Veleiros ao Mar - Primeiro capítulo

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Da autora: Alta sociedade A vida ĂŠ uma festa Um amor de detetive Veleiros ao mar

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Veleiros ao Mar Sarah Mason Tradução Ana Beatriz Manier

Rio de Janeiro | 2012

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PRÓLOGO

I

nky foi a primeira a rodear a marca do circuito improvisado da competição, ignorando os berros dos irmãos no barco atrás do seu, alheia à beleza do cenário ao seu redor. As areias douradas e firmes da praia, o azul sombrio e acinzentado do mar misturavam-se levemente com o branco das ondas e com a promessa do oceano que ficava ali, logo depois da boca da baía. Tudo o que lhe importava agora era vencer os irmãos. — IÇAR BALÃO! — gritou para o padrinho, sempre paciente, que, por acaso, era também um dos mais famosos match racers do planeta. Escocês alto, agressivo, de cabelos escuros, era conhecido por todos como um talento esplendoroso em quaisquer águas. Tinha a boca larga, sensual, porém expressiva, que tanto podia rir instantaneamente quanto curvar-se numa careta terrível. — PAU DO BALÃO! — gritou em resposta, assim que o mastro da vela balão encaixou-se no lugar. A bela vela branca apareceu como uma nuvem na frente deles. O padrinho pulou para o outro lado do convés, para perto de sua afilhada de onze anos, e sorriu, querendo ouvi-la. — E agora?

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— Eh... — Inky olhou ao redor, tentando avaliar o progresso dos irmãos atrás deles. — Eles vão tentar bloquear o meu vento? — perguntou, hesitante. Inky tinha água salgada no sangue. Ela e os três irmãos mais velhos eram da costa norte e tempestuosa da Cornualha. — Exatamente — disse o padrinho. — Eles vão tentar bloquear o seu vento e nos ultrapassar. — Inky não havia se enganado com relação ao caráter competitivo da brincadeira fraterna e já podia ouvir o sacolejo revelador das bordas da própria vela, quando o outro barco começou a persegui-los. Ignorando os berros típicos dos índios mohawk, que vinham do outro barco, o padrinho continuou: — Você precisa tirá-los de trás de nós. — Então damos um jibe? Ele concordou: — Você é que manda. — Pulou mais uma vez por cima dos rolos de cabos até a proa. A arte do match race era ainda relativamente nova para Inky, principalmente porque sua família era de velejadores de mar aberto, mas John MacGregor — seu respeitado padrinho — estava lhe apresentando lentamente o assunto. Inky percebia que ficava cada vez mais ansiosa pelas visitas de Mack, caso isso ainda fosse possível — JIBE! — gritou ela. Mack abaixou a vela com cuidado, reencaixou o mastro do balão e impulsionou o barco para uma nova posição, quando Inky o virou na direção do vento. Ansiosa, ela olhou para trás, observando os irmãos seguirem-na sem o menor esforço, dando um jibe perfeito. Mas Inky sabia que a indiferença deles tinha um propósito, uma vez que estavam desesperados por chamar a atenção de seu padrinho. Eles não pareciam ter perdido nem um pouco de tempo na manobra e estavam tão perto da popa do barco de Inky quanto antes. — JIBE! — gritou Inky, mais uma vez. Mas, a

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despeito de quantas vezes fizesse a manobra, simplesmente não conseguia livrar-se deles até que, por fim, os rapazes lhe bloquearam o vento e passaram a todo vapor por ela, cruzando a linha de chegada. Duas vezes mais competitiva sempre que os irmãos estavam em cena, Inky Pencarrow ficava furiosa quando era derrotada, principalmente na frente de Mack — embora seus irmãos somente se dessem ao trabalho de velejar com ela quando o padrinho os visitava. Mais do que tudo, Inky não queria que Mack achasse que ela não servia para nada; seu velejar já atraía muito pouca atenção em casa. Seus três irmãos haviam saído para estudar fora e se sobressaíam na proeminente equipe de vela da escola. Eles haviam tido oportunidades com as quais Inky podia apenas sonhar. Ela ficara na Cornualha, onde nascera, feliz da vida na escola de lá, pois, durante o verão, tão logo ouvia o repicar do sino, saía correndo, saltava para sua bicicleta e ia direto para Rock Village, onde podia pegar um pequeno barco laser e navegar até o estuário do rio Camel. Seu maior medo era que o pai levasse adiante a ameaça frequente de mandá-la para uma escola sem recursos para que velejasse. Eram apenas os seus pedidos e os de sua mãe que, até agora, mantinham-na em casa. — Não se preocupe, baixinha — disseram os irmãos, dando tapinhas em sua cabeça, depois que todos eles já haviam atracado no píer. — Tenha mais sorte da próxima vez. — Podemos competir de novo amanhã? — perguntou Inky, ávida por saber. — Mack não estará a bordo amanhã. Não sei muito bem se vale a pena competir só com você. Além do mais, match race não é bem a nossa praia. — Deixa eu tentar! — implorou Inky. — Esses barcos são extremamente arcaicos.

