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Do Autor Trilogia O IMPÉRIO DAS FORMIGAS As Formigas Vol. 1 O Dia das Formigas Vol. 2 A Revolução das Formigas Vol. 3 Trilogia O Ciclo dos Deuses Nós, os Deuses Vol. 1 O Sopro dos Deuses Vol. 2 O Mistério dos Deuses Vol. 3
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Bernard Werber
O Ciclo dos Deuses
Nós, os Deus es Volume 1
Tradução Jorge Bastos
Rio de Janeiro | 2014
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Preâmbulo
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ão teriam sido as mais ferozes civilizações, e não as mais requintadas, que deixaram suas marcas na história humana? Olhando com atenção, as culturas desaparecidas não eram em absoluto as menos evoluídas. Basta, às vezes, que um chefe ingenuamente se engane com as promessas de paz dos adversários ou, senão, que acasos meteorológicos revirem o rumo de uma batalha e o destino de um povo inteiro pode se transformar. Os historiadores do campo vencedor sempre reescreveram, como bem quiseram, o passado dos derrotados, jus tificando sua aniquilação. A fórmula “danem-se os vencidos” liquida todo e qualquer constrangimento para as gerações futuras e encerra o debate. Encontrou-se, inclusive, uma legitimação científica para tais massacres, com a “seleção natural” de Darwin e a teoria da “sobrevivência dos mais aptos”. Assim se fez a história dos humanos na Terra, baseada em carnificinas e traições esquecidas. Quem assistiu a isso? Quem sabe, realmente, o que se passou? Encontrei apenas uma resposta: “o” ou “os” deuses, à con dição, é claro que “ele” ou “eles” exista(m).
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Tentei imaginar esses testemunhos discretos. Deuses obser vando a humanidade buliçosa, como entomologistas escrutam formigas. Se deuses existirem, qual terá sido a sua educação? Tudo evolui. Como teriam pass ado da juventude à idade madura? Como intervêm? Por que se interessariam por nós? Busquei respostas em textos sagrados, indo do Livro dos mortos tibetano ao Livro dos mortos egípcio, pass ando pelo xamanismo e pelas grandes cosmogonias dos povos dos cinco continentes. Todos fornecem informações que só muito rara mente se contradizem. Tudo se passa como se existissem, de um lado, uma percepção coletiva da dimensão que nos ultrapassa, e, de outro, r egras estabelecidas para o jogo cósmico. Filosofia e ciência sempre se opuseram. Para mim, no entanto, elas se juntam no que se pode chamar “espiritualidade laica”, na qual importam mais as perguntas do que as respostas. Quanto ao restante, dei livre curso à imaginação. A meu ver, Nós, os deuses se coloca como o prolongamento natural de meus livros anteriores Tanatonautas e O império dos anjos. Após a conquista do Paraíso e a descoberta do mundo angelical, era lógico o nível de evolução superior ser, precisa mente, o dos deuses... Por essa razão, Michael Pinson, assim como seu estranho amigo Raul Razorback, Freddy Meyer, Marilyn Monroe, todos os ex-tanatonautas/ex-anjos, reunidos sob o slog an “O amor como espada, o humor como escudo”, estão aqui de volta. Deixei-me levar por esse mundo imaginário, como num sonho desperto e, à noite, continuava a viver certas cenas. Trabalhei ouvindo muitas trilhas sonoras de filmes, sobre tudo as de O senhor dos anéis, Duna e Fernão Capelo Gaivota. Juntaram-se ainda as nove sinfonias de Beethoven, Mozart, Grieg, Debussy, Bach, Samuel Barber e a sinfonia Os Planetas,
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de Gustav Holst, no que se refere aos clássicos. Pelo lado do rock, Mike Oldfield, Peter Gabriel, Yes, Pink Floyd. Quando falei de meu projeto a meu editor, ele se entu siasmou com essa criação mundial. Resultado: mais de mil páginas, que constituirão três volumes. No fim da busca iniciática de meu herói: o encontro com o Criador do universo. Talvez vocês, nesse momento, também façam a si mesmos a pergunta: “E eu, se estivesse no lugar de Deus, o que faria?” Bernard Werber
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1. ENCICLOPÉDIA: NO COMEÇO
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ada. No começo, não havia nada. Nenhum brilho perturbava o escuro e o silêncio. Por todo lugar era o Vazio. Era o reino da primeira força. A força “N”: a força Neutra. Mas o Vazio sonhava em se tornar alguma coisa. Então, apareceu uma pérola branca em pleno espaço infinito: um Ovo Cósmico portador de todas as potencialidades e de todas as esperanças. Esse Ovo começou a se rachar...
