53(1):111-130 Jan. Mar. 1999. SCHUMPETER, J. Capitalism, Socialism and Democracy. New York: Harper & Row. 1942 SCUPOLA, A. SMEs’ E-commerce adoption: Perspectives from Denmark and Australia. Journal of Enterprise Information Management, vol. 22, P. 1-2, 2009. SEBRAE. Boletim Estatístico de Micro e Pequenas Empresas. Brasília: Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas, 2005. SERASA EXPERIAN. Desafios e Oportunidades de Negócios com Pequenas e Médias Empresas. Business Information. Abril 2009. VOX POPULI. Fatores Condicionantes e Taxa de Mortalidade das MPEs. Belo Horizonte, 2005. ZAO, F. Entrepreneurship and Innovations in E-business: An Integrative Perspective, 2006.
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Luara Spinola, Solange Regina Schaffer, Fabiana Carlos Pinto de Almeida, Julio Francisco Blumetti Facó
REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664
Luara Spinola Pesquisadora e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais pelo Doutorado Acadêmico Industrial - DAI da UFABC.
Solange Regina Schaffer Pesquisadora e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais pelo Doutorado Acadêmico Industrial - UFABC. Tecnologista Sênior da Fundacentro/Ministério da Economia.
Fabiana Carlos Pinto de Almeida Mestre em Educação para a Ciência pela UNESP (2004), Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia São Paulo (2006).
Julio Francisco Blumetti Facó Doutorado em Administração de Empresas com ênfase em Inovação em Cadeia de Suprimentos e Operações pela FGV/SP (2009). UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL: RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC
INOVAÇÃO DAS PESQUISAS EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS NO DOUTORADO ACADÊMICO INDUSTRIAL DA UFABC A PARTIR DAS CONCEPÇÕES DOS SEUS DOCENTES E SUPERVISORES INDUSTRIAIS INNOVATION IN HUMAN AND SOCIAL SCIENCES RESEARCHES IN THE UFABC INDUSTRIAL ACADEMIC DOCTORATE FROM ITS TEACHERS AND INDUSTRIAL SUPERVISORS CONCEPTIONS RESUMO Este artigo nasce da reflexão dos pesquisadores a partir de suas experiências durante o desenvolvimento de suas pesquisas no Programa de Ciências Humanas e Sociais (PCHS) via Doutorado Acadêmico Industrial (DAI) da Universidade Federal do ABC (UFABC). Por meio das entrevistas semiestruturadas realizadas com os supervisores industriais e os docentes do PCHS/DAI e da análise de conteúdo dos relatos, buscou-se compreender suas concepções sobre as inovações que serão geradas pelas pesquisas. Utilizou-se o conceito de reflexividade de aspectos facilitadores e coercitivos no entendimento das disputas de forças dos distintos campos socais, emergentes da interação entre pesquisadores, empresas e universidade. As experiências se apresentam com toda complexidade de seu contexto, englobando os projetos de pesquisa das discentes e dos docentes, os dilemas da parceria institucional, o programa pedagógico interdisciplinar da UFABC e as práticas das pesquisas nas empresas e na academia. Surgem novas disputas de forças em função do trânsito necessário à pesquisa nesta parceria. E dentro deste cenário observou-se que a aproximação aparece como uma oportunidade para a expansão das fronteiras do conhecimento e ampliação de pesquisas com inovações na área de Ciências Humanas e Sociais e dentro do mercado de trabalho. Palavras-chave: Inovação em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Doutorado Acadêmico Industrial. Interdisciplinaridade.
ABSTRACT This article is born from the reflection of the researchers based on their experiences during the development of their research in the Human and Social Sciences Program (PCHS) by the Industrial Academic Doctorate (DAI) of the Federal University of ABC (UFABC). Through the semi-structured interviews with the industrial supervisors and teachers of the PCHS / DAI and the content analysis of the reports, we sought to understand their conceptions about the innovations that will be generated by the research. The concept of reflexivity of facilitating and coercive aspects was used in the understanding of the disputes of forces of different social fields, emerging from the interaction between researchers, companies, and university. The experiences are presented with all the complexity of their context, encompassing students ‘and teachers’ research projects, institutional partnership dilemmas, UFABC’s interdisciplinary pedagogical program and research practices in companies and academia. New forces disputes arise due to the transit necessary for research in this partnership. Within this scenario, it was observed that the approach appears as an opportunity for the expansion of the frontiers of knowledge and expansion of research with innovations in the area of Human and Social Sciences and within the labor market. Keywords: Innovation in Research in Human and Social Sciences. Industrial Academic Doctorate. Interdisciplinarity.
JEL Classification: O35 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
67
Inovaçãodaspesquisasemciênciashumanasesociaisnodoutoradoacadêmicoindustrialdaufabcapartirdasconcepçõesdosseusdocentesesupervisoresindustriais
1.
