Lírio vermelho - Prólogo

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Nora Roberts A Pousada do Fim do Rio

Trilogia da Magia

O Testamento

Dançando no Ar Entre o Céu e a Terra Enfrentando o Fogo

Traições Legítimas Três Destinos Lua de Sangue

Trilogia da Gratidão

Doce Vingança

Arrebatado pelo Mar Movido pela Maré Protegido pelo Porto

Segredos O Amuleto Santuário Resgatado pelo Amor A Villa Tesouro Secreto Pecados Sagrados Virtude Indecente Bellissima

*

Trilogia da Fraternidade Laços de Fogo Laços de Gelo Laços de Pecado

Trilogia do Círculo A Cruz de Morrigan O Baile dos Deuses O Vale do Silêncio

Trilogia do Sonho

Trilogia das Flores

Um Sonho de Amor Um Sonho de Vida Um Sonho de Esperança

Dália Azul Rosa Negra Lírio Vermelho

Trilogia do Coração Diamantes do Sol Lágrimas da Lua Coração do Mar


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Nora Roberts ´ lirio vErmelho Volume 3 da Trilogia das Flores

Tradução Elsa T. S. Vieira


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PRÓLOGO

Memphis Janeiro de 1893 Estava desesperada, desamparada e enlouquecida. Tempos atrás, fora uma mulher bela, inteligente, com uma ambição ilimitada. Luxo. Alcançara-o usando o corpo para seduzir e a mente para planejar. Tornara-se amante de um dos homens mais ricos e mais poderosos do Tennessee. Sua casa era um museu, decorado à sua vontade — e com o dinheiro de Reginald. Tinha criados para todas as tarefas, um guarda-roupa que rivalizava com os das mais procuradas cortesãs de Paris. Joias, amigos divertidos, sua própria carruagem. Promovia festas alegres. Era invejada e desejada. Ela, a filha de uma criada dócil, tivera tudo o que seu coração avaro desejara. Tivera um filho. Isso a mudara, essa vida que não desejara ter dentro de si. Tornara-se o centro do seu mundo, a única coisa que amava mais do


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que a si própria. Fizera planos para seu filho, sonhara com ele. Cantara para ele enquanto dormia em seu ventre. Trouxera-o ao mundo com dor, muita dor, mas também com alegria. A alegria de saber que, quando a dor passasse, teria seu precioso filho nos braços. Disseram-lhe que dera à luz uma menina. Disseram-lhe que o bebê nascera morto. Mentiam. Ela soubera disso no mesmo instante, ainda louca de dor, enquanto mergulhava nas profundezas do desespero. Mesmo quando enlouqueceu, sabia que era uma mentira. Seu filho estava vivo. Tinham-lhe roubado a criança. Tinham-no feito refém. Como podia ser de outra forma quando ela sentia o coração dele batendo, com tanta certeza quanto sentia o seu próprio? Mas não fora a parteira nem o médico que haviam levado seu filho. Reginald levara o que era dela, usando dinheiro para comprar o silêncio daqueles que o serviam. Lembrava bem o dia em que o vira em sua sala de estar, procurando-a apenas depois de meses de dor e preocupação. Já não precisava mais dela, pensou, enquanto abotoava o vestido cinzento com dedos trêmulos. Já não precisava dela, agora que tinha o que sempre quisera. Um filho, um herdeiro. A única coisa que sua mulher de sangue frio nunca conseguira lhe dar. Usara-a, roubara seu único tesouro, como se tivesse esse direito. Oferecera-lhe em troca dinheiro e uma viagem à Inglaterra. Ele pagaria, ele pagaria, ele pagaria, repetia sua mente enquanto ela se arrumava. Mas não com dinheiro. Oh, não. Não com dinheiro. Ela estava praticamente na penúria, mas encontraria uma forma. Claro que encontraria uma forma, assim que tivesse seu adorado James nos braços. Os criados — ratos fugindo do navio — tinham roubado algumas das suas joias. Ela sabia. Tivera de vender a maior parte das que haviam sobrado e fora enganada no preço. Mas o que poderia esperar daquele joalheiro horroroso de lábios finos? Afinal de contas, também era um homem.