Edmond Wells, Enciclopédia dos saberes relativo e absoluto, tomo V.
2. QUEM SOU EU?
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utrora fui mortal. Em seguida, fui anjo. E agora, o que serei?
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3. ENCICLOPÉDIA: NO COMEÇO (continuação)
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o Ovo Cósmico explodiu. Isto aconteceu no ano 0, mês 0, dia 0, 0 hora, 0 minuto, 0 segundo. A casca do ovo primordial partiu-se em 288 pedaços, pela segunda força. A força “D”, a força de Divisão. Da deflagração brotaram luz, calor e uma vasta nuvem de poeira, espalhando-se num salpicar colorido pelas trevas. Um Novo Universo havia nascido. Espalhando-se, as partículas se puseram a dançar a sinfonia do tempo que começava a correr... Edmond Wells, Enciclopédia dos saberes relativo e absoluto, tomo V.
4. CHEGADA
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u voava. Puro espírito, atravessei o espaço à velocidade do pensamento. Deixei o império dos anjos, mas para ir aonde? Planei suavemente. À minha frente, uma luz. Ela fascinava minha alma. Senti-me como a borboleta atraída pela chama. Descobri um planeta isolado no vazio sideral. Um planeta com dois sóis e três luas. Entrando em sua atmosfera, minha alma foi aspirada pela superfície.
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Caí. Surpresa: faltava-me sustentação. A gravidade me puxava. Embaixo, o oceano se aproximou, vindo rápido ao meu encontro. Durante a descida, solidifiquei-me. Minha pele se opaci ficou. Primeiro meus pés, em seguida as pernas, os braços e o rosto. Onde havia um invólucro translúcido, passou a ter uma pele rosada e opaca. Meus dedos dos pés sentiram um choque. Com grande rebuliço, rompi o espelho turquesa. Estava sob a água. Era frio, grudento, desagradável. Eu sufocava. Asfixiava-me. O que estava acontecendo? Precisava de... ar. Debati-me. Devia subir com urgência. A água salgada fazia arder meus olhos. Cerrei as pálpebras. Fiz um esforço. Emergi, enfim, à superfície, engoli uma enorme quantidade de ar e, ali viado, consegui manter a cabeça fora da água. Eu respirava! Veio-me, de início, uma sensação de pânico, que se tornou, em seguida, quase agradável. Esvaziei os pulmões e os enchi novamente de ar. Aspiração, expiração. Isso me lembrava a primeira baforada de ar de meu último nascimento humano. O ar, a droga original à qual é impossível não recorrer. Meus alvéolos pulmonares se inflaram como se cada um fosse uma pequena bexiga. Abri os olhos e percebi o céu. Gostaria de voar alto, em direção às nuvens, mas era prisioneiro da gravidade. Sentia a carne ao redor de minha alma, e ela pesava. Senti a rigidez dos ossos, a sensibilidade da pele, e uma ideia apavo rante me invadiu. Tive medo. Eu não era mais um anjo. Teria voltado a ser um “humano”?
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5. ENCICLOPÉDIA: NO COMEÇO (continuação)
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oucos segundos tinham passado, e algumas dessas partículas se aglomeraram, levadas pela terceira força. A força “A”, a força da Associação. As partículas Nêutrons, representando a força Neutra, se ligaram às partículas Prótons, carregadas positivamente, para formar um núcleo. As partículas Elétrons, carregadas negativamente, gravitaram ao redor desse núcleo, dando-lhe perfeito equilíbrio. As três forças juntas tinham encontrado seus lugares e dis tância, para formar uma entidade mais complexa, primeira representação do poder de Associação: o Átomo. A partir daí, a energia se transformou em matéria. Foi o primeiro salto evolutivo. Essa matéria, no entanto, sonhava em ter acesso a um estágio superior. Foi como apareceu a Vida. A Vida era a nova experiência do Universo, e ela inscreveu em seu coração a marca daquelas três forças (Divisão, Neutralidade, Associação) que a compunham, usando suas três iniciais: D.N.A.
Edmond Wells, Enciclopédia dos saberes relativo e absoluto, tomo V.