INTRODUÇÃO
Buscando aproximar academia dos complexos industrias operantes da Região do Grande ABC paulista, em 10 de junho de 2013 foi firmado um acordo de cooperação (TCTC, 2018) para implementação de um programa piloto brasileiro - Doutorado Acadêmico Industrial (DAI) - com a Fundação da Universidade Federal do ABC (UFABC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). De acordo com as Normas Internas do Doutorado Acadêmico Industrial da Universidade Federal do ABC – UFABC (2015), o DAI-UFABC visa capacitar o futuro discente a prospectar e elaborar um projeto de pesquisa de interesse comum entre as Instituições envolvidas, de modo que o doutoramento possa permitir a produção de um trabalho de pesquisa científica, ou desenvolvimento tecnológico e social, desde que estes tenham convergência com as atividades da empresa, e complexidade adequada para um curso de doutorado. Tentando atender aos desafios postos pelo DAI, naquele momento, o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências Humanas e Sociais (PPG-CHS) da UFABC obteve a adesão de três docentes. O PPG-CHS da UFABC (Normas Internas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC – UFABC, 2015), forma recursos humanos destinados à docência de nível superior e à pesquisa, bem como às demais atividades profissionais e acadêmicas relativas a este campo do saber, por meio de seus cursos de Mestrado e de Doutorado reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (MEC). Em julho deste ano, houve a ampliação com a adesão de mais professores de cursos relacionados com as humanidades, foram credenciados cinco professores do Programa de Doutorado em Planejamento e Gestão do Território (PGT). Entretanto, segundo Workshop Anual do DAI, ocorrido no ano de 2016 (Carvalho, 2016), nos três primeiros anos do DAI foram 68
credenciados 13 Programas da UFABC, com 38 alunos aprovados, sendo somente 03 do PPG-CHS e nenhum do PGT. O presente artigo surgiu a partir da inquietação destas 03 alunas, doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da UFABC via Doutorado Acadêmico Industrial (DAI), que ao refletirem sobre suas experiências voltadas à possibilidade de aproximação entre academia e o mundo corporativo, resolveram trazer à discussão a compreensão dos supervisores industriais e dos orientadores acadêmicos CHS/DAI para contextualizar a concepção sobre a inovação em suas pesquisas do PPGCHS no DAI, e acreditando que com isso podem contribuir com a academia e com as empresas envolvidas. Parece escasso, se não inexistente, estudos ou relatos com este mesmo teor por discentes e docentes da UFABC, vinculado ao DAI, de outras áreas de estudos, contendo seus anseios, temores e desejos na prática da interdisciplinaridade com a inovação em pesquisas.
2.
REFERENCIAL TEÓRICO
Tratar a Ciência Tecnologia e Inovação para as áreas Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (CHSSA) é um assunto bastante complexo. Em 2014, o CNPq criou um Grupo de Trabalho (GT) para dar suporte à estas questões. Segundo o grupo: “...o desafio que se coloca nesse contexto é cultivar o paradigma da inovação, necessário ao avanço das ciências e das tecnologias e à inserção destas no mundo social, sem ameaçar o desenvolvimento de uma cidadania plena...” (CNPQ, 2014, p.01). Para o GT, a CHSSA pode contribuir com pesquisas que deem suporte às políticas e aos serviços públicos, na formação de recursos humanos necessários à sua operacionalização, e também, produzir críticas permanentes às ciências, às tecnologias e às inovações, concebidas como fundamentais e necessárias para o controle social e político do desenvolvimento científico e tecnológico contemporâneo (CNPQ, 2014). Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Luara Spinola, Solange Regina Schaffer, Fabiana Carlos Pinto de Almeida, Julio Francisco Blumetti Facó
Por outro lado, como mostra Plonski (2017), a unanimidade de uma opinião positiva sobre inovação que reflete a sociedade brasileira atual, apesar de fortemente polarizada, tem sobre este tema uma posição convergente. Isto tem impactado para a inserção do tema nas legislações, inclusive com a recente introdução da Inovação na Constituição Federal (2015, p.5). Com isto a inovação adquiriu valor intrínseco, capaz de influenciar na identidade das empresas, ao ponto de quando não aparece em um ambiente é sinal de que algo não vai bem. Inovação social sugere a apropriação por um determinado grupo social que gera um sujeito novo, criando novas realidades sociais. Nas palavras de Plonski (2017) “A inovação não é um fenômeno uno, mas um gênero multíplice de iniciativas humanas. Essas iniciativas visam, de forma cada vez mais metódica, à criação de novas realidades.” ( p.10). O sentido de desenvolvimento de uma cidadania plena indicado pelo GT está previsto dentro da Agenda Universal 2030 das Nações Unidas (Organização Mundial das Nações Unidas, 2015), tendo como fundamentação alcançar o desenvolvimento sustentável, que considera que todos os países e todas as partes interessadas em atuar nesta iniciativa devem, em parceria colaborativa, implementar um plano de ação que aporte pessoas e planeta para a prosperidade. E, recentemente, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações [MCTIC], 2018) lançou o Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para Ciências Humanas e Sociais. Segundo este plano, a linha temática 5 sobre Inovação e CHSSA objetiva “promover estudos e pesquisas que visem compreender, criar, colaborar e avançar o processo de inovação e suas inter-relações com as CHSSA”, (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações [MCTIC], 2018, p. 29), e justifica essa ação: A perspectiva esboçada nessa linha temática é de que a área, a partir de suas distintas leituras e tradições, possa ofertar sua Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
