Do povo para o povo - Prólogo

Page 1

Roger Osborne

Do Povo Para o Povo

Uma Nova História da Democracia

Tradução Ludimila Hashimoto

Rio de Janeiro | 2013

6a prova - do povo para o povo.indd 3

14/3/2013 10:55:57


s u m ário

Prólogo 7 capítulo

1: Atenas e o Mundo Antigo O Cidadão Envolvido 15

2: Parlamentos e Afins O Cidadão Representado

capítulo

46 capítulo

3: Aldeias Medievais e Cidades Repúblicas O Cidadão Burguês 70

4: Democracia nos Alpes O Cidadão Comunal

capítulo

101

5: A Revolução Inglesa O Cidadão Súdito

capítulo

111 capítulo

6: Democracia na América O Cidadão Eleitor 144

7: França, 1789-95 O Cidadão Ativista

capítulo

173

6a prova - do povo para o povo.indd 5

14/3/2013 10:55:58


capítulo

8: Repúblicas da América Latina O Cidadão Subjugado 207

9: Europa no Século XIX O Cidadão Rejeitado

capítulo

229

10: Aceitar e Recuar O Cidadão Idealizado

capítulo

260

11: Índia O Cidadão Independente capítulo

299

12: O Ocidente Pós-Guerra O Cidadão Consumidor

capítulo

320 capítulo

13: Democracia e Descolonização O Cidadão Explorado 350

capítulo

14: O Colapso do Comunismo na Europa O Cidadão Triunfante 374

capítulo

15: Democracia desde 1989 O Cidadão Informado 406

Notas 427

Referências e Leituras Complementares 439

Créditos das Imagens 449

Índice 451

6a prova - do povo para o povo.indd 6

14/3/2013 10:55:58


P r ólogo

V

amos deixar claro de início: a democracia é a conquista mais admirável da humanidade. Pode ser idealizada, deturpada, maltratada, mal aplicada, parodiada e ridicularizada; sem dúvida, já foi cortejada por amantes infiéis, acolhida por falsos amigos e traída por aliados inescrupulosos, mas a democracia enquanto modo de vida e sistema de governo é a via pela qual os seres humanos modernos podem satisfazer sua necessidade de construir vidas dotadas de significado. Mais do que todos os quadros e esculturas do mundo, mais do que todos os poemas, peças e romances, e mais do que todas as invenções científicas e tecnológicas juntas, a democracia revela o que há de mais criativo e inovador na humanidade. A democracia é um empreendimento contínuo e coletivo que nos une, ao mesmo tempo que nos permite viver como indivíduos. Enquanto ela durar, existe esperança; sem a democracia, o mundo está em desamparo. Quando buscamos uma maneira de pensar sobre a democracia, a mudança é um bom ponto de partida. Em 2009, Barack Obama pautou sua campanha para a presidência dos Estados Unidos pelo seguinte slogan: “Mudar É Preciso.” Em 2010, David Cameron disse ao povo britânico: “Votem na Mudança”, enquanto futuros aliados do partido Liberal Democrata prometiam “Mudanças que

6a prova - do povo para o povo.indd 7

14/3/2013 10:55:58


8

d o p o v o pa r a o p o v o

Funcionam”. Ainda que nossos líderes possam não gostar, a melhor forma de mudar é votar para que deixem seus cargos. A sanção máxima contra qualquer governo é tirá-lo do poder, e a grande vantagem da democracia é permitir que isso ocorra de forma pacífica. Os momentos coreografados em frente ao Capitólio dos Estados Unidos, quando o novo presidente faz o juramento de posse diante do predecessor derrotado, e a ida do primeiro-ministro britânico à Downing Street para dizer ao mundo que ele (ainda, quase sempre, do sexo masculino) está deixando o cargo e espera passar mais tempo com a família são exemplos de rituais fundamentais da democracia — equivalem ao funeral público, em que se marca a morte para que a vida prossiga. Essas e outras cenas semelhantes em Paris, Berlim, Nova Délhi, Tóquio e Santiago são expressões formais do acordo feito por nossos governantes de atuarem apenas com o consentimento do povo — e, quando esse consentimento é retirado, eles têm de partir. Transições pacíficas de poder, governo mediante consentimento, eleições livres e justas, sufrágio universal — todos são elementos da democracia, porém, quando tentamos encontrar uma definição exata, nos vemos procurando agulha em palheiro. O problema é que, toda vez que nos aproximamos de uma definição ou compilamos uma lista de condições que qualquer democracia deve cumprir, encontramos exemplos de democracias em pleno funcionamento que não a satisfazem, ou de sociedades que não são consideradas democráticas, mas que atendem a alguns dos critérios. Além disso, qualquer democracia que já tenha existido foi diferente de todas as outras, e, quanto mais as conhecemos, mais percebemos que é impossível defini-las. Uma razão para essa dificuldade é que, embora seja uma invenção aparentemente ocidental, a democracia entra em conflito com uma

