É hora de falar - Prefácio

Page 1

Helen Lewis

É HORA DE FALAR Prefácio MICHAEL LONGLEY

Prefácio da edição de 1992 JENNIFER JOHNSTON

Rio de Janeiro | 2013

É Hora de Falar - 5ª prova.indd 3

01/07/2013 11:15:55


Prefácio da edição de 1992

É difícil apontar um gênero em que se possa classificar este livro. Acho que poderia dizer que é uma autobiografia, e ponto final; mas ele é um pouco mais que isso. É uma autobiografia com o formato e o ritmo de um romance, a ordenação lógica de um romance, os batimentos cardíacos de um romance cheio de vida. Todo o cabedal de recursos literários do romancista se encontra aqui — amor e luto, amizade e traição, terror e espirituosidade, alegria e desespero, o bem e o mal, morte e sobrevivência —, mas não há ficção nele, tampouco nenhum dos artifícios do romancista para prender a atenção do leitor, nem nada aqui é manipulado tal como o faria um romancista; seu feitio é inerente à própria veracidade intrínseca da obra; nada é imposto. Helen Lewis não faz especulações, nem jamais inventa nada; aqui, só existe verdade, o testemunho da 17

É Hora de Falar - 5ª prova.indd 17

01/07/2013 11:15:55


18 helen lewis

verdade. Ela conta sua história com assombrosa integridade e, em suas mãos, mais do que um simples relato ou uma história, ela se transforma numa obra de valor histórico. Este livro é o testemunho de uma mulher que sobreviveu ao que era impossível de sobreviver. Isso, em si, é um milagre, pelo menos para aqueles que acreditam nessas coisas; já o livro é outra história. É escrito com tal graciosidade estilística que é impossível acreditar que o inglês não é a língua materna da autora. Em suas linhas, se entrelaça um misto de perspicácia espirituosa, ternura e tristeza, mas também de raiva saudável e moderada, que jamais é expressa em forma de condenação e rancor. No transcurso dos anos, muitas pessoas fizeram as seguintes perguntas: Por que os judeus permitiram que esse tipo de coisas acontecesse com eles? Por que, aparentemente, foram coniventes com o extermínio de sua própria gente? Helen Lewis nos dá as respostas a essas perguntas: a destruição das liberdades civis, o confisco de depósitos bancários, a apropriação indébita de casas e apartamentos, além da perda de empregos, foram medidas astutas, elaboradas para minar a confiança das vítimas, gerar ansiedade, isolar o povo judeu de seus amigos e companheiros. Os judeus foram proibidos de

É Hora de Falar - 5ª prova.indd 18

01/07/2013 11:15:55


é hora de falar

19

frequentar “parques públicos, piscinas, teatros, cinemas, restaurantes e cafés”, e até a carreira promissora de Helen como dançarina chegou ao fim quando ela não teve mais permissão para participar de nenhuma produção artística. Os carnês de ração dados aos judeus valiam menos do que os de outras pessoas. Eles tinham de viajar em vagões e bondes especiais, e isso somente durante certas horas do dia. Seus rádios foram confiscados. Em toda parte, havia espiões — pessoas que pareciam ter prazer em delatar seus vizinhos judeus às autoridades quando eles saíam da linha ou se comunicavam com amigos não judeus. A estrela amarela tornou-se o símbolo máximo de seu isolamento: uma raça inteira, pessoas de todos os estratos sociais — ricos, pobres, artistas, lojistas, empresários, professores — haviam se tornado párias, pessoas rejeitadas pela sociedade em cujo seio tinham vivido e trabalhado. Tudo isso se destinava a isolá-las e desmoralizá-las como preparativo para sua deportação. Mas deportação para onde? Por quanto tempo? As respostas a essas perguntas se resumiam apenas a boatos inaceitáveis nos quais ninguém ousava acreditar. Os ­judeus embarcavam confusos e amedrontados nos veículos de transporte sem nada levar — nenhum consolo, pouca esperança e muito despreparados para o que havia sido providenciado contra eles.

É Hora de Falar - 5ª prova.indd 19

01/07/2013 11:15:55


20 helen lewis

É fácil demais classificar como monstros os tortu­ radores, os perpetradores de humilhações, os assassinos. O fato é que devemos sempre nos lembrar de que, embora eles fossem monstros mesmo, a sua maior parte era de homens e mulheres comuns que tinham família também. O que desviou esses homens e mulheres dos caminhos da humanidade pode acontecer novamente e é importante que não nos esqueçamos e que não permitamos que nossos filhos se esqueçam dos horrores que testemunhamos em nossas vidas. O sofrimento de milhões nos campos de martírio de Hitler e Stálin, nas prisões da Romênia, da África do Sul e do Chile, dos desaparecidos, dos desesperados, dos encarcerados por motivação política e religio­sa e por arbitrariedades políticas jamais deve ser esquecido, e não apenas por causa de seus tormentos, mas também para evitarmos que alguém tenha permissão de fazer essas coisas novamente. A esse propósito, permi­ tam-me citar uma passagem do Eclesiastes: Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e tempo de morrer; Tempo de matar, e tempo de curar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de calar-se, e tempo de falar.

É Hora de Falar - 5ª prova.indd 20

01/07/2013 11:15:55


é hora de falar

21

Helen Lewis escolheu seu tempo de falar. Somente os mortos conhecem a verdade integral, e algumas das testemunhas que sobreviveram assumiram a responsabilidade de falar por eles. A nós, cabe a tarefa de escutar e jamais nos esquecermos do que nos tenham dito. JENNIFER JOHNSTON

É Hora de Falar - 5ª prova.indd 21

01/07/2013 11:15:55


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.