imaginação para o avanço e aperfeiçoamento das ações atinentes à inovação. Ademais, busca-se que as diversas experiências em curso na área como, por exemplo, as discussões acerca das Tecnologias Sociais e Inovação Social encontrem também espaço para um pleno desenvolvimento. Nesse sentido, a inovação será abordada em duas concepções. Na primeira, mais típica das CHS, fomento à inovação enquanto processo e não apenas como produto, às tecnologias sociais que podem ser consideradas projetos de geração de técnicas, materiais e procedimentos metodológicos criados a partir de necessidades coletivas, com o fim de solucionar um problema social. Na segunda concepção, fomento a estudos sobre impactos econômicos, políticos e sociais das inovações propriamente tecnológicas e seus aspectos éticos e culturais considerando interdisciplinaridade e diversidade de enfoques referentes à inovação (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações [MCTIC], 2018, p. 30). Por outro lado, os cientistas sociais muitas vezes discutem os impactos da problemática tecnológica nas relações sociais e nas formas de exploração do trabalho, mas frequentemente se esquivando de debater o fenômeno técnico em si mesmo e a questão da inovação (Feenberg apud Andrade, 2005). Incluir pesquisas sobre as relações interpessoais emergentes das diversas culturas e suas configurações socioeconômicas, etárias, espaciais e de gênero, é um dos grandes desafios das ciências humanas e sociais na contemporaneidade, e conhecer como os indivíduos - muitas vezes socialmente vulneráveis - se apropriam dos conhecimentos gerados em distintos espaços sociais (Penteado, Silva, & Fonseca, 2015). E isto está contextualizado como escopo das pesquisas CHSSA no GT do CNPq, apontadas nas linhas temáticas do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações [MCTIC], 2018) e vai ao encontro da Agenda 2030 da ONU, sem desconsiderar as questões tecnológicas que permeiam a contemporaneidade. Desta forma, os projetos de doutorado do 69
Inovaçãodaspesquisasemciênciashumanasesociaisnodoutoradoacadêmicoindustrialdaufabcapartirdasconcepçõesdosseusdocentesesupervisoresindustriais
PPG-CHS/DAI possuem um paradoxo para desenvolverem suas pesquisas na área de concentração (Normas Internas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC – UFABC, 2015) de Cultura, Desenvolvimento e Políticas Públicas e entre os sujeitos pesquisados e as estruturas organizacionais nas quais se inserem e que esperam projetos de pesquisa de desenvolvimento ou inovação (P&D&I), conforme previsto pelo DAI (Normas Internas do Doutorado Acadêmico Industrial da Universidade Federal do ABC – UFABC, 2015). Segundo Anthony Giddens (1994), essa interação resulta, simultaneamente, em aspectos facilitadores e coercitivos denominados capitais do campo social: capital econômico (renda), capital cultural (escolarização) e capital social (relações sociais). Segundo o autor, todo sujeito social tem a capacidade reflexiva de reproduzir ou transformar os elementos coercitivos organizacionais a seu favor; contudo, quanto mais a instituição se fixa no tempo e no espaço, mais esta resiste às inferências dos sujeitos sociais sobre as suas estruturas (Giddens, 1994). Considerando o contexto das instituições envolvidas no espaço e tempo, precisaríamos olhar as pesquisas também com o viés da interdisciplinaridade, que está intrínseco no projeto pedagógico desde a concepção da UFABC. Conforme definição de interdisciplinaridade por Luiz Bevilácqua (UFABC, 2016), na obra comemorativa dos 10 anos de UFABC: As disciplinas se inter-relacionam em um processo de aprendizagem capaz de legar aos egressos um conhecimento que não seja descartável diante da obsolescência das tecnologias do momento. Em processo de aprendizagem abrangente, garante uma visão global a respeito dos desafios a serem enfrentados na continuidade da vida acadêmica ou no mercado profissional. [...] (p. 22). A avaliação da prática interdisciplinar na UFABC do estudo de Penteado, Silva, e Fonseca (2015) refletiu a proposta pedagógica 70
interdisciplinar do PPG-CHS como elemento norteador da área de humanidades da universidade - os cursos ofertados devem buscar o equilíbrio curricular entre as áreas do saber, promovendo a educação integral, de forma a se constituir num polo de referência acadêmica comprometida com o avanço do conhecimento, do desenvolvimento social e com a solução de problemas nacionais. Ainda nesta avaliação cita-se a disposição do PPG-CHS em estimular pesquisas genuínas, aceitando riscos em função das oportunidades vislumbradas, e em empregar a interdisciplinaridade como conceito integrador e promotor do diálogo entre suas linhas de pesquisa (Penteado, Silva, & Fonseca, 2015). Talvez esse espírito desbravador, contestador, e proativo da interdisciplinaridade para olhar a visão global a respeito dos desafios a serem enfrentados na continuidade da vida acadêmica ou no mercado profissional, estimulou professores do PPG-CHS a vincularem-se ao DAI. Efetivar a prática interdisciplinar na academia e na empresa é uma ação que exige maturidade, competência e interesse por parte de todos os envolvidos na pesquisa. A ideia de movimento da prática interdisciplinar é também defendida por Olga Pombo (2005) e Moisés Sobrinho (2002), embora, estes afirmam não haver consenso quanto a sua definição. Para a primeira autora, o movimento da prática interdisciplinar se dá pela evolução epistemológica, este é o ponto de partida na compreensão de novos desafios e na construção de novos conceitos científicos e paradigmas. Para Sobrinho (2002), a prática interdisciplinar se dá através das articulações dos campos científicos e suas relações de poder, e dos interesses, não isentos, daqueles que a praticam. O autor ressalta que essas práticas surgem da necessidade de superar as ciências compartimentadas, enfrentando os desafios apontados pelas sociedades contemporâneas e assegurando as discordâncias e as descontinuidades dos campos científicos. Seguindo estes raciocínios, projetos são considerados interdisciplinares quando suas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Luara Spinola, Solange Regina Schaffer, Fabiana Carlos Pinto de Almeida, Julio Francisco Blumetti Facó
práticas científicas mobilizam as forças da lógica e da política para o enfrentamento das relações de poder dos campos e dos problemas sociais. Assim, estas ações servem de parâmetros para a avaliação de projetos interdisciplinares e complementam a análise dos seres humanos que serão contextualizados nas pesquisas sociais analisadas neste artigo. O que se trata aqui não é um universo preconcebido que pode ser separado em um campo específico que desconsidere todo seu contexto, mas sim, um constituído ou produzido por relações ativas de sujeitos. Por isso, este artigo inspira-se no ensinamento de Giddens (1994, p.182) de que os seres humanos transformam a natureza socialmente e «humanizando-a», transformam-se a si próprios e assim vivem na história, fazem-no porque a produção e a reprodução da sociedade não são «biologicamente programadas», mas não produzem, o mundo natural, que está constituído enquanto mundo-objecto, independentemente da sua existência (apesar de poderem afetar a natureza através das suas aplicações tecnológicas). Então, o caminho desta pesquisa foi mapear as histórias vividas pelos autores e pelos pesquisados, e analisar as experiências produzidas e reproduzidas das instituições envolvidas e da sociedade.
3.