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6. NA CARNE
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omo é difícil voltar a ser material tendo sido um puro espírito. Como pesa. Eu tinha esquecido. Por baixo da carne, senti agitarem-se nervos, tubos e sacos gargarejantes. Senti bater o coração, a saliva refrescar a garganta. Experimentei deglutir. Bocejei com exagero, mostrando meus dentes novos em folha. Tossi repetidamente. Testei o maxilar. Apalpei-me. De fato, estava empossado de um corpo, como quando era um humano mortal na Terra. E estava ouvindo com meus ouvidos e não mais com a alma. Já que não era mais capaz de voar, nadei. Que meio de loco moção difícil! É lento e cansativo. Afinal, à distância, distingui uma ilha. 7. ENCICLOPÉDIA: NO COMEÇO (fim)
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as a Vida não era o resultado final de experiência ... para esse universo recém-nascido. A própria Vida sonhava em chegar a um estágio superior. Começou, então, a proli ferar, diversificar-se, tentar experiências com formas, cores, temperaturas e comportamentos. Até o momento em que, de tanto experimentar, a Vida encontrou o cadinho ideal para dar prosseguimento à sua evolução. O Homem. Colocado numa estrutura vertical composta por duzentos e oito ossos, o Homem era uma camad a de gord ura,
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uma rede de veias e músculos envolvida por uma pele espessa e elástica. O Homem, além disso, era dotado, em sua parte superior, de um sistema nervoso central com desempenho bastante particular, plugado em receptores visuais, auditivos, táteis, gustativos e olfativos. Com o Homem, a Vida pôde descobrir a experiência da Inteligência. O Homem cresceu, proliferou, confrontou-se com outros animais e com seus semelhantes. Ele os Dominou. Ele os Negligenciou. Ele os Amou. A Vida, no entanto, sonhava em ter acesso a um outro estágio superior. E pôde começar a seguinte experiência: A Aventura da Consciência. Ela se alimentava ainda e incessantemente com essas três energias primordiais: A Dominação. A Neutralidade. O Amor. Edmond Wells, Enciclopédia dos saberes relativo e absoluto, tomo V.
8. UMA ILHA
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heguei à praia. Tudo em mim doía. Todos os meus ossos. Todos os meus músculos. Todas as minha juntas. Caí, esgotado por ter nadado tanto tempo. Sentia frio e tossia. Ergui a cabeça para saber onde estava. Era uma praia de areia clara e fina, coberta por uma espessa bruma, deixando entrever apenas
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troncos de coqueiros. Mais adiante, pelo marulho das ondas, imaginei penhascos abruptos entrando mar adentro. Eu tremia, sem forças e perdido. Voltava, insistente, à pergunta que acalen tara toda a minha vida: “Mas, afinal... O que estou fazendo aqui?” Odores marinhos e vegetais cheg aram a mim, repentinamente. Eu tinha esquecido que podia cheirar com o nariz. Mil aromas me envolveram. O ar morno estava saturado de iodo, de perfumes florais, pólen, relva e espuma do mar. Também de coco, baunilha e banana. Um sabor adocicado se acrescentava a eles, talvez o do alcaçuz. Abri bem os olhos. Estava numa ilha, num planeta isolado. No horizonte, não distinguia mais terra alguma. Além dos vegetais, haveria outra forma de vida ali? Uma formiga respondeu à pergunta, escalando meu dedão do pé. Apenas uma. Peguei-a, para olhá-la bem de perto. Ela agitava as antenas, tentando descobrir o que estava aconte cendo, mas eu sabia que discernia apenas uma forma gigantesca e rosada. — Onde estamos? As antenas se inclinaram ao som da minha voz. Para ela, eu era uma montanha morna, cujo respirar perturbava seus recep tores olfativos. Devolvi a formiga à areia, e ela se foi, em zigue-zague. Meu mestre Edmond Wells era um especialista nesses insetos. Poderia, talvez, me ensinar como me comunicar com eles. Mas eu estava sozinho ali. Foi quando um urro rasgou o ar. Um urro humano.
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9. ENCICLOPÉDIA: DIANTE DO DESCONHECIDO
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que mais assusta o Homem é o Desconhecido. Assim que o Desconhecido, mesmo que adverso, é identificado, o Homem se sente mais seguro. Mas “não saber” dispara seu processo de imaginação. Em cada um surge seu demônio interior, o “pior de si”. Acreditando enfrentar as trevas, ele enfrenta os monstros fantasmagóricos do seu inconsciente. No entanto, é no momento mesmo em que o ser humano encontra um fenômeno novo não identificado que seu espí rito funciona melhor, em seu mais alto nível. Ele mantém o foco. Mantém-se desperto. Com todas as suas faculdades sensoriais, ele procura compreender para represar o medo. Descobre, em si, talentos insuspeitos. O desconhecido o fascina e excita ao mesmo tempo. Ele o teme e, simultanea mente, o deseja, na expectativa de o cérebro conseguir encontrar soluções para se adaptar. Enquanto inominada, qualquer coisa dispõe de grande poder de desafio para a humanidade.
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