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— Ou então me deixa velejar com vocês? — Você não tem peso suficiente. Um golpe de vento te poria para fora. — Tenho peso suficiente para o match race! — insistiu ela, indignada, agitando os cabelos negro-azulados que haviam inspirado seu apelido. — É muito mais difícil do que vocês imaginam. — Inky achava sua introdução recente a esse estilo mais agressivo de velejar extremamente viciante. A concepção era simples. Dois barcos e uma linha de chegada. Mas as técnicas exigiam muita engenhosidade e desenvoltura, reflexos perfeitos, noção de tempo que não podia estar errada nem em milésimos de segundo e habilidade de pensar um passo à frente. Nunca era uma questão de competir só para cruzar a linha de chegada, que o barco mais veloz vencia. Era necessário colocar-se entre a linha de chegada e o oponente e fazer qualquer coisa para se manter ali. Mais ou menos parecido com aquela brincadeira, British Bulldog, a não ser pelo fato de, ao mesmo tempo, se estar correndo para cruzar a linha. — Continue praticando, baixinha. — Eles transferiram a atenção para Mack, que acabara de aparecer atrás de Inky: — Nós temos esses barcos fantásticos na escola, Mack. Charlie vai cruzar o Canal com um deles. Gostaria de vê-los um dia? Mack sorriu, mas pareceu recusar-se a ter a atenção desviada de Inky. — Eu acho que vocês deviam levar Inky para velejar de novo amanhã. É melhor tentarem controlá-la, caso contrário, um dia ela derrotará todos vocês. Os irmãos de Inky queriam ser velejadores profissionais, em grande parte para alimentar o orgulho inflado do pai, timoneiro altamente respeitável, embora agora aposentado. Inky também queria

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ser velejadora profissional, mas isso era uma ambição secreta, pois sabia que o pai queria que seguisse uma profissão mais tradicional, mais feminina. Os rapazes tiveram a atenção desviada para a mãe, que chegava lentamente ao píer com uma cesta de piquenique. Como estavam sempre famintos feito cães labradores, saíram correndo atrás da comida. — Quer almoçar no meu barco? — Mack perguntou a Inky. — Ai, quero, e como! — respondeu a menina, aliviada. Sempre que estava com Mack em um local público, as pessoas o paravam para pedir autógrafo ou conversar sobre barcos. Percebera também, com certa malícia, que as mulheres, em particular, gostavam de balançar os cabelos e sorrir muito quando o viam. Pelo menos, se eles almoçassem em seu barco, ela o teria só para si por um pouco mais de tempo. Depois que voltassem para casa, o pai de Inky, James, iria reivindicar sua atenção e ela não poderia mais lhe fazer todas as perguntas que vinha acumulando havia meses. John MacGregor era o amigo mais antigo de seu pai. Eles se conheciam desde os dias que haviam passado juntos na equipe britânica juvenil. Enquanto James Pencarrow ganhava uma respeitável medalha de bronze na classe laser, nos jogos olímpicos de 1976, John MacGregor voltava para casa levando a medalha de ouro e, mais uma vez (apenas para mostrar que não fora golpe de sorte), repetiria a façanha quatro anos mais tarde. Depois, experimentou velejar em mar aberto e também o match race e, por um bom tempo, seus críticos (e ele tinha alguns, pois seu estilo direto e brusco de falar, que não tolerava tolos com facilidade, havia incomodado muita gente ao longo dos anos), muito prazerosamente, previram sua queda. Mas Mack sempre acabava provando que eles estavam errados, batendo