METODOLOGIA
Para conhecer as concepções sobre inovação dos envolvidos na parceria institucional UFABC/DAI, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas com supervisores industriais e docentes acadêmicos no desenvolvimento das pesquisas das doutorandas do PPG-CHS/DAI. Foram entrevistados um professor doutor que foi coordenador do programa DAI, quem gerenciou por mais tempo o programa piloto desde seu início até 2016, três professores doutores que são orientadores acadêmicos do PPG-CHS e três supervisores industrias das empresas parceiras do DAI, sendo dois da indústria automobilística da região do Grande ABC e um de uma empresa de gestão Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
de saúde corporativa de São Paulo. Por uma questão de sigilo da informação, seguindo contrato tripartite estabelecido entre discente, empresa e UFABC, os nomes dos participantes da pesquisa não foram divulgados. Também não foram abordados os papéis operacionais prestados por cada parte até o momento. Devido ao papel de cada entrevistado dentro da parceria estabelecida entre universidadeempresas-doutorandas, o roteiro de perguntas das entrevistas semiestruturadas foi personalizado, visando extrair as partes mais sensíveis da experiência de cada pessoa dentro desse processo inovador, tendo por eixo norteador à questão: como as pesquisas de doutorado em ciências humanas e sociais contribuem com elementos inovadores para a academia e para as indústrias parceiras do DAI/UFABC. Os instrumentos e a metodologia empregados nas entrevistas foram: a) contato por e-mail ou telefone com cada possível entrevistado, explicando o motivo da entrevista - iniciativa aprovada por todos os contatados, e agendamento comum de dia e horário para as gravações; b) realização das entrevistas feitas nos locais de trabalho de cada entrevistado. As entrevistas foram registradas via gravador digital e celulares, e seguiram uma conversação informal, onde os entrevistados tiveram liberdade para discorrer sobre cada pergunta previamente elaborada. Os relatos orais colhidos foram transcritos e trabalhados com a análise de conteúdo (Bardin, 1977) que serviu como instrumental teórico para transparecer e registrar as experiências na parceria institucional em busca da inovação. Seguindo Giddens (1994, p.180) é importante analisar a produção da interação como «significante», quando utilizado o «conhecimento mutuo» pelos participantes como esquemas interpretativos para dar sentido aquilo que cada um diz e faz. E esse conhecimento mutuo deve ser utilizado tal como os entrevistados apresentaram ao observador social, de forma a gerar descrições do seu comportamento; contudo, 71
Inovaçãodaspesquisasemciênciashumanasesociaisnodoutoradoacadêmicoindustrialdaufabcapartirdasconcepçõesdosseusdocentesesupervisoresindustriais
na medida em que tal «conhecimento» pode ser representado como «senso comum», como uma série de crenças fatuais, esta, em princípio, aberto a confirmação ou, de outro modo, sujeito a análise cientifico-social. Por isso, nesta pesquisa os relatos e as experiências dos participantes foram protagonistas do conteúdo, na tentativa de ressaltar os conhecimentos mútuos encontrados e, que se tornaram significantes para análise do conhecimento e do comportamento dos envolvidos até o momento. Sua escolha está embasada na busca pela ultrapassagem da incerteza e o enriquecimento da leitura.
4.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
A inovadora inciativa da UFABC no desenvolvimento da parceria entre universidade-empresa-doutorandos, e a corajosa vinculação do PPG-CHS a um projeto estruturalmente concebido pelas ciências naturais, representadas pela maioria dos projetos, desafiou este estudo a refletir sobre o sucesso e as limitações a serem vencidas pela integração desses campos científicos. Os resultados foram apresentados divididos na visão acadêmica e na visão industrial/ empresarial e por esta também ser uma pesquisa histórica e social, foram abordados a comunicação com os pesquisados como matéria-objeto (Giddens, 1994, p.172). 4.1. VISÃO ACADÊMICA 4.1.1. 4.1.1 O PROGRAMA DAI - CONCEPÇÃO DA COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DAI/UFABC O programa envolve parcerias institucionais entre a UFABC e empresas que desenvolvam atividades de pesquisa, desenvolvimento ou inovação em instalações próprias. Com relação às indústrias parceiras, um importante ponto que envolveu a pesquisa, foi entender os fatores motivadores que as levaram a abrir suas portas para a parceria com pesquisas junto ao DAI/UFABC. 72
De acordo com o entendimento do coordenador do DAI (informação verbal), o que se espera de uma empresa que queira participar do DAI é que ela evite procurar pesquisadores acadêmicos para resoluções de questões simples, como serviços de consultoria, sem embasamento científico, pois isto romperia com os pilares que fundamentam as pesquisas dentro da universidade. Um dos pontos que o Programa oferece é a infraestrutura da universidade com alunos capacitados e orientados por professores, que também tem a sua capacitação e a sua experiência na área para resolver grandes questões, temas e assuntos, que sejam possíveis de realizar uma interação entre a indústria e a universidade, e chama a atenção para o fato de que esta relação tem que ter interesse comum. Ainda segundo o coordenador (informação verbal)1, o ponto que mais restringiu a efetivação do convênio com algumas empresas foi em relação à dificuldade de conseguir um acordo equilibrado quanto à proteção intelectual, no caso dos projetos que possam gerar patente. Ele explica que as empresas querem que se a pesquisa resultar em uma patente, todos os direitos (100%) sejam da empresa, mas a academia acredita que isso não é certo, inclusive há leis para garantir uma porcentagem, mesmo que mínima, relacionada à universidade. Neste momento, o interesse pelo desenvolvimento de inovação que resulte em patente está implícito no interesse da empresa na parceria, pois se este não fosse objeto resultante, não seria a objeção de maior relevância. Ivani Fazenda (2002) afirma que cada curso preserva seu próprio status, e procura manter sua força acima dos outros campos. Isso está relacionado com financiamentos de insumos, de estrutura e de compra de equipamentos para laboratórios, entre cobrança por publicação, diretamente dependente das pesquisas em laboratórios, sigilo de inovação, conquistas de patentes e de propriedade 1 Entrevista realizada com Coordenador pelas pesquisadoras na UFABC, no Campus Santo André, dia 27 de agosto de 2018. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Luara Spinola, Solange Regina Schaffer, Fabiana Carlos Pinto de Almeida, Julio Francisco Blumetti Facó
intelectual. Pontos que demonstram que a disputa entre as disciplinas do campo científico das ciências naturais é muito mais ardiloso, penoso e sofrível que o campo das ciências humanas. Percebe-se que a partir da experiência com o DAI, o CNPq também foi ganhando maturidade e isso possibilitou aumentar a amplitude dos temas e áreas de pesquisa. Segundo o coordenador do DAI, em função das experiências no decorrer das pesquisas do DAI, o próprio CNPq também identificou que o objetivo não era só pensar em produto.