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“Mentirosos, vigaristas e ladrões. Todos eles.” Pagariam todos. Não encontrava os rubis — a pulseira de rubis e diamantes, pedras em forma de coração, sangue e gelo — que Reginald lhe dera quando soubera que ela estava grávida. Era uma réplica, na verdade. Muito delicada, muito pequena para o seu gosto. Mas ela a queria e virou de pernas para o ar a confusão do seu closet à sua procura. Chorou como uma criança quando, em vez dela, encontrou um broche de safiras. Quando as lágrimas secaram, enquanto seus dedos se fechavam sobre o pregador, esqueceu a pulseira e como a desejara desesperadamente. Esqueceu que estava à procura dela. Sorriu olhando para o brilho das pedras azuis. Seria o bastante para começar, para ela e para James. Ela o levaria para longe, talvez para o campo. Até se sentir novamente bem, novamente forte. Era tudo muito simples, concluiu com um sorriso sinistro enquanto se olhava no espelho. O vestido cinzento era discreto, digno — o tom adequado para uma mãe. Não podia evitar que ficasse largo em seu corpo, como se estivesse pendurado num cabide. Já não tinha empregados, já não tinha costureiras para fazer as alterações necessárias. Recuperaria a sua silhueta depois que ela e James encontrassem sua bonita casinha no campo. Arrumou o cabelo em cachos no alto da cabeça e, lamentando, decidiu não pôr rouge. Um ar discreto seria melhor, concluiu. Um ar discreto era tranquilizador para uma criança. Ia simplesmente buscá-lo. Ia à Harper House e traria de volta o que lhe pertencia. A viagem da cidade à grandiosa mansão Harper foi longa, fria e dispendiosa. Já não tinha mais a própria carruagem, e em breve, muito em breve, os empregados de Reginald viriam expulsá-la da casa, como já haviam ameaçado fazer. Mas valera a pena alugar uma carruagem. De que outra forma poderia trazer James para Memphis, onde subiria com ele as escadas até seu quartinho, o deitaria carinhosamente em seu berço e cantaria até ele adormecer?


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— Lavender’s blue, dilly dilly — cantou suavemente, retorcendo os dedos finos enquanto olhava para os pinheiros que ladeavam a estrada. Trouxera o cobertor que mandara buscar em Paris, o gorrinho e as botinhas azuis. Na sua mente, ele ainda era um recém-nascido. Na sua mente destroçada, os seis meses desde o seu nascimento não haviam existido. A carruagem percorreu o longo caminho de acesso e ela viu a Harper House, em toda a sua glória, dominando a paisagem. A pedra amarela, o remate branco, formavam um conjunto caloroso e gracioso contra o céu cinzento e desagradável. A casa de três pisos era altiva e forte, sua beleza acentuada por árvores, arbustos e um relvado ondulado. Ouvira dizer que, tempos atrás, vagueavam pavões pela propriedade, exibindo suas caudas coloridas como joias. Mas Reginald não gostava de seus gritos e livrara-se deles quando se tornara o senhor da propriedade. Ele governava como um rei. E ela lhe dera o seu príncipe. Um dia, um dia, seu filho usurparia o pai. Ela governaria a Harper House com James. Seu querido, querido James. Apesar de as janelas da mansão estarem mudas e espelhadas pelo sol — como olhos secretos que a fitavam —, imaginou-se vivendo ali com seu James. Viu-se cuidando dele, levando-o para passear nos jardins, ouvindo seu riso ecoar pelos corredores. Um dia seria assim, claro. A casa era dele; portanto, seria dela também. Viveriam ali felizes, apenas os dois. Como devia ser. Saiu da carruagem, uma mulher pálida e magra com um vestido cinzento largo, e dirigiu-se lentamente à porta da frente. Sentiu o coração palpitando no fundo da garganta. James estava à sua espera. Bateu e, como não conseguia ter as mãos quietas, cruzou-as com força sobre a cintura. O homem que abriu estava vestido de preto, com dignidade, e, apesar de tê-la olhado de cima a baixo, seu rosto não revelou nada. — Minha senhora, em que posso ajudar? — Vim buscar James.