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um recorde ou ganhando uma regata, até que não tivessem outra opção a não ser se calarem. Com frequência, Inky se perguntava se, caso o pai tivesse previsto a ascensão quase meteórica de Mack ao status de ícone, ainda assim, o teria escolhido para seu padrinho. Mas James sempre ressaltou, sem muito tato, que ela nasceu durante o único período em que Mack estava no país. Mack observou a mãe de Inky, Mary, voltando do píer. — O que você está olhando, Mack? — perguntou Inky, já mordendo uma banana. — Sua mãe. Inky focou-se naquela pessoa normalmente invisível aos seus olhos de onze anos. — É — respondeu criticamente. — Ela não devia estar usando aqueles sapatos. A gente vive dizendo isso para ela. Mack riu. — Eu estava pensando em como a sua mãe mudou pouco desde que a conheci, todos esses anos atrás. — O quê? A mamãe? — Ela era a socialite, entende o que estou dizendo? Admirada onde quer que fosse. Mas Inky já havia pulado com avidez para a lancha que os levaria ao barco de Mack. — Que barco lindo! — suspirou ela, na curta jornada até o ancoradouro, sem conseguir tirar os olhos dele. Para Inky, parecia que Wild Thing havia sido amarrado em seu ancoradouro para que nunca fosse embora dali. Eles agradeceram ao piloto da lancha, antes de pularem a bordo e prepararem o almoço. — Por que você parou de velejar o Wild Thing? — perguntou, desembrulhando o sanduíche de manteiga de amendoim com banana, as maçãs e os pãezinhos de agrião.

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— Você sabe que vou ficar fora por um tempo. — Para participar da America’s Cup — emendou Inky. — Eu queria ir a América para te ver, mas o papai disse que você não pode ter nenhuma distração. Mack sorriu. — Bem, achei que talvez você quisesse usar o barco durante o verão. — Ela iria precisar de ajuda, mas Mack deixaria bem claro para quem o estava emprestando. Inky ficou boquiaberta. — Eu? Velejar o Wild Thing? — Sua mente acelerou de tanto prazer ao pensar no que os irmãos diriam. — Mas por quê? — foi tudo o que conseguiu dizer. — Não preciso te ver vencer para saber o quanto você é boa. A menina abriu um sorriso radiante. — Acha que serei boa um dia? — Acho. — Eu gostaria que você dissesse isso ao papai. — Eu digo. Com frequência. — Ele está sempre dizendo que vai me mandar para uma escola fora daqui. Ele acha que preciso de uma educação melhor. — O que você acha? — Que eu morreria. A mamãe também quer que eu fique aqui, mas não por causa do lance de velejar, mas porque ela não quer ficar sozinha. — Inky ficou pensando se devia ter falado tal coisa, mas Mack não pareceu nem um pouco chocado. — Talvez você devesse pensar em entrar para a equipe nacional juvenil. — Eu iria adorar! — exclamou ela, os olhos brilhando. — Mas o papai e a mamãe teriam que me levar de carro a vários lugares.

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— Vou conversar com o seu pai. Inky achou que iria morrer de tanta felicidade. A perspectiva de velejar Wild Thing durante todo o verão e entrar para a equipe nacional juvenil parecia simplesmente demais para ela. — Conte-me de novo sobre a America’s Cup. Peguei um livro na biblioteca sobre os barcos. — Os barcos da America’s Cup pelos quais Mack era tão apaixonado não eram barquinhos pequenos. Mastros de mais de trinta metros de altura arranhavam o céu e pesavam quase vinte e cinco toneladas. Mas não passavam de estatísticas impressas nas páginas de um livro, pois, quando Inky conversava com Mack, os barcos ganhavam vida como máquinas de guerra elegantes e ferozes, barcos perfeitos, de tecnologia de ponta, ainda assim, tão específicos, que não tinham utilidade para qualquer outro fim, a não ser a regata para a qual haviam nascido para competir. — Eu adoraria competir um dia na America’s Cup — suspirou. — É o melhor match race de todos, não é? — Acho que sim, e é uma obsessão para algumas das figuras mais ricas, mais poderosas e mais excêntricas do mundo — admitiu Mack. — Mas, infelizmente, não há mulheres na Copa. Talvez venha a ter quando você crescer — acrescentou em seguida. — Você vai ganhar muito dinheiro se ganhar a Copa? — perguntou Inky. — Nada. Nem um centavo. Nada além da Copa propriamente dita e do direito de estabelecer as regras e o lugar para a próxima. É meio bizarro. É como ceder os direitos dos Jogos Olímpicos ao país que ganha a maioria das medalhas. Mas uma das coisas que você precisa entender é que esta Copa não é feita para ser uma competição justa. Qualquer um que a ganhe pode estabelecer as regras.