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em referência ao papel da Universidade na consolidação do Programa de Doutorado Acadêmico Industrial, concedida durante a cerimônia de entrega do “Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia e do Título de Pesquisador Emérito do CNPq”, edição 2018 (UFABC, 2018C). O que nos demonstra a ascensão do Programa DAI como um todo.
4.1.2. CONCEPÇÃO DOS [...] mesmo antes de mudar o acordo que nós PROFESSORES ORIENTADORES temos com o CNPq para o oferecimento das ACADÊMICOS bolsas, houve uma mudança de aceitação do que significariam os projetos. Então, projetos que não geravam produtos, mas que queriam investigar alguma etapa do processo da empresa da relação da empresa com os funcionários, da relação da empresa com os clientes, que não era um objetivo inicial, passou a ser considerado projeto pelo CNPq (informação verbal)1.
A partir do credenciamento dos professores do PCHS, as portas foram abertas à efetivação de pesquisas aplicadas em parcerias da academia com empresas. E, neste estudo, primeiramente, buscamos conhecer o que levou os professores ao credenciamento no DAI. Para o professor 1 o que desperta interesse é exatamente a aproximação da universidade com o mundo corporativo, que gera a possibilidade de, enquanto acadêmicos, adentrarmos a experiência do mundo do trabalho. E, em um segundo momento, o mundo corporativo.
A ampliação do entendimento sobre o que é um projeto que interessa ao DAI foi um processo de aprendizagem e convencimento importante para todas as partes. Após todos os esforços desde sua implantação, a partir de maio de 2018, o DAI deixa de ser um projeto piloto pela UFABC e também inicia a ampliação de sua proposta inovadora em outras universidades. [...] uma parte relevante da trajetória do país, Observa-se que após a implantação do obviamente passa pela produção [...] mundo do trabalho não é o mundo que eu direciono programa DAI na UFABC ocorre pelo Brasil as pesquisas mais objetivamente, mas tem um uma ampliação de novos acordos de DAI elemento das inovações tecno-científicas e dessas firmados com CNPq, sendo eles: o acordo questões das cooperações, e ainda com recorte, firmado em junho de 2014 com o Instituto de obviamente, com o campo da saúde, da produção Física de São Paulo da Universidade de São de fármacos, ou seja, de tudo aquilo que está envolvendo a saúde para tentar entender impactos Paulo (IFSC-USP, 2018); e mais recente os dessas novas ondas tecnológicas, desses novos programas do ITA (2018) firmado em agosto arranjos sobre esse mundo do trabalho e sobre esse de 2018 e da FIOCRUZ (2018) do Paraná para mundo corporativo. Então, do ponto de vista teórico os programas de Biociências e Biotecnologia e acadêmico, isso também me traz essa dimensão de em março de 2018. Contudo, não foi interesse. (informação verbal)2 encontrado a ampliação do DAI em outros programas CHS do Brasil, além da UFABC, O professor 1 ressalta, ainda, que o DAI pode o que pode nos demonstrar a complexidade funcionar como uma forma de contrapor o da pesquisa na concretização da inovação em isolamento da universidade, trabalhando os comum entre academia e indústria. Além disso, recentemente, a UFABC recebeu 2 Entrevista realizada com Professor 1, pelas pesquisadoras a Menção Especial de Agradecimentos do na UFABC, no Campus de Santo André, dia 24 agosto 2018. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
73
Inovaçãodaspesquisasemciênciashumanasesociaisnodoutoradoacadêmicoindustrialdaufabcapartirdasconcepçõesdosseusdocentesesupervisoresindustriais
receios e as ressalvas, abrindo o contato da indústria, permitindo, por exemplo, também analisar os conflitos das próprias relações de poder, que estão contempladas na sociedade. O professor 2 (informação verbal) também destacou a universidade se abrindo para fora, vinculada ao setor da empresa ou, até quem sabe futuramente, aos setores governamentais. Lembrou que a região que a UFABC se localiza, historicamente foi marcada pela industrialização, o que faz todo o sentido à universidade se envolver numa iniciativa como esta. Avalia importante compreender em conjunto a questão institucional, por estar vinculada a uma atividade corporativa, com a visão de sociedade, integrada em seu território acadêmico. Então o DAI surge como uma possibilidade ao PPG-CHS da UFABC em promover pesquisas voltadas para as relações de trabalho na região do ABC, na qual encara como uma surpresa a falta de pesquisadores que abordem este tema. O professor 3 (informação verbal)3 viu a oportunidade de analisar a conexão de indivíduos, tentando romper com o estigma que ainda existe no Brasil, e reduzir o distanciamento entre a academia e empresas (indústrias em geral) e, com isso, fazer ciência e tecnologia dentro da academia e da indústria. Teve uma experiência prévia à academia junto à indústria e um período que trabalhou concomitantemente em ambos. Durante esta fase o professor 3 relata que conseguia ver o que chamou de “ranço” - a visão da indústria com relação a academia, no que tange a tempo e a aplicabilidade, e da academia para com as industriais, no sentido de que o mercado não tinha refinamento de conhecimentos suficientes para compreender as questões da academia - conforme jargão “[...] na teoria, a prática é outra!” (informação verbal)4, exemplificando a empresa com soluções empíricas desenvolvidas a partir da 3 Entrevista realizada com Professor 2, pelas pesquisadoras na UFABC, no Campus São Bernardo do Campo, dia 23 agosto 2018. 4 Entrevista realizada com Professor 3, pelas pesquisadoras na UFABC, no Campus São Bernardo do Campo, dia 23 agosto 2018.
