Julgado trt

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 4ª CÂMARA (SEGUNDA TURMA) 0011018-79.2015.5.15.0121 RO - RECURSO ORDINÁRIO VARA DO TRABALHO DE SÃO SEBASTIÃO RECORRENTE: LOJAS CEM S/A RECORRIDO: GILBERTO DA SILVA JÚNIOR JUIZ SENTENCIANTE: REGINALDO LOURENÇO PIERROTTI JÚNIOR

Inconformada com a r. sentença de id. b6d85b0, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a ação, recorre ordinariamente a reclamada argumentando, em resumo, merecer reforma a decisão que reverteu a justa causa aplicada ao reclamante. Depósito recursal e custas sob ids. e6a25e6 e d83479d. Contrarrazões sob id. ed748ba. É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto regularmente processado. Prestou o reclamante serviços para a reclamada no lapso compreendido entre os dias 30.4.10 e 9.2.15, com registro em sua carteira profissional, desempenhando a função de vendedor, operando-se a rescisão de seu contrato de trabalho mediante iniciativa patronal motivada (vide id. 76fa917).

Recurso da reclamada Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO http://pje.trt15.jus.br/segundograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=16040516370570000000006862344 Número do documento: 16040516370570000000006862344

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Insurge-se a recorrente contra a sentença, que reverteu a justa causa aplicada ao trabalhador, argumentando, ao amparo da tese, que "descobriu que o recorrido estava utilizando o expediente de colocar seu próprio número de CPF nos registros de compras dos clientes, descumprindo não só normas da empresa, mas também preceitos éticos e legais, já que o CPF é documento indispensável nas relações civis e comerciais, sendo absolutamente individual", razão pela qual tão logo tomou conhecimento da prática instaurou procedimento para apurar o ocorrido, despedindo justificadamente em razão do que entendeu ser improbidade (alínea a do art. 482 celetista). Volvendo à sentença (id. b6d85b0), temos que, conquanto o julgador tenha identificado a efetiva ocorrência da prática descrita ("o autor inseria o seu CPF nas notas fiscais quando o cliente não pedia que o seu CPF constasse") e a viabilidade jurídica de seu enquadramento como mau procedimento, ponderou que "a pena aplicada é excessiva, em especial quando se verifica que o autor trabalhou por 5 anos, sem nunca ter recebido uma advertência". Para o caso, em seu entendimento, não foi observada a necessária proporcionalidade na punição nem prestigiado o caráter pedagógico da pena, o que seria comprovado pelo fato de que "na carta de demissão (id. 3c75247) não há a menor explicação ao autor da conduta irregular que possa ter praticado, ferindo de morte o princípio da boa-fé objetiva, em especial quanto ao dever de lealdade e informação". Ao exame. Como preconizam doutrina e jurisprudência, a aplicação da justa causa depende da existência de alguns requisitos, a saber: a) tipicidade da conduta; b) autoria obreira da infração; c) dolo ou culpa do infrator; d) nexo de causalidade; e) adequação e proporcionalidade; f) imediaticidade da punição; g) ausência de perdão tácito; h) singularidade da punição ("non bis in idem"); i) caráter pedagógico do exercício do poder disciplinar. No caso, a autoria, amplamente documentada (id. fca7f81), não foi específica e fundamentadamente afastada, assim como o inequívoco intento (dolo) e o nexo causal; a imediaticidade também se fez presente, uma vez que a penalidade foi aplicada ao cabo da apuração sumária, em 9.2.15, não havendo falar, por isso mesmo, em perdão tácito; não houve outra punição pelo mesmo fato. Nada obstante, persistem ponderosas incertezas atinentes à tipicidade da conduta, à adequação e à proporcionalidade da penalidade aplicada, além do atingimento adequado do propósito pedagógico referido. Realmente, embora não trazida aos autos pelas partes, a regulamentação Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO http://pje.trt15.jus.br/segundograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=16040516370570000000006862344 Número do documento: 16040516370570000000006862344

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estadual da Nota Fiscal Paulista - NF-P ("Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo", Lei Estadual 12.685/07, disponível em , acesso em 5.4.16 às 13.41) não impede que o resgate de parcela do tributo estadual se dê em benefício de terceiro, limitando apenas que a transferência, da Fazenda para o beneficiário, ocorra para conta corrente vinculada ao número de CPF apresentado quando da confecção da nota, como se conclui da leitura de seu art. 5º. Por tal razão, a rigor, é questionável se a conduta de inserir o próprio número de CPF uma vez manifestado o desinteresse por parte do cliente configura, consistentemente, um ato de improbidade. Ainda, vale observar que embora a contestação (id. 87fe6f4) faça menção ao descumprimento de "normas da empresa" e à "irregularidades nas situações de entrada e saída de patrimônio" (sic), não há qualquer comprovação da existência das tais "normas" nem esclarecimentos quanto às aventadas "irregularidades", é dizer, sobre sua natureza, o possível gravame financeiro que trariam à empresa e etc. Ao contrário, da normativa estadual citada é possível extrair a conclusão de que a empresa incidiria em penalidade administrativa, como regra, ao embaraçar o acesso do cliente aos benefícios do programa NF-P. De todo modo, ainda que se considerasse incontroversa a tipicidade da conduta, é importante delinear que a medida da adequação e da proporcionalidade na aplicação da penalidade deve ser realizada em função da gravidade da conduta, que no caso em espécie é aferível em razão do quanto o obreiro efetivamente obteve com o expediente recriminado, requisitos esses de aplicação da justa causa que também não se encontram consistentemente comprovados. Realmente, a leitura dos registros de venda apresentados sob o id. fca7f81 demonstra que a conduta foi praticada nas seguintes datas e sobre os seguintes valores, considerando que o benefício auferível equivale, no máximo, a 30% do ICMS da mercadoria transacionada, limitado em qualquer caso a 7,5% do valor do documento fiscal (cabeça e §3º do art. 3º da mencionada Lei Estadual 12.685/07):

