A cultura organizacional

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A CULTURA ORGANIZACIONAL E AS NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO: SUBSÍDIOS PARA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO Beatriz Maria Braga Lacombe (EAESP/FGV) RESUMO A busca da competitividade redesenhou estruturas organizacionais, modos de produção e distribuição de produtos e serviços e também as relações entre trabalhador e organização. A flexibilização das relações de trabalho tem sido defendida, não sem críticas, como um dos instrumentos necessários para se obter esta maior competitividade, trazendo consigo mudanças importantes para o trabalhador e para a empresa. Estas mudanças para a competitividade definem comportamentos e atitudes que podem ser incompatíveis com a cultura organizacional brasileira, que tem sido associada a relações de trabalho onde predominam o paternalismo, a informalidade, o imediatismo e a falta de centralidade do trabalho, características confirmadas pelos resultados de pesquisas sobre o tema. Este trabalho utiliza alguns conceitos da teoria cognitiva para procurar pistas que possibilitem as organizações brasileiras repensar seus processos de reestruturação e mudança a partir de seus esquemas culturais, para que estas mudanças sejam efetivas.

INTRODUÇÃO Na busca por maior competitividade, as organizações vêm passando por reestruturações profundas. A flexibilização das relações de trabalho, que permite transformar empregos em outras formas de trabalho menos onerosas às empresas, tem sido apontada como um requisito importante para a adaptação e sobrevivência das organizações de um lado, e como fator de criação de mais trabalho, de outro lado. A flexibilização tem sido associada também à precarização das relações de trabalho, pois à redução dos custos para a empresa, corresponde uma redução das garantias e benefícios para o trabalhador. Entretanto, a flexibilização pode ser também pensada como a alteração na forma de se realizar o trabalho. Ao se atribuir maior autonomia e responsabilidade ao empregado, a organização pode criar um ambiente mais ágil e flexível, necessário em cenários instáveis e turbulentos. De qualquer maneira, a flexibilização impõe novas relações de trabalho: mudam os conceitos de carreira, de sucesso, de lealdade, de segurança, etc. A relação do homem com o seu trabalho passa a ser responsabilidade individual; cabe a cada um dirigir sua própria vida profissional, associada, agora, aos conceitos de auto-desenvolvimento, autonomia, auto-determinação, etc. Esta redefinição dos conceitos ligados ao trabalho parece fazer sentido em um país como os Estados Unidos, por exemplo, onde estes valores encontram eco nos mapas cognitivos individuais e coletivos. Mas será que isto pode ser verdadeiro se trazido para o Brasil? Será que a flexibilização destas relações terá condições de ser bem sucedida e será suficiente para que se obtenha os resultados desejados em termos da competitividade que se obtém do gerenciamento do fator humano? Este trabalho pretende dar subsídios para que o caso brasileiro possa ser melhor analisado e trabalhado. Para tanto, após esta introdução, é feita uma análise das implicações da flexibilização sobre as relações de trabalho, ressaltando a importância da sistematização de procedimentos envolvida neste processo e dos aspectos intrínsecos ou esquemas cognitivos mais compatíveis ou necessários para a realização do trabalho nestes moldes. Em seguida, na terceira parte, é feita uma exposição, com base no trabalho de Claudia Strauss e Naomi Quinn (1997), de como estes esquemas cognitivos também podem ser culturais, e dos fatores que propiciam a sua manutenção, modificação ou substituição, processos que parecem ser relevantes diante da transformação por que devem passar as organizações que pretendem tornar-se mais flexíveis. Na quarta parte são relatados os resultados de algumas pesquisas realizadas sobre os mais variados aspectos das relações de trabalho. Estes estudos e pesquisas 1


apontam traços ou esquemas culturais que permeiam e definem a cultura organizacional brasileira. A partir da identificação destes traços ou características, pode-se avaliar as possibilidades de se obter competitividade através do gerenciamento do fator humano numa relação flexibilizada; é possível se analisar a distância entre os conceitos relevantes da cultura organizacional brasileira e os conceitos ligados à flexibilização; é possível se pensar em como flexibilizar as organizações brasileiras, de maneira a não causar mais danos que benefícios. O trabalho conclui mostrando que, necessário como se faz tornar as organizações brasileiras mais competitivas e, em sendo a flexibilização uma das estratégias adotadas, necessário também se faz revisar alguns traços ou esquemas cognitivos culturais que podem estar perpetuando relações de trabalho incompatíveis com esta busca pela competitividade. A FLEXIBILIZAÇÃO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Com o advento do que tem sido chamado de capitalismo flexível, mudam as relações de trabalho para que as organizações possam se adequar ao novo contexto. Na busca por competitividade, foi-se buscar estruturas diferenciadas que permitissem o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis e das competências que se deseja desenvolver e manter (Quinn, 1992). As estruturas propostas para a competitividade por Quinn (1992) e Galbraith (1993), entre outros, como por exemplo, a infinitamente plana ou a teia de aranha, se efetivamente colocadas em prática, demandam não apenas novas formas estruturais e hierárquicas, como também novas formas de relacionamento entre as pessoas que trabalham e entre cada indivíduo e o seu trabalho. Diminuição de níveis hierárquicos, dotando indivíduos de mais autonomia e responsabilidade, terceirizações, parcerias, trabalho em equipes, células de produção e a cobrança por resultados são apenas algumas das novas modificações introduzidas. Além das reestruturações, as organizações vêm tentando flexibilizar as relações que mantêm com seus empregados. Flexibiliza-se o espaço, o tempo e o contrato de trabalho. As transformações de tempo e espaço são representadas pela eliminação da obrigatoriedade de se trabalhar em um único lugar, por um determinado número de horas. Em relação ao contrato de trabalho, a flexibilização pode ser obtida a partir da introdução de novos tipos de contratação, sob a forma de empregados temporários ou de tempo parcial, ou mesmo contratados por tarefa ou por um contrato específico. Já é bastante conhecida a metáfora do um trevo de três folhas utilizada po Handy (1990) para ilustrar o novo formato das organizações em relação aos tipos de empregados. Appelbaum e Santiago (1997), dentro da mesma linha, contrapõem a nova configuração à tradicional, como mostra a Figura 1: Tradicional