74
prática, diferente da objetividade pragmática da teoria acadêmica. O professor 3 destaca alguns pontos importante de como o CHS pode contribuir nas pesquisas junto às empresas: [...] encontramos empresas que estavam enxergando que trabalhar com Ciências Humanas e Sociais (CHS) é muito mais do que discutir questões etéreas, a gente pode discutir questões de cunho prático, social, na medida que a gente está lidando com indivíduos, com seres. E indivíduos tem seus valores, suas identidades, suas emoções, seus envolvimentos, seus conhecimentos, seus medos [...] se isso é verdade e é compreendido como uma questão acadêmica, então porque não unir a empresa com a academia para tentar fazer esta comunhão, de temas e de interesses? Não é algo fácil, dentro do CHS, mas eu acho que é um caso de sucesso aqui dentro da Federal do ABC. (informação verbal)4
Em geral o que chama atenção é que os professores estão dispostos a conhecerem e reconstituírem o mundo além da academia, apresentado aqui como o mundo do trabalho ou empresas e industrias. Com isso, ampliamse as pesquisas através dos novos retratos de suas próprias vidas humanas. Giddens (1994, p.169-170), diz que: “Tais retratos da vida humana estão ligados à capacidade reflexiva dos seres humanos para reconstituem imaginativamente experiências que não são as suas e para desenvolverem uma relação emocional e, deste modo, melhorarem o conhecimento de si próprios”. As pesquisas iniciam quando os discentes ingressam nos processos seletivos, envolvidos com um tema preliminar que indica o que os move no sentido de atravessar a fronteira do conhecimento e transformar seus interesses em capital social. Os percursos vividos pelas doutorandas em seu caminhar durante o processo que ocorre na etapa do pré-doutoramento até o desenvolvimento da pesquisa, na fase de elaboração da tese, encontram alguns desafios, dentre eles a experiência da vivência dentro da empresa com o objetivo de compreender as relações experimentadas neste campo vivido e fazer uma reflexão no sentido de contribuir com o avanço das pesquisas no campo acadêmico. Neste processo a inovação nas pesquisas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Luara Spinola, Solange Regina Schaffer, Fabiana Carlos Pinto de Almeida, Julio Francisco Blumetti Facó
os processos ocorrem, mas sempre perguntado: Por funciona para o estreitamento das relações que ocorrem? Como ocorrem? O que está por trás? entres estes atores. Que relações de poder estão aí? Que interesses estão Em 2014 a primeira aluna ingressou aí? Isto é problematizar - fazer muitas perguntas, no processo seletivo e, no ano seguinte, para tentar compreender relações que estão por entraram as outras duas doutorandas. A s trás, contextos históricos, interesses, projetos da indústria, etc. (informação verbal)3. três pesquisas têm em comum compreender as culturas a partir das vivências dos E neste sentido o professor 2 diz que trabalhadores que estão envolvidos no mundo parceria da empresa credenciada ao DAI do trabalho, considerando especificadamente o caso da empresa credenciada ao DAI que aparece como mais uma aproximação de aceitou orientar a pesquisa, e as pesquisas conhecimento, afirmando que: ocorrem utilizando principalmente o método [...] No sentido de que a pesquisa acadêmica qualitativo para coleta e análise empírica de deve ter um diálogo muito próximo, não no sentido dados. de perder suas referências, seja teóricas ou seja Nessa orientação, o professor 1, considera metodológicas, mas no sentido de aproximação de que do ponto de vista de uma sociedade outros personagens que produzem conhecimento também - agricultores familiares, indígenas, tão injusta e tão desigual, também é parte quilombolas, ribeirinhos, povos da floresta, todos são da nossa responsabilidade, enquanto também atores sociais que produzem conhecimento Universidade, buscar outras formas de - então neste sentido, seria uma combinação, uma pesquisas inovadoras, inclusive considerando forma de combinação, entre estas várias formas de os movimentos de financiamentos privados conhecimentos, né? (informação verbal)3. para as áreas de interesse público, e detalha: Para o professor 3 (informação verbal)4, [...] refletir sobre o mundo trabalho, refletir a empresa que se credencia ao DAI pode sobre o impacto das tecnologias nesse mundo do alavancar a compreensão de relações e trabalho, contribui para que essas relações possam de algum modo ser pesquisados pela academia e processos internos e o colegiado da Pósque o mundo corporativo possa, talvez de uma graduação passa a fazer parte dele, com isso maneira residual, porque as estruturas são mais o pesquisador passa a ter novos pontos de fechadas, mas possam incorporar parte daquilo que contato. O importante é tentar identificar é também produzido e pensado academicamente. quem são esses agentes dentro destas [...] é a possibilidade de contribuir para uma certa desobstrução dos canais dos fluxos de informação organizações chamadas empresa e academia, dessas relações, para além das questões políticas, identificando as pessoas ali envolvidas que que são do meu ponto de vista importantes e que serão fornecedoras de informações e anseios não podem ser relegadas a segundo plano, mas que poderão ser traduzidos em demandas, que não podem também obscurecer aquilo que é tanto de mercado quanto acadêmicas, para possível realizar no encontro dessas realidades e desses mundos tão distintos. (informação verbal)2. poder gerar inovações. E objetivar a inovação nos estudos dos indivíduos, nas formas Para o professor 2 o papel principal no como eles se relacionam, na forma como eles sentido de contribuição com a inovação geram conhecimento, como eles adquirem em Ciências Humanas é incorporar o informação e como eles conseguem propagar ou propor coisas novas. pensamento crítico e problematizador: O ponto de atenção levantado pelo professor 3 (informação verbal)4, é que [...] se vamos fazer pesquisa em indústria, nós precisamos sempre exercer, a nossa tarefa como o tempo do resultado esperado entre a cientista social que é problematizar as formas academia e a empresa talvez sejam diferentes. de procedimentos, as relações sociais, as formas Mas para ele, de qualquer forma, o resultado de estruturas organizativas, as formas de gestão produtivas [...] que ocorrem no mundo das vem naturalmente e isso pode ser medido de empresas. Problematizar, o que significa? Significa duas formas: a partir da disseminação deste ter elementos teóricos, a partir dos quais nós fazemos conhecimento acadêmico, seja por meio questões de, não naturalizando exatamente como das defesas de suas teses ou de congressos, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
75
Inovaçãodaspesquisasemciênciashumanasesociaisnodoutoradoacadêmicoindustrialdaufabcapartirdasconcepçõesdosseusdocentesesupervisoresindustriais
de journals, de revistas, aparentemente inconclusivos do ponto de vista do objetivo final da empresa, ou seja, quando isso é apresentado pela empresa, para ser refinado, trabalhado àquela realidade da empresa, criando novos contornos de pesquisa. Ele explica que: [...] a empresa está enxergando a inovação não apenas como ciência e tecnologia, acho que a academia, do ponto de vista do CHS, também está compreendendo que inovação não é só tecnológica, e aí está a grande sacada! – que pode estar nesta convergência, nesta flexibilidade. (informação verbal)4.