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Ele ergueu ligeiramente a sobrancelha esquerda. — Lamento, minha senhora, mas não há nenhum James nesta casa. Se está à procura de um criado, a entrada é pelos fundos. — James não é um criado. — Como se atrevia? — É meu filho. Seu patrão. Vim buscá-lo. — Ultrapassou o limiar da porta num gesto de desafio. — Vá buscá-lo imediatamente. — Creio que se enganou em relação à casa, minha senhora. Talvez... — Não conseguirão escondê-lo de mim. James! James! Sua mãe chegou. — Correu para as escadas, arranhou e mordeu quando o mordomo lhe segurou no braço. — Danby, o que se passa aqui? — Uma mulher, também uma criada vestida de preto, cruzou rapidamente o vestíbulo. — Esta... mulher. Está muito agitada. — No mínimo. Senhorita? Por favor, senhorita, eu sou Havers, a governanta. Tem de se acalmar e me dizer o que aconteceu. — Vim buscar James. — Tinha as mãos trêmulas quando as levantou para ajeitar os cachos. — Tem que me trazer a criança imediatamente. Está na hora da sesta dele. Havers tinha um rosto amável e sorriu docemente. — Compreendo. Talvez queira se sentar por um instante para se recompor. — E depois você me traz meu James? Tem que me dar o meu filho. — Na saleta, o que me diz? A lareira está acesa. Está muito frio hoje, não está? — Lançou um olhar a Danby e este a soltou. — Venha, deixe-me acompanhá-la. — É um truque. Outro truque. — Amélia correu para as escadas, gritando por James enquanto corria. Chegou ao primeiro andar antes de as pernas fracas falharem. Uma porta se abriu e a senhora da Harper House saiu. Sabia que era a mulher de Reginald, Beatrice. Vira-a no teatro uma vez e também nas lojas. Era bela, mas de uma beleza austera, com olhos como pedras de gelo azul, nariz fino e afilado e lábios cheios, sempre com uma expressão desdenhosa. Vestia um vestido de seda cor-de-rosa, com gola alta e cintura apertada.


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— Quem é esta criatura? — Peço desculpas, minha senhora. — Havers, mais rápida do que o mordomo, chegara primeiro à porta da sala de estar. — Não me disse o nome. — Instintivamente, ajoelhou-se e passou o braço em volta dos ombros de Amélia. — Parece estar perturbada e está completamente gelada. — James. — Amélia estendeu a mão e Beatrice afastou deliberadamente a saia. — Vim buscar James. Meu filho. Um tremor fugaz passou pelo rosto de Beatrice antes de comprimir os lábios numa linha fina. — Traga-a aqui. — Virou-se e entrou de novo na sala. — E espere. — Senhorita. — Havers falou calmamente enquanto ajudava a mulher trêmula a se levantar. — Não tenha medo, ninguém vai lhe fazer mal. — Por favor, vá buscar o meu bebê. — Seus olhos eram suplicantes quando segurou a mão de Havers. — Por favor, traga meu filho. — Pronto, pronto, entre e converse com a sra. Harper. Minha senhora, quer que sirva um chá? — Com certeza não — retorquiu Beatrice secamente. — Feche a porta. Dirigiu-se a uma bonita lareira de granito e virou-se de costas para o fogo. Seus olhos permaneceram frios enquanto a porta se fechava silenciosamente. — Você é... era — corrigiu, com um gesto de desdém — uma das putas do meu marido. — Sou Amélia Connor. Vim... — Não lhe perguntei como se chamava. Não tenho qualquer interesse nisso. Achava que as mulheres da sua laia, as que se consideram concubinas em vez de prostitutas comuns, tivessem inteligência e estilo suficientes para não pôr os pés na casa daquele a quem chamam protetor. — Reginald. Reginald está? — Olhou em volta, observando, admirada, a sala bonita, com seus abajures pintados e almofadas de veludo. Não se lembrava bem de como viera parar naquele lugar. O nervosismo e a fúria tinham-se esgotado, deixando-a fria e confusa.