Nova Empregados Periféricos

Empreg. do núcleo

Empreg. do núcleo

Empregados Periféricos

ativid. outsourced ativid. outsourced

Figura 1: Representação da organização tradicional x a nova organização. Fonte: Appelbaum, S., Santiago, V., Career Development in the Plateaued Organization, Career Development International, 2/1, 1997, p. 11-20. 2


Para os empregados que permaneceram no núcleo, regidos por contratos de trabalho do emprego tradicional, estas mudanças ficam associadas a maiores cargas de trabalho, menores chances de promoções e medo de futuras demissões (Appelbaum e Santiago, 1997). Aos demais, contratados ou temporários, esta nova forma de trabalhar significa perder um horizonte de longo prazo, planos de desenvolvimento e treinamento e os benefícios (férias, pensões, aposentadoria, etc ) que o contrato tradicional contemplava. Esta perda da estabilidade e da segurança financeira, com consequências para a saúde psicológica do trabalhador, tem sido a principal preocupação apontada na literatura sobre o assunto (Mirvis e Hall, 1994; Bridges, 1995, entre outros). Esta mudança, ou a generalização do subemprego, como a descreve Beck (1992), "é acompanhada de uma redistribuição desfavorável de renda, proteção social oportunidades de carreira e status na organização" (Beck, 1992, p. 143). Não só os desempregados, como mulheres, jovens e minorias estariam dispostos a aceitar condições de trabalhos temporários ou de tempo parcial, com menos ou nenhum benefício. Esta transformação nas relações de trabalho tomou contornos diferentes nas empresas de acordo com o país, a legislação vigente, o setor de atividade, etc. Nos Estados Unidos, por exemplo, caracterizou-se mais pela substituição do emprego tradicional por trabalhadores temporários ou de tempo parcial. Bridges (1995) cita a Manpower, uma agência de empregos temporários, como a empresa privada americana que mais emprega pessoas. No Brasil, cresceu o emprego informal, como pode ser observado no quadro 1: Quadro 1: Trabalhadores empregados por tipo de ocupação (%) Trabalhadores C/ carteira assinada S/ carteira assinada Conta própria Empregadores

Jan/1991

Jan/1995

Jan/2000

55 20 20 4,5

49 24 22 4

43,5 28 23 4

Fonte: IBGE, www.ibge.gov.br/estatística/indicadores/trabalhoerendimento/pme Diante de transformações tão profundas, o modo de se realizar o trabalho não poderia se manter como ditavam os princípios do capitalismo industrial. Conceitos como obediência a normas e procedimentos, uniformidade, conformidade, descrição minuciosa de cargos e tarefas, enfim, tudo o que limita e “engessa” foi sendo eliminado. Conforme mostra Fisher (1998), a pessoa tem que ocupar um “espaço organizacional”, ao qual são associadas atribuições. Ao aplicar a sua competência ao espaço, além de criar mais possibilidades e caminhos de ação, a pessoa o configura, dá a ele a sua feição (Fisher, 1998, p. 135). Portanto, é da responsabilidade de cada um saber que trabalho deverá desempenhar e como. Ao gestor, cabe estimular o auto-desenvolvimento, necessário para a realização deste trabalho. Portanto, este trabalhador deve conhecer-se profundamente - suas qualidades, fraquezas, gostos e talentos - e saber administrar seu futuro em função deste conhecimento e dos objetivos que tenha traçado para si. O seu sucesso será medido em função do atingimento destes objetivos e da satisfação que isto lhe traz, ou seja, do reconhecimento interno. Este homem, quando na situação de trabalho, frente à organização, pode ser um empregado do núcleo, um contratado ou um temporário. Em qualquer situação, é este gerenciamento de si próprio, esta autonomia, que torna a relação com a empresa viável e o mais flexível possível, pois proporciona à organização, um amplo espaço de manobra. Vasconcellos (1997) aponta dois tipos de administração de recursos humanos decorrentes da necessidade de se dotar o empregado de maior autonomia. No primeiro, a abordagem instrumental, é a visão da alta de direção, sua percepção da realidade e sua representação que se impõe aos processos e procedimentos, resultando em uma burocracia 3