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Inky absorveu as informações por um segundo. Sua próxima pergunta tinha um tom mais pessoal. — E a tia Josie irá com você para a América? — Josie era esposa de Mack. Eram casados há cerca de cinco anos, e ela era extremamente glamorosa — ou assim achava Inky. Sua mãe devia achar o mesmo, pois vivia lhe perguntando sobre suas roupas e sobre as cidades que havia visitado. Inky sabia que alguma coisa esquisita estava acontecendo com Mack e Josie, pois ouvira os pais comentando. — Não, ela não irá — disse Mack, com poucas palavras. — Não sei o que os seus pais lhe disseram, Inky, mas infelizmente sua tia Josie e eu não... — Não estão mais casados? — Bem, acho que é exatamente isso. Ou não estaremos mais em breve. — Por que não? Mack fez uma pausa momentânea e largou o sanduíche. — Sabe o que você falou sobre achar que morreria se o seu pai te mandasse para uma escola fora daqui, para longe da água? — Inky concordou. — Bem, é assim que também me sinto com relação a velejar. E sua tia Josie quer que eu me sinta diferente. — Como assim, diferente? — Acho que ela queria que eu gostasse um pouco menos de velejar e um pouco mais dela. — Mas você não pode deixar de sentir o que sente! — exclamou Inky, indignada. — Não, não posso. Mas quando se ama alguma coisa como nós amamos, Inky, isso às vezes tem um custo muito alto. Talvez seja disso que o seu pai esteja tentando te proteger. Mas nós dois sabemos muito bem que não há nada que se possa fazer... Parar

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de fazer alguma coisa que se ama seria tão estranho quanto cortar o braço fora. Mack aguardou Inky ir para a cama naquela noite para abordar o assunto com seu pai sobre ela velejar. Ele observou silenciosamente a bela mãe de Inky, com seu avental caprichosamente amarrado com um laço às costas, temperar o pernil de porco com mais alecrim colhido de sua adorada horta. Mary Pencarrow estava sempre do lado de fora, lutando contra os elementos naturais e também contra o mar propriamente dito, enquanto tentava introduzir plantas e bulbos que, repetidas vezes, não conseguiam sobreviver ao vento ou à constante penetração do sal. Desde o início, Mack surpreendera-se como Mary parecia deslocada na costa acidentada da Cornualha, longe de Londres, sua amada cidade natal. Era o mesmo que ver um puro-sangue numa estrebaria cheia de pôneis, muito embora já tivessem se passado dezoito anos desde que o pai de Inky surpreendera a todos ao se casar com ela, meses após tê-la conhecido numa festa elegante em Londres, do tipo que ele normalmente evitava com tanta determinação. Embora a atração que sentiram um pelo outro tenha sido inegável, muitos familiares e amigos acharam que o casamento teria vida curta, uma vez que James logo a levara para a casa remota na costa norte da Cornualha, que herdara pouco tempo depois, após a morte do pai. No entanto, o amor de Mary pelo novo marido superara seu amor pela antiga vida cosmopolita da cidade. Pelo menos até o momento. Ela tivera quatro filhos em sequência e ficara extasiada quando seu quarto bebê fora a tão esperada menina. Vestia-a insistentemente com tecidos xadrez, babados e motivos florais em tons clarinhos, esperando, ansiosa, pelo dia em que poderiam conversar sobre moda,