Trabalhando os estudos, seguindo Giddens (1994, p.13), ao dissertar sobre o indivíduo e sua atividade individual, com a ideia de agente, atravessando a simples noção de sujeito, colocamos a ideia de ação como ponto central. E a ação não é simplesmente uma qualidade do indivíduo, mas pode igualmente ser a essência da organização social ou da vida coletiva em questão. O DAI possibilita o acesso às empresas e aos indivíduos, trabalhadores destas empresas, e com isso as pesquisas ganham novos percursos e informações que foram apontados como importantes oportunidades, inovadoras, inclusive quando associadas no sentido da cidadania plena indicado pela Agenda 2030 da ONU – que considera as áreas de importância crucial para a humanidade: as pessoas, o planeta, a prosperidade, a paz e a parceria (Organização Mundial das Nações Unidas, 2015). Baumgarten (2009) sugere práticas inter e transdisciplinares como uma forma para lidar com as incertezas deste mundo contemporâneo para a propositura de desenvolver conceitos e teorias pelas ciências sociais, que segundo a autora tem fortes repercussões na vida cotidiana. Isto contrapõe a ideia de que a relação academia e indústria pode ser uma relação totalmente direcionada para e pelo capital e abre novos caminhos para a pesquisa. 4.2. VISÃO INDUSTRIAL/ 76
EMPRESARIAL – CONCEPÇÃO DOS SUPERVISORES TÉCNICOS Ao questionarmos os supervisores industriais sobre estas mesmas questões de interesse ao Programa, as patentes de serviços aparecem como potenciais interesses da pesquisa. Para o supervisor 1 (informação verbal), os fatores que levam uma empresa a investir em pesquisa são: a necessidade da empresa buscar algum tipo de diferenciação perante seus concorrentes e o desenvolvimento ou melhoria dos seus próprios produtos. Ele apontou também que deve haver algo relacionado ao abatimento de impostos, mas não ficou confortável para abordar o tema. Segundo este supervisor, “[...] talvez tenha alguma coisa relacionada a abatimento de impostos, mas aí, honestamente, não conheço - não domino o assunto para dizer se existe isso também ou não. Acredito que sim, né?” (informação verbal)5. O supervisor 2 (informação verbal) também demonstrou o interesse para a questão das pesquisas para desenvolvimento de produtos, citando que a evolução dos produtos ocorre através de pesquisas, de estudos que consideram qual o anseio da sociedade. Porém, indica que no Brasil há impeditivos na aprovação dos custos da implantação de um determinado estudo e, por isso, a gama de pesquisadores brasileiros ainda é muito pequena. [...] Se a empresa tiver a consciência de que ter uma associação ou um link com a universidade, que permita que os pesquisadores entrem nos processos e tragam isto como resultado na evolução dos produtos com base nos anseios da sociedade e nas novas tecnologias que está sendo disponível, eu acho que isso seria fantástico. Sim, é possível! O que barra? O financeiro! Infelizmente os resultados hoje são todos medidos financeiramente [...] é uma mão de duas vias. É lógico que existe o interesse das pesquisas que são realizadas, das demandas que nós sofremos e, nem sempre, nós temos tempo para fazer pesquisas um pouco mais alongadas. Eu acho 5 Entrevista realizada com Supervisor 1 pelas pesquisadoras pelo telefone, dia 10 de setembro de 2018. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Luara Spinola, Solange Regina Schaffer, Fabiana Carlos Pinto de Almeida, Julio Francisco Blumetti Facó
de inovação no Brasil é pouco maduro e, consequentemente, isso dificulta a aproximação da academia com o mercado. Para supervisor 3(informação verbal), a empresa que representa sempre se preocupou com o desenvolvimento de seus De acordo com o supervisor 2, a gestão da colaboradores e com a contratação de jovens empresa tem um grande interesse em fazer talentos do mercado que possam contribuir pesquisa em Ciências Humanas e Sociais e com a renovação de suas ideias e de seus procedimentos internos. Com esta convicção, destaca: a parceria com Universidades sempre foi uma [...] que é um nível que você consegue extrair das meta perseguida pela empresa. O entrevistado pessoas suas percepções referentes ao ambiente que cita: que quando cai para produção de algum produto, o seu resultado tem que ser mais imediato. Então a vantagem de você ter o apoio da universidade, destes cursos, seria esta flexibilidade de ter um tema melhor trabalhado em função do tempo disponível para realização. (informação verbal)6.
elas estão inseridas. Hoje a qualidade de vida tanto profissional, quanto na área pessoal, vamos assim dizer, sofrem influências e através de uma pesquisa de um determinado tema você consegue direcionar ações mais assertivas para o dia a dia desta pessoa. (informação verbal)6.
Neste sentido, o supervisor 1 concorda e especifica dizendo que a pesquisa qualitativa de Ciências Humanas e Sociais é válida para a empresa e pode contribuir com tudo aquilo que facilite a compreensão de um determinado problema, de forma tangível. E inclui as pesquisas qualitativas ou as quantitativas como processos valiosos e importantes para a tomada de decisões baseadas em dados. Cita um exemplo de desenvolvimento de novo serviço: [...] A gente fez um processo de exploração de um problema, baseado em pesquisas qualitativas, entrevistamos uma série de stakeholders diferentes, buscando compreensão desses problemas e entender qual seria a melhor forma de gerar valor para o maior número de stakeholders possível ao mesmo tempo. Além disso, essa pesquisa foi complementada com dados de mercado, então dados mais quantitativos, para que se pudesse a partir daí, baseado nessa percepção qualitativa e nesse conhecimento quantitativo, criar uma solução que pudesse resolver esse problema. (informação verbal)5.