mantida e aperfeiçoada, ganhando flexibilidade e eficiência. Não há mais separação entre planejamento e execução, mas ainda há um one best way, definido pelo melhor modo de perceber, organizar e compreender dados e decidir. Divide a organização em vários processos, subprocessos, atividades e tarefas e formam grupos de trabalho em toda a organização. Faz-se um manual de qualidade global e os indivíduos elaborarão suas rotinas com base nesta mesma lógica. O segundo, o sistema político ou de arbitragem gerencial, visa criar um sistema de negociação entre partes autônomas, onde dirigentes orientam e arbitram; onde a base de confiança comum surgirá a partir da negociação das percepções e valores diferentes; e onde a identidade, unidade e particularidade de cada elemento é preservada. Se inovação e adaptabilidade, condições para a sobrevivência à mudança constante do ambiente, são ingredientes fundamentais para a competitividade da organização, então a adoção de uma visão apenas, que pode estar comprometida por algum tipo de viés cognitivo (Machado-da-Silva et all., 1998 ) provavelmente vai tolher a capacidade total de manobra de uma organização. A idéia do one best way é claramente oposta à idéia de geração de novas propostas e alternativas. Portanto, é de se supor que a gestão para a competitividade é caracterizada pela negociação, onde os atores se engajam com a fim de satisfazer seus gostos, interesses e objetivos. Daí decorre que, se agilidade e responsabilidade é o que se pretende, "modo de se fazer as coisas", ou seja, a cultura a organização deve ser mudada. Em relação ao gerenciamento de pessoas, que é o interesse deste trabalho, mudam os conceitos referentes à responsabilidade e à progressão na carreira, sucesso, remuneração, atribuição e controle de tarefas, cargos, hierarquia, símbolos de status, modos de relacionamento entre pessoas, enfim, é preciso repensar e reformular praticamente tudo o que concerne a gestão de pessoas para que a flexibilidade possa efetivamente funcionar. Muda o paradigma estratégico da organização, o "...conjunto de crenças e hipóteses relativamente estáveis... e tidas como verdadeiras... que estão no centro de uma 'trama cultural' que articula ritos, mitos e símbolos, estruturas e procedimentos, sistemas de controle..." (Machado-da-Silva et. all, 1998). Muda o contrato psicológico entre organização e seus trabalhadores. Definido como as expectativas, escritas ou não, que empresa e trabalhador têm um do outro, "o contrato é um símbolo e um pilar reforçador da cultura organizacional" (Davenport, 1998, p. 26). Esta mudança cultural e os processos que a envolvem serão revistos a seguir. A TEORIA COGNITIVA E A MUDANÇA “Organizações hoje são estudadas e pensadas como culturas. Culturas são sistemas de significados duradouros e socialmente compartilhados que guiam comportamentos. Se os processos cognitivos determinam significados, segue que as organizações vão exibir comportamentos que são guiados por significados socialmente compartilhados, que são, por sua vez, legitimados pelo processos cognitivos dos indivíduos e grupos trabalhando na organização” (Finney e Mitroff, 1986, p. 319). Portanto, estruturas cognitivas de conhecimento são compartilhadas pelas pessoas, que as utilizam para organizar e fazer sentido das informações organizacionais e sociais, formando esquemas culturais. Agem como um script para a ação, e se definem como mapas causais para os indivíduos tomados isoladamente. Um mapa causal ou um mapa cognitivo pode ser definido como "...os conceitos e as relações que o indivíduo usa para compreender várias situações ou ambientes" (Machado-daSilva et all., 1998). São estruturas cognitivas antecipatórias, expectativas aprendidas a respeito de como as coisas são e funcionam, formadas a partir de experiências passadas. Sem estas expectativas "seria impossível fazer qualquer coisa, planejar o futuro ou até mesmo interpretar 4


o que está acontecendo...e sem esquemas culturais, ao menos em parte compartilhados, a interação social seria também impossível" (Strauss e Quinn, 1997, p. 49). Portanto, permeando a interação indivíduo-empresa estão os aspectos culturais. Strauss e Quinn (1997) estudam os esquemas culturais e as forças centrípetas, a favor da manutenção, e as centrífugas, que reforçam a tendência à modificação e até mesmo ao desaparecimento destes esquemas culturais. Um significado cultural é definido pelas autoras como a "interpretação típica de algum tipo de evento ou objeto evocada nas pessoas como resultado de suas experiências de vida similares" (1997, p. 6). A cultura, portanto, sumariza ocorrências regulares, ou regularidades, no mundo criado pelo homem, em oposição ao mundo natural. Os esquemas culturais, ao procurar dar sentido às situações por meio de recordações do passado e de expectativas em relação ao futuro, são requisitados a prover alguma informação ausente e a clarificar a informação ambígua. Neste sentido, o esquema não é fechado ou estático, mas incompleto e aberto, variando a sua complementação com cada situação vivenciada. Para cada situação, interagem os esquemas ou modelos culturais e as interpretações pessoais para aquele momento, o que permite a modificação dos esquemas. As autoras concebem a formação de esquemas e suas alterações como as interações nos modelos de redes neurais. Um esquema seria representado por uma determinada associação de neurônios, que pode conter associações mais fortes, mais difíceis de serem alteradas, neutras, fracas ou ainda inexistentes. Em cada situação, as associações são ativadas e reavaliadas, podendo ser criadas novas associações ou apenas reforçadas ou enfraquecidas as antigas. Esta "improvisação regulada" é que torna os esquemas flexíveis e adaptativos, ao invés de meras repetições rígidas de comportamentos e idéias, propiciando pequenas alterações que podem resultar em transformações radicais. Sendo assim, é possível pensar em uma mudança profunda de cultura como a requerida pela flexibilização das relações de trabalho. Resta saber como processar esta mudança, uma vez que mudanças na cultura parecem ser as mais difíceis de se operacionalizar. As autoras elencam algumas propriedades da cultura – a durabilidade no indivíduo, a durabilidade histórica e a temacidade - e os fatores que podem ser responsáveis pela manutenção ou fortalecimento de um esquema cultural e aqueles que levarão ao seu enfraquecimento ou à sua modificação, substituição ou total eliminação. A primeira propriedade, a durabilidade no indivíduo, é representada na consistência de comportamentos e idéias expressas e é mantida através de: -