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chás, esmaltes de unha e livros de culinária. Isso tudo para logo descobrir que sua garotinha passaria cada vez mais tempo nos barcos, na companhia dos irmãos e do pai. Tão logo Inky conseguiu expressar vontade própria, pediu para se vestir com o mesmo tipo de roupas dos irmãos e, quando a mãe se recusava a fazê-lo, segurando pacientemente lindas calças bordadas, no estilo pescador, a menina saía correndo pelas dunas, só de calcinhas. Mary Pencarrow há muito tempo já havia se acostumado com isso e, embora tivesse orgulho de sobra da filha, desejava só um pouquinho mais de feminilidade dela, pelo menos o suficiente para dar às duas um pouco sobre o que conversar. Somente ela ainda chamava a filha de Erica, embora Inky (nanquim, em inglês) se adaptasse melhor, por causa de seus cabelos negro-azulados e da pele pálida, que tanto faziam lembrar nanquim fresco sobre um pergaminho claro. Mack levantou-se para ajudar assim que Mary começou a pôr a mesa para o jantar. — Mack, sente-se. Eu faço isso. Fique conversando com James. — Ela inclinou a cabeça para o marido, como se lendo os pensamentos do amigo. Ele lhe sorriu ligeiramente. Como alguém prestes a se divorciar, era ultrassensível à infelicidade alheia, no entanto, Mary era uma mulher tão reservada que tudo o que podia fazer era agir com cautela na sua frente. Ficou observando-a por um momento, imaginando o quanto ela se envolvera com aquele mundo obsessivo de barcos, marés e vento, com linguajar e hábitos próprios — como se um bando de bruxas tivesse aprisionado um unicórnio. Balançou a cabeça e tentou se concentrar em Inky. — Acho que Inky devia pensar em aderir à equipe juvenil — disse a James, que estava sentado na poltrona perto do fogão, tentando

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encontrar um artigo para Mack em uma de suas revistas de iatismo. Mary não reagiu; continuou arrumando lentamente a mesa. James suspirou e baixou a revista. — Sem essa conversa de novo, Mack. — Ela tem talento — insistiu. — Sem chance. E não quero que você fique alimentando essas esperanças, só para ela vê-las destruídas. Inky acha que pode fazer tudo o que os meninos fazem. Lembre-se da bobagem que fez na semana passada. — Na maré mais alta da estação, os meninos costumavam amarrar cordas às boias salva-vidas e esquiar atrás delas. James proibira veementemente Inky de imitá-los, mas ela o ignorou mesmo assim, sendo logo derrubada e levada pelo mar. Foi preciso um barco salva-vidas ir pegá-la. — Nós quase morremos de preocupação. Ela não devia tentar travessuras tolas como essa. — Mas você não puniu os meninos por terem feito o mesmo. — Eles não foram puxados pelo mar. Já passou da hora de Inky perceber que não é como eles e que não pode fazer tudo o que quer. — Como assim? — Talvez isso tenha fugido à sua percepção, Mack, mas Inky é uma menina. E tem suas limitações. — Mas não acho que sejam limitações dela. Sei que não estou por perto tanto quanto gostaria, mas Inky é o que tenho de mais próximo de uma filha, James... — Sei disso e acho maravilhoso que você leve suas responsabilidades tão a sério, mas Inky não será uma grande velejadora. Mulheres e iatismo são incompatíveis. Quanto mais cedo ela perceber isso, menos decepcionante será para ela. Inky deve gastar o seu tempo com coisas mais construtivas. Deus sabe como a mãe dela gostaria que...

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— James gesticulou com a cabeça para Mary, que não lhe retribuiu o olhar. — Construtivas? Como assim, construtivas? — Sei lá! Fazendo coisas mais femininas! Coisas que lhe serão úteis mais tarde. Você só a está encorajando, ao lhe emprestar o barco para o verão. — Você acha que eu deveria tê-lo emprestado a um dos meninos — murmurou. — Eles irão seguir carreira no iatismo, enquanto Inky... — Enquanto Inky o quê? — Só estou tentando protegê-la, Mack. Quero que ela tenha outras opções. — Estamos em 1995, James. Não 1895. Por que você não pode...? Inky, no patamar da escada, não ouviu o que Mack iria dizer, pois um dos irmãos saiu do quarto. Ela se escondeu numa parte escura até ele passar e depois foi correndo para a cama, com as palavras do pai ainda ecoando em seus ouvidos. Puxando as cobertas para cima da cabeça, pensou no que tinha acabado de ouvir. Podia ter apenas onze anos, mas já era velha o suficiente para perceber que a mãe não morria de felicidade, embora jovem demais para saber o motivo. Esta busca por coisas mais femininas (e a mãe era a mulher mais feminina que ela conhecia) não parecia tê-la feito muito feliz. Era como se seu próprio sexo a tivesse traído. Inky queria desesperadamente velejar como os irmãos. Queira a mesma liberdade. E conseguiria, custasse o que custasse, independente do que o pai dissesse.

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“Devo voltar mais uma vez para o mar...” John Masefield, “Sea Fever”

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