6a prova - do povo para o povo.indd 8

14/3/2013 10:55:58


p rólo g o

9

das principais tradições intelectuais do Ocidente. Desde Platão, os pensadores ocidentais assumem a tarefa de examinar o mundo de forma conceitual. Dedicaram-se à construção de ideias, como justiça, verdade e virtude, na crença de que nelas está o caminho para a sabedoria, o conhecimento e a compreensão. Assim como outros termos descritivos, por exemplo “civilização”, a democracia tem o azar de receber o status de conceito,1 e, portanto, precisa ser definida, analisada e contestada para que possamos obter uma compreensão maior do mundo. Tal impulso é compreensível. Se pudéssemos determinar a natureza essencial da democracia, se pudéssemos redigir um manual, seria possível aplicar um “diagrama da democracia” a qualquer sociedade. No entanto, as raízes da democracia estão na tradição inversa à do Ocidente, que surgiu em paralelo ao universo dos conceitos abstratos e como uma crítica a ele, isto é, baseiam-se na experiência prática e na contínua interação humana. A democracia, apesar dos esforços de filósofos e cientistas políticos, despreza teorias, arregaça as mangas e enfrenta a tarefa diante de si. Ela não busca a perfeição, e, nos momentos em que seus seguidores o fazem — seja por meio de Constituições rígidas ou leis imutáveis —, é comum que precipitem seu fim. Em vez disso, ela permanece em contínua adaptação. A verdade de que não existe um diagrama da democracia pode causar consternação a alguns especialistas e consultores políticos, mas deveria nos encher de alegria. Nos jornais, nos programas de TV e rádio, nas conversas do dia a dia, assim como nos livros e nas revistas acadêmicas, o significado de democracia gera discussões sem fim. E acabamos percebendo que a natureza infinita do debate dá uma pista para sua própria conclusão. A democracia está sempre mudando, sempre

6a prova - do povo para o povo.indd 9

14/3/2013 10:55:58


10

d o p o v o pa r a o p o v o

se adaptando, e não pode ser explicada por fórmulas justamente porque sua função principal é sustentar sociedades em que a mudança e a adaptação possam ocorrer livremente. As democracias — tanto a instituição de governos como a prática de governar de forma democrática — existem numa relação simbiótica com a sociedade em que estão inseridas. Quando as sociedades resistem às mudanças, as políticas democráticas não podem agir. Quando as instituições e práticas democráticas são petrificadas, a sociedade se fossiliza. Tal natureza evasiva e adaptativa pode ser motivo de celebração, mas deixa em aberto a questão de como escrever uma história da democracia — e do que incluir e excluir. No entanto, também temos aqui uma resposta. Em vez de partirmos para a produção de uma história definitiva da democracia, devemos contribuir para a própria democracia, mostrando diferentes aspectos de seu passado, revelando a complexidade, a diversidade e a criatividade que fundamentam sua existência fugidia. O objetivo deste livro, portanto, não é amarrar as pontas soltas ou deixar o assunto guardado num lugar seguro, mas fornecer um contexto histórico estimulante que traga informações para pensarmos a democracia e o modo como nossas sociedades são governadas. Com isso em mente, este livro conduzirá o leitor por uma viagem com início nos mercados abarrotados de Atenas e Roma antigas, onde vemos não apenas a fundação da democracia ativa, mas a construção da multiplicidade de instituições necessárias para sua fundamentação. O mundo antigo também nos apresenta uma república em funcionamento: um Estado sem um monarca em que os cidadãos são soberanos. Do Mediterrâneo, partimos para os grandes agrupamentos tribais do povo escandinavo, que