-

-

-

o hábito, a maneira como sempre se vê e se faz as coisas que, quanto mais repetido, mais se reforça. Exemplo disto são os esquemas das crianças, muito maleáveis, e que vão ficando cada vez mas estabelecidos com o crescimento. Estereótipos também são bons exemplos de como um esquema se reforça; as emoções, como medo, alegria, angústia, etc, associadas às experiências onde o esquema é ativado também podem contribuir para a sua manutenção. Se um indivíduo não gosta de um colega de trabalho, a cada interação com este colega corresponderá o surgimento de uma emoção negativa, como a raiva ou a desconfiança, que não permitirão o aparecimento de outras emoções mais positivas; as recompensas intrínsecas e extrínsecas associadas a determinados esquemas, como por exemplo, sentir-se um bom trabalhador. A cada vez que se sai bem em uma tarefa, o indivíduo se sente recompensado internamente e pode até mesmo ser elogiado por seus colegas, o que incentiva a manutenção e a validade do esquema "ser bom trabalhador"; a avaliação dos outros significativos é, portanto, outro fator que propicia a durabilidade de um esquema; noções de bom e mau permeiam a vida social em toda a parte como por exemplo as definições de ser um bom/mau cristão, ser uma mulher feminina, etc; 5


-

as próprias instituições criadas pelo homem podem ajudar a manter um esquema cultural, como a licença maternidade, por exemplo. Ao conceder uma licença de quatro meses à mãe e apenas alguns dias ao pai, reforçam-se os esquemas de papéis a ser desempenhados em casa e no trabalho. Da mulher casada, entre 25 e 40 anos, sempre se espera a possibilidade do nascimento de filhos e as consequentes prolongadas licenças, o que pode interferir, de forma velada, em processos de seleção ou promoções. Os fatores que levam à mudança de um esquema no indivíduo são assim descritos:

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-

quando alguma inconsistência aparece entre o esquema e a situação especificamente vivenciada. Este pode ser o caso, por exemplo, de informação que deve ser completada ou ambígua, que deve ser clarificada, e que se torna inconsistente com a configuração total do esquema; quando a inconsistência com o esquema advém de uma pessoa que se admira; a informação nova pode despertar emoções fortes que farão o indivíduo rever o esquema; como as situações raramente são idênticas, haverá sempre novos ingredientes que podem provocar tensões nos esquemas; o indivíduo pode fazer um esforço consciente para modificar ou construir um esquema.

A segunda propriedade, a durabilidade histórica dos esquemas culturais, é garantida pela transmissão de histórias, valores, idéias e instituições de uma geração para outra. É claro que novas idéias surgem a todo momento e podem desafiar a ordem corrente, como foi o caso do feminismo nos anos 60. A princípio um movimento sem nome, pois não havia nenhuma palavra adequada para defini-lo, veio alterar toda uma teia de relações e esquemas culturais domésticos e de trabalho. Da mesma forma, pode-se pensar que o advento da Internet e do ebusiness terão impactos profundos nos esquemas culturais de compra, venda, prestação de serviços, trabalho, etc nos dias de hoje. Agindo também como força desagregadora, as próprias pessoas tenderão a passar para as gerações que lhes sucedem apenas os valores e esquemas que lhes parecem corretos ou adequados, relegando outros ao esquecimento, e modificando, no processo, hábitos, símbolos públicos e instituições. A temacidade, amplamente ilustrada por estudos etnográficos, é a tendência de alguns esquemas serem invocados em um grande número de contextos em um dado grupo, povo ou país. É o caso da auto-confiança nos Estados Unidos, por exemplo, onde as crianças ouvem desde cedo o “tente fazer sozinha”, como resposta a um pedido de auxílio. Esta idéia ou esquema de auto-confiança/autonomia aparecerá toda vez que uma nova situação aparecer. Quanto mais bem sucedido for este esquema para resolver situações, mais ele será utilizado e mais auto-confiante se tornará o indivíduo. A auto-confiança é ensinada às crianças nas escolas e nos acampamentos de verão; é ilustrada em livros e filmes; é encorajada nos esportes. Como estes produtos “vendem bem” para o público norte-americano, mais produtos deste gênero são criados e ofertados, políticas públicas são promulgadas para continuar estimulando este tipo de comportamento. Esta "bola de neve" torna a auto-confiança um tema ainda mais recorrente e espalhado. À esta tendência, opõe-se o aparecimento de temas contraditórios, que podem provocar tensões e modificações em temas muito arraigados. A exposição das propriedades e dos fatores mantenedores e dispersores dos esquemas culturais pode fornecer pistas sobre como mudar práticas culturais fortemente arraigadas na vida organizacional. Para que as transformações das organizações possam ser eficazes e eficientes, é preciso que as mudanças culturais aconteçam, ou o esforço terá sido em vão. Conforme se pôde depreender, a mudança cultural de uma organização vai envolver um componente individual e um outro contextual, sendo necessárias tensões contraditórias em ambos para que a modificação seja efetivada. Hábitos estabelecidos terão que ser quebrados; 6