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— Ele não está em casa, e devia dar-se por feliz. Estou perfeitamente a par da... relação de vocês e perfeitamente ciente de que ele acabou com essa relação e de que você foi generosamente recompensada. — Reginald? — Ela o viu, na mente destroçada, de pé em frente a uma lareira, mas não aquela, não aquela. A sua lareira, na sua sala. “Você acha que eu permitiria que meu filho fosse criado por alguém como você?” Filho. Seu filho. James. — James. O meu filho. Vim buscar James. Tenho um cobertor para ele na carruagem. Vou levá-lo para casa. — Se acha que vou lhe dar dinheiro para garantir o seu silêncio sobre este assunto inconveniente, está muito enganada. — Eu... eu vim buscar James. — Com um sorriso trêmulo nos lábios, deu um passo à frente, de braços estendidos. — Ele precisa de sua mãe. — O bastardo que deu à luz e que me foi imposto contra a minha vontade chama-se Reginald, como o pai. — Não, eu lhe dei o nome de James. Disseram-me que estava morto, mas eu ouvi seu choro. — Uma expressão de preocupação invadiu seu rosto quando olhou em volta. — Não ouve seu choro? Tenho que encontrá-lo, cantar para ele dormir. — Devia estar num hospício. Quase tenho pena de você — disse Beatrice, com o fogo crepitando às suas costas. — Não tem mais escolha neste assunto do que eu. Mas eu, pelo menos, sou inocente. Sou a mulher dele. Dei à luz seus filhos, filhos nascidos dentro dos laços do casamento. Sofri a perda de filhos e meu comportamento sempre foi irrepreensível. Fiz vista grossa e ouvidos moucos aos casos do meu marido, e nunca lhe dei uma única razão de queixa. Mas nunca lhe dei um filho homem, e esse, esse é o meu pecado mortal. Tinha agora as faces rubras de fúria. — Acha que quero seu fedelho? O filho bastardo de uma puta, que um dia me chamará de mãe? Que herdará tudo isto? — Abriu os braços. — Tudo isto. Quem me dera que ele tivesse morrido no seu ventre, e você com ele!


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— Dê-me meu filho, dê-me. Tenho o cobertor dele. — Olhou para as mãos vazias. — Tenho o cobertor dele. Eu vou levá-lo. — O que está feito, feito está. Somos prisioneiras na mesma ratoeira, mas, pelo menos, você merece seu castigo. Eu não fiz nada. — Não pode ficar com ele, se não o quer. Não pode ficar com ele. — Caminhou para a frente, com o olhar desvairado e os lábios arreganhados. E a bofetada estalou em sua face, projetando-a para trás e atirando-a ao chão. — Saia desta casa — disse Beatrice calmamente, como se estivesse apenas delegando uma tarefa menor a uma criada. — Nunca mais falará sobre este assunto ou garanto a você que a colocarei no manicômio. Minha reputação não será maculada pelos seus desvarios, garanto. Nunca mais volte aqui, nunca mais ponha os pés na Harper House ou na propriedade Harper. Nunca verá a criança... esse será o seu castigo, embora, na minha opinião, não seja nem de longe o suficiente. — James, vou viver aqui com James. — Está louca — disse Beatrice num tom levemente divertido. — Volte para a prostituição. Estou certa de que encontrará um homem que terá todo o prazer em lhe pôr outro bastardo no ventre. Dirigiu-se à porta e abriu-a. — Havers! — esperou, ignorando os soluços desesperados às suas costas. — Diga a Danby que retire esta coisa da minha casa.

Mas ela voltou. Eles a expulsaram, ordenaram ao cocheiro que a levasse. Mas ela voltou, na noite fria. Tinha a mente despedaçada, mas conseguiu fazer aquela última viagem numa carroça roubada, com o cabelo encharcado da chuva, a camisola branca colada ao corpo. Queria matá-los. Matar a todos. Rasgá-los em farrapos, cortá-los em pedaços. Depois poderia levar seu James com as mãos ensanguentadas. Mas nunca permitiriam que fizesse isso. Nunca teria seu bebê nos braços. Nunca veria o seu rostinho doce. A menos, a menos...


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Deixou a carroça quando as sombras e o luar deslizavam sobre a Harper House, enquanto as janelas negras brilhavam e todos dormiam lá dentro. Parara de chover; o céu estava limpo. A neblina serpenteava sobre o solo, cobras cinzentas que se afastavam na frente de seus pés descalços e gelados. A bainha da camisola arrastava sobre a lama enquanto caminhava. E ela cantarolava baixinho. Eles iriam pagar. Pagariam bem caro. Ela fora a uma feiticeira e sabia o que tinha de fazer. Sabia o que podia fazer para assegurar tudo o que queria, para sempre. Para sempre. Atravessou os jardins, o solo gelado do inverno, e dirigiu-se à cocheira, onde encontraria o que precisava. Estava cantando quando o trouxe consigo, caminhando sob o ar úmido em direção à grandiosa casa, com a sua pedra amarela iluminada pelo luar. — Lavender’s blue — cantou. — Lavender’s green.


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