6a prova - do povo para o povo.indd 10

14/3/2013 10:55:58


p rólo g o

11

revelam uma compreensão sofisticada da participação no poder. De lá, passamos aos Parlamentos da Europa medieval, que introduziram a representação política, e às cidades prósperas dos Países Baixos e da Itália, onde a lealdade cívica e as necessidades práticas de governo levaram à fundação do Estado moderno. A próxima parada é o cantão de Grisões, nos Alpes suíços, o primeiro Estado verdadeiramente democrático dos tempos modernos, que sustenta a democracia como a maior expressão da vida pública. Em seguida, viajamos para o salão de uma igreja em Putney, onde soldados recém-chegados dos campos de batalha da Guerra Civil Inglesa, com Bíblias vernáculas em mãos, defenderam o direito de todo homem a ter voz ativa no governo. Do outro lado do Atlântico, vemos como a prática da democracia chegou ao continente americano, com origem nos encontros em igrejas, reuniões de eleitores e nas convicções dos imigrantes colonizadores. A França da década de 1790 apresenta as maiores contradições de nossa jornada — a Revolução Francesa combinou a crença apaixonada na igualdade e na democracia com a violência política. As novas democracias das Américas Central e do Sul no século XIX revelam como o governo está inserido na história cultural da sociedade e como é difícil superar interesses arraigados. Na Europa, o turbulento século XIX mostra que as reformas políticas foram introduzidas, a princípio, exatamente para proteger a democracia, mas o governo democrático logo foi forçado a enfrentar a realidade do poder do trabalho industrializado e da conveniência política. No início do século XX, veremos a democracia se espalhar pelo planeta, até o seu recuo mundial e catastrófico na década de 1930. O período pós-1945 apresenta destinos divergentes na história da Índia e de outras ex-colônias, ao passo que,

6a prova - do povo para o povo.indd 11

14/3/2013 10:55:58


12

d o p o v o pa r a o p o v o

na década de 1950, a democracia dos Estados Unidos enfrentou seu maior desafio interno. Em 1989, o comunismo europeu desmoronou, deixando um mundo em que a democracia se tornava o passaporte para a comunidade internacional. No fim de nossa viagem, examinamos as condições para a democracia na China, destinada a se tornar a maior potência econômica do mundo, para então observarmos, finalmente, as mudanças na democracia das sociedades ocidentais. Nem todas as sociedades que examinaremos cumprem todos os requisitos de uma democracia completa. Porém, em todos esses lugares e épocas, testemunhamos o desenvolvimento da prática democrática (tal como o voto) ou de instituições (como os Parlamentos) que vieram a ser adotados mais tarde como ingredientes fundamentais. As sociedades criam soluções para seus problemas específicos, algumas das quais ficam disponíveis para ativistas políticos e reformadores de outros lugares, ávidos para adaptá-las mais uma vez às suas próprias circunstâncias. Antes de embarcar nessa jornada histórica, há uma questão a ser lembrada. A narrativa cronológica parece insinuar um desenvolvimento, e isso pode nos levar a falsas conclusões. Primeiro, que as democracias aprenderam com o que já ocorreu. Na verdade, quase todas as democracias tiveram de criar instituições e práticas democráticas ao seu modo. Acreditamos, por exemplo, que Thomas Jefferson concebeu a Constituição americana com base em seu conhecimento sobre Atenas e Roma clássicas; mas, como veremos no capítulo 6, a democracia americana foi muito mais influenciada pela prática das eleições, que seus cidadãos haviam trazido da Grã-Bretanha, e pela administração das igrejas puritanas, do que pelo mundo antigo. A segunda suposição falsa seria a de que

6a prova - do povo para o povo.indd 12

14/3/2013 10:55:58


p rólo g o

13

desenvolvimento indique melhora. Essa afirmação pode ser derrubada mais facilmente ainda. A Atenas antiga teve, sob muitos aspectos, a democracia mais bem desenvolvida que já existiu, ao passo que, em tempos recentes, ela passou por episódios contínuos de declínio, retrocesso e crescimento. Nossa história mostra que existem democracias em tempos diferentes, mas que a democracia não evolui necessariamente com o tempo. A democracia está sempre em estado de sítio, porém ela é a nossa defesa, não apenas contra um Estado opressor, mas contra o poder enraizado do privilégio e das riquezas individual e corporativa. Não se trata de um conceito intelectual árido, mas de um conjunto de convicções e pressupostos inserido em nossa cultura — algo pelo qual vale a pena lutar. Por mais imperfeita que seja, a democracia tenta solucionar o grande dilema da vida humana: como prosperar como indivíduo e, ao mesmo tempo, fazer parte de uma comunidade. Com tudo isso em mente, vamos embarcar na história imperfeita de um tema indefinível.

6a prova - do povo para o povo.indd 13

14/3/2013 10:55:58


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.