emoções e sentimentos associados a promoções e carreira, por exemplo, terão que ser substituídos; a própria definição do que é “ser um bom empregado” terá que ser reformulada. A alteração ou substituição destes e outros esquemas referentes à relação de trabalho deverá ser operada pela organização e pelo indivíduo, mas a quem caberá a responsabilidade pelo processo de mudança? A responsabilidade de se iniciar um processo de mudança cultural cabe ao ator que percebe a sua necessidade, no caso, a empresa. O trabalhador, acostumado a seguir ordens, não percebe esta necessidade e pode até se rebelar, caso não perceba recompensas positivas associadas ao processo de mudança sugerido. Se a flexibilização das relações de trabalho teve um grande impacto nos Estados Unidos, levando o país a uma das menores taxas de desemprego do mundo industrializado hoje, isto é devido também à facilidade com que os trabalhadores puderam se adaptar às novas formas de se realizar o trabalho e aos novos tipos de contratos de trabalho sendo oferecidos. Além da auto-confiança, valores como perseverança, trabalho árduo e o adiamento de recompensas já faziam parte dos esquemas cognitivos dos norte-americanos, formados, em parte, pelos padrões da ética protestante. Esta correspondência entre os valores e conceitos não pode ser ignorada e nem se pode esperar que os mesmos resultados sejam produzidos em outros contexto, com outros tipos de mapas cognitivos vigentes. ESQUEMAS CULTURAIS NAS ORGANIZAÇÕES BRASILEIRAS Para que se possa melhor compreender as mudanças que terão que ser efetuadas nas organizações brasileiras, foi feito um resumo dos resultados de algumas pesquisas recentes sobre as relações de trabalho no país. O quadro 2, abaixo, apresenta os resultados de pesquisas realizadas junto a trabalhadores, seus sentimentos e percepções em relação aos seus trabalhos e vidas profissionais, e que podem ser identificados como traços ou esquemas culturais. Quadro 2: Esquemas culturais identificados em pesquisas realizadas com trabalhadores em organizações brasileiras Autor da pesquisa (ano)

Esquema cultural predominante

Detalhamento do esquema

-

informalidade

investimento nas relações informais para promoção e destaque na organização

-

uniformidade, falta de identidade

adoção de mesmos hábitos de vestir, morar, frequentar clubes, etc.

-

falta de identidade

admiração por conceitos idéias importadas

-

desvalorização do trabalho

vergonha de ter uma ‘lojinha’

-

baixa centralidade do trabalho

ausência de preocupação com o futuro profissional

-

passividade, atitude de espectador

falta de consciência da responsabilidade pelo próprio futuro profissional

Galhano, P. (1996)

Grun, R. (1996)

e

Nacif, R. (1997)

7


O quadro 3, a seguir, apresenta os resultados de pesquisas realizadas em empresas para levantar as práticas da gestão de pessoas que podem ser identificadas como traços ou esquemas culturais. Quadro 3: Esquemas culturais identificados em pesquisas realizadas em organizações brasileiras – práticas de gestão Autor da pesquisa (ano)

Esquema cultural predominante evitamento

Detalhamento do esquema de nas relações entre supervisão e operários

-

informalidade, conflito

-

desvalorização da mão-de-obra

-

rotinização

-

imediatismo

-

formalismo, pessoas

-

informalidade

-

formalismo

preocupação maior com rotinas burocráticas

-

imediatismo

falta de preocupação com o futuro das pessoas na organização

Fleury, A. (1988)

Wood, Lins e Curado (1995)

tida como incompetente

indolente

e

não estabelece como fazer e não treina mão-de-obra; alto grau de controle baixo índice de planejamento estratégico desvalorização

das RH voltado para questões trabalhistas e operacionais práticas de RH não seguem políticas e procedimentos claramente definidos

Venosa e Abbud (1995)

Como se pode depreender dos quadros acima, os traços brasileiros descritos por Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda no início do século ainda se revelam verdadeiros. A durabilidade destes esquemas pode ter sido resultado da transmissão destas práticas de geração em geração e é continuamente reforçada pelo dia-a-dia. As pesquisas apontam esquemas culturais como informalidade, evitamento de conflitos, falta de percepção da própria responsabilidade em relação ao trabalho e ao próprio futuro, falta de preocupação das empresas para com o futuro das pessoas, a desvalorização da mão-de-obra, etc. No livro organizado por Fernando Motta e Miguel Caldas (1997), são vários os trabalhos que apontam para uma confirmação dos esquemas culturais detectados na leitura das pesquisas acima relacionadas. Entre eles, o trabalho de Prates e Barros, (1997),O Estilo Brasileiro de Administrar, destaca a concentração de poder e o personalismo, para os papéis dos líderes, e 8


a postura de espectador e o evitamento do conflito, para os liderados. Entretanto, será que estes esquemas são compatíveis com as relações de trabalho necessárias para que as transformações nas organizações os gerem resultados esperados? Conforme exposto anteriormente neste trabalho, para que a organização possa se tornar competitiva, têm que ser mudados os esquemas culturais que incentivam a nãonegociação ou a passividade, a irresponsabilidade pelo próprio futuro, o não-planejamento do futuro, a falta de investimento na mão-de-obra responsável pela realização das operações centrais ou essenciais da organização. Além disso, o famoso “jeitinho brasileiro”, que aparece em vários contextos do brasileiro (temacidade), retrata um esquema cultural profundamente enraizado, e que não necessariamente será aplicado de forma a melhorar a integração trabalhador-empresa, pois, se por um lado demonstra flexibilidade (“sempre se dá um jeito”), por outro lado, este jeito pode não ser a melhor forma, para ambas as partes, de se tratar um determinado problema. Quanto à informalidade, se por um lado pode levar a situações onde o diálogo seja mais livre e as normas e procedimentos menos rigorosos, não constituindo barreiras à ação e à criação, por outro lado, pode gerar sentimentos de inequidade entre as pessoas. A ausência de critérios para se tratar de promoções, benefícios, participações em treinamentos, workshops e similares, e até mesmo critérios para a determinação e distribuição de tarefas, pode ocasionar insatisfação por parte de alguns empregados, que se perceberão prejudicados. Deixar que estas decisões sejam tomadas de maneira informal é incentivar relações de compadrio e politicagem que, muitas vezes, obedecem a objetivos pessoais e não aos da empresa. A percepção de inequidade e a falta de ligação entre desempenho e recompensa podem trazer passividade, desinteresse pelo trabalho e, até mesmo, sabotagem. Além disso, para os trabalhadores contratados, a inexistência de procedimentos resultará em contratos baseados em relações pessoais, que poderão ser até mais onerosos para a empresa que os empregados anteriormente encarregados das tarefas do contrato, e sem garantia da qualidade dos resultados. A falta de preocupação com o futuro dos empregados e a desvalorização da mão-deobra mostram um esquema não compatível com o desenvolvimento e manutenção de habilidades e competências. Se as competências ganham corpo nas pessoas (Prahalad e Hamel, 1998), como tê-las, desenvolvê-las e mantê-las sem dar o devido valor às pessoas que as detêm e sem algum investimento em treinamento? Estas considerações valem também para os trabalhadores contratados, principalmente no Brasil, onde dificilmente as pessoas têm condições financeiras e tempo para se requalificar. A “rotinização” é uma variante da racionalização na medida em que não estabelece a maneira ótima de produzir, não procede à seleção e desenvolvimento científico do trabalhador e não usa as recompensas monetárias como motivador para produtividade. Como a racionalização, separa planejamento da execução e não permite a formação de grupos de trabalho. Para compensar o alto grau de incerteza derivado da não-determinação da maneira ótima de produzir e da falta de investimento no trabalhador, na rotinização aumenta-se o grau de planejamento e controle; a não especialização do trabalhador tem também como efeito a sua fácil substituição, outro objetivo deste esquema de trabalho; por fim, a alta hierarquização também tem por finalidade evitar o contato direto entre os trabalhadores. Portanto, a rotinização é uma situação onde nenhuma das partes ganha. Se a maior preocupação da gestão de pessoas é com aspectos burocráticos de folha de pagamentos, benefícios, horas-extras, etc, e dos aspectos contratuais para não se incorrer em processos trabalhistas, ou seja, se a preocupação maior é dar o mínimo para não se ter aborrecimentos, o mínimo será dado em troca em forma de trabalho. Por fim, a falta de identidade profissional e a ausência de preocupação com o futuro mostram uma força de trabalho desprovida de auto-determinação, autonomia, capacidade de 9


planejamento e senso de direção. Esta apatia em relação ao futuro pode existir quando não se consegue vislumbrar o longo prazo (Van Maanen, 1977); ou quando não se vê a ligação entre a ação presente e os resultados esperados no futuro, pois não se reconhece o controle sobre a própria vida, delegando-o a terceiros; em terceiro lugar, a apatia é resultante de se acreditar que, apesar de capaz de influenciar seu próprio destino, nenhum resultado será obtido devido a um contexto indiferente ou agressivo (Bandura, 1982). Se estes são os esquemas culturais prevalecentes, qualquer processo de mudança que pretenda tornar a organização mais competitiva e, principalmente, através da flexibilização das estruturas e das relações de trabalho, terá, provavelmente, poucas chances de sucesso. Faltam quase todos os ingredientes para que a receita dê certo. Apenas a análise dos aspectos culturais da relação trabalhador-trabalho e trabalhador-empresa, sem levar em conta os aspectos sócio-econômicos, já aponta problemas que terão que ser tratados antes de se pensar em flexibilizar. Não se pode esperar, por exemplo, que uma pessoa que tenha durante anos trabalhado em organizações onde predominam esquemas culturais como o paternalismo e a passividade possa, de um hora para outra, mudar seus mapas cognitivos e tornar-se consciente de que tem que gerir seu próprio futuro, analisar o seu mercado de trabalho, requalificar-se de acordo com as oportunidades encontradas e ainda poupar para os benefícios que não mais vai receber da empresa. Além disso, as novas relações de trabalho ou mesmo a substituição de empregados por contratados demanda a sistematização de procedimentos. Não se trata apenas de fazer parcerias ou substituir empregados por contratados ou temporários. Mesmo as relações dos trabalhadores contratados ou temporários com a empresa devem ser construídas e especificadas em contratos, que detalham os resultados que deverão ser obtidos e as responsabilidades de cada parte. Neste tipo de contrato, cabe ao trabalhador desenvolver e manter habilidades e competências que tenham valor no mercado de trabalho e cabe à empresa, a administração dos diversos contratos e a manutenção de um banco de dados de habilidades e competências apropriado às necessidades da empresa (Templer e Cawsey, 1999). À empresa também cabe verificar, estar atenta, planificar e desenvolver as habilidades dos empregados do núcleo, pois deles depende a execução das atividades concernentes às competências essenciais da organização (Prahalad e Hamel, 1998). No Brasil, as organizações vêm passando por grandes reestruturações nesta última década. Pressionadas pela abertura do país e pelo aumento da competição internacional, empresas se “enxugaram”, setores inteiros da economia passaram para as mãos de multinacionais, muitas outras simplesmente deixaram de existir. Conforme mostra Fisher (1998), as reestruturações se deram de formas diversas de acordo com o setor e a empresa mas, de maneira geral, podem ser identificadas estratégias mais marcantes que permitem fazer uma distinção entre dois períodos: no primeiro, até 95, as estratégias adotadas pelas empresas para enfrentar os novos cenários, eram tipicamente reativo-defensivas, concentradas no enxugamento e redução de custos; no segundo, a partir de 1995, começa a surgir uma nova tendência nas estratégias adotadas pelas empresas brasileiras, em função do reconhecimento da importância que passa a ter o cliente, diante de ambientes tão competitivos. O autor mostra como esta mudança de foco impactou não apenas os processos produtivos, como levou as empresas a repensar os processos de pessoas, a exemplo do que já vinha acontecendo nos outros países. Dentre os programas e técnicas mais adotados tem-se: planejamento estratégico, implementação do trabalho em equipe, Gestão da Qualidade Total, aquisição de equipamentos automáticos, planejamento das necessidades de materiais (MRP), programa de conservação de energia, redução do lead time, terceirização, entre outros. Pode-se perceber o quanto estes e outros programas que se seguiram são dependentes do envolvimento e da atuação de pessoas para que possam ter sucesso, levando à adoção de novas perspectivas para a relação de trabalho. 10


Entretanto, é preciso tomar cuidado para que estas transformações não se dêem apenas nas estruturas formais, sem a alteração necessária nos esquemas culturais a que estão associadas. Se os traços culturais detectados pelas pesquisas e trabalhos citados persistem, mesmo após a organização ter passado por algum destes processo de reestruturação, é preciso rever o processo e descobrir a causa da manutenção dos traços. Também não se pode esperar que resultados mais positivos sejam produzidos a partir de esquemas que contenham relações contraditórias. É o acontece, por exemplo, ao se implantar um sistema de remuneração por habilidades e competências, não atrelados a planos de desenvolvimento. Conforme exposto anteriormente, para que um esquema cultural possa ser mudado, é importante que a ação observada, ou os comportamentos, sejam coerentes com as mudanças que se quer introduzir. A flexibilização das relações de trabalho é apenas uma das formas de se tentar tornar uma empresa mais competitiva, mas que deve estar ligada a inúmeros outros processos como, a mudança de foco para o atendimento ao cliente, para o desenvolvimento de competências e para o gerenciamento do conhecimento dentro da organização, que são representados por outros esquemas culturais. É esta somatória que deve ser buscada e não apenas a aplicação parcial de uma estratégia. Esta aplicação parcial levará, apenas, à repetição de um mesmo paradigma, o que tem sido feito ao longo do capitalismo industrial, onde as forças para a mudança não conseguiram vencer as forças para a manutenção dos esquemas culturais, conforme mostra Kuller (1996). Se a mudança ocorre apenas na forma, sem as mudanças nos conceitos dos esquemas culturais, o resultado será a repetição dos esquemas de passividade, paternalismo, informalidade e separação da execução e responsabilidade. Portanto, a mera substituição de empregados por contratados ou temporários não vai garantir uma melhoria na posição da competitividade, se não for cuidadosamente costurada. E esta costura inclui o planejamento e a negociação, ou seja, o gerenciamento compartilhado destas novas formas de gestão do trabalho. No caso brasileiro, principalmente, onde aumentou muito a porcentagem de pessoas no mercado informal, é de se esperar que a estas pessoas também não esteja sendo dado suporte ao desenvolvimento, “processo nobre no contexto de um Modelo de Gestão de Pessoas” ...para a competitividade (Fisher, 1998, p. 134). Além de se ter que dar suporte ao desenvolvimento das habilidades e competências técnicas, as empresas precisam ajudar e promover habilidades pessoais de auto-conhecimento, desenvolvimento de iniciativa, a capacidade de traçar caminhos e fazer escolhas e assumir responsabilidades. Isto tudo implica em uma mudança profunda nos esquemas culturais das organizações, provavelmente, ainda não reconhecida. CONCLUSÕES A flexibilização das relações de trabalho, ainda que impulsionada pelo desenvolvimento dos negócios à distância, é um fenômeno recente, merecendo ser melhor estudado, para que não cause danos a pessoas e organizações. A seu favor, a argumentação de que a situação do desemprego, preocupação de quase todos os países industrializados, pode ser sensivelmente aliviada, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. Entretanto, o objeto deste trabalho são os aspectos da cultura organizacional e seu impacto num processo de transformações das relações de trabalho para se obter maior competitividade, no qual se insere, como uma das ferramentas, a flexibilização. As organizações brasileiras, que ainda sentem as consequências de um longo período em que pouco se preocupavam com competitividade internacional, se encontram em um dilema. Os aspectos culturais da relação de trabalho pouco evoluíram das relações de vassalagem e compadrio que caracterizaram o processo de industrialização brasileira (Davel e Vasconcelos, 1997), produzindo como atores trabalhadores e gestores despreparados para um processo de flexibilização adequado. 11


Apesar de muitas mudanças terem sido feitas nas organizações brasileiras durante a última década, estas não surtirão o efeito desejado se não forem acompanhadas de mudanças nos esquemas culturais percebidos e compartilhados pelos membros da organização. A mera alteração da composição dos empregados não vai garantir a melhoria da competitividade se não for acompanhada de verdadeiras mudanças nos “modos de se fazer as coisas”, refletidos nos diversos processos de trabalho. Ao contrário, a flexibilização das relações de trabalho, se tomada apenas neste sentido restrito, possivelmente levará a um aumento da ineficiência e da insatisfação geral, ao reforçar os padrões informais de conduta. Pelo contrário, provavelmente apenas reforçarão os esquemas culturais tão conhecidos de paternalismo e passividade, de informalidade e ineficiência. Alguns esquemas culturais merecem, indubitavelmente, ser pesquisados novamente. Um deles é o que diz respeito à centralidade do trabalho para o brasileiro. Calligaris (1996) aponta que o brasileiro não gosta do trabalho árduo, não tem o gosto pelo esforço ( le gôut de l'éffort ); assim como os indígenas e os povos primitivos citados por Buarque de Holanda, pesquisas mostram que se pensa o trabalhador brasileiro como indolente e incompetente. Fica a pergunta sobre a causa desta aparente indolência ou incompetência. Será mesmo natural ao brasileiro ou será que, sem conseguir estabelecer ligações apropriadas entre trabalho e recompensa, o trabalhador se torna apático, sem prazer no trabalho? São estes esquemas culturais, de indolência, de "jeitinho", de informalidade e de imediatismo que precisam ser revistos em cada organização. Por se tratarem de temas muito espalhados na cultura nacional, permeiam as relações que se estabelecem, podendo trazer prejuízos pela sua própria característica de imprevisibilidade. Sem esta revisão, qualquer processo de modernização de gestão será fadado ao fracasso, pois as pessoas se comportarão de acordo com a lógica anterior, à qual já estão acostumadas. Estas pessoas não se sentem necessariamente satisfeitas com esta lógica anterior, pois é sabido que o trabalho na organização capitalista industrial pode ser alienante e não-realizador. E esta insatisfação pode ser um facilitador da mudança que se pretende. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APPELBAUM, S. H. e SANTIAGO, V. Career Development in the plateaued organization, Career Development International, 2/1, 1997, p. 11-20. BANDURA, A. Self-eficcacy mechanisms in human agency, American Psychologist, vol. 37, p. 122-147, 1982. BECK, U., Destandardization of Labor, Risk Society, Sage, Londres, 1992. BRIDGES, W., Mudança nas Relações de Trabalho – Job Shift – como ser bem Sucedido em um Mundo sem Empregos, São Paulo, Makron, 1995. CALLIGARIS, C. Hello Brasil – Notas de um Psicanalista Europeu Viajando ao Brasil, São Paulo: Escuta, 1996. DAVEL, E.P.B., VASCONCELOS, J.G.M., Gerência e autoridade nas empresas brasileiras IN: MOTTA, F.C.P. e CALDAS, M.P., Cultura Organizacional e Cultura Brasileira, São Paulo: Atlas, 1997. DAVENPORT, T.O., The Integration Challenge, Management Review, Jan., p. 25-28, 1998. FINNEY,M, MITROFF,I, Teh Organization as Its Own Worst Enemy – strategic plan failures, IN: SIMS, H.P., GIOIA,D.A. and Associates (ed), The Thinking Organization – Dynamics of Organizational Social Cognition, London, Jossey-Bass, 1986. FISHER, A.L, A Constituição do Modelo Competitivo de Gestão de Pessoas no Brasil – um estudo sobre as empresas consideradas exemplares, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, 1998. 12


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