Pedido 105.057.38.803.375 em 13.9.10: R$ 158,00 (7,5%: R$ 11,85); Pedido 105.057.86.801.362 em 30.9.10: R$ 129,00 (7,5%: R$ 9,67); Pedido 105.059.18.591.394 em 6.11.10: R$ 156,00 (7,5%: R$ 11,70); Pedido 105.068.84.511.280 em 22.8.11: R$ 390,00 (7,5%: R$ 29,25); Pedido 105.068.70.248.031 em 24.8.11: R$ 588,00 (7,5%: R$ 44,10); Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO http://pje.trt15.jus.br/segundograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=16040516370570000000006862344 Número do documento: 16040516370570000000006862344

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Pedido 105.072.18.777.623 em 6.12.11: R$ 1.398,00 (7,5%: R$ 104,85); Pedido 105.072.26.967.234 em 9.12.11: R$ 920,00 (7,5%: R$ 69,00); Pedido 105.091.44.438.338 em 15.7.13: R$ 138,60 (7,5%: R$ 10,35); Pedido 105.105.26.991.083 em 9.9.14: R$ 98,00 (7,5%: R$ 7,35); Pedido 105.106.12.829.582 em 4.10.14: R$ 158,00 (7,5%: 11,85); Pedido 105.106.32.522.317 em 11.10.14: R$ 340,00 (7,5%: R$ 25,50); Pedido 105.109.55.974.329 em 19.1.15: R$ 378,00 (7,5%: R$ 38,35); Pedido 105.109.83.707.739 em 29.1.15: R$ 418,00 (7,5%: R$ 31,35); Pedido 105.109.86.536.173 em 30.1.15: R$ 718,00 (7,5%: R$ 53,85).

Como se conclui, ainda que calculado pelo máximo legal admissível para levantamento de valores (7,5%), o que quase seguramente ocorreu, já que ausente análise específica e fundamentada a respeito (encargo da recorrente), o máximo total supostamente recebido pelo obreiro (em valores brutos) equivaleu a R$ 33,22 em 2010, R$ 247,20 em 2011, R$ 10,35 em 2013, R$ 44,70 em 2014 e R$ 123,55 em 2015, totalizando R$ 459,02 ao longo de cinco anos de contrato, valores esses que reforçam a conclusão pela desproporcionalidade da punição adequada, especialmente se tivermos em vista que se trata de contrato de trabalho com quase cinco anos de duração e, ressalvadas as faltas injustificadas no final do ano de 2014 (id. 024dd5b), sem notícia de qualquer outro desvio de conduta por parte do trabalhador, circunstância apta para revelar um bom relacionamento entre as partes, especialmente se considerarmos que a quase totalidade dos contratos trazidos à apreciação desta Especializada não supera o primeiro lustro. Diante disso, conquanto à luz da boa-fé que deve reger as relações sociais não se negue que a falta de transparência obreira na conduta debatida nos presentes autos merecesse reprimenda, resta cristalina a desproporcionalidade da penalidade aplicada. Como bem observado na origem, a suspensão punitiva, com os correspondentes descontos, não apenas sinalizaria o necessário reproche, como também funcionaria satisfatoriamente como punição, no que cumpriria igualmente a importante função pedagógica. Assim, não há razão para reforma da sentença que convolou a justa causa aplicada em dispensa imotivada.

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DIANTE DO EXPOSTO, DECIDO: conhecer do recurso de LOJAS CEM S/A e não o prover.

MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO Desembargador Relator

Em sessão realizada em 28/06/2016, a 4ª Câmara (Segunda Turma) do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região julgou o presente processo. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Desembargador do Trabalho MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Magistrados Relator: Desembargador do Trabalho MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO Desembargadora do Trabalho RITA DE CÁSSIA PENKAL BERNARDINO DE SOUZA Desembargador do Trabalho LUIZ JOSÉ DEZENA DA SILVA Ministério Público do Trabalho (Ciente) ACORDAM os Exmos. Srs. Magistrados, à unanimidade, em julgar o processo nos termos do voto proposto pelo Exmo. Sr. Relator.

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