[...] quando conhecemos as propostas do DAI, ficamos muito animados com a possibilidade de participarmos de um Programa de incentivo à Pesquisa Científica, com propostas muito direcionadas ao nosso dia a dia. Desta forma, resolvemos experimentar com alguns projetos iniciais e os resultados foram muito positivos, o que nos leva a continuar com essa parceria: Empresa, Universidade e Estudante.” (informação verbal)7.
O supervisor 3 (informação verbal)7 adiciona, ainda, que o projeto da doutoranda do CHS/DAI veio no momento certo em que a empresa estava repensando seus Programas, percebida como oportunidade de transformarmos o estudo que pretendiam fazer de forma autônoma, num Projeto Acadêmico. [...] através da pesquisa de doutorado em andamento, poderemos ter um olhar mais crítico sobre nosso trabalho, e também, sobre as expectativas do público alvo desse estudo, sejam os próprios aprendizes ou seus gestores que os recebem após a formação profissional finalizada. Acreditamos que existem muitos pontos convergentes entre os interesses da empresa e da universidade, uma vez que o estudo traz uma análise muito concreta sobre a realidade de uma formação profissional que está mudando a vida profissional dos nossos aprendizes, e entendemos que esta análise poderá ser estendida a outros Programas de Formação Profissional existentes em outras empresas, tornando-se uma referência prática. (informação verbal)7.
Por fim, ele acredita que é muito possível realizar pesquisas com inovação, porém entende que muitas vezes as empresas não Além das diferentes concepções e métodos têm tanto conhecimento de como fazer para a resolutividade de problemas entre isso, até porque ele avalia que o ecossistema academia e empresa, a tensão do tempo e 6 Entrevista realizada com Supervisor 2 pelas pesquisadoras na indústria, dia 19 de setembro de 2018. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
7 Entrevista realizada com Supervisor 3 pelas pesquisadoras na indústria, dia 21 de setembro de 2018.
77
Inovaçãodaspesquisasemciênciashumanasesociaisnodoutoradoacadêmicoindustrialdaufabcapartirdasconcepçõesdosseusdocentesesupervisoresindustriais
espaço aparecem de forma bem nítida em todos os relatos. Giddens (1994, p.22) conceitua que se apresenta como fútil a ideia de mitigar a reflexividade institucional como meio de evitar a realização ou autonegação de profecias, porque elas são vistas mais como contaminações do processo de investigação do que como intrínsecas à relação entre as ciências sociais e o seu «objecto de estudo», além da dificuldade do controle disto. Fica o desafio às pesquisas do PPG-CHS, de conhecerem a existência da reflexividade institucional, sem descartá-las do processo de pesquisa, e trabalharem com o processo de aprendizagem de um paradigma ou jogo de linguagem interdisciplinar, enquanto expressão de uma forma de vida, e também um processo de aprendizagem sobre aquilo que a pesquisa não é.
tendência necessária para o campo, de forma a proporcionar um avanço ao desenvolvimento acadêmico e, também, uma possibilidade de avanço para o desenvolvimento industrial. Observou-se ainda que a própria vocação da universidade, que tem como proposta o trabalho interdisciplinar, é uma grande aliada para contribuir no avanço destas pesquisas no Doutorado Acadêmico Industrial. Enquanto isso, o programa de Doutorado Acadêmico Industrial (DAI) amplia para outras Universidades, atrai novas empresas credenciadas e, ao mesmo tempo, expande as oportunidades de pesquisa a outros docentes e candidatos, inclusive de cursos de humanidades, contudo os projetos dentro do Programa de Ciências Humanas e Sociais contam até o momento, com três projetos de pesquisa. Assim, compreender as experiências dadas pelas doutorandas, pelos docentes e pelos 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS supervisores industriais no desenvolvimento das suas pesquisas de CHS, mesmo que Imergir em uma nova cultura em fase de resultados intermediários, já organizacional e ser capaz de participar dela se configuram inéditas no paradigma da para conseguir observar e mediar de forma a inovação, consideradas essenciais para a transformá-las no discurso científico-social efetivação da ampliação do projeto DAI. é um grande desafio às pesquisas do DAI –CHS, inclusive para que essas pesquisas 6. REFERÊNCIAS sejam melhor compreendidas dentro do ANDRADE, T. (2005, junho). INOVAÇÃO E próprio DAI. E este artigo se propõe a ampliar CIÊNCIAS SOCIAIS: em busca de novos referenciais. o intercâmbio de significados, normas e RBCS, 20 (58), p.145-211. relações de poder a partir das concepções BARDIN, L. (1977). Análise de Conteúdo. Lisboa: dos envolvidos neste processo de fazer a Edições 70. pesquisa, a partir de suas experiências. Com BAUMGARTEN, M. (2009). A prática científica na “era do conhecimento”: metodologia isto analisamos as concepções acadêmicas e transdisciplinaridade. Sociologias, (22), da coordenação do programa DAI/UFABC 14-20. https://dx.doi.org/10.1590/S1517sobre os principais desafios e perspectivas 45222009000200002 desta parceria, as concepções dos professores Emenda constitucional n.85, de 26 de fevereiro de doutores orientadores acadêmicos sobre 2015. (2015, 03 março). Altera e adiciona dispositivos sua relação com o DAI e como as pesquisas na Constituição Federal para atualizar o tratamento em CHS podem contribuir com a inovação das atividades de ciên- cia, tecnologia e inovação. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], e as concepções dos supervisores técnicos Brasília, Recuperado a partir de https://www. industriais que representam a empresa sobre jusbrasil.com.br/dia- rios/86911494/dou-secao-1-03esta parceria. 03-2015-pg-5?ref=next_button. CARVALHO, W. A. (2016). Workshop A partir das entrevistas observou-se Doutorado Acadêmico Industrial. 2016. que existe um entendimento quanto à Consultado em 16 setembro 2018 através aproximação viabilizada através das pesquisas de http://www3.inpe.br/win/arquivos/ DAI / UFABC do CHS e que a inovação para as Ciências Humanas e Sociais é uma 78
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação