Comunicação comunitaria

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Neste volume 3 o foco é a comunicação comunitária, do direito às práticas, de sua necessidade aos instrumentos necessários para se criar uma agência de notícias local. Em entrevista exclusiva, o jornalista Gilberto Dimenstein explica porque vê a comunicação como "o eixo estruturante do bairro-escola”.

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Coleção Tecnologias do Bairro-Escola

Os quatro volumes que compõem esta Coleção Tecnologias do Bairro-Escola da Associação Cidade Escola Aprendiz foram escritos pelos próprios profissionais da organização com a proposta de levar adiante uma forma de trabalho que vem sendo experimentada por nós, com sucesso, em diferentes lugares. Em comum, os quatro volumes trabalham o conceito do bairro-escola, que propõe a articulação de diferentes oportunidades educativas locais, compondo redes sociais que envolvem diferentes agentes, políticas públicas e iniciativas comunitárias dos bairros e das cidades.

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Cidade Escola Aprendiz Coleção Tecnologias do Bairro-Escola Volume 3 - Comunicação Comunitária Organização: Helena Singer Editor responsável: Ricardo Prado Capa e ilustração: Otho Garbers Projeto Gráfico: Bruno Andreoni, Gláucia Cavalcante e Otho Garbers Diagramação: Bruno Andreoni e Gláucia Cavalcante Edição: Associação Cidade Escola Aprendiz/Fundação Itaú Social São Paulo - 2011 ISBN: 978-85-64569-03-4 Apoio: Editora Moderna Associação Cidade Escola Aprendiz Rua Belmiro Braga, 146 - CEP 05432-020 - Vila Madalena - São Paulo - SP (11)3819-9225 / 3819-9226 / 3812-5673 - info@aprendiz.org.br www.cidadeescolaaprendiz.org.br

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SUMÁRIO 9

APRESENTAÇÃO - BAIRRO-ESCOLA: COMUNIDADES EDUCATIVAS POR UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL - Natacha Costa

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A COMUNICAÇÃO COMO EIXO ESTRUTURANTE DO BAIRRO-ESCOLA - Julia Dietrich

37 LIVRE DIÁLOGO, REFLEXÃO CRÍTICA E AÇÃO TRANSFORMADORA Alan Ary Meguerditchian 59

AS AGÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE NOTÍCIAS - Marina Rosenfeld

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COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO - Isys Helfenstein Remião

105 “O BAIRRO-ESCOLA SÓ FUNCIONA COM O EFEITO MATRACA” - ENTREVISTA COM GILBERTO DIMENSTEIN 121 SOBRE O APRENDIZ

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APRESENTAÇÃO - BAIRRO-ESCOLA: COMUNIDADES EDUCATIVAS POR UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL Natacha Costa, psicóloga, licenciada pela PUC-SP, é diretora-geral da Associação Cidade Escola Aprendiz. Coordenou projetos na área de educação com crianças e jovens na ONG Criança Segura Brasil e em escolas públicas e privadas de São Paulo e Salvador. Implantou o programa da rede mundial Computer Clubhouse em Osasco, São Paulo, em parceria com o Museu de Ciências de Boston, MIT Media Lab, Fundação Bradesco, Intel e Aprendiz. Foi formadora da Associação Cidade Escola Aprendiz em cursos de Educação Comunitária para professores, gestores públicos e privados

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e lideranças comunitárias de todo o Brasil.

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significa para nós a celebração de um importante momento na história do Aprendiz: o amadurecimento, por parte da instituição, da capacidade de aliar nossa intensa experimentação e a constante busca pela inovação ao compromisso com a sistematização de nossa prática. Este compromisso ganhou impulso, nos últimos anos, com a crescente demanda por parte da sociedade de que o terceiro setor produza conhecimento sistematizado e dê suporte à construção de políticas públicas que garantam de fato a superação dos desafios e os direitos humanos universais. A recente história do Aprendiz é marcada e, podemos até dizer, determinada por este cenário. Em 2004, oito anos após o início de nossas experimentações na Vila Madalena, começamos a sentir, por parte de diferentes setores, o interesse pelo conceito-matriz de nossa prática, o Bairro-Escola. Fomos, nessa época, convocados a estruturar formações para educadores, gestores públicos e lideranças comunitárias, além de participar de debates e seminários em todo o país, o que nos exigiu um enorme esforço para tornar

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“Sob esta ótica, o processo de ensino-aprendizagem ganha muitos sentidos de acordo com as complexas relações que envolvem a educação integral: o estudante aprende, ensina, seu desenvolvimento é responsabilidade da comunidade, mas ele, como sujeito

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nossa experiência cotidiana de caráter comunitário em algo palatável, passível de compartilhamento em outros contextos. Essa grande oportunidade e a aprendizagem que nasceu das trocas que pudemos vivenciar nos impeliram ao aprofundamento de nossas reflexões, ao aperfeiçoamento de nossas propostas e ao compromisso com o acompanhamento sistemático de nossos projetos. O rico debate acerca da educação integral no Brasil, que toma fôlego a partir de 2007 com o advento de políticas públicas inovadoras como a Escola Integrada em Belo Horizonte (MG), o Bairro-Escola em Nova Iguaçu (RJ) e o Mais Educação do MEC, impulsionou sobremaneira nosso processo de desenvolvimento. A grande aposta destas políticas, que já atingiram milhares de crianças brasileiras, é a de que a tarefa da educação é uma tarefa de todos na sociedade e o processo educativo é, e deve ser, um processo que articule a cidade como um todo e que, portanto, não se restrinja à escola. Tal bandeira nada mais é do que a bandeira do Bairro-Escola, que pauta nossa prática desde 1997. Para nós, uma educação de qualidade é fundamentalmente uma educação integral, na medida em que considera e cria condições para o desenvolvimento de todas as dimensões de um ser humano, fortalecendo sua autonomia e capacidade de agir responsavelmente no mundo. Assim, não existe diferença entre educação e educação integral. Uma educação de qualidade é integral e, neste sentido, reconhece e integra diferentes saberes, espaços e tempos educativos ao processo formativo dos sujeitos ao longo de toda a sua vida. Nossa prática mostrou e continua mostrando, agora de mãos dadas com experiências de todo o país, que essa proposta de educação integral só é possível se a escola formar com as comunidades e suas respectivas cidades uma forte rede educativa. São as redes locais, democráticas e horizontais, que permitem que sejam reveladas as pessoas, suas histórias e relações, e que conseguem atribuir sentido ao conhecimento a partir da apropriação da cidade como território educativo.

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Esta concepção de educação e de sociedade pressupõe mudanças paradigmáticas em relação aos mais diversos aspectos da nossa organização política e social, a começar pela escola. Compreender a escola como articuladora de potenciais educativos, sejam eles saberes, espaços ou ações da e na cidade, impõe repensarmos estruturas clássicas da organização escolar, como o currículo, as instâncias de participação, o papel do professor e do estudante, a arquitetura, a organização dos espaços e dos tempos e a avaliação. Propor a articulação de redes locais, com poder de decisão e impacto na formulação e integração de políticas públicas, impõe ao poder público uma agenda (não tão nova, porém ainda incipiente no país) capaz de viabilizar de fato a participação popular na gestão pública e adequar planos, orçamento e estratégias às necessidades das comunidades locais, superando a descontinuidade, a desarticulação entre políticas e a lógica da massificação e do clientelismo que preponderam no âmbito das políticas públicas brasileiras. Além disso, as pessoas e as instituições são chamadas a se repensar, a participar ativamente das decisões que impactam a sua vida e a construir as ações que possibilitam o enfrentamento dos seus desafios. E isso implica também no reconhecimento de crianças e jovens como agentes da sua própria história e do presente (não apenas do futuro) das suas comunidades e do mundo. Este reconhecimento subverte amplamente a lógica da maior parte das escolas, das políticas educacionais e de inúmeras organizações responsáveis pelo atendimento desta população que ainda compreendem crianças e jovens como um eterno vir a ser, meros beneficiários de suas ações, ou pior, como responsáveis pelo fracasso de suas propostas ou, ainda, como sujeitos desprovidos de qualquer potência, reconhecidos apenas nas suas carências e faltas. É dentro deste contexto que se insere esta coleção, composta de quatro volumes, com a sistematização das principais tecnologias sociais desenvolvidas pelo Aprendiz. Por meio dela, buscamos compartilhar o conjunto de reflexões que permitem mostrar como, na prática, temos procurado responder aos desafios acima descritos e a tantos outros que temos encontrado no caminho.

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de seu próprio desenvolvimento, apropria-se de questões sociais, políticas, culturais e ambientais do seu bairro, sua cidade, seu país.” Proposta pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz

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Estas reflexões se organizam no que chamamos de Tecnologias do Bairro-Escola. Em síntese, identificamos quatro condições elementares para a construção e sustentabilidade das comunidades educativas: a articulação de espaços democráticos de debate e construção de projetos coletivos por parte dos agentes locais, o desenvolvimento de práticas educativas que articulem o currículo formal das escolas aos saberes comunitários, a produção e livre circulação de informações sobre o território e a visibilidade e fomento dos potenciais da cultura local, em especial a ocupação positiva dos espaços e equipamentos públicos. Como estratégias, o Aprendiz desenvolveu quatro tecnologias que buscam criar as estruturas básicas para este processo: a Autoformação Local, as Trilhas Educativas, a Agência Comunitária de Notícias e os Arranjos Culturais. Assim, os quatro cadernos que compõem esta coleção descrevem, analisam e problematizam algumas experiências práticas relacionadas a estas quatro tecnologias e como elas nasceram, em que momento do seu desenvolvimento nos encontramos e quais são os desafios que elas têm identificado e buscam superar. Consolidar nestes cadernos 13 anos de um percurso feito de experiências, reflexões, indagações, angústias, erros e acertos significou, para nós, a oportunidade de olhar para trás, reconhecendo nossas origens e referências, e de ressignificar a utopia que nos move e confere sentido a cada uma de nossas ações e propostas. Procuramos neste processo trazer referências teóricas ancoradas nas nossas práticas, a partir dos sentidos próprios de cada autor, todos envolvidos diretamente com a execução das quatro tecnologias sociais descritas nestas publicações. Ao longo dos cadernos, diferentes formas de escrever, de construir as reflexões e de expor ideias aparecem. Neste caminho revelam-se a multiplicidade de olhares e a diversidade de pontos de vista que constituem o mosaico de experiências e trajetórias que nos compõem. Assim, vivemos a produção dos cadernos como sendo, ela própria, uma trilha educativa: impulsionou a pesquisa, criou um espaço fértil para a reflexão, consolidou saberes, provocou o desejo de trocas e nos projetou em direção ao futuro. Em cada um dos textos fica patente que entendemos como cerne desta utopia o desejo de que a educação cumpra o seu papel e garanta as condições para a emancipação dos sujeitos. Educação aqui entendida como um processo que permeia cada etapa de nossa vida e que, potencializada, liberta.

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Esperamos que esta coleção contribua com tantos outros aprendizes, não necessariamente mostrando caminhos, mas revelando as perguntas que nos movem e convidando a cada um de vocês, leitores, a fazer parte dessa jornada. As cidades, as comunidades e as pessoas são mundos em si. Nossa utopia é que esses mundos possam se revelar e compor uma sociedade em que as diferenças, os saberes e os desejos de cada um de nós encontrem um lugar legítimo, reconhecido e potente. Esse é o papel da educação. E isso é o que chamamos de liberdade. Que esta utopia continue guiando nossos passos até que nossa missão se torne obsoleta.

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A COMUNICAÇÃO COMO EIXO ESTRUTURANTE DO BAIRRO-ESCOLA

Julia N. Dietrich é jornalista, educadora e articuladora comunitária da Associação Cidade Escola Aprendiz. Em 2008, trabalhou como educadora em projetos de saúde reprodutiva em Gana, África. Foi bolsista de iniciação científica no projeto central “A invenção do outro na mídia semanal (construção hipermidiática)” na PUC-SP e participou do Conselho Nacional de Juventude. Atualmente faz pós-

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para mobilização da juventude.

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-graduação em Educação em Ciências na UFRGS e é voluntária da rede internacional TakinITGlobal

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Aprendiz nasceu em 1997 como um projeto de comunicação voltado a jovens. Na época, estudantes de instituições públicas e privadas de ensino da cidade de São Paulo atualizavam em tempo real, na web, os temas do livro Aprendiz do Futuro, do jornalista Gilberto Dimenstein. Em menos de um ano, os jovens passaram a produzir conteúdos voltados às organizações do terceiro setor e a publicá-los em websites. Dois anos depois, o grupo pioneiro realizava intervenções urbanas pelos muros de Pinheiros, bairro onde o Aprendiz havia instalado sua sede. Aos poucos, as ações e os projetos da organização se diversificaram, mas sempre preservando uma tônica em comum: a comunicação, compreendida e utilizada como uma ferramenta para a articulação dos diferentes organismos que compõem uma comunidade. Em palestra proferida na Fundação Vanzolini, da USP, a socióloga e diretora pedagógica do Aprendiz, Helena Singer, conta que São Paulo, assim como outras cidades do mundo, vive em uma espécie de Apartheid, em que as escolas são circundadas por muros. “Os muros vão crescendo e as crianças das escolas particulares vão crescendo sem conhecer as crianças

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A Associação Cidade Escola

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das escolas públicas. Os medos de ambos os lados vão se acirrando e por aí os conflitos e a violência também”.1 Da constatação desta realidade nasceu o Projeto 100 Muros, voltado a intervenções artísticas em becos abandonados e na própria malha da cidade. De acordo com Singer, a iniciativa passou a dar outro sentido a esses espaços. Para além de seu caráter artístico e no mesmo sentido da criação de conteúdos web: pintar e produzir mosaicos sobre os muros eram atividades de comunicação sempre associadas à premissa de uma metodologia ou estrutura problematizada, construída junto com a comunidade. Assim, na história do Aprendiz, a comunicação sempre apareceu como instrumento para mobilizar e articular o capital social de um território, garantindo que aqueles que compõem uma determinada comunidade sejam capazes de perceber e reconhecer uns aos outros e, então, criar colaborativamente ações e intervenções nos espaços.

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1  SINGER, Helena. A Experiência Bairro-Escola e Educação Integral, da Cidade Escola Aprendiz. Curso de capacitação em Engenharia Comunitária. Fundação Vanzolini - USP. Disponível em: http://www.vanzolini-ead.org.br/portais/ Acesso em: 5 jul. 2010. 2  É importante ressaltar que esta não é uma questão de descrédito à grande mídia. Entendemos que os grandes veículos cumprem outro papel, outra função social e que não desvalorizam a mídia produzida por e para um contexto local. 3  PAIÃO, Cristiane. Entrevistas: Natacha Costa. Revista eletrônica ComCiência. Lab-jor. Universidade Federal de Campinas (Unicamp). S/data. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/

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Entretanto, quando apresentamos uma proposta de comunicação para articulação de um território – ou seja, como eixo fundante e estruturante do Bairro-Escola –, entendemos que esta não é a comunicação proposta pelas grandes corporações de mídia, que noticiam fatos gerais com a finalidade de responder a uma cultura dita nacional. Ao contrário, esta é uma comunicação que, ao mesmo tempo, se pauta pelo território e o constrói, seja nas suas relações mais diretas, seja nas singularidades de cada espaço, de cada cultura local.2 Para Natacha Costa, diretora-geral da organização, em entrevista à revista ComCiência3, essa comunicação vem para auxiliar a capacidade que uma comunidade tem “de tecer

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Projeto 100 Muros - 1998 a 2000.

4  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Revisitando os Conceitos de Comunicação Popular, Alternativa e Comunitária. Trabalho apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006, Brasília, 2006, p.1. 5  A expressão “de base” foi empregada como referência ao termo popular, como alusão às bases, fundações dos movimentos sociais.

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relações, de estabelecer conexões e de construir objetivos comuns, construir ações coletivas” e promover “a ideia de que uma comunidade que se articula garante melhores condições para as pessoas se desenvolverem como indivíduos e como sujeitos sociais, coletivos”. É sobre esta premissa que a proposta e o embasamento teórico e prático da chamada comunicação comunitária se apresentam. Para a professora e comunicadora Cicília Maria Krohling Peruzzo, o conceito de comunicação comunitária, além de diverso e amplo, muitas vezes se confunde com a chamada comunicação alternativa e, outras vezes, com a comunicação popular. “O termo ‘comunitário’ vem sendo empregado para identificar diferentes processos comunicacionais, desde formas de ‘comunicação do povo’ até experiências desencadeadas no âmbito da mídia comercial de grande porte” 4, resume. Em seu texto Revisitando os Conceitos de Comunicação Popular, Alternativa e Comunitária, apresentado à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), Peruzzo localiza nos movimentos de base5 das décadas de 70 e 80 no Brasil

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6  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. 2006, Op. cit. p. 2. 7  KAPLÚN, Mário. El comunicador popular. Quito: Ciespal, 1985. p. 7. 8  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação nos Movimentos Populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 148.

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e na América Latina a origem da comunicação popular, a qual se constrói exclusivamente como um processo baseado em ações dos grupos populares. “Essa ação tem caráter mobilizador coletivo na figura dos movimentos e organizações populares, que perpassa e é perpassada por canais próprios de comunicação.” 6 Assim, a comunicação popular se apresenta, exclusivamente, como meio de articulação ou legitimação das ações de determinados movimentos ou grupos populares, uma vez que permite dar vazão à expressão daqueles que a pesquisadora chama de “segmentos excluídos da população”, mas que já estão organizados e em processo de construção das suas lutas e reivindicações. O teórico da comunicação e radialista argentino Mário Kaplún, que realizou experiências de educação pelo rádio no Uruguai, complementa essa visão ao pontuar que a comunicação popular é “libertadora, transformadora, que tem o povo como seu gerador e protagonista”.7 Ela se organiza por meio das lutas e bandeiras de movimentos que, a princípio, já se enxergam como grupos estruturados. Para estes, a produção de mídia vem como acessório para reverberar o que já foi estudado, já é do grupo e, mais ainda, do que é defendido por ele. Em outro texto, Peruzzo cita como exemplo o fato de que muitos movimentos populares, com o passar dos anos, começaram a transmitir, em emissoras comerciais, programas por eles produzidos em espaços cedidos ou vendidos. “Por exemplo, mais de trezentos programas de trabalhadores rurais são transmitidos no país. E o programa A Voz da Contag, da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura, é enviado para cerca de seiscentas emissoras.” 8

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Desejos coletivos Embora muito próxima da comunicação comunitária e, por vezes, a ela diretamente ligada, a comunicação popular parte do grupo já organizado ou em permanente organização. Ou seja, o sujeito naquele espaço sabe o que deseja, tem suas bandeiras bem delineadas e precisa expressá-las para outros indivíduos e grupos. Na comunicação comunitária, porém, a relação é outra. Os grupos ou pessoas não necessariamente têm bandeiras estabelecidas – eles fazem uso ou passam a fazer uso dos instrumentos de comunicação para se constituírem, tanto como indíviduos quanto como grupo ou coletivo. A comunicação vem como estratégia para fundar as lutas a serem travadas, para construir organicamente esses desejos coletivos. O indivíduo é convidado a olhar para si mesmo, seus pares e seu entorno para, então, problematizar seus anseios e construir relações de cooperação e, eventualmente, de transformação. Peruzzo, ao citar o pesquisador Gilberto Gimenez, relembra que tanto a comunicação comunitária quanto a comunicação popular acontecem enquanto os indivíduos compartilham seus códigos e constroem horizontalmente suas relações. 9 Na comunicação comunitária, o indivíduo não precisa, necessariamente, pertencer a um grupo ou movimento organizado, nem ter suas bandeiras claramente constituídas. O entendimento dessas causas se construirá no experimentar da comunicação e no processo de investigação do território e da comunidade.

Da mesma forma que os conceitos e a prática da comunicação comunitária e da popular se relacionam e se confundem, a chamada comunicação alternativa também. Historicamente, o termo “comunicação alternativa” surgiu tanto como referência à comunicação popular – já que esta não tinha o caráter de longo alcance ou o mesmo teor do

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9  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. 2006, Op. cit. p. 4.

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Comunicação alternativa

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que era veiculado pela grande imprensa – quanto para designar todo conteúdo que não era alinhado aos ditames da mídia tradicional, especialmente na época da censura imposta pelo regime militar a partir de 1964. A comunicação alternativa era, essencialmente, representada pelos jornais que combatiam e contestavam a ditadura nas décadas de 60 a 80. Simbolizada por periódicos como Pasquim (1969) e Movimento (1975), entre outros, tinha como proposta ser combativa, situando-se à esquerda da ordem vigente. Em seu ideário estavam a busca da transformação social e a implementação de um novo regime político, longe dos braços ditatoriais do governo. Vale ressaltar que este momento se reproduzia por toda a América Latina, em especial na Argentina e no Chile, países que enfrentavam uma situação semelhante à do Brasil.10 Com o fim da ditadura e a progressiva liberdade de imprensa, muitos desses jornalistas e comunicadores que participavam dos periódicos de esquerda foram absorvidos pela grande mídia e por veículos de larga circulação. Mas, da mesma forma como esse grupo não se sentia representado pela imprensa na ditadura, outros passaram a questionar esta nova e recémliberta mídia. Assim, surgem outros veículos, com outras premissas, mas também à margem esquerda, como oposição à oferta de informação dos grandes meios. Este é o caso de grupos que, a partir da década de 90, viram na Internet a possibilidade de criar novas redes de comunicação, com ideais anticapitalistas e contrários ao neoliberalismo dos regimes pós-ditatoriais da América Latina. Também nos Estados Unidos e na Europa, estes coletivos surgem como resposta contrária ao modus operandi do sistema de globalização e massificação dos indivíduos. Entre eles, destaca-se o grande movimento global por uma imprensa alternativa, que geraria o Centro de Mídia Independente (Veja Boxe a seguir).

Como exemplificado na descrição do Centro de Mídia Independente brasileiro, a comunicação alternativa sempre teve como objeto algo diferente da comunicação fundada nos instrumentos de poder. 10  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. 2006. Op. cit. p. 7.

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A busca pela mudança

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Em Seattle, surge a pedra no sapato neoliberal O Centro de Mídia Independente (CMI) nasceu em 1999, em Seattle, como forma de veicular notícias sobre os protestos dos grupos contrários à reunião da cúpula da Organização Mundial do Comércio (WTO), no mesmo ano. Esse movimento cresceu e, hoje, está em todos os continentes do globo e em vários países, inclusive no Brasil. “O CMI Brasil é uma rede de produtores e produtoras independentes de mídia que busca oferecer ao público informação alternativa e crítica de qualidade, que contribua para a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente. O CMI Brasil quer dar voz a quem não tem voz, constituindo uma alternativa consistente à mídia empresarial que frequentemente distorce fatos e apresenta interpretações de acordo com os interesses das elites econômicas, sociais e culturais”, indica o texto da página principal

11  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. 2006, Op. cit. p. 8.

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Peruzzo, todavia, aponta que o título de alternativo ficou também associado à forma e às características que os veículos de comunicação popular e comunitária assumiram. Alguns exemplos são o “teatro popular, literatura de cordel, alto-falantes, folhetos, cartilhas, vídeos, slides, carro de som etc. – do circuito dos movimentos populares”. Ao mesmo tempo, a “imprensa popular” produzia seus veículos alternativos, como, por exemplo, o “Mulherio, produzido por um grupo de mulheres que tratava a situação do público feminino na sociedade; e o Parantim, do Conselho Indigenista Missionário, que abordava a questão do índio”11. Eram grupos considerados excluídos da sociedade, mas com suas particularidades e direitos específicos a serem reivindicados. É nesse contexto plural e intercambiável que as comunicações popular, alternativa e comunitária coexistem. Todas as três compartilhando a vontade de transformação e o estar à margem. Todas, também, ligadas à necessidade de tornar o indivíduo autor de sua própria história, como tanto defendeu o educador Paulo Freire.

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do site. Mais informações www.midiaindependente.org.

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Mas, afinal, o que é comunicação comunitária? Para as pesquisadoras Luzia Deliberador e Ana C. Vieira, a comunicação comunitária é “o canal de expressão de uma comunidade (independente do seu nível socioeconômico e território), por meio do qual os indivíduos possam manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. De ser um instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, sempre com a preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local”.12 Assim, a comunicação comunitária tem, por princípio, ser o instrumento ou a ferramenta de um grupo de pessoas que se juntam por proximidades culturais, físicas e/ou geográficas. Para Peruzzo e outros importantes teóricos, esta comunicação carrega consigo a emancipação crítica e a autonomia do indivíduo, o direito à livre expressão, a postura democrática e horizontal de investigação e veiculação da informação, as relações afetivas do indivíduo com seu território, o reconhecimento do Outro13 como parte do coletivo e, acima de tudo, o diálogo como instrumento político. Esta posição é defendida e desenvolvida pelo Aprendiz em suas práticas.

Comunicação como resposta

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Enquanto os movimentos de mídia alternativa questionam o modelo defendido pelas grandes empresas de comunicação e a comunicação popular deseja promover a bandeira dos movimentos organizados, a comunicação comunitária busca aproximar as diferentes peças de uma determinada localidade. Ela nasce em resposta à desarticulação dos diferentes setores que compõem uma sociedade, e sua intenção é entender como as pessoas, órgãos e equipamentos públicos, privados e do terceiro setor formam, com suas conexões, a imbricada teia do tecido social. 12  DELIBERADOR, Luzia; VIEIRA, Ana C. apud PERUZZO, Cicília Maria Krohling. 2006, Op. cit. p. 9. 13  “Outro”, em maiúscula, refere-se à definição de Alteridade, conceito da antropologia e da psicologia que, grosso modo, defende a coexistência e interdependência do indivíduo em relação aos outros de seu coletivo. A imagem do ser é compreendida pela outra pessoa de forma muito própria e única a partir de percepção calcada nas suas referências socioculturais, memória e psique. Assim, a imagem que se faz do objeto é sempre uma leitura de veridicção. (ZANELLA, Andrea. Sujeito e alteridade: reflexões a partir da psicologia histórico-cultural. Porto Alegre: Psicologia & Sociedade, 2005).

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14  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. 2006, Op. cit. p. 13.

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15  Cidade Escola Aprendiz. Proposta pedagógica, 2007.

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É preciso lembrar que, assim como a comunicação popular está diretamente relacionada ao conceito de “povo”, a comunicação comunitária se relaciona com o de “comunidade”, conceito complexo e em permanente reformulação. São inúmeros os teóricos e pesquisadores que se debruçaram sobre o tema, investigando os limites geográficos, territoriais, físicos, psicológicos e afetivos que determinam a constituição de um grupo em uma comunidade. Para Peruzzo, “as comunidades continuam a se caracterizar pela existência de um modo de relacionamento baseado na coesão, convergência de objetivos e de visão de mundo, interação, sentimento de pertença, participação ativa, compartilhamento de identidades culturais, corresponsabilidade e caráter cooperativo. (...) Portanto, a simples proximidade geográfica ou residencial (morar no mesmo bairro ou no mesmo condomínio), o fato de pertencer a uma mesma etnia, e assim por diante, não necessariamente revelam a existência de uma comunidade”.14 Ao mesmo tempo, é possível identificar, em um mesmo território, a coexistência de diferentes comunidades, estas entendidas e compreendidas de acordo com um ou mais pontos anteriormente descritos. E é justamente por essa multiplicidade que a comunicação se faz sempre e continuamente premente. A Cidade Escola Aprendiz, ao defender o conceito de Bairro-Escola, o entende na perspectiva de um “arranjo educativo local, que articula o território, suas relações e conflitos (...) e que tem como objetivo o desenvolvimento humano integral, na perspectiva da garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, da ampliação do seu repertório sociocultural e do fortalecimento da sua capacidade associativa e de participação ativa na sociedade”.15 Ora, para identificar esses arranjos e fortalecer a capacidade associativa dos indivíduos e segmentos do território, é fundamental que eles estejam conectados e se comuniquem, trocando ideias, desejos e anseios e propondo ações coletivamente. Dessa forma, ao olharmos o conceito de Bairro-Escola, de imediato somos orientados a uma comunicação voltada para esse indivíduo e construída por ele e para ele, no seu coletivo e em suas múltiplas comunidades.

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Relações afetivas A comunicação comunitária é uma necessidade expressa de um determinado grupo e, por isso, assume as características dos indivíduos que a compõem. Os significados do território – seja ele geográfico ou não – estão diretamente associados aos sentimentos, memórias e imagens construídos sobre o espaço e sobre os relacionamentos que nele se estabelecem. São essas relações afetivas com o território e com o coletivo que pautam todo o processo de criação e gestão de um equipamento comunitário. Somente quando se sentem pertencentes e partes do coletivo é que os agentes se tornam mobilizadores envolvidos em uma proposta de comunicação comunitária. Da mesma forma, a Associação Cidade Escola Aprendiz defende que o indivíduo participante de um processo de comunicação comunitária viabilize sua relação com o Outro – aquele que, invariavelmente, é diferente dele. Para o filósofo e pesquisador em comunicação José Luiz Aidar Prado, “o pensamento pós-moderno considerou, em geral, a alteridade como absoluta”16, mas esse é um pressuposto falho. Há a necessidade, diz ele, de se assumir, reconhecer, apreciar e não violar a alteridade do Outro. É como se um jogo de espelhos se fizesse permanentemente necessário, buscando que o indivíduo encontrasse no Outro a possibilidade do diálogo e da apreciação.

Essa relação sentimental com o território e com o coletivo também é uma característica da informação na comunicação comunitária, possibilitando afirmar que a notícia, neste caso, é hiperlocal. Diferente do que acontece no cenário das capitais, ou nos grandes centros de circulação das cidades, a notícia comunitária é aquela que acontece nas ruas de bairro, becos, praças, vielas e casas. 16  PRADO, J. L. A. A construção do Outro nas revistas semanais. Trabalho publicado no GT Ethics of Society Ethics of communication International Association for Media and Communication Research (IAMCR), em 2004. Disponível em http:// iamcr.org/

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A notícia é hiperlocal

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18  Slobodan Milosevic foi presidente da Sérvia de 1989 a 1997 e da República Federal da Iugoslávia de 1997 a 2000. Principal líder do Partido Socialista da Sérvia, Milosevic foi julgado no Tribunal Internacional de Haia pelos crimes que cometeu contra os direitos humanos, em especial durante as guerras na Croácia, Bósnia e Kosovo. Ele nunca chegou a ser efetivamente condenado, pois faleceu durante os processos do julgamento, em 2006.

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17  MATIC, Veran. B92, A Rádio Movimento. Porto Alegre: Via política, 2006.

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Neste contexto, em que o “micro” e o “local” são mais importantes, o indivíduo é capaz de se enxergar no seu tecido social e na sua rede de relações. Ao investigar uma informação com seu vizinho, por exemplo, ele olha para a sua própria realidade e imagem. Aquilo que ele relata, por sua vez, instiga o vizinho a cogitar, ainda que discretamente, a possibilidade de também produzir histórias e, assim, também se reconhecer. Trata-se, portanto, de um processo diretamente ligado a uma mudança cultural, a qual impele o indivíduo a se tornar um agente de comunicação no seu coletivo, deixando para trás a passividade na relação com a informação. Ao se verem e se reconhecerem, os participantes de processos de comunicação comunitária percebem a importância da sua presença naquele conjunto – ora como produtores, ora como fontes de informação. E, quando esses laços se estabelecem, a relação com a comunidade se estreita e se torna ainda mais fundamental. É o exemplo das rádios instantaneamente reabertas pela comunidade após serem fechadas pela polícia por estarem em situação ilegal. Reabrir e manter o veículo tornam-se necessidades absolutas para aquele grupo. “Decidimos desenvolver uma concepção que fizesse nossa voz ser ouvida não importando o que o governo fizesse para nos reprimir. (...) O governo poderia nos silenciar apenas se nos matasse. (...) Uma parte integrante de nossa estratégia era voltar à ativa com mais energia e motivação após cada ato de repressão”,17 conta o jornalista sérvio Veran Matic, fundador em 1989 da rádio B92, inúmeras vezes fechada pela ditadura de Slobodan Milosevic18 . A rádio, posteriormente batizada de Movimento, foi exemplo da luta pelos direitos humanos e ganhou imenso apoio internacional, inclusive da Organização das Nações Unidas (ONU).

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De súdito a cidadão É nesse contexto que se apresenta também a importância de a comunicação comunitária ser fundada no princípio da liberdade de expressão e do direito à comunicação. No Brasil, esse direito é garantido pela Constituição Federal, que afirma que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição” 19 (Artigo 222). Ainda, de acordo com Peruzzo, as pessoas que se inserem em movimentos comunitários participam de um processo de educação informal que “contribui para a elaboração – reelaboração das culturas populares e formação para a cidadania. (...) A conquista da cidadania significa a passagem de súditos para cidadãos, cujo arcabouço social requer o envolvimento das pessoas, condicionando-se seu status de cidadão à qualidade da participação”.20

“Em efeito, todo processo educativo é um processo de comunicação (...). Nós buscamos 19  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 20  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação comunitária e educação para cidadania. Revista PCLA. out./nov./dez. p. 2 a 4. São Paulo: Metodista, 2002. Disponível em: https://encipecom.metodista.br/mediawiki/images/b/bf/Cicilia_Peruzzo.pdf. Acesso em: 30 mar. 2010.

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Sob a égide do direito à produção de informação, o indivíduo se vê responsável pelo coletivo, pois, ao produzir a informação, se responsabiliza pelos impactos que ela terá na sociedade. Ou seja, ele sofre influência direta do território, mas também o altera, e é dessa dialética que surge a necessidade de sua formação crítica permanente. É por isso que, muitas vezes, processos de comunicação comunitária se fundem aos da educomunicação: ambos fazem do ato de comunicar uma experiência de constante reflexão e voltada à formação cidadã. Aludindo diretamente à educomunicação como possibilidade de o indivíduo criar sua própria forma de se comunicar, o educador Kaplún diz:

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21 KAPLÚN. Op. cit. p. 9 a 18. 22  PAIVA, Raquel. O espírito comum: comunidade, mídia e globalismo, 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. p. 145.

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Kaplún explica que, assim como existe uma educação “bancária”, na qual o aluno é um receptáculo do conhecimento do professor, existe também uma comunicação bancária, em que o receptor da informação jamais é convidado ou tem espaço para sua produção. “O emissor domina, é o dono, o protagonista da comunicação”, afirma o estudioso. Para ele, este modelo está tão arraigado na nossa sociedade que, não raro, acaba sendo reproduzido pela comunidade. Assim, ele propõe uma educação (ou comunicação) que forme pessoas para que transformem suas realidades.21 Quando passa a produzir informação de forma crítica, dialogando, questionando e reconstruindo a visão que tem de si mesmo e do grupo, o sujeito torna-se um elemento ativo em seu coletivo. O mesmo fenômeno se repete com a comunicação comunitária: uma vez que é moldada criticamente pelos comunicadores que a compõem, ela conduz à perda da “ingenuidade sobre as estratégias e as possibilidades de manipulação de mensagens pelos grandes meios de comunicação em massa”. Tendo o equipamento comunitário como seu instrumento de transformação social, o indivíduo se torna leitor, ouvinte, consumidor crítico e, conforme reconhece e investiga seu território em busca de informações hiperlocais, também se converte em propositor de ações e de mudanças. Neste sentido, Raquel Paiva, outra importante pesquisadora da temática, aponta para a necessidade da figura de uma espécie de “mediador” que sustente essa ligação entre a comunicação comunitária e a educação. Esse indivíduo, que pode ser da comunidade, não deve ter um papel apenas técnico. Ele deve assumir uma visão política de si mesmo, do contexto em que se insere e, é claro, do uso das mídias. Paiva insiste no seguinte ponto: para que um veículo seja efetivamente comunitário, é preciso que a comunidade participe da sua criação, sendo instigada por esse agente mobilizador e educador. Para ela, “é preciso enquadrar essa preocupação educacional no propósito de entendimento do próprio quotidiano e da capacidade de transformá-lo”.22

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‘outra’ comunicação: libertadora, participativa, conscientizadora, problematizante. Para isso também precisamos ser eficazes. Porém, com outros princípios, com outras bases, e até com outras técnicas.”

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Experiências bem-sucedidas Com base em uma maior consciência do cidadão sobre sua possibilidade de ser produtor de informação, a proposta de uma comunicação de caráter comunitário, muitas vezes coexistente à comunicação popular e alternativa, ganhou espaço no tecido social, pressionando o Estado a legitimar o direito constitucional de produção de conteúdos por quaisquer indivíduos. Embora ainda muito aquém do desejado pelos movimentos que lidam com o tema, houve avanços significativos na política brasileira pela democratização da comunicação. Uma das conquistas foi a Lei 9.612, de 1998, que regulamenta a radiodifusão de baixa potência, permitindo a legalidade de rádios comunitárias. Outra novidade, de acordo com Peruzzo,

Cabe destacar, no entanto, que estas legislações ainda não cumprem seu papel. Há um grande número de processos aguardando parecer e muitos questionam os instrumentos adotados, levando diversos grupos a manterem seus veículos na ilegalidade como forma de exigir o livre direito à comunicação. Exemplos de comunicação comunitária são inúmeros: há veículos mantidos por organizações religiosas, do terceiro setor ou até pelo comércio local, que os sustentam com anúncios e parcerias. Aos poucos, jornais, rádios, fanzines e outros veículos comunitários vêm ganhando espaço e transformando as relações com o território onde se inserem. É o caso, por exemplo, de O Cidadão, jornal comunitário produzido e veiculado gratuitamente no Complexo da Maré, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, que passou a atingir a expressiva tiragem de 20 mil exemplares mensais. Ou, ainda, da Rádio Heliópolis, em São Paulo, que se tornou um ponto de encontro onde, além de encontrar a informação local, a comunidade pode noticiar suas angústias e notificá-las ao poder público. No oeste do Pará, na região do rio Tapajós, a rede e a TV Mocoronga, organizadas pelo Projeto Saúde e Alegria, congregam

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“foram os canais comunitários, no sistema cabo de televisão, viabilizados pela Lei 8.977/95 e regulamentados pelo decreto 2.206/97 (...). Segmentos sociais até então alijados do poder de transmissão e gestão de mídia passam a ter o direito de fazê-lo.”

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notícias produzidas e exibidas nas comunidades ribeirinhas. O objetivo: garantir o acesso da população local à sua própria cultura, geralmente ignorada pelas mídias tradicionais. Outras, como a Rádio Movimento, iniciativa sérvia já citada, permanecem ativas até os dias atuais e se reconfiguram de acordo com a evolução e as novas demandas do contexto onde se inserem. A Associação Cidade Escola Aprendiz, por sua vez, também propõe e articula processos em seus locais de atuação. Um exemplo é a Agência Comunitária de Notícias de Pinheiros, que desde 2008 constrói, em conjunto com o entorno do bairro, uma proposta de plano e veículo comunitário de comunicação. Outro exemplo é o grupo Navegantes da Notícia, que ao término do projeto com o Aprendiz, em 2010, tornou-se autônomo e permanece em ação no bairro do Grajaú, periferia da zona sul paulistana. As práticas de cada um dos equipamentos de comunicação comunitária são sempre muito particulares, mesmo quando uma mesma organização está envolvida em mais de uma delas. A função que a comunicação assume em cada caso também é diversa. Peruzzo, ao descrever rádios comunitárias, conta que, “por exemplo, em Cássia, Minas Gerais, a rádio ajudou a baixar o preço do saco de cimento de 10 para 6 reais no comércio varejista; em Andradina, São Paulo, estimulou a comunidade local a plantar um número recorde de árvores no mais curto espaço de tempo; no Maranhão, uma delas serve para a professora dar aulas a distância, uma vez que nem sempre as crianças conseguem atravessar o rio para chegar à escola”. Mas, ainda que diversas, as experiências e a própria concepção de comunicação comunitária se fundem como instrumento político. Assim, quando se encontram e participam de uma de suas atividades, os cidadãos de um determinado território passam a se reconhecer como indivíduos. Independentemente do uso prático da informação veiculada, o próprio ato de comunicar torna-se um ato político e de cidadania. No mesmo ritmo em que o cidadão se articula com o Outro e recupera, coletivamente, a memória do seu território, ele também vê a si próprio, enxerga o coletivo, percebe as relações que ali se estabelecem e, então, dá sentido ao diálogo. Essa lógica se repete em escala: o indivíduo vê o outro, que vê o todo, que por sua vez participa do coletivo, que compreende o indivíduo. Forma-se uma rede que tem na comunidade as notícias que são necessárias tanto para sua articulação quanto para sua sustentabilidade. No lugar de um receptor passivo, “bancário” da informação, entra o agente

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Navegantes da Notícia Grajaú - São Paulo

EM RESUMO O Aprendiz nasceu a partir de dois projetos de comunicação: a criação de conteúdos web e intervenções artísticas em muros da cidade, realizadas por jovens. Na história do Aprendiz e do Bairro-Escola, a comunicação comunitária é voltada à mobilização e articulação do capital social de um território. As “comunicações” comunitária, popular e alternativa têm como desejo comum a transformação do indivíduo em autor de sua própria história. A comunicação popular se caracteriza pela divulgação de bandeiras de minorias populares organizadas, como os movimentos sociais e de base. A comunicação alternativa tem como marca principal a contestação do modelo e o emprego de formas alternativas de difusão da informação.

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ativo, transformador de seu meio e coletivo – e isso nada mais é do que um ato político. Somente por meio deste ato – que embute, necessariamente, a intenção de dar vazão aos sonhos, às demandas e (por que não?) à transformação e sustentabilidade daquele território –, é possível promover a verdadeira articulação entre os diferentes setores.

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A comunicação comunitária não possui bandeiras preestabelecidas: o envolvimento com a causa se fortalece no processo de investigação do território. O conceito antropológico do “Outro” (e seu reconhecimento) é um importante aspecto a ser trabalhado nos projetos de comunicação comunitária. A proximidade geográfica não define sozinha a existência de uma comunidade: para reconhecê-la, é preciso identificar a relação afetiva dos indivíduos com seu território. Somente quando se sentem pertencentes e parte do coletivo é que os agentes se tornam mobilizadores envolvidos em uma proposta de comunicação comunitária. A informação buscada, num processo de comunicação comunitária, é a hiperlocal (o que acontece na rua do bairro, na praça, na casa do vizinho...). A comunicação comunitária também se funde à educomunicação, pois ambas levam a uma experiência de constante reflexão e formação cidadã. As leis que regulamentam as rádios e os canais de TV comunitários indicam que o Estado tende a legitimar o direito constitucional de produção individual do conteúdo.

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Para saber mais PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Participação nas Rádios Comunitárias no Brasil. Portugal: Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/_texto. Acesso em: 3 jul. 2010.

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LIVRE DIÁLOGO, REFLEXÃO CRÍTICA E AÇÃO TRANSFORMADORA

Alan Ary Meguerditchian, jornalista pela Faculdade Cásper Líbero, cientista social pela USP e mestrando em História e Política da Educação pela PUC, atua como gestor dos veículos de comunicação

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da Associação Cidade Escola Aprendiz.

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“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens.” Paulo Freire

Em sua obra

A palavra, estruturadora maior do diálogo e alma da comunicação, não pode ser proibida ou silenciada, mas proferida por todos os seres humanos. 1  FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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“a verdadeira comunicação não admite uma só voz, um só sujeito, a transmissão, a transferência, a distribuição, um discurso único, mas sim a possibilidade de muitas vozes, alteridade cultural, independência e autonomia dos sujeitos, inúmeros discursos, enfim, estruturas radicalmente democráticas, participativas, dialógicas”.1

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Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire estabelece o diálogo entre os homens como a essência do processo educativo e formativo da humanidade. Para que essa troca ocorra e os seres humanos se tornem sujeitos ativos e autodeterminados, a comunicação deve ser legitimada como valor primordial e direito humano inalienável. Para o educador brasileiro,

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Apesar disso, o desenvolvimento da comunicação – desde a linguagem oral até os sistemas colaborativos da internet – é promovido paralelamente às disputas decorrentes das relações de poder na sociedade. Fruto e construtora das relações sociais, a palavra, essência da comunicação, é o principal signo humano de socialização e é nas relações sociais que se determinam os diferentes, desiguais e contraditórios caminhos e realidades tomados pela humanidade. É notável, por exemplo, que a comunicação, ao lado de outros campos do saber, tenha se inserido definitivamente como um conhecimento a ser pesquisado e explorado no período das duas grandes guerras mundiais. Neste período, o interesse pelos meios de comunicação de massa (rádio e cinema, inicialmente), o conteúdo de suas mensagens e seu impacto nas sociedades obscureceram “por muito tempo a práxis do processo original: a comunicação”.2 Aprovada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos insere o direito à comunicação desta forma: “Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por quaisquer meios de expressão”.

“as liberdades de informação e de expressão não dizem respeito apenas ao acesso da pessoa à informação como receptor, nem apenas ao direito de expressar-se (...), mas de assegurar o direito de acesso do cidadão e de suas organizações coletivas aos meios de comunicação 2  GOMES, Raimunda A. L. A Comunicação como direito humano: um conceito em construção. Dissertação de mestrado. Recife: UFPE, 2007.

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A partir desse marco, e sob o ponto de vista teórico, a comunicação passa a ser tratada como um direito individual ao acesso à informação e à liberdade de expressão. Tal concepção foi renovada ao longo da segunda metade do século XX. De acordo com Peruzzo, a dimensão do direito à comunicação como acesso ao poder de comunicar passa a ser incluída, principalmente, por meio da atuação dos movimentos sociais. Para a pesquisadora,

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social na condição de emissores – produtores e difusores – de conteúdos. Trata-se de democratizar o poder de comunicar”.3 Apesar desse processo, os documentos permaneceram adotando o conceito individualista das liberdades fundamentais ou fazendo referência aos meios de comunicação como instrumentos de promoção dos direitos humanos. A Constituição Brasileira de 1988, por exemplo, diz: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (Título II, Cap. I, art. 5º, IX). Além disso, diversas conferências do final do século XX e início do século XXI produziram documentos que tratam da comunicação. Dentre eles, destacam-se três: Um Mundo e Muitas Vozes – Relatório MacBride (UNESCO, 1983) Declaración Universal de la UNESCO sobre La Diversidad Cultural (UNESCO, 2001) Declaración sobre los Derechos de la Comunicación (UNESCO, 2003) Segundo Raimunda Gomes, “a informação com o tema do livre fluxo domina de 1946 até 1964, quando em 1966 entram as questões do fluxo desigual, o tema do direito à comunicação, Nomic4 . A partir daí a comunicação divide espaço com a informação e a informática, hegemonia da visão instrumental”.5

J. da C. (Org.). Comunicação pública. Campinas: Alínea, 2004. p. 49–79. 4  Nomic: Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação. Trata-se de um conceito construído no chamado Relatório MacBride, da UNESCO, que buscava analisar os problemas da comunicação na sociedade. A concentração da mídia, o acesso desigual e o desequilíbrio dos fluxos de informação foram alguns dos aspectos levantados. Como sugestões, o documento propunha uma maior democratização da comunicação e o fortalecimento das mídias nacionais. 5  GOMES, Raimunda. Op. cit.

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3  PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania. In: OLIVEIRA, Maria

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O advento da internet e sua expansão a partir da década de 90 inserem novos elementos no debate. O poder de produção de comunicação se potencializa com o surgimento dos blogs, redes sociais, “wikis”, web 2.0, web semântica e muitos ambientes e ferramentas virtuais, que passam a ser considerados revolucionários, capazes de promover uma

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nova era. Mas, antes de entrarmos nos potenciais do mundo virtual, relembremos alguns fatos anteriores a este momento.

Da imprensa proibida à imprensa censurada Desde os primeiros meios impressos, com a revolução da prensa gráfica, no século XV, passando pelos meios de comunicação de massa da era industrial, na segunda metade do século XX, e chegando até a contemporaneidade do mundo virtual, a comunicação tem uma marca comum em todo o mundo: a construção do conhecimento ou, simplesmente, o acesso às informações não são igualmente compartilhados por todos. No caso do Brasil, a história da imprensa começa apenas com a chegada da família real portuguesa, em 1808. Em 13 de maio daquele ano, 41o aniversário de Dom João, a Impressão Régia foi criada por decreto. Até então, qualquer atividade de imprensa era proibida, incluindo a publicação de jornais, livros ou panfletos. Enquanto isso, a imprensa já existia desde o século XVI em outras colônias europeias no continente americano. Segundo o livro História da Imprensa no Brasil, do historiador Nelson Werneck Sodré, o México teve seu primeiro jornal publicado em 1539, o Peru em 1583 e as colônias inglesas já contavam com a imprensa a partir de 1650. Em 10 de setembro de 1808, o primeiro jornal publicado em território nacional é lançado: a Gazeta do Rio de Janeiro. De acordo com Sodré:

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“Era um pobre papel impresso, preocupado quase que tão somente com o que se passava na Europa, de quatro páginas, poucas vezes mais, semanal de início, trissemanal depois”.6 Já com o fim da proibição, após a Revolução do Porto, surge em 1821 o Diário do Rio de 6  SODRÉ, Nelson W. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. O Correio Braziliense foi impresso em 1o de junho de 1808, mas em Londres, Inglaterra. Alguns historiadores o consideram o primeiro jornal brasileiro, por conta de seu caráter nacional, enquanto outros dizem que era uma revista mensal distribuída também em Portugal e em algumas colônias portuguesas. Foi batizado como “Braziliense” em razão da importância do Brasil para o império naquele momento.

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Janeiro. Voltado para a elite do país, foi o primeiro jornal informativo e diário a circular no Brasil, e ocupava-se de questões locais (Sodré, 1999). Nos dois anos seguintes, mais de 50 periódicos surgiriam no Rio de Janeiro. No século seguinte – mais especificamente em 1968, sob o domínio da ditadura militar – a imprensa sofre um novo e duro golpe. É criado o Ato Institucional no 5, que proíbe “atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política”, além de dar poderes extraordinários ao presidente da República e suspender várias garantias constitucionais. Assim, jornais são censurados e jornalistas, ativistas e intelectuais são presos, torturados e mortos. Até o processo de abertura, iniciado no fim da década de 70, a sociedade brasileira é duramente reprimida com a impossibilidade do mínimo direito ao acesso ou produção de informação e expressão. Durante o período, grandes veículos e a imprensa nanica que tentaram exercer a livre comunicação são perseguidos.7 Até mesmo a obra Pedagogia do Oprimido sofre com a censura, como lembra Venício de Lima. Concluída por Paulo Freire em 1968, durante seu exílio no Chile, a primeira edição do livro é lançada nos Estados Unidos. Somente em 1974 – durante os anos de “abertura lenta, gradual e segura” do general Ernesto Geisel – a obra vem a ser publicada no Brasil pela editora Paz e Terra. Nesta altura, o livro já havia saído em inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, grego, holandês e, também, em Portugal.

7  AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: Edusc, 1999.

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Paralelamente a esse processo político, a concentração de grandes empresas de comunicação intensifica-se no Brasil e no mundo. Se em meados dos anos 80 as corporações midiáticas transnacionais são cerca de meia centena, em 1993 são reduzidas a 27 e, no final de 2000, observam-se apenas sete: Disney, Time Warner, Sony, News Corporation, Viacom, Vivendi-Universal e Bertelsmann. Todas elas provenientes do mundo desenvolvido: EUA, Europa e Japão.

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Já no Brasil, dez grupos familiares controlavam a quase totalidade dos meios de comunicação de massa nas três últimas décadas do século XX: Abravanel (SBT), Bloch (Manchete), Civita (Abril), Frias (Folha de S. Paulo), Levy (Gazeta Mercantil), Marinho (Globo), Mesquita (O Estado de S. Paulo), Nascimento Brito (Jornal do Brasil), Saad (Bandeirantes) e Sirotsky (Rede Brasil Sul). Como conta Costa: “Nos primeiros anos do novo século, quatro dos dez grupos familiares foram atingidos por uma crise que, na realidade, havia arrasado três deles muito antes da virada de século. O furacão levou em seu torvelinho o grupo Bloch, fez mudar de mãos o Jornal do Brasil e também a Gazeta Mercantil – ambos passaram para o controle do empresário Nelson Tanure – e retirou das mãos da família Mesquita a gestão do grupo Estado”.8 Assim, o século XXI começa com seis dos dez velhos grupos tradicionais de mídia ainda sob o comando das respectivas famílias (Abravanel, Civita, Frias, Marinho, Saad e Sirotsky). Com a liberdade de expressão instaurada novamente no Brasil e com o número de grandes empresas diminuindo cada vez mais, constrói-se uma realidade na qual a sociedade organizada pode e deve atuar sobre a comunicação. O boxe a seguir identifica alguns dos veículos alternativos que possibilitam essa movimentação e articulação.

Você conhece? Portal Aprendiz: site jornalístico da Associação Cidade Escola Aprendiz. Reporta diariamente notícias de educação e direitos humanos. Nasceu em 1997, como um projeto de educomunicação que envolvia alunos de escolas públicas e privadas. com jovens e adolescentes, trabalhando princípios como direitos humanos e educação por meio da comunicação.

8  COSTA, Caio Túlio. Modernidade líquida, comunicação concentrada. Revista USP, No. 66, São Paulo, 2005.

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Viração: projeto que envolve revista, site e conselhos editoriais jovens. Criado em 2003, atua

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Rede ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância): busca colocar a infância e a adolescência como prioridades da política pública. Para isso, reúne 11 organizações que pautam e qualificam a cobertura realizada pela mídia, via ações e conselhos, e promovem formações em comunicação para jovens. Campanha CRIS (sigla em inglês para Direitos da Comunicação na Sociedade da Informação): surgiu dos debates iniciados para a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI), em 2005. Busca construir uma sociedade da informação justa e participativa. Intervozes: criado em 2002, o coletivo trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil. Para isso, acompanha e fiscaliza as ações do Executivo, Legislativo e Judiciário relativas à comunicação e monitora as violações ao direito à comunicação denunciando-as.

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Os espaços consolidados pela atual legislação, no entanto, ainda não são reconhecidos por todos como legítimos no sentido de darem voz aos anseios da sociedade e proporem encaminhamentos para as políticas do país voltadas ao tema. O estudo Participação Social e as Conferências Nacionais de Políticas Públicas, publicado em 2009 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que, apesar da concepção democrática e da participação social verificadas nas conferências nacionais, a implementação e o aproveitamento das propostas ainda não estão claros. Segundo o estudo, é necessário um levantamento que verifique a capacidade do Estado de responder à quantidade expressiva de novas (e antigas) demandas. Falta, às ideias desenvolvidas, um “método institucional de gestão”. Amparadas pela Constituição Brasileira de 1988, as Conferências Nacionais se fortaleceram como instrumento de relacionamento e articulação do poder público federal com a sociedade civil a partir de 2003. Desde então, segundo a Secretaria Geral da Presidência, mais de 60 conferências foram realizadas, entre elas as Conferências Nacionais de Esporte, Segurança Alimentar, Educação, Assistência Social, Meio Ambiente e diversas outras. Em

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Novos espaços de comunicação

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média, 1.500 pessoas participam de cada evento, sendo cerca de 55,1% representantes da sociedade civil, 36,6% da esfera governamental e 8,3% observadores, representantes de órgãos do legislativo ou de organismos internacionais. Um exemplo desses espaços foi a I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009, que aprovou propostas como a criação de um Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos, a proibição da publicidade destinada às crianças menores de 12 anos, a criação de Observatório de Mídia de Igualdade Racial, a desburocratização dos processos de autorização para rádios comunitárias e a definição do conceito de “produção independente”. A Conferência contou com a participação de mais de 2 mil pessoas, entre delegados, convidados e espectadores. No total, mais de 6 mil propostas foram apresentadas e posteriormente resumidas em cerca de 1,5 mil. Deste universo, 672 foram aprovadas. Como é de se esperar num encontro destas proporções, algumas propostas aprovadas geraram polêmica entre entidades de classe, movimentos sociais e veículos de comunicação. Foram os casos, por exemplo, da ideia de criação de um mecanismo de fiscalização (com controle

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Revista Viração

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social e participação popular) sobre atividades da mídia, da criação dos conselhos Nacional de Comunicação e Federal de Jornalismo e da proibição, a políticos, de serem proprietários de emissoras de TV. Os defensores de tais medidas, no entanto, defenderam que as decisões caminham no sentido de tornar a comunicação no país mais democrática, principalmente em relação à descentralização das empresas de comunicação.

Conferência Nacional de Comunicação A 1a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) aconteceu em Brasília de 14 a 17 de dezembro de 2009 e contou com a participação de mais de 2 mil pessoas – boa parte como delegadas eleitas em etapas municipais e estaduais. Mais de 6 mil propostas foram apresentadas, e, ao final do encontro, 672 delas foram aprovadas e encaminhadas em relatório sobre a comunicação no país, divididas em seções que vão desde a regulamentação dos meios e veículos de comunicação até propostas para monitoramento da qualidade do que é produzido como informação no Brasil. A conferência é um instrumento de consulta à população sobre como orientar as políticas públicas do país. Embora não possuindo caráter deliberativo, a carta de resoluções produzida no espaço irá direcionar futuras ações na área. As grandes associações da mídia privada não participaram do evento, mas a ideia da conferência suscitou debates e importantes reflexões sobre a participação da sociedade em decisões sobre a política nacional de comunicação. Para saber mais, acesse o blog da Confecom, gerenciado pelo Observatório do Direito à

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Já associações como a Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Brasileira de Internet, a Brasileira de TV por Assinatura, a de Jornais e Revistas do Interior do Brasil, a Nacional dos Editores de Revistas e a Nacional de Jornais – todas elas constituídas pelas grandes empresas de comunicação que não participaram do evento – consideraram que as propostas de controle social da mídia são uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e a livre iniciativa.

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Comunicação: http://www.direitoacomunicacao.org.br/blogconfecom/

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Outro exemplo dessa disputa é a terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Lançado também em dezembro de 2009, o documento propunha um conjunto de ações para diversas áreas, inclusive para a de comunicação, entre elas: criação de marco legal regulamentando o artigo 221 da Constituição, que estabelece o respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas; elaboração de critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de direitos humanos e também daqueles que cometem violações neste sentido; promoção de parcerias com associações de mídia, profissionais de comunicação, entidades sindicais e populares para a produção e divulgação de materiais sobre direitos humanos; avanço na regularização das rádios comunitárias e promoção de incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais. Na afirmação de Venício de Lima, o documento lançado sofreu um processo de “satanização” por parte da grande mídia. Tamanha foi a pressão contra ele que o governo acabou cedendo e modificando seu texto original. Assim, o trecho “como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”, por exemplo, foi excluído do plano pelo Decreto no 7.177/2010. No entanto, não é objetivo dessa breve reconstituição apontar quem está certo ou errado. Sabemos que as disputas entre os agentes sociais envolvidos fazem parte do processo democrático. As grandes empresas de mídia têm seus interesses e objetivos, assim como os movimentos sociais e os pequenos comunicadores locais – sem esquecer, é claro, do governo. Como exemplo disso, e apenas para ampliar o debate da comunicação para além do jornalismo, podemos resgatar um caso recente na área da publicidade. Por meio

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A questão dos direitos humanos

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9  No endereço eletrônico: http://www.publicidadeinfantilnao.org.br/

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de organizações do terceiro setor, a sociedade civil organizada tem lutado pelo fim da propaganda direcionada ao público infantil – com menos de 12 anos de idade. Sob o argumento de que a criança é um ser “hipervulnerável”, em “processo de desenvolvimento biofísico e psíquico” e “que não possui a totalidade das habilidades necessárias para o desempenho de uma adequada interpretação crítica dos inúmeros apelos mercadológicos que lhe são especialmente dirigidos”, um manifesto via Internet vem colhendo assinaturas pedindo que os poderes da nação “se comprometam com a infância brasileira e efetivamente promovam o fim da publicidade e da comunicação mercadológica voltada ao público menor de 12 anos de idade”. Segundo o manifesto, “a publicidade de produtos e serviços dirigidos à criança deveria ser voltada aos seus pais ou responsáveis, estes sim com condições muito mais favoráveis de análise e discernimento”. Até o término do texto deste capítulo, cerca de 10 mil assinaturas haviam sido colhidas.9 Leis semelhantes já foram aprovadas por países como Finlândia e Noruega, líderes no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Portanto, é necessário superar a visão de que o direito à comunicação se restringe ao direito à liberdade de expressão. Isso não significa negar esta liberdade, mas complementá-la com uma visão sobre o ser humano em seu âmbito coletivo, social, que só se realiza por meio do diálogo, como coloca o educador Paulo Freire. A pergunta é: se as mensagens publicitárias destinadas às crianças são capazes de atrapalhar seu desenvolvimento individual, até que ponto é salutar a garantia da liberdade irrestrita dos anunciantes? “Isso é censura”, muitos dirão. O dicionário Antônio Houaiss, no entanto, esclarece que censura é um “exame antecipado, de natureza proibitiva, que o Estado faz em obras com a justificação de preservar a ordem e a moralidade públicas”; “aquela exercida pelo Estado, de caráter punitivo, depois de manifestado o pensamento, para evitar sua maior difusão é uma ação imperativa, não democrática, que fere o direito individual”. A restrição à publicidade infantil, ao contrário, é uma demanda da sociedade civil organizada, que está dialogando com os meios democráticos para fazer valer o direito coletivo à saúde e ao desenvolvimento de suas crianças.

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A internet, obra inacabada Promovido por meio da Internet, o abaixo-assinado contra a publicidade voltada para crianças é apenas um exemplo de como a rede mundial de computadores pode modificar a maneira como utilizamos a comunicação para atuar socialmente. De acordo com Silveira:

Sem discordar do entusiasmo provocado pelo potencial que a internet possibilita, levantamos a seguir os dados de acesso e da maneira como os internautas brasileiros navegam na web, os quais serão cotejados com outras estatísticas do mundo não-virtual a serem apresentados na sequência. O número de usuários de internet no Brasil cresceu 20% em 2009. De acordo com os dados do Ibope, foram identificados 34,4 milhões de usuários/visitantes únicos, ou seja, pessoas ou navegadores individuais que acessam um site ou visualizam um conteúdo na rede.11 O número de usuários ativos no trabalho e em residências atingiu 37,3 milhões em maio de 2010. O acesso à Internet em qualquer ambiente (residências, trabalho, escolas, lan houses, 10  SILVEIRA, Sérgio A. Novas dimensões da política: protocolos e códigos na esfera pública interconectada. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, v. 17, no. 34, 2009. 11  Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira era de 189,953 milhões de pessoas em 2008.

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“A rede cresceu e foi moldada incorporando as soluções tecnológicas desenvolvidas pelos seus usuários. Como a Internet não estava submetida às hierarquias tradicionais das firmas, não era e não é necessário obter autorização de ninguém para criar nela novos conteúdos, formatos e tecnologias. Esse modelo aberto e não proprietário é um dos fatores vitais que asseguraram a rápida expansão e evolução da rede com a contínua incorporação de novas criações tecnológicas. Até este momento, a Internet tem sido uma obra inacabada, em constante desenvolvimento. Tal situação desagrada vários segmentos econômicos e políticos do capitalismo, bem como extratos burocráticos de formação autoritária. A velha indústria cultural e o conjunto das indústrias de intermediação são diretamente afetados, embora em diferentes graus, pela expansão da comunicação distribuída e pela surpreendente criatividade tecnológica espalhada pelo planeta”.10

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mente 42% da população brasileira, a Sul 14%, a Nordeste 28%, a Centro-Oeste 7% e a Norte 8%. 13  HADDAD, Sérgio. Estado e educação de adultos (1964-1985). Tese de doutorado. São Paulo: FE/USP, 1991.

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12  Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, a Região Sudeste concentrava aproximada-

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bibliotecas e telecentros), considerando os brasileiros de 16 anos ou mais de idade, chegou a 67,5 milhões no quarto trimestre de 2009. Os usuários de Internet com faixa etária entre 6 e 14 anos gastaram 60% de seu tempo online em sites de entretenimento, programas de mensagem instantânea e redes sociais, apontou estudo feito pela empresa ComScore. O levantamento baseou-se em acessos referentes ao mês de maio de 2010. Essa faixa de crianças e adolescentes representa 12% do total de usuários de internet no país. A região que detém a maior porcentagem de visitantes únicos é a Sudeste, com 67%. Em segundo lugar está a região Sul, com 14,2% e, na sequência, Nordeste (10,7%), Centro-Oeste (6,1%) e Norte (2%).12 O aumento no número de visitantes, no entanto, não significou melhoria na qualidade do acesso do ponto de vista tecnológico. De acordo com o estudo, apenas 11,8 milhões de brasileiros assinam serviços de banda larga fixa, elemento fundamental para o melhor aproveitamento dos potenciais da rede. Paralelamente, verificamos a estagnação ou crescimento muito lento do direito a diversos outros acessos, tão importantes para a devida apropriação dessas tecnologias e efetivação do direito à comunicação. Entre eles está o direito básico de alfabetização. Segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf ), em 2009 7% dos brasileiros entre 15 e 64 anos eram analfabetos, 21% tinham uma alfabetização rudimentar, 47% uma alfabetização básica e apenas 25% eram plenamente alfabetizados (veja boxe a seguir). Esses números têm evoluído, mas num ritmo lento. A meta do governo é erradicar o analfabetismo até o final desta década, alcançando o parâmetro estipulado pela Unesco de ter menos de 4% da população não alfabetizada. O último Plano Nacional de Educação (2000-2010) previa a erradicação do analfabetismo até 2014. Implementado no início da década de 1970, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), programa de alfabetização do governo militar, pretendia acabar com a “chaga” em 10 anos.13 Ao lado das estatísticas educacionais, o cenário é complementado por outros desafios,

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como a superação da falta de acesso à rede de esgoto, que alcança apenas 50,9% dos brasileiros. Menos de 40% das escolas brasileiras têm coleta de esgoto e 31% dos brasileiros não sabem o que é saneamento básico.14 Outro desafio é a diminuição da desigualdade econômica que, mesmo em queda, é ainda uma marca registrada do país. O Índice de Gini do rendimento mensal dos domicílios brasileiros passou de 0,521, em 2007, para 0,515, em 2008 – em 1998, quando começou a série histórica, o número era de 0,56715. Além disso, no ranking do IDH, da ONU, o Brasil ainda está na 75a posição. De 2006 para 2007, o IDH brasileiro variou de 0,808 para 0,813 – valor considerado alto16. Porém, ainda continuamos atrás de países como Venezuela (0,844) e México (0,854).

Conflito entre duas utopias

14  INSTITUTO TRATA BRASIL. A falta que o esgoto faz. 2009. Disponível em: http://www.fgv.br/cps/tratabrasil5/ 15  O Índice de Gini varia de 0 a 1 e mede a distribuição da renda na população: quando mais próximo de 0, maior a igualdade; quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade entre o que as pessoas ganham. 16  O IDH varia de 0 a 1 e avalia índices de saúde, educação e o PIB per capita para medir e comparar o desenvolvimento humano dos 182 países.

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Um cenário desigual e contraditório, portanto, está colocado. De um lado, nos deslumbramos com a potencialidade transformadora do mundo virtual, no qual a Internet tem sido um dos principais meios de comunicação e articulação de pessoas quando uma questão mobiliza fortemente a sociedade. De outro, encontramos um acesso ainda restrito e uma navegação mais voltada para o entretenimento. Sem falar da necessidade de garantia de diversos direitos básicos de cidadania capazes de - assim como debateu Paulo Freire –, tornar a comunicação efetiva e promotora de reflexão e de ação transformadora.

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Os diferentes níveis de alfabetização Desenvolvido pelo Instituto Paulo Montenegro, o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf ) engloba a população brasileira entre 15 e 64 anos de idade, residente em zonas urbanas e rurais de todas as regiões do Brasil, quer estejam estudando ou não. Estabelece quatro níveis de proficiência: Analfabeta: condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases. Rudimentar: capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou pequena carta). Básica: funcionalmente alfabetizadas, as pessoas nesta condição já leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências e leem números na casa dos milhões. Plena: as habilidades adquiridas não impõem mais quaisquer restrições para a compreensão e interpretação de textos e números em situações usuais.

17 GOMES, Raimunda. Op. cit.

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“Uma, que será chamada de utopia moderna da comunicação, nasceu atrelada ao desenvolvimento científico, ao avanço das tecnologias, ao ideal do apagamento completo das distâncias, dos territórios, da ação do tempo, da entropia, do conflito, buscando a mediação das relações sociais pelas máquinas. Esta considera a dimensão instrumental da comunicação, o desenvolvimento técnico como elemento determinante do modelo comunicativo empreendido pelas sociedades, e decisivo para o próprio dinamismo social”. 17

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Para Gomes, o paradoxo encontra-se justamente na perda da unidade dialética entre as dimensões humanista e instrumental da comunicação, provocada pelo conflito de duas utopias:

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Portal Aprendiz

E prossegue: “A outra, denominada aqui de direito humano à comunicação, tem como princípio e valor a unidade dialética entre a dimensão humanista e a dimensão instrumental da comunicação. Não é um ideal em objeção aos avanços tecnológicos, mas ao poderio das máquinas de comunicação como determinantes sociais. A utopia emergente do direito humano à comunicação enxerga as mídias como um instrumento para a realização da comunicação e não o contrário, a comunicação como instrumento, tendo o seu exercício dependente das engenharias tecnológicas”. 18

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As mídias na Cidade Escola Aprendiz As experiências desenvolvidas pela Associação Cidade Escola Aprendiz apresentam caminhos possíveis para que o direito à comunicação seja efetivado e que, por meio dele, o potencial das novas tecnologias seja aproveitado e outros direitos sejam cobrados a partir da ação-reflexão. Um exemplo disso são as Agências Comunitárias de Notícias. 18  GOMES, Raimunda. Op. cit.

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EM RESUMO Paulo Freire enfatiza que a verdadeira comunicação é aquela feita por muitas vozes, em estruturas “radicalmente democráticas”. A concentração das empresas de grande mídia e o surgimento de veículos alternativos são marcas do cenário da comunicação atual. A I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009, lançou propostas voltadas à maior democratização da comunicação. As disputas entre grupos de grande mídia e a comunidade organizada evidenciam um poder de mobilização cada vez mais crescente da internet.

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O projeto, já implantado em diversas localidades, tem como proposta principal transformar a população em produtora e difusora de notícias e informações de interesse local. Para que isso aconteça, os participantes não só se apropriam das ferramentas de comunicação, com cada localidade optando por aquelas mais adequadas às suas necessidades, como aprendem a desenvolver um olhar sobre si mesmos, suas escolas e a própria comunidade. Os jovens integrantes sem muita familiaridade com a internet, por exemplo, podem passar por uma formação, assim como aqueles que apresentam problemas no processo de letramento podem trabalhar suas dificuldades escrevendo textos que serão veiculados para toda a escola, bairro ou região. Ao mesmo tempo, questões que afligem aquela localidade, como a falta de saneamento básico ou outros mais simples, como um buraco na rua, podem ser temas para a produção de reportagens, gerando possíveis mobilizações voltadas à resolução desses problemas. Por meio de diálogo, reflexão e ação, busca-se o equacionamento dos aspectos que impedem o desenvolvimento daquela localidade. Obviamente que esse processo apresenta diversos desafios. A tentativa que fizemos neste capítulo, entretanto, foi apresentar alguns elementos que compõem o debate sobre o direito à comunicação – deixando de fora muitos detalhes – e que podem ajudar na problematização e discussão das experiências que são apresentadas e aprofundadas nos outros textos deste caderno.

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Para saber mais BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. BRASIL. Ato Institucional número 5. Brasília: Senado Federal, 1968. Disponível em: http:// www6.senado.gov.br/legislacao/. BRASIL. Plano Nacional de Direitos Humanos. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2009. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf. LIMA, Venício de. Paulo Freire, direito à comunicação e PNDH3. Carta Maior. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/. PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Internet e Democracia Comunicacional: entre os entraves, utopias e o direito à comunicação. Revista Diálogos Possíveis. Salvador: Faculdade Social da Bahia, julho/dezembro 2006. SILVA, Enid Rocha Andrade da. Participação Social e as Conferências Nacionais de Políticas Públicas: Reflexões sobre os Avanços e Desafios no Período de 2003-2006. Rio de Janeiro, Ipea, 2009. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1378.pdf. UNESCO. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa época. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983.

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O aumento do acesso à internet, no Brasil, não foi acompanhado do acesso aos direitos básicos de cidadania. O cenário de dicotomias atual evidencia que a comunicação voltada à reflexão e ação transformadora é um desafio ainda longe de ser superado. As experiências do Aprendiz trabalham para que, a partir da ação-reflexão, o uso das novas tecnologias se volte também para a cobrança dos outros direitos. É fundamental que um processo de comunicação comunitária busque transformar a população em produtora e difusora de notícias e informações de interesse local.

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AS AGÊNCIAS COMUNITÁRIAS DE NOTÍCIAS

Marina Rosenfeld, com 14 anos de experiência na área de comunicação, já atuou como jornalista em revistas e sites de educação e foi educadora de projetos de educomunicação, comunicação comunitária e trabalho. Coordena, desde 2006, o Núcleo de Comunicação Comunitária da Associação Cidade Escola Aprendiz e representa a instituição na Rede CEP - Rede de Comunicação, Educação e Participação. É formada em Letras pela PUC-SP, tem pós-graduação em Recursos Humanos pela FAAP e

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MBA em Gestão de Projetos pela Fundação Vanzolini da USP.

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quando os indivíduos que dele participam não se conhecem e tampouco sabem quais são os problemas e os potenciais daquele lugar? É simples: eles precisam se comunicar. A resposta parece óbvia, mas poucas são as pessoas que se dão conta daquilo que é intrínseco ao cotidiano e elementar às suas vidas: o simples ato de comunicar. Não importa se é por meio de um gesto, um olhar, um texto ou uma fala, o que importa é que, desde que nascem, elas usam este ato tão primário para interagir com o mundo e, assim, vão se desenvolvendo como seres humanos. E como se articular nada mais é do que se relacionar e se comunicar, a comunicação aparece como eixo estruturante do conceito de Bairro-Escola, que propõe a integração de diferentes oportunidades educativas locais, a partir de redes sociais formadas por agentes de um mesmo território. No sentido de promover esta articulação local, ao longo dos anos a Associação Cidade Escola Aprendiz lançou mão de uma importante estratégia de comunicação: as Agências Comunitárias de Notícias. A proposta das Agências Comunitárias de Notícias ou núcleo de comunicação comunitária busca responder à questão fundamental colocada acima: como é possível articular um território sem que, minimamente, as pessoas saibam o que acontece ali? Assim,

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Como um território pode se articular

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o que as Agências propõem é que pessoas de uma mesma comunidade produzam e veiculem informações de interesse local, ao mesmo tempo que articulam uma rede de comunicação no território1. A ideia é que, por meio da comunicação, as comunidades possam construir um olhar sobre si mesmas, reconhecendo suas identidades e sendo capazes de visualizar caminhos para a construção coletiva daquilo que é importante. Para Peruzzo: “Está aí o âmago da questão da educação para a cidadania nos movimentos sociais: na inserção da pessoa num processo de comunicação, onde ela pode tornar-se sujeito do seu processo de conhecimento, onde ela pode educar-se através de seu engajamento em atividades concretas no seio de novas relações de sociabilidade que tal ambiente permite que sejam construídas”.2

Ao se articularem por meio da comunicação, esses movimentos, mesmo que pequenos e tímidos, vão criando redes muito eficazes que aos poucos passam a contaminar ou influenciar a comunidade na qual estão inseridos em torno de uma ação social transformadora. Um exemplo concreto foi a realização, em 2009, de um mutirão de limpeza de parte da margem da represa Billings, em São Paulo. O trabalho foi realizado nas proximidades da comunidade do Cantinho do Céu, no Grajaú, onde atua o grupo de comunicação comunitária Navegantes da Notícia, formado em sua maioria por adolescentes de 11 a 14 anos. A partir de um mapeamento de potenciais comunicativos, o grupo concluiu que a comunidade local poderia ser alertada em relação às questões de saneamento básico e à sujeira na represa, considerados os problemas mais sérios da região. Além de mobilizar a população local para o mutirão de limpeza em um final de semana, o grupo se responsabilizou por toda a comunicação. Dois produtos dessa iniciativa foram faixas de rua 1  Deste modo, o projeto pedagógico do bairro é fortalecido, conforme discutido no artigo de Paula Patrone no Caderno Trilhas Educativas desta coleção. 2  PERUZZO, Maria Cicília K. Comunicação Comunitária e Educação para a Cidadania, v. 2, p. 7, 2002.

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Um mutirão na Billings

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Mutirão de limpeza Represa - Grajaú

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e um jornalzinho relatando a experiência, com fotos e sugestões de como evitar e combater a degradação da represa. Durante o processo, trabalhou-se também a ideia de que o grupo, sozinho, não solucionaria a questão, visto que esta tarefa não é só dos adolescentes e da comunidade, mas também do poder público. O mutirão funcionou apenas como um exemplo prático de ação comunitária em que se abre a oportunidade para divulgar o problema e pedir a participação de todos. O caso relatado comprova aquilo que o comunicador argentino Mário Kaplún e o educador Paulo Freire já defendiam na década de 70: a comunicação e a educação andam juntas e são indissociáveis uma da outra. Para eles, educar é se envolver em um processo de múltiplos fluxos comunicativos no qual o sistema é tanto mais educativo quanto mais rica for a trama de interações comunicacionais. Ao transferirmos essa lógica para a comunidade e ao compreendermos que o território é, além de uma delimitação geográfica, um espaço educativo no qual cada ator e cada instituição têm uma contribuição a dar em prol de um objetivo comum, criam-se condições

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Foto - Acervo Cidade Escola Aprendiz

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para o desenvolvimento local pautado no desenvolvimento integral dos sujeitos. E isso só é possível a partir da integração dos potenciais dos sujeitos e dos territórios.

As Agências de Notícias como facilitadoras

Agência Comunitária Cambuci Foto - Acervo Cidade Escola Aprendiz

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No entanto, para que se consiga passar do individual para o coletivo, é preciso criar espaços de participação democrática, ativos e permanentes, onde a comunidade se sinta à vontade para trazer suas questões e explorar novas possibilidades. É nessa perspectiva que as Agências Comunitárias de Notícias, como estratégia do Bairro-Escola, assumem o papel de facilitadoras do processo de aproximação desses atores e instituições. Assim, mais do que agências de comunicação, elas podem ser entendidas como agências de mobilização, em que a comunicação é apenas um instrumento de aproximação das pessoas e não o seu objetivo final.

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3  Como visto no artigo de Júlia Dietrich neste Caderno.

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Obviamente, não é possível garantir que as pessoas intervenham em seu espaço a partir da simples troca de informações. Mas, no momento em que passam a produzir conhecimento com base nas suas referências e a conhecer os problemas e os potenciais que ali estão postos, elas começam a criar uma rede de comunicação local. Essa trama é um primeiro estímulo para que uma articulação efetiva comece a se desenhar e para que o interesse por questões voltadas ao desenvolvimento local surja naturalmente. Os estudos da comunicadora e teórica Cicília Maria Peruzzo legitimam a participação na comunicação como um mecanismo facilitador da ampliação da cidadania. Segundo ela, uma pessoa inserida nesse processo tende a mudar o seu modo de ver o mundo e de se relacionar com ele, agregando novos elementos à sua cultura. Essa percepção fortalece a ideia de uma Agência Comunitária de Notícias que acaba investindo nos sujeitos como produtores de transformação social ao focalizar o seu desenvolvimento individual (capital humano) e de suas relações sociais (capital social). Ou seja, ao ser capaz de conectar indivíduos e instituições de um mesmo território, a Agência estimula o espírito de pertencimento e de responsabilidade mútua. Vale destacar que, quando falamos nesta proposta, falamos na perspectiva da comunicação hiperlocal, na qual as pessoas produzem e refletem sobre seu território, valorizam a vida cotidiana e a história do seu lugar3. Mais ainda, ao produzirem seus próprios meios de comunicação a partir de suas demandas e interesses, elas criam condições para que se tornem sujeitos autônomos, mais capazes de fazer escolhas individuais e coletivas. A partir das aprendizagens das primeiras iniciativas, o Aprendiz tem estimulado e facilitado o processo de construção de Agências Comunitárias de Notícias em todo o país. Há experiências no Recife, no Rio de Janeiro, em Curitiba, no Vale do Paraíba, em Campinas e nos bairros paulistanos do Grajaú, Barra Funda, Jardim Ângela, Cambuci, Luz e Pinheiros. Esse último acolhe o laboratório pedagógico, responsável por experimentar diferentes estratégias que possam ser replicadas nos diversos territórios. É importante ressaltar que o papel do Aprendiz é apenas de facilitador do processo, já que a iniciativa deve ser fruto de um processo comunitário. A função da organização, portanto, não é construir uma Agência, até porque não é possível garantir que ela exista, e se fosse,

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certamente não seria comunitária. Neste caso, estaríamos criando apenas mais um veículo de comunicação que, mesmo tendo a comunicação comunitária como preceito básico, não seria construída pela própria comunidade. Por isso, a organização entende que o seu papel é oferecer condições para que a própria comunidade perceba na comunicação uma possibilidade de troca permanente, capaz de criar pontes significativas entre os diferentes indivíduos e organizações. É um trabalho “com” e não “para” a comunidade.

Quando falamos de criar condições, nos referimos a estimular a implantação ou o fortalecimento de espaços de participação democrática (como conselhos e coletivos), para que reflitam sobre a comunicação no território, buscando aproximar mídias locais já existentes e instrumentalizar os diversos atores nos processos de comunicação comunitária. As estratégias podem e devem variar de território para território, mas sempre levando em consideração as especificidades e demandas locais. Dentre as principais iniciativas desenvolvidas nas diferentes Agências estão a criação de uma espécie de conselho – com as funções de levantar pautas, definir critérios editoriais e estratégias – e a formação de agentes comunitários nas diferentes linguagens de comunicação. Em algumas regiões, formam-se crianças; em outras, jovens, adultos e até mesmo idosos. Algumas localidades formam todos de uma vez só, numa verdadeira experiência intergeracional, como é o caso do Cambuci, na região central de São Paulo, que possui uma população essencialmente mais velha. Este caso chama atenção para a importância de conectar todas as estratégias à identidade daquela comunidade. Assim, no Grajaú, na zona sul de São Paulo, as propostas baseiam-se no interesse da comunidade pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Já no Recife, todas as ações são focadas no âmbito cultural, algo extremamente forte nesta região do país. Lá, tanto as formações quanto a participação em conselhos são voltadas para o reconhecimento do território com base no Movimento de Cultura Popular (MCP), conhecido historicamente por mobilizar o povo em torno de uma educação calcada na cultura e na comunidade.

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Estratégias

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Em Pinheiros, além do trabalho com jovens, são realizadas atividades de comunicação, como oficinas pontuais e temáticas, para escolas públicas e particulares do bairro, organizações sociais, postos de saúde e agentes comunitários, entre outros. Uma vez por semana o espaço é aberto e a pessoa pode escolher entre dar uma oficina sobre algo que gostaria de compartilhar com os seus colegas comunicadores ou apenas participar de alguma formação. As formações são oferecidas pela Associação Cidade Escola Aprendiz ou por organizações e agentes do próprio território. Nestes encontros, as pessoas aprendem a produzir os diferentes meios de comunicação sob a lógica da educomunicação, que é a de “aprender fazendo”.4

4  O artigo de Isys Remião, que fecha este Caderno, traz mais informações sobre este assunto.

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Garantir que os agentes de um determinado equipamento (escola, posto de saúde, centro cultural) olhem para além do seu espaço é fundamental para a gestão de uma proposta de comunicação comunitária. Esses equipamentos, quando mobilizados a perceber o entorno no qual estão inseridos, passam a se comunicar e estabelecer possíveis elos e parcerias entre si. Um posto de saúde pode produzir cartilhas comunicando as diferentes formas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e enviá-las à escola da comunidade, buscando ampliar a divulgação do material. Esta simples atitude, por sua vez, pode instigar diferentes ações: formações, ciclo de palestras, debates. No entanto, se não houver comunicação e troca de ideias sobre as necessidades e possibilidades de ação entre os dois equipamentos, muito provavelmente o imenso potencial de comunicação das cartilhas não será plenamente aproveitado. Assim, o maior desafio das Agências é contribuir para a produção de uma informação significativa para a sua comunidade, a partir do exercício de ressignificação do espaço, com auxílio de instrumentos de comunicação. E mais: todo o processo deve ser pautado no “ouvir”, antes mesmo que se parta para a produção da comunicação em si. Assim, reconhecendo o fato de que todos têm uma história para contar, os agentes devem ser estimulados a buscar e interagir com as histórias da comunidade.

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A ressignificação do espaço

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Na medida em que se envolvem com a investigação e a produção de informação de interesse local, eles se articulam com seus territórios e se tornam conhecedores de seus direitos. Além disso, ao alimentarem a produção noticiosa da Agência, se tornam mobilizadores do espaço, criando e incentivando elos entre diferentes indivíduos, equipamentos públicos e privados, organizações e estabelecimentos.

Comunidade(s) Um aspecto importante a ser destacado é que a comunidade que compõe a Agência não necessariamente está ligada a um limite geográfico - muito pelo contrário. Estudiosos apontam que novas formas de comunidades vêm surgindo ao longo dos anos. A percepção de que uma comunidade tem a ver com espaço ou com laços de sangue ou vizinhança já não responde mais às necessidades dos dias de hoje, sobretudo com as redes virtuais formadas pela internet. As comunidades podem se constituir de diversas formas, seja por um determinado interesse ou por sentimentos de estima, respeito e confiança. A construção dessa confiança está diretamente relacionada à capacidade de cada pessoa de incluir e ser incluída em universos de referência. Para o professor em comunicação e semiótica Rogério da Costa, esse tipo de inclusão ou integração diz respeito à simples atitude de reconhecer, no outro, suas habilidades, competências, conhecimentos e hábitos. “Quanto mais um indivíduo interage com outros, mais ele está apto a reconhecer comportamentos, intenções e

Em resumo: ao mesmo tempo que o agente aprende, ele ensina seus pares e educadores, que por sua vez repetem este processo. É no diálogo entre ensinar e aprender que surgem inestimáveis relações educativas e horizontais – da proposição 5  COSTA, Rogério da. Por um novo conceito de comunidade: redes sociais, comunidades pessoais, inteligência coletiva. Interface – Comunicação, Saúde e Educação. São Paulo, v. 9, n. 17, p. 235-248, 2005.

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valores que compõem seu meio.5”

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de oficinas e construção de conteúdos à criação de produtos. Assim, à medida que todos se sentem parte do processo e se enxergam como atores e agentes de seu coletivo, nasce o que podemos chamar de corresponsabilização. Todos presentes e juntos para o desenvolvimento de algo ímpar, que foi gerado e gerido coletivamente. A formação de comunicadores comunitários busca promover ideários únicos. Como mediadores do processo, não nos cabe construir uma ideologia coletiva, mas propor processos educativos que garantam, a cada indivíduo, desenvolver sua própria crença, valores e orientação política. Inevitavelmente, porém, este caminhar promove uma cultura de direitos humanos onde estarão presentes o respeito e a valorização da alteridade (o diferente e o mesmo), a compreensão da igualdade e justiça social, a articulação comunitária e o fortalecimento da cidadania para o desenvolvimento local. Finalmente, vale ressaltar que os comunicadores comunitários são apenas facilitadores do processo de construção da Agência Comunitária de Notícias e não seus únicos responsáveis. Eles têm o papel de estimular que outras pessoas da comunidade reconheçam esta experiência como algo importante para o fortalecimento da identidade daquele lugar. Mas, para que a proposta ganhe sustentabilidade, é preciso entender e buscar quem são os atores envolvidos em pensar e promover essa sustentabilidade. São eles que, grosso modo, têm a responsabilidade de orientar a Agência.

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Organizações sociais, indivíduos ativos, políticos, conselheiros tutelares, médicos, agentes culturais, funcionários e gestores de uma escola, mídia local, moradores: todos constroem a estrutura-base de uma comunidade. Cada um tem seu papel no bairro e na região e, portanto, responsabilidade pela informação veiculada na Agência com a qual estão ligados. Eles são comunidade e a Agência é da comunidade, logo, estão ligados diretamente ao conteúdo que ela gera ou reproduz. Assim, mesmo quando não exercem a função

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Orientação ideológica

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de comunicadores, essas pessoas devem se reunir para buscar ou fomentar a reflexão constante sobre a Agência. Como a neutralidade da informação não existe, é preciso pensar a orientação ideológica e, muitas vezes, política desse instrumento. É necessário ter a consciência de que o mesmo fato pode ser relatado por inúmeros recortes, pautados em diferentes crenças e perspectivas. Assim como a responsabilidade no trato da informação, a orientação ideológica da Agência deve ser construída coletivamente pelos atores que a compõem. Afinal, o fato de ser uma construção coletiva não significa que haja uma intencionalidade comum. Neste sentido, é importante que se estabeleça – por meio de eleição, indicação ou outra forma de representatividade –, um conselho responsável por nortear o trato da informação. Por exemplo, se em determinada localidade, durante o período eleitoral, o vereador da região pede que os comunicadores da Agência registrem seus comícios, caberá ao conselho da Agência determinar se esse tipo de informação faz parte da proposta de comunicação comunitária que defende. Sem dúvida, esse é um dos maiores desafios na constituição de uma Agência e, por isso, é essencial que esse grupo seja formado por pessoas com a mesma disposição, mas com diferentes valores e interesses. Caso contrário, esse conselho correrá o risco de ser composto, predominantemente, por indivíduos com as mesmas características, excluindo outros atores com outras visões importantes para a garantia do caráter democrático e plural do espaço. Esse grupo precisa ter clareza de que, além de buscar a consonância da linha editorial com a ideológica, cabe a ele pensar em estratégias para que a Agência seja reconhecida pela comunidade como um espaço, de fato, aberto a todos.

Um exemplo bem-sucedido disso é a experiência do Cantinho do Céu, no Grajaú (bairro da periferia sul de São Paulo), que conseguiu reunir cerca de 40 pessoas, entre elas líderes comunitários, comunicadores, professores, adolescentes e agentes de saúde, em torno da construção da Agência Navegantes da Notícia. Todos esses agentes tiveram participação

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Navegantes da Notícia

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efetiva na construção dos objetivos e diretrizes gerais da Navegantes, contribuindo cada um de sua maneira. Esse grupo deu força para que a Agência Navegantes da Notícia, formada inicialmente por 30 adolescentes de 11 a 14 anos, fosse aos poucos reconhecida na comunidade como o veículo de comunicação comunitária da região. O grupo, hoje referência no território, é convidado constantemente para fazer coberturas e ajudar os líderes comunitários em diversas iniciativas que visam ao desenvolvimento local.

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Como podemos perceber, não existe uma regra para a construção de uma Agência, apenas estratégias que devem ser pensadas de acordo com as demandas locais. Por isso, em alguns territórios em que a escola é tida como referência, o início da ação se dará neste ambiente e não diretamente na comunidade, como foi o caso do Grajaú. Em outros, a iniciativa acontecerá simultaneamente na escola e na comunidade, como mostra a experiência do bairro de Pinheiros. No Recife e no Rio de Janeiro, a escolha de começar o processo pela escola estava ligada à necessidade de experimentar a comunicação como instrumento de articulação entre este espaço e a sua comunidade. O pressuposto é que, do diálogo entre estes dois ambientes e por meio da corresponsabilização de diferentes agentes na formação dos estudantes, é possível ampliar as oportunidades educativas, alinhando os conhecimentos formais aos comunitários. O papel das Agências Comunitárias de Notícias, então, será explicitar esses potenciais educativos. Tanto na cidade do Recife como no bairro de Pinheiros, em São Paulo, adolescentes e jovens participam de oficinas em educomunicação que compõem o currículo de escolas que funcionam em tempo integral. De forma lúdica, os encontros propõem intersecções e diálogos com os Parâmetros Curriculares Nacionais. A experiência de Grajaú teve início em uma escola reconhecida como mobilizadora local, que poderia ser o ponto de irradiação da proposta. Um tempo depois, a iniciativa foi escolhida para integrar o projeto Mudando sua Escola e Comunidade, Melhorando o Mundo,

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Escola e comunidade

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“Vejo o projeto como uma ação de efetivo despertar do adolescente para o seu papel na comunidade escolar e local. E para tal, antes de compreender o outro, faz-se necessário refletir sobre si mesmo – deste importante ponto partiu o projeto. Progrediu, a seguir, para o coletivo, para o ‘nós’: a busca pela constituição e fortalecimento das redes sociais. Quem somos, o que queremos e como alcançar nossas metas. Em resposta trouxe a comunicação, a revisão dos valores e atitudes e o respeito pelo meio ambiente.” Relato de Mônica Navarrette, coordenadora educacional do CEU Navegantes

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realizado em parceria com o Unicef e o projeto/revista Viração, tanto pelo potencial de articulação entre escola e comunidade quanto pelo empenho de seus participantes em se unir na elaboração de um projeto comum para aquele território. Na mesma época, tinha início o trabalho da Plataforma dos Centros Urbanos (PCU), do Unicef, que visa à organização de grupos articuladores locais em busca de melhorias na comunidade, em especial aquelas que beneficiam crianças e adolescentes. Foi acreditando na proposta da Plataforma e no desejo de articulação local que o Centro Educacional Unificado (CEU) Navegantes, no Grajaú, topou a empreitada em meados de 2008. No local, além da escola, funcionam inúmeras outras atividades educacionais e culturais abertas à comunidade. O projeto começou a ser desenhado juntamente com a diretoria e a coordenação da escola – aspecto indispensável para as propostas de Agências Comunitárias de Notícias que nascem no ambiente escolar. Desse processo nasceu uma formação em comunicação voltada a uma turma de 30 adolescentes da 5a à 7a série do Ensino Fundamental, como forma de fortalecer a relação desses adolescentes com o território em que vivem. Outra atividade idealizada foram encontros mensais com os professores para que levassem a educomunicação para as salas de aula. Os adolescentes foram convidados a aprender sobre os diferentes instrumentos de comunicação e como operá-los coletivamente. Com o apoio de professores, tinham a função de atuar como mobilizadores e multiplicadores de valores democráticos e de cidadania e articuladores de ações comunitárias, dentro e fora da escola.

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O comentário da coordenadora educacional do CEU evidencia que a disponibilidade da escola, principalmente dos professores e da comunidade, é fundamental para que um projeto como esse efetivamente se desenvolva. Apesar de a proposta da Agência ter se iniciado em uma escola, é possível dizer que a mobilização da comunidade, no caso de Grajaú, foi mais eficaz do que a mobilização escolar. Essa situação é algo que pode ser visto com frequência em projetos de Agência que envolvem escolas.

Agência parceira de telecentro

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“Mudança na escola e comunidade é algo ambicioso e seu peso e trabalho devem ser bem distribuídos entre diversos cidadãos, poder público, terceiro setor, setor privado e demais instituições. Neste projeto, que, ao prever mudança, pressupõe ação política, aposta-se sempre na articulação, implementação de ações e troca de informações em rede. Não há uma pessoa ou uma instituição que sozinha tenha a melhor solução. A melhor solução está na mobilização dos diferentes níveis (local, regional, nacional e internacional) que juntos podem cooperar. A ação local com trabalho em rede permite a transformação social porque naquele microcosmo cheio de especificidades está a força de algo que acontece (realidade)

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A Agência Comunitária de Notícias da Barra Funda, região central de São Paulo, também se constituiu na integração dos projetos Mudando sua Escola e Comunidade, Melhorando o Mundo e a Plataforma dos Centros Urbanos. Ali, a Escola Estadual Canuto do Val convocou a comunidade escolar em torno do desafio. Para trabalhar temáticas locais, 30 adolescentes foram envolvidos na proposta de produzir jornais murais. Toda a formação foi pensada de maneira que, após seis meses, os estudantes continuassem seu trabalho em conjunto com o grupo articulador local Nossa Barra, que também contava com jovens comunicadores formados pela revista Viração. O fato de o território ter um grupo atuante ajudou na implementação dessa Agência. Um de seus principais parceiros mobilizadores, por exemplo, é um telecentro instalado dentro de um centro cultural em decorrência da articulação do projeto Nossa Barra.

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e que pode, seguindo o efeito dominó possibilitado, pela democratização da comunicação, se propagar”. Relato de Gisella Hiche, comunicadora do projeto/revista Viração.

Outra questão importante a ser colocada é o fato de Agências Comunitárias de Notícias de regiões centrais demonstrarem desafios muito diferentes das experiências em locais mais periféricos. Na maioria das vezes, esses obstáculos estão relacionados à mobilização da própria comunidade. A experiência da Associação Cidade Escola Aprendiz mostra que regiões periféricas têm uma tendência a manter relações de maior proximidade e confiança. São territórios que costumam ter identidade e sinergia maiores entre seus habitantes, que buscam naquele espaço suas referências de moradia e lazer. Por se sentirem mais pertencentes ao local, estes atores se mobilizam mais facilmente em prol de uma questão em comum. Exemplo disso é o caso do Pró Bairro-Escola Sonho Azul, projeto que acontece na Chácara Sonho Azul, região da subprefeitura de M´Boi Mirim (zona sul de São Paulo). Por meio da iniciativa, os moradores se uniram para resolver problemas com o transporte público e a água, que não chegavam ao bairro. Ao lado da mobilização, outro desafio apontado por algumas organizações é a constituição e manutenção de um grupo fixo da comunidade que dê continuidade ao processo. Esta é uma questão enfrentada, por exemplo, pela Auçuba, entidade que possui núcleos comunitários no Recife. A coesão do grupo também é uma preocupação de iniciativas no interior. Conhecido como uma das comunidades mais organizadas da cidade de Campinas, o bairro da Vila União começou a estruturar um coletivo em apenas dois meses de formação em comunicação. Este passo inicial na constituição da Agência, no entanto, foi acompanhado de estratégias para a mobilização de mais participantes. Assim, foi realizado um evento no qual pessoas da região ofereciam à comunidade oficinas sobre diferentes linguagens de comunicação, e durante o

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Mobilização da comunidade

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qual foram lançadas uma rádio e uma TV montadas na web pelos jovens do projeto. As regiões centrais, por sua vez, são tidas como espaços de circulação, de forma que a criação de um vínculo com o território é tarefa mais complexa. Nos casos de Pinheiros e Cambuci, nem todas as pessoas que procuram a formação em comunicação comunitária possuem ligações com a região. Muitas delas buscam nas formações uma maneira de complementar seus conhecimentos técnicos ou, até mesmo, de se inserirem no mercado de trabalho. Por isso, resgatar ou criar os vínculos desses indivíduos com a comunidade é fundamental. A relação de pertencimento aparece, então, como uma das questões-chave para que o sujeito consiga ultrapassar o indivíduo e alcançar o coletivo. A solução encontrada no Cambuci foi convidar uma série de pessoas da comunidade a participarem de um Fórum de Comunicação Comunitária. Os próprios participantes trouxeram as demandas de como a comunicação poderia ser trabalhada no território e, juntos, pensaram em formas de mobilizar mais pessoas. O grupo de Pinheiros, por sua vez, demorou cerca de dois anos e meio para encontrar o caminho para a constituição da Agência. Durante muito tempo houve dificuldade em fazer com que as pessoas realmente participassem, ou melhor, construíssem uma proposta que fizesse sentido. Ainda são muitos os desafios, mas já é possível identificar, ali, um grupo formado tanto por jovens quanto por agentes comunitários, que se encontram quinzenalmente para discutir suas pautas. Entre os resultados já colhidos deste esforço está um plano de comunicação elaborado pelos jovens. O plano inclui um boletim da Agência entregue periodicamente em escolas, becos, praças, comércios, coletivos, entre outros locais, e um jogo americano com informações e curiosidades distribuído nos restaurantes da região em 2008. Outro fruto é o jornal Na Faixa, uma espécie de cartaz, produzido pelos jovens, que traz uma série de atividades culturais gratuitas e é distribuído mensalmente em mais de 150 lugares, entre eles ONGs, escolas e pequenos condomínios de Pinheiros. O cartaz ganhou tanto destaque no território que muitos lugares procuram o grupo para recebê-lo. Ao lado destas ações, a mobilização via redes sociais da internet, sem dúvida, tem sido uma estratégia interessante nas regiões centrais, onde o acesso à rede é significativamente maior que nas regiões periféricas. Isto está provavelmente ligado ao fato de que os moradores

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de regiões centrais permanecem mais tempo em suas casas, enquanto há maior circulação nas zonas periféricas, onde a cultura comunitária e o uso do espaço público são maiores. O caráter altamente democrático da experiência das Agências tem levado as iniciativas de Pinheiros e Barra Funda a se comunicarem não só pelos meios impressos, mas por meio de sites, Twitter e blogs. Apesar de ter a sua atuação localizada na periferia, Campinas tem um grupo totalmente conectado à tecnologia, tanto que o seu projeto inicial foi o desenvolvimento de uma TV e uma rádio na web. De acordo com Bessa: “O fato de, pela internet, as pessoas se reunirem em comunidades virtuais, partilhando ideias, conhecimento, conceitos, anseios, preocupações e sonhos, não é mais do que dar continuidade ao ancestral costume de se reunirem à volta da lareira. A diferença, para

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Jornal NA FAIXA

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melhor, é que toda essa interação vence as barreiras da distância e do tempo, tornando o mundo menor”.6 O sociólogo e pesquisador espanhol da comunicação Manuel Castells (apud Bessa, 2008) alerta para um estado limite em que a interatividade social on-line pode deixar de favorecer e até impedir que a sociabilidade off-line se processe. Para ele, a internet veio introduzir alterações profundas nos modelos de sociabilidade que conhecíamos, criando novas formas de interagir que ocorrem numa dimensão extraespacial e extratemporal e que levam, necessariamente, a novas concepções de comunidade e comunicação. No entanto, Castells acredita que ambas as “interatividades” são necessárias e compatíveis, mas desde que se conheçam e respeitem seus limites.

6  BESSA, Fátima. A Galáxia Internet: reflexões sobre internet, negócios e sociedade – Manuel Castells. Portugal: Universidade do Minho, 2008. p. 12.

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Mais do que um mecanismo de pesquisa, o Aprendiz passou a aplicar técnicas de mapeamento como uma estratégia de mobilização comunitária. Extremamente eficaz no sentido de ajudar a aproximar as pessoas de um mesmo território em torno de um objetivo comum, o Mapeamento Comunitário de Potenciais Comunicativos é, hoje, um dos elementos-chave no processo de construção das Agências Comunitárias de Notícias. O aspecto mais importante desse tipo de mapeamento é garantir o envolvimento da comunidade de forma que ela se torne a propositora da ação e não apenas sua receptora. Na maioria das experiências desse tipo, a comunidade geralmente participa apenas no momento em que é entrevistada, o que contribui para que ela veja o mapeamento como uma mera pesquisa. O que o Aprendiz propõe é justamente o contrário: os diferentes atores comunitários, que vão de líderes a crianças, são convidados para construir eles mesmos toda a proposta de mapeamento. São eles quem definem os objetivos daquele trabalho (que podem ser desde conhecer melhor a comunidade até articular uma rede local

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Mapeamento como estratégia de mobilização

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de comunicação); estabelecem um grupo organizador que pensa o que vai ser mapeado, como e quando; delimitam as responsabilidades de cada um; elaboram o questionário que será aplicado e desenvolvem um plano de comunicação para avisar a comunidade sobre o mapeamento (um território chegou a usar o carro de som de um líder comunitário). Por fim, eles mesmos saem às ruas para entrevistar seu vizinho ou aquele que mora ali, mas que nunca fora visto antes. Essa condução do processo de comunicação, além de legitimar a comunidade, faz com que ela veja no mapeamento a possibilidade de conhecer melhor o território e se aproximar de algo que nem sempre é visível no dia a dia. É a articulação começando desde a organização da ação e não só a partir dos resultados da pesquisa.

Cantinho de Céu (Grajaú): uma experiência de mobilização e mapeamento Por Elisângela Nunes e Sylvio Ayala, educadores do Grajaú “Tênis, boné, garrafinha com água e prancheta em punho, tropa cartográfica de prontidão para embarcar a comunidade Cantinho do Céu adentro, um lugar para sentir-se parte. Deu gosto ver a gurizada tão sorridente quanto comprometida naquela ensolarada manhã, alvoroçados para realizar o Mapeamento de Potenciais Comunicativos e conduzir uma rara turma ali presente: lideranças locais, educadores sociais, pais, professores, gestores culturais e pesquisadores. Adultos tomados pela mão por 16 adolescentes de 11 a 14 anos: os inquietos repórteres-mirins, membros fundadores do grupo Navegantes da Notícia, nome bolado por eles, relativo às águas que margeiam aquele canto da região sul de São Paulo, represa Billings no quintal de casa. Olhar para o seu chão, olhar para si e ao redor foi a proposta. Montar mapas mentais, geográficos e políticos utilizando a Educomunicação. de sublimar diferenças e relativizar distâncias (...). Subdividimos o pessoal todo em cinco áreas do Cantinho, uma cor para cada, crachás e roteiro. Mas algo mais que indicações ou nomes definiu os contornos dos núcleos que surgiram ali, sobretudo naquela miscelânea de gentes e origens. Cremos que nessas horas um fio invisível vai entrelaçando as pessoas, as partes, as vontades, e conforme a estranheza se esvai, a cumplicidade aparece. Alguns

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Desde cedo, o grupo já reunia cerca de 90 pessoas para o alongamento pré-caminhada. Hora

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‘agentes cartógrafos’ nem conheciam ainda, e lá estavam, revezando, trocando impressões, registrando a caminhada. Quem chegou irmanou-se. Trocar ideias com o cidadão do lugar, com a vizinhança em suas casas, é singular e circunscreve linhas físicas e imaginárias. Nas entrevistas, visualizamos as fronteiras culturais e afetivas, onde limites são desafiados, laços promovidos e medos extintos. Nossa insólita trupe desarmou maus humores e espantou preguiças, tivemos 95% de boa receptividade nos lares e estabelecimentos, com direito a cafezinho, bolo e cadeiras na soleira. Impressionante foi a participação dos adolescentes, a maturidade com que encararam o desafio sem deixar de se divertir. Quando a mãe de um deles perguntou ao garoto o que afinal ele fazia toda terça e quinta à tarde, ele respondeu indagando: ‘Mãe, você sabe do que é feita a nossa comunidade? Eu a aprendo’. Retornamos para o debate final e projeção do material coletado. Frisamos a grandeza daquele encontro, da rede ali configurada, assim como a responsabilidade mútua assumida com a comunidade do Cantinho do Céu, cada qual com seu papel e influência. Todo integrante pôde explanar sobre a experiência. Em avaliação posterior, a adolescente Dayara disse: ‘Eu vou poder contar para meus netos que participei de um grupo cuidador da comunidade, que fez história’. Saldo consensual da jornada: a criação de vínculos e elos. Aliás, ‘Criando Elos’ virou o título do jornal mural do Navegantes da Notícia (que tem forma de barco). ‘Elos’ significa ‘brinco’, que significa ‘brincar’(...). Como as novidades do nosso trabalho que foram brotando, de longe parecia uma brincadeira, e era, de perto, a brincadeira séria de cuidar da vida”.

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Ao falar de comunicação comunitária é preciso olhar para o próprio bairro como um veículo de mídia. No lugar de jornais de grande circulação e redes de televisão, entram as rádios comunitárias, os jornais e folhetins de bairro e, mais ainda, a padaria do vizinho, o supermercado, a quitanda e as escolas. O mural de avisos da escola torna-se um espaço de

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O bairro como consumidor e produtor de mídia

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circulação da informação do entorno. O balcão da padaria se transforma em um suporte para a troca de flyers e fanzines de interesse local e assim por diante. Para identificar esses potenciais comunicativos é preciso delimitar uma área a ser investigada e sair às ruas, convocando o indivíduo a sair do seu território fechado para conhecer e alinhavar parcerias de comunicação com os outros atores e serviços da região. Em todas as experiências que realizamos, percebemos que a comunidade está preparada e disposta a formar esses elos. A necessidade de comunicação é visível e reconhecida por todos. Assim, quando uma ação como o mapeamento começa, todos os setores passam a se mobilizar e a trabalhar coletivamente. É fundamental, então, entender que uma Agência Comunitária de Notícias perpassa os meios formais da comunicação, entendendo e agregando outras possibilidades de troca. Nessa perspectiva, mesmo que um bairro ou região não tenha um jornal local ou uma rádio comunitária, ele encontrará na escola, na padaria, nos muros e nas ruas espaços para troca de conhecimento e informação.

Sabendo que esse é um processo longo e complexo, que pode durar anos e que, no máximo, é possível deixar uma semente nas comunidades onde a Associação Cidade Escola Aprendiz ajuda a facilitar o processo de construção de Agências Comunitárias de Notícias, a sustentabilidade do projeto é pensada desde seu início. Geralmente, o Aprendiz fica por três anos num mesmo território, ao final dos quais se espera que a comunidade se prepare para caminhar sozinha. Por essa razão, é fundamental que os grupos envolvidos sejam comprometidos e tenham disponibilidade para tocar a proposta. Afinal, sem eles, o processo jamais pode ser chamado de comunitário e sustentável. Uma comunidade que já possui um histórico de conselhos ou coletivos que se reúnem em torno de questões comuns torna o processo muito mais fácil do que iniciar essa experiência em um lugar que não tem nenhum tipo de mobilização. Pinheiros, Campinas, Grajaú, Barra Funda, Luz e Jardim Ângela já possuíam coletivos

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Sustentabilidade no longo prazo

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envolvidos com o território e o desafio era introduzir a comunicação como um potencial elemento de articulação. A preparação para a saída da comunidade é, sem dúvida, um dos momentos mais estratégicos do projeto. Afinal, ao convocar todos os agentes envolvidos para tocá-lo pra frente é que se descobre se a proposta realmente conseguiu cumprir seus objetivos e se deixou um terreno fértil para a sua continuidade. Nessa fase, aparecem as riquezas e as fragilidades da iniciativa, e é quando a metodologia desenhada e redesenhada inúmeras vezes é, efetivamente, testada. Uma saída bem-sucedida foi a do Grajaú. Pensando na sustentabilidade da Agência e tentando sempre responder à pergunta “Como fazer para que, ao sair da comunidade, o projeto continue?”, o Aprendiz e o projeto/revista Viração (organização parceira no desenvolvimento da iniciativa naquele bairro) deram início ao processo de desligamento. Pensar com o grupo de comunicação comunitária como ele se constituiria a partir de então passou a ser o foco dos últimos seis meses de projeto. Foram feitos encontros com os adolescentes, a escola e a comunidade, de forma que o grupo pensasse como funcionaria, na prática, o núcleo de comunicação comunitária, denominado por eles como Navegantes da Notícia. Quais seriam os papéis e responsabilidades de cada um, os rumos do trabalho, como se encontrariam, de que maneira dariam conta das diversas demandas da comunidade em relação à comunicação, como estabeleceriam a rede de apoios para que pensassem juntos e resolvessem as problemáticas locais e, finalmente, como manteriam o Navegantes da Notícia a partir de parcerias e recursos locais, sejam eles físicos, humanos ou financeiros. Estes foram alguns dos pontos que desafiaram o coletivo. Como resultado, um grupo de agentes comunitários de comunicação de diversas idades e saberes complementares criou uma relação de respeito e troca com um objetivo único em comum: melhorar a comunidade em que vivem – principalmente no que diz respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes – usando a comunicação como instrumento. Entre os encaminhamentos, o grupo Navegantes da Notícia quis dar continuidade à formação de adolescentes em educomunicação. Assim, um agente comunitário assumiu esse papel e durante o último ano acompanhou os educadores do Aprendiz e da Viração com o

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objetivo de aprender a metodologia e seus diversos recursos. Hoje, ele é o educomunicador de referência na escola e na comunidade. O grupo determinou, ainda, que tipo de informação poderia entrar ou não no Navegantes da Notícia, de forma a tornar o veículo comunitário livre de interesses pessoais. Outro aspecto interessante foi buscar recursos na própria comunidade, de forma que cada um contribuísse com o que podia. A percepção de que construir um núcleo de comunicação comunitária não necessariamente depende de recursos físicos ou financeiros, mas apenas de pessoas com vontade de articulação de rede, levou o grupo a encontrar as soluções. A vontade de dar continuidade à Agência foi tão grande que alguns adolescentes do Navegantes da Notícia se inscreveram e foram selecionados para participar do Aprendiz Comgás, projeto que oferece uma formação para jovens que queiram desenvolver ações sociais nas suas comunidades. Entre os 62 projetos inscritos, nove propostas da cidade de São Paulo foram selecionadas, entre elas a do grupo de quatro jovens do Navegantes, com foco na comunicação.

A tecnologia social

EM RESUMO As Agências Comunitárias de Notícias propõem que pessoas produzam informações de interesse hiperlocal e articulem uma rede de comunicação no território. O mutirão de limpeza da represa Billings, realizado em 2009, é um exemplo de como a articulação via comunicação pode produzir uma ação social transformadora.

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Por fim, é importante ressaltar que a proposta de Agências Comunitárias de Notícias aqui descrita não é uma metodologia, mas um conceito. Ela é apenas uma base para disseminação que pode ser replicada a baixo custo em outras comunidades. Cada núcleo de comunicação comunitária, no entanto, deve ser pensado em cada território de acordo com as especificidades, demandas e memórias locais.

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Para saber mais CASTELLS, Manuel. A era da Intercomunicação. Caminhos para uma comunicação democrática. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 41. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

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Educar é se envolver em um processo de múltiplos fluxos comunicativos no qual o sistema é tanto mais educativo quanto mais rica for a trama de interações comunicacionais. As Agências, ao serem capazes de conectar indivíduos e instituições de um mesmo território, estimulam o espírito de pertencimento e de responsabilidade mútua. O papel do Aprendiz é apenas o de facilitar o processo que resulta na criação das agências: sua construção deve ser fruto do envolvimento da própria comunidade. As estratégias de comunicação comunitária podem e devem variar de território para território, mas levando em consideração as especificidades e demandas locais. Os processos de comunicação comunitária devem buscar a corresponsabilização: todos juntos no desenvolvimento de algo ímpar, que foi gerado e gerido coletivamente. Ao mesmo tempo que fortalece a capacidade individual do posicionamento e da escolha, as Agências promovem uma cultura comum de direitos humanos. O diálogo entre escola e comunidade pode ampliar as oportunidades educativas da comunicação, alinhando os conhecimentos formais aos comunitários. Quanto mais vinculados afetivamente ao território, mais fácil e rapidamente acontece a mobilização de seus atores em torno de objetivos comuns. O mapeamento é uma estratégia eficaz de mobilização, pois garante o envolvimento da comunidade de forma que ela se torne a propositora da ação e não apenas sua receptora. Nas experiências das agências, o conceito de “veículo” de comunicação é expandido: ele pode ser o balcão da padaria, o mural da escola, a conversa do bar etc.

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FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 4. ed. Tradução Rosisca Darcy de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. KAPLÚN, Mário. O comunicador popular. Tradução Coletivo de Comunicadores Populares. 2009. LIMA, Grácia Lopes. São Paulo: Instituto Gens de Educação e Cultura, 2009.

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COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO

Isys Helfenstein Remião, relações públicas e educomunicadora, é especialista em Gestão da Comunicação pela ECA/USP e gestora de Projeto do Núcleo de Comunicação Comunitária da Associação

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Cidade Escola Aprendiz.

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“O tempo em que eu não estava escolarizando-me na escola, eu estava educando-me no mundo.” Paulo Freire

1  SOUSA, Mauro Wilton. Mediações sociais e práticas escolares. In: Novos Olhares, n. 12, p. 23, 2.º sem. 2003.

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um espaço cada vez maior na sociedade. Hoje é impossível dissociá-la do processo educativo de crianças e jovens que nascem junto com as novas tecnologias. A partir do século XX, o rádio e a TV passaram a integrar o cotidiano das pessoas e novas experiências surgiram nas esferas do saber, do viver e do sentir. No entanto, devemos recuperar as raízes históricas da educação e da comunicação no processo social para entendermos os espaços que essas áreas foram ocupando e as relações constituídas ao longo dos anos. Durante grande parte da trajetória da humanidade, o conhecimento e o saber estiveram presos à tradição. Até o advento da escrita, a educação era transmitida dos mais velhos para os mais novos por meio da oralidade e da expressão corporal. A modernidade rompeu com esse lugar central do saber dogmático e da tradição. Essa transformação acontece em meio a diversos conflitos e é acompanhada de mudanças de ordem política e econômica, tendo seus principais marcos as Revoluções Francesa e Industrial e o Iluminismo.1 A sociedade moderna passa a ser regida pelas leis da ciência e da argumentação. O

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A comunicação vem ocupando

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conhecimento verdadeiro precisa ser construído e testado, transformando o religioso e o tradicional em sinônimo de atraso. O progresso é o ideal que passa a ser perseguido, conferindo a ideia de linearidade para toda a vida em sociedade. Ao serem instituídas pela racionalidade moderna, tanto a comunicação quanto a educação ficaram demarcadas como espaços independentes, cumprindo funções específicas. À educação coube administrar a transmissão do saber necessário ao desenvolvimento social e à comunicação coube a difusão das informações, o lazer popular e a manutenção do sistema de consumo por meio da publicidade.2

A sociedade industrial, nesse período, apropriou-se do discurso e dos recursos da comunicação. Usou-os como instrumento disciplinador coletivo, fazendo incidirem diretamente na educação, a fim de sedimentar e legitimar a ordem social que queria ver estabelecida. A instituição escolar, nascida na modernidade, baseia-se num ideal de universalidade e racionalidade do homem, de negação das emoções, do livro, do uniforme, da organização linear do espaço e da disciplina formal. Vem daí a dificuldade enfrentada pelos sistemas de ensino em se adaptarem a ideias e conceitos que sejam divergentes do papel tradicional da escola. Após a Segunda Guerra Mundial emergiu um sentimento forte de negação e de descrédito ao projeto moderno e ganhou força a ideia de que estamos em nova fase chamada de Pós-Modernidade. É quando surge o aluno habitante do mundo globalizado, alfabetizado nas novas tecnologias, acostumado com o fluxo frenético de informações e vivendo, sobretudo, em busca do prazer. Para Jesus Martin Barbero, “... as novas tecnologias não são mais máquinas, estabelecem uma relação que já não é

2 SOUSA. Op. cit. p. 24

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Surge o aluno globalizado

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mais exterior, ocorre uma hibridação: uma mistura que resulta em um novo tipo de saber”.3

3  MARTIN-BARBERO, Jesus. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2001. 4  FREINET, Célestin. O Jornal Escolar. Lisboa: Editorial Estampa, 1974. p. 21.

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“Nas nossas classes, a criança conta primeiro e, mais tarde, escreve livremente aquilo que sente necessidade de exprimir, de exteriorizar, de comunicar aos que com ela convivem ou aos seus correspondentes. Não escreve uma coisa qualquer. A espontaneidade que tem sido tão discutida não deve ser para nós uma fórmula pedagógica. A criança exprime-se inserida num contexto que nos cabe tornar o mais educativo possível, com objetivos que devemos englobar nas nossas técnicas de vida”.4

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Na sociedade atual, portanto, os meios de comunicação ocupam o lugar de mediador nas relações entre o mundo e os indivíduos. Sob esta ótica, a escola é entendida como um novo lugar social, um lugar de comunicação, de troca de sentidos e construção de diferentes identidades. Um dos educadores pioneiros na descoberta do novo lugar social da educação e sua inter-relação com a comunicação foi Célestin Baptistin Freinet. Já em 1924, o educador desenvolvia o projeto “imprensa na escola”. Ao perceber seus alunos inquietos e com os olhos voltados para as janelas da sala de aula, interessados em descobrir o mundo lá fora, Freinet usou sua sensibilidade para introduzir um projeto inovador, que se tornaria referência em muitas outras escolas ao redor do mundo. Filho de uma família simples de agricultores no sudoeste da França, Freinet viveu até os 13 anos em contato com a natureza. Em 1920, foi nomeado professor-adjunto de uma classe rural na cidade de Bar-sur-Loup, no sul da França. Apesar de sua pouca experiência, ele começou a notar que, já naquela época, era muito difícil enquadrar os alunos no rigor dos programas, dos horários e dos confinamentos das salas. Em seu livro Jornal Escolar, considerado um manual sobre como a imprensa escrita deve fazer parte do cotidiano dos estudantes, Freinet destaca a importância da livre expressão e conta como seus alunos produzem seus textos:

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Para o educador, o jornal escolar deve ser produzido inteiramente pelas crianças, desde a elaboração dos textos até o processo de montagem das páginas e de impressão. Por isso, ele levou para a sala de aula os equipamentos gráficos usados naquela época e necessários para a execução dessa tarefa. Apesar das dificuldades para montar uma publicação escolar no final da década de 20, Freinet continuou buscando aprimorar seu método de ensino. O governo francês foi uma grande barreira aos seus propósitos, pois questionava a liberdade proporcionada aos estudantes. De 1939 a 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, o educador foi perseguido, preso e acusado de ser líder terrorista em função de suas ligações com os ideais marxistas. Com o fim da guerra, ele voltou a reivindicar um novo modelo de escola, voltado para o povo. Freinet morreu em 1966, deixando como legado um movimento pedagógico constituído por uma cadeia de jornais com uma tiragem de 500 mil exemplares produzidos por estudantes e distribuídos em mais de 20 países. Seu método ganhou o nome de Pedagogia Freinet, definindo como pilares da educação o trabalho coletivo realizado no meio em que se vive e a livre expressão.5

O ensino atrelado à vida

5  SOBREIRO, M. A. Jornal Escolar. Criatividade na sala de aula. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Faculdade Cásper Libero, 2006. p. 19. 6  CIDADE ESCOLA APRENDIZ. A Educomunicação no Bairro-Escola: fortalecendo o território e a comunidade local. In: REDE CEP. Educomunicação, comunicação e participação para uma educação pública de qualidade. Unicef/Instituto C&A, 2008, p. 23-26.

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Consonante aos pensamentos do educador francês, a Associação Cidade Escola Aprendiz vem disseminando o conceito de Bairro-Escola, que trata justamente do ensino atrelado à vida. Assim como Freinet, acreditamos que é possível aprender em qualquer lugar, com toda a comunidade e por toda a vida.6 Outra influência fundamental, sem dúvida, é o educador brasileiro Paulo Freire, que,

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revendo as teorias da comunicação a partir da década de 60, lançou as bases para uma nova pedagogia. Assim, Freire reafirmou a concepção da “educação para os meios” como atividade inerente aos programas de alfabetização e educação popular. Para ele, o esquema comunicativo básico na relação educador-educando deve ser uma relação igualitária e dialogal, que produza conhecimento.7 Mas foi na década de 70 que Freire aproximaria definitivamente a comunicação da educação, deixando clara a importância da primeira no processo de conhecimento e afirmando que a tarefa do educador é a de problematizar, junto com os educandos, o conteúdo que os mediatiza. Em A Pedagogia da Autonomia, ele afirma: “Como educador preciso ir lendo cada vez melhor a leitura de mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto imediato. Não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação de mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado, ou sugerido, ou escondido no que chamo de “leitura de mundo” que precede sempre a “leitura da palavra”.8

7  SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Contato, Ano 1, n. 1, Brasília, p. 25, jan/mar.1999.

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8  FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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Freinet e Freire relacionam não só a possibilidade de utilizar os recursos da comunicação para a livre expressão, como também a importância de reconhecer o meio em que se vive para melhor explorar as potencialidades de ensino-aprendizagem envolvidas. Quando Freire defende que é preciso que a leitura de mundo anteceda a leitura da palavra, ele possibilita a descoberta de novos caminhos que partem das experiências e curiosidades de cada indivíduo inserido num contexto social, territorial e cultural.

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O valor das revoltas socioculturais No período compreendido entre as décadas de 60 e 80 a comunicação popular tinha como objetivo denunciar os meios de comunicação. Suspeitava-se que esses meios estivessem comprometidos com a manipulação e a dominação da sociedade, uma vez que eram “administrados” pelos centros de decisão econômica e política. Esta orientação muda na década de 80, acompanhando as transformações do processo sociopolítico. As pesquisas no campo acadêmico da comunicação passam a apontar novos olhares e os próprios comunicadores populares repensam as suas práticas. Mário Kaplún, comunicador argentino e precursor da Comunicação Educativa e Popular na América Latina, enfatiza que a comunicação popular baseia-se na inserção ativa do sujeito no processo educativo e tem a perspectiva de formar para a participação social. A aprendizagem, para o educador, ocorre justamente no envolvimento, na investigação, fazendo perguntas, buscando respostas, problematizando e, principalmente, problematizando-se.

Na visão deste pensador, a Teoria da Comunicação não partiu das relações humanas. Foram a técnica, a engenharia, a eletrônica e as poderosas empresas proprietárias dos meios de comunicação de massa que impulsionaram a forma de conceber a comunicação. Outro vetor que também contribuiu para que o conceito de comunicação não tivesse um aspecto muito abrangente foi o caráter autoritário e hierárquico da sociedade. O diagrama emissor-mensagem-receptor – pretensamente correto – descreve a trajetória das relações em uma sociedade autoritária e estratificada. É dessa forma que se relacionam professor e aluno, chefe e subordinados, pai e filho, etc. Para Kaplún, entretanto, todo receptor é também um emissor. Todo ser humano tem faculdades para ambas as funções – emitir e receber – e tem o direito de participar do processo de comunicação, atuando alternativamente como emissor 9  KAPLÚN, Mário. Una pedagogía de la comunicación – el comunicador popular. Habana: Editorial Caminos, 2002. p. 46.

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“A aprendizagem ocorre no vivido, no que é recriado, no que se reinventa e não somente no que se lê e se escuta [...] A aprendizagem somente ocorre quando é processual e quando também há gestão dos educandos”.9

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e receptor. Por isso, o pensador argentino defende que o comunicador popular conheça a linguagem dos meios para dar, por meio deles, voz a seus educandos. Contribuindo para a constituição do campo da Comunicação/Educação, outro pensador também atuante na América Latina é Jorge Huergo. Ao analisar o que denomina “revoltas socioculturais” pelas quais a sociedade vem passando, ele acredita que há também uma revolução nas percepções, nas práticas, nas representações e no imaginário, tornando-nos cada vez mais resistentes às antigas e conservadoras atitudes impostas pela instituição escolar da modernidade. As “revoltas culturais” permitem pensar em um novo regime para a educação, baseado no singular e na experiência das relações que se dão a partir das interações entre os indivíduos. Este novo cenário, segundo Huergo, propicia que os sujeitos se reconheçam, que se pronunciem e se articulem, transpassando as fronteiras criadas pela escolarização. E é nesse espaço entre o reconhecimento e o diálogo que a Comunicação/ Educação se inscreve como projeto de autonomia.10 É notável, hoje, a mudança na relação de crianças e jovens com as novas tecnologias possibilitadas pela internet. Há um novo modo de aprender e de se relacionar com o mundo. Portanto, aproximar as áreas da educação e da comunicação é um desafio necessário e emergente dessa nova sociedade. Superá-lo significa repensar as relações de ensino-aprendizagem a partir dos indivíduos, transformando-os em seres conscientes das possibilidades de diálogo com o outro e capazes de utilizar as linguages da comunicação para produzir informações que façam sentido para a sua vida e para o coletivo.

10  HUERGO, Jorge. Comunicación/Educación: itinerarios transversales. In: VALDERRAMA, Carlos. Comunicación & Educación. Bogotá: Universidad Central, 2000. p. 20.

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Compreender a comunicação como um direito humano é um processo capaz de transformar a relação dos indivíduos com os meios de comunicação. Descobrir as habilidades comunicativas e experimentar a convivência com o outro e com a diferença promove o desenvolvimento dos sujeitos como emissores e receptores mais críticos.

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Educomunicação e aprendizagem coletiva

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Essa outra realidade baseia-se na horizontalidade da comunicação, pela qual o indivíduo aprende fazendo. Para fazer, ele parte dos seus questionamentos até alcançar os objetivos traçados por si e pelo grupo. Na medida em que os sujeitos exercem a autonomia na criação e nas formas de expressão, o educador transfere seu papel de formador para o de mediador e passa a acompanhar, questionar e estimular a reflexão do educando para aprender e construir junto com ele. A autonomia se conquista a partir do momento em que cada um reconhece o valor da sua fala perante o grupo e neste, por meio do diálogo horizontal, se constrói um projeto que faça sentido às suas inquietações e curiosidades. O projeto Repórter Aprendiz, desenvolvido pelo Núcleo de Comunicação Comunitária, baseia-se na relação entre a educação e a comunicação e proporciona aos jovens um espaço de criação e troca de experiências. Além disso, utiliza as mídias como formas de expressão, questionamento e estímulo à participação social. Os jovens experimentam as linguagens e produzem informações, opinando, debatendo e decidindo com o grupo os temas que serão abordados. Quando se apropriam da comunicação como produtores, os jovens passam a ter um novo

Repórter Aprendiz, jovens discutindo pauta de comunicação do

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bairro. Foto - Acervo Cidade Escola Aprendiz

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olhar sobre as relações que constroem ao seu redor e com o mundo. “O Repórter Aprendiz é um lugar que eu gosto muito, adoro o ambiente, aprendo, conheço pessoas e posso desenvolver as minhas capacidades. Porque na escola a gente não tem essa oportunidade – aqui é mais participativo – sinto que eu estou fazendo algo que eu presto para fazer, diferente da escola que eu faço coisas que não vejo sentido nenhum. Aqui eu vejo sentido nas coisas que eu faço.” Carine, 16 anos, aprendiz dos projetos Repórter Aprendiz e Jovem de Futuro, ambos voltados à comunicação e promovidos pela Associação Cidade Escola Aprendiz.

Formações em comunicação para jovens Projetos “Repórter” Nos últimos anos, o Aprendiz desenvolveu uma metodologia própria para a formação de jovens agentes de comunicação. Esta metodologia é experimentada nos diversos territórios em que a organização atua com os projetos Repórter Aprendiz, Repórter Max e Repórter Comunidade. Com duração de um ano, estas iniciativas possibilitam que os jovens se apropriem das ferramentas de comunicação (como foto, vídeo, texto e fanzine) e veiculem as ferramentas e as notícias produzidas por eles nas Agências Comunitárias de Notícias. Projeto Jovem de Futuro Desenvolvido pelo Instituto Unibanco, oferece às escolas públicas de ensino médio apoio técnico e financeiro com o objetivo de diminuir os índices de evasão e promover uma melhoria na qualidade da educação. O Aprendiz atua com parceiro da iniciativa, desenvolvendo uma metodologia de formação de alunos e professores com o intuito de ensino e comunidades. Esse processo tem duração de três anos, ao longo dos quais os participantes têm contato com diferentes estratégias e instrumentos de pesquisa,

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mobilização e comunicação.

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de torná-los sujeitos ativos e mobilizadores do projeto em suas respectivas instituições

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Na perspectiva apresentada por Kaplún, os meios de comunicação são concebidos como instrumentos para uma educação popular e como alimentadores de um processo transformador. O projeto Cassete Fórum, desenvolvido por Kaplún, tinha como proposta unir os recursos tecnológicos disponíveis na época, como gravadores e fitas cassetes, ao componente metodológico, que se dava por meio de reuniões dos grupos nos quais os temas debatidos eram gravados e repassados aos demais. O objetivo do projeto não era produzir programas a serem veiculados na rádio comercial, mas contribuir com a formação da comunidade. Assim, a participação direta, a espontaneidade de expressão, o fato de que todos nesse formato são alternadamente emissores e receptores, o envolvimento dos jovens – inclusive como novos dirigentes – e o número cada vez maior de participantes eram considerados como os verdadeiros resultados da iniciativa. Como visto no capítulo anterior, uma das tecnologias desenvolvidas pela Associação Cidade Escola Aprendiz é a Agência Comunitária de Notícias. O projeto estimula a criação de uma rede de comunicadores envolvidos com o território, produzindo informações que façam sentido para a comunidade, articulando os saberes locais e fortalecendo os potenciais existentes. Assim, nas palavras de Izabel Marques, a educomunicação torna-se um instrumento de intervenção social: ao compreender e produzir mídia, pode-se interferir no espaço urbano.

O campo da educomunicação é constituído por três áreas de intervenção sócio, político e cultural: a mediação tecnológica nos espaços educativos, a educação em relação aos meios de comunicação e a gestão comunicativa em espaços educativos. Segundo Ismar de Oliveira Soares: “A educomunicação é o conjunto de ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas

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Educomunicação: conceito e prática

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comunicativos11 em espaços educativos. Visa melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, desenvolver o espírito crítico dos usuários dos meios de comunicação de massa, usar adequadamente os recursos da informação nas práticas educativas e ampliar a capacidade de expressão das pessoas”.12

11  O conceito de ecossistema comunicacional designa a organização do ambiente, a disponibilização dos recursos, o modus faciendi dos sujeitos envolvidos e o conjunto de ações que caracterizam determinado tipo de ação comunicacional. 12  SOARES, Ismar de Oliveira. Gestão comunicativa e educação: caminhos da Educomunicação. In: Comunicação & Educação. São Paulo: ECA/USP/Editora Segmento, ano VIII, n. 23,

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13  SOARES. op. cit. p. 29.

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No Brasil, uma das experiências pioneiras em educomunicação foi realizada por Paulo Freire, que trabalhou com rádio em seu projeto nacional de alfabetização de jovens e adultos, o Movimento de Educação de Base (MEB), nas décadas de 50 e 60. O emprego das tecnologias também é uma preocupação presente no texto da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996. A legislação estabelece que o ensino médio de qualidade deveria se voltar às novas áreas de conhecimento de caráter interdisciplinar, tendo a comunicação como meio e como objeto do ensino e transformada em instrumento para o acesso a uma cidadania mais plena (cf. artigo LDB). Com isso, a aplicação das tecnologias da informação na educação formal foi se convertendo em política pública, com a criação de fundos e programas de formação para professores. Ao longo dos últimos 40 anos, diversos países na América do Norte e na Europa estabeleceram políticas voltadas à minimização dos efeitos da mídia sobre crianças e adolescentes. Na Inglaterra, Canadá e Austrália, os programas de formação para os meios de comunicação estão incorporados aos currículos escolares desde os finais dos anos 60, como atividade opcional. Outros países, como Suíça e Alemanha, passaram a adotar procedimentos semelhantes e a Itália incorporou a prática como obrigatória na educação básica a partir de 1992.13

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Uma experiência em educomunicação Quando a criança ou o jovem encontra espaço para colocar suas opiniões e fazer suas escolhas, seu processo de aprendizagem se torna mais significativo, pois estabelece relações diretas com a sua vida. “A comunicação é tudo (...) abre portas, é um caminho para explorar o mundo, uma estrada que te leva para onde você quiser. Depois que eu entrei no projeto e descobri os meios de comunicação, criei um blog e comecei a expressar as minhas ideias. Tenho necessidade de expressar o que eu sinto, de expor o que eu penso. Escrevo sobre tudo que me interessa, ando na rua e observo as coisas, as pessoas... e a partir daí faço as minhas reflexões.” Carine, 16 anos.

Projeto Jovem de Futuro Foto - Acervo Cidade Escola Aprendiz

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A jovem Carine também participa do projeto Jovem de Futuro promovido pela Associação Cidade Escola Aprendiz, no qual atua como agente de comunicação na escola. Na entrevista, ela conta que a falta de comunicação entre a direção e os professores representava uma “barreira” no fluxo de informações dentro da comunidade escolar. Por isso, o grupo de jovens envolvidos no Jovem de Futuro criou um jornal-mural para informar sobre os acontecimentos

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daquele ambiente, inclusive sobre o próprio projeto. Segundo Carine, hoje os professores a procuram para saber mais sobre as informações do jornal-mural e sugerir novos temas a serem abordados. A experiência inspirou a jovem a criar um blog da escola para fazer circular informações durante as férias e, com isso, incentivar mais pessoas a participarem da comunicação escolar. Quando Carine fala sobre a descoberta da comunicação na sua vida, percebe-se que a visão de mundo que ela tinha antes do projeto foi ampliada. Hoje, a jovem reconhece outras relações estabelecidas com os meios de comunicação e como elas influenciam a sua vida e a vida de outras pessoas com quem ela convive.

Ecossistema comunicacional Outro relato significativo da experiência de se tornar um emissor na comunicação vem de Gláucia, que tem 14 anos e participa de projetos do Aprendiz há nove anos. A adolescente já experimentou várias linguagens de comunicação. A partir da trilha Donos da Copa,

Projeto Donos da Copa - Escola na Praça. Foto - Acervo

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14  Projeto voltado para a criação de trilhas educativas na Vila Madalena para crianças e adolescentes de 4 a 14 anos. Para saber mais, ver artigo de Agda Sardenberg no Caderno Trilhas Educativas.

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desenvolvida pela Escola na Praça14 , ela teve a oportunidade de criar seu próprio blog. No início, quando o educador sugeriu a criação de um blog do grupo sobre o tema do projeto (proposto pelos educandos), Gláucia conta que não se interessou muito pela ideia. A partir das primeiras experimentações, entretanto, ela resolveu criar uma página pessoal para expressar algo que gostasse e, então, escolheu a música como tema principal do espaço. Assim, ela passou a escrever todos os dias no http://glauciadepaulafaria.wordpress. com/. Também passou a ser produtora e colaboradora no blog do grupo (http://donosdacopa. wordpress.com). Gláucia entende, hoje, que a comunicação é um direito de todos. Ela conta que tinha vergonha de falar em público e expressar suas opiniões, mas que, depois de experimentar algumas linguagens de comunicação, ficou mais desinibida e mais confiante no seu potencial como comunicadora. Casos como os das jovens Carine e Gláucia mostram que os projetos de educomunicação do Aprendiz consideram as habilidades técnicas como uma consequência – e não uma finalidade – do processo de mediação que se faz a partir dos questionamentos dos jovens: o que eu quero compartilhar com os outros? Por que e o que comunicar? O que faz sentido no contexto individual e coletivo no qual estou inserido? As habilidades técnicas vêm naturalmente em resposta a esses questionamentos, à curiosidade e ao interesse dos jovens em produzir meios de comunicação que expressem o sentido da mensagem/informação que desejam comunicar. A descoberta do espaço territorial ao qual pertecem e suas potencialidades orienta o percurso. Assim, a comunicação passa a trabalhar a serviço do ambiente e da comunidade. Por fim, a busca da gestão democrática e criativa da ação comunicativa, em função da produção e do manejo do saber, leva as comunidades envolvidas a transformarem seus espaços educativos em ecossistemas comunicacionais expressivos. Dessa forma, a educomunicação fecha um circuito de emissores/receptores, gerando ambientes de aprendizagem nos quais as habilidades de reflexão e expressão são desenvolvidas, sempre de acordo com seus interesses.

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EM RESUMO A Pós-Modernidade trouxe o aluno habitante do mundo globalizado e tecnológico, intolerante aos métodos tradicionais de ensino. Freinet e Freire foram pioneiros na descoberta do novo lugar social da educação e sua inter-relação com a comunicação e, por isso, inspiram as experiências do Bairro-Escola. As ideias dos pensadores latino-americanos Kaplún e Huergo sobre as revoluções que as novas mídias trazem para as relações humanas também inspiram o trabalho com a metodologia. Aproximar as áreas da educação e da comunicação, colocando o indivíduo no centro dos processos de ensino-aprendizagem, é um desafio necessário e emergente da nova sociedade. No projeto Repórter Aprendiz, as mídias são usadas como veículos de expressão, questionamento e estímulo à participação social de jovens de escolas. O campo da educomunicação é constituído pela mediação tecnológica nos espaços educativos, pela educação em face dos meios de comunicação e pela gestão comunicativa em espaços educativos. A LBD estabelece que o ensino médio de qualidade deve ter a comunicação como meio e objeto de ensino e transformada em instrumento para o acesso a uma cidadania mais plena. Experiências como a da jovem Carine, que criou um jornal-mural para “quebrar a barreira de comunicação entre a direção e os professores”, são bons exemplos de educomunicação. A gestão democrática e criativa da ação comunicativa leva as comunidades envolvidas a transformarem seus espaços educativos em ecossistemas comunicacionais expressivos.

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ENTREVISTA “ O BAIRRO-ESCOLA SÓ FUNCIONA COM O EFEITO MATRACA” GILBERTO DIMENSTEIN Nesta entrevista, Gilberto Dimenstein, jornalista e escritor que fundou a Cidade Escola Aprendiz, fala sobre o papel central da comunicação no Bairro-Escola, as novas sinapses comunitárias criadas pela cibercultura e por que é tão importante o tal “efeito matraca”.

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Por Julia Dietrich e Marina Rosenfeld

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tecnológicos surpreendem diariamente a humanidade: realidades, mundos e fronteiras são reformulados com instrumentos interativos e colaborativos. A economia mundial e as relações entre os países se transformam continuamente diante da expansão e do desenvolvimento tecnológico. Saberes são divididos coletivamente, ao passo que sanções e formas de concentração da informação aparecem com igual força. E, como consequência direta da chamada Era do Conhecimento, mudam também as formas, meios e linguagens de comunicação entre as pessoas. Entre os novos meios, destaca-se o imprevisível mundo da Internet, que hoje move grandes somas financeiras, investimentos, ações e patentes em relações de profundo dinamismo comercial e que, ao mesmo tempo, permite que o indivíduo seja protagonista e colaborador na construção do conhecimento que forma a rede. O teórico e pesquisador espanhol Manuel Castels chama a atenção para o fato de que a velocidade da Internet, com suas linguagens, é tão grande que se torna quase impossível que pesquisadores, analistas ou investigadores das novas propostas high-tech se mantenham atualizados ou até sejam capazes de prever o futuro das linguagens e meios de troca de informação.

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É comum dizer que os avanços

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1  BESSA, Fátima. A Galáxia Internet: reflexões sobre internet, negócios e sociedade – Manuel Castells. Portugal: Universidade do Minho, 2008. 2 Idem.

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Porém, reconhece que “há uma nova sociabilidade baseada numa dimensão virtual que transcende o tempo e espaço (...)”1 e que a Internet se configura com uma “geografia própria”, construindo e desconstruindo novas paisagens sociais. Nesta perspectiva, Castells enfatiza a importância do acesso à produção e uso da linguagem virtual e novas mídias – acesso este livre, descentralizado e fundamentalmente crítico. Este acesso poderia evitar a manutenção da exclusão social que afeta a maioria da população global. O autor indica que essas novas paisagens se constroem a partir do usuário – do indivíduo em seu espaço – que se conecta a outras pessoas, de outras localidades, vizinhas ou não, construindo e tecendo relações que gradativamente compõem e alteram o espaço virtual e o avanço tecnológico. “Castells fala em um trabalho ‘autoprogramável’ para explicar como a economia gerou um novo conceito de trabalho, que, por sua vez, depende de uma educação diferente, mais voltada para os processos e métodos de aprendizagem, tendo em conta, por um lado, a rapidez com que o conhecimento é ultrapassado por novo conhecimento instrumentalmente adequado”, aponta a pesquisadora portuguesa Fátima Bessa, em tese publicada pela Universidade do Minho.2 Assim, para que esses novos trabalhadores sejam formados ou ainda para que todo e qualquer indivíduo tenha acesso à produção de informação e conhecimento nesse novo cenário, faz-se necessário também um novo educador, capaz de instigar e fomentar as discussões com seus educandos para as questões sensíveis aos dias atuais. Acesso ao conhecimento, liberdade e autonomia são questões que perpassam tanto o cenário das escolas quanto o dos meios de comunicação, além do cotidiano dos territórios, levando em conta as particularidades de cada comunidade. Sob essa perspectiva, o processo educativo – amplo e irrestrito – permite que os indivíduos possam acessar, aproveitar, fazer uso e reformular os novos meios, mídias e até a ideia de cultura digital em si mesma. Nessa perspectiva, são esses indivíduos que reconstroem softwares e liberam códigos, tecem novas formas de associação em rede, questionam e

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problematizam o acesso à comunicação e a produção crítica do conhecimento. É nesse cenário dicotômico – que oscila entre a liberdade da produção coletiva e a rigidez do domínio econômico do conhecimento e de exclusão digital de boa parte do globo, que o fundador da Cidade Escola Aprendiz, Gilberto Dimenstein, foi convidado a pensar e explanar sobre o cenário da comunicação atual, pautado pelo poder associativo das redes sociais com vistas ao desenvolvimento local. Para ele, a comunicação é o eixo estruturante do Bairro-Escola, é ela – presencial, potencializada pelas redes virtuais – que garante a conexão entre os diferentes agentes do território. Dimenstein insiste que, para que a Internet seja efetivamente uma ferramenta comunitária, é preciso garantir antes que os indivíduos dessa comunidade tenham livre acesso ao conhecimento para fazerem suas escolhas e então tecerem suas redes colaborativas. E que essas experiências, coletivas e individuais, dependem essencialmente de processos educativos, orientados por princípios como autonomia, colaboração e investigação crítica permanente.

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A história do Aprendiz é marcada pelo fenômeno da comunicação e da educação. Ele nasceu como proposta de usar a comunicação para melhorar a educação. Isso foi em 1997, logo na sequência da expansão comercial da Internet, em um tempo em que pouco se falava das mídias digitais. O início do trabalho foi com o Colégio Bandeirantes, que era uma das poucas escolas onde havia um servidor. Lá eu reuni um grupo de jovens que pensavam educação e comunicação, com a proposta de atualizar o livro Cidadão de Papel em uma plataforma online e que, durante esse processo, trabalhasse coletivamente, em rede. O Aprendiz é, essencialmente, um projeto de comunicação e não porque trabalha com as diferentes linguagens da mídia, mas porque usa mecanismos que possibilitam que as pessoas estabeleçam contatos. Isso é comunicação. A comunicação pode aparecer de várias formas: por um rádio ou um jornal ou simplesmente pelo boca a boca.

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É comum associar a Cidade Escola Aprendiz a projetos de comunicação. Como você avalia essa relação?

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E é nesse sentido que o Bairro-Escola é um produto de comunicação das mais variadas mídias. Há a comunicação interpessoal, mas há também instrumentos de comunicação, como um beco grafitado ou uma praça que recebe eventos da comunidade. São apenas formas diferentes de comunicar algo. Quando as pessoas pensam em meios de comunicação, pensam somente nos meios tradicionais, como a rádio, o jornal. Mas um beco grafitado, por exemplo, também comunica uma ideia, desejo ou sentimento. O simples fato de fazer com que as pessoas estabeleçam conexões faz com que a comunicação seja um eixo estruturante do Bairro-Escola.

O Beco Escola e a Praça Aprendiz das Letras A Praça Aprendiz das Letras, localizada à Rua Belmiro Braga, liga-se a um beco, espaço público sem nome oficial, para o qual dão os fundos de diversas casas e sob o qual corre o Rio Verde. Desde que o Aprendiz se instalou ali, foram realizados alguns projetos com o objetivo de tornar este um espaço da comunidade, valorizando a arte de rua. Como resultado, hoje a praça é ocupada pelas atividades das crianças do projeto Escola na Praça, pelos jogos de basquete dos times do bairro e pelos encontros semanais de malabares. Já os muros do beco tornaram-se uma verdadeira galeria a céu aberto, um laboratório onde grafiteiros, pichadores e artistas se encontram para trocar experiências, técnicas e intervenções,

Nesses 13 anos, a comunicação se reconfigurou a partir dos avanços tecnológicos e do crescimento paulatino da Internet e dos meios digitais. Em uma pesquisa sobre o papel das redes sociais, o teórico Manuel Castells diz que a Internet vive uma dualidade: ao mesmo tempo que ela possibilita o desenvolvimento, ela é restrita somente a quem tem acesso. Como você vê essa questão?

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cenário para filmagens e local de visitação.

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A questão do Bairro-Escola passa por isso. É um conceito de inclusão. Podemos trabalhar a inclusão de várias formas, até mesmo com a Internet. E é nessa perspectiva que entendo que a tecnologia não é boa ou má. Ela é parecida com qualquer outra coisa na vida, dependendo do uso e da intenção que se tem ao usá-la. Porém, na medida em que a tecnologia acelera, aumenta a dificuldade de domá-la, aumentando consequentemente a exclusão. Por isso é que o contato entre as pessoas, a relação entre humanos é tão importante quanto os avanços tecnológicos. Quando penso no Bairro-Escola, lembro sempre da história da matraca, espécie de instrumento musical usado pelas comunidades para anunciar um evento ou a chegada de um vendedor no bairro. O Bairro-Escola só funciona de verdade quando assume um “efeito matraca”, ligando o vizinho à escola e à oficina mecânica, que por sua vez fala com o hospital, que fala com o museu e assim por diante, todos conectados pelo mesmo som.

Aprendiz do Futuro e site Aprendiz Em 1995, Gilberto Dimenstein foi convidado pelo Colégio Bandeirantes para assessorar um projeto multidisciplinar baseado em seu livro Cidadão de Papel (Ática, 1994). Depois, projetos semelhantes foram desenvolvidos em Curitiba, Santos e Salvador. Em 1997, na cidade de São Paulo (SP), o livro Aprendiz do Futuro ( Ed. Ática) levou à criação do website www.aprendiz.org.br, que tinha como objetivo tratar de temas relacionados a educação, direitos humanos e trabalho. O conteúdo era produzido por jovens de escolas públicas e particulares, sob a orientação de jornalistas e comunicadores profissionais, que

Você fala da escola como um dos pontos de conexão do Bairro-Escola. Qual é a relação entre comunicação e educação?

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Acho que comunicar e educar são uma única questão. É uma linguagem só e quando

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atualizavam o livro em tempo real.

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você não comunica educando, você não comunica bem. Comunicar é informar coisas relevantes para a vida da pessoa, ajudar essa pessoa a contextualizar o que é relevante para tomar suas decisões. O objetivo maior da educação é garantir que as pessoas sejam autônomas e que, a partir dessa autonomia, tenham capacidade de enfrentar os desafios da vida e aproveitar as oportunidades que ela oferece. Essas oportunidades estão em todos os cantos e, quando falamos de hiperlocalidade, é reconhecer que elas estão no micro, no próprio bairro. Vejo que educar é essencialmente ensinar o encanto das possibilidades. Cada um tem uma opção, mas todos têm que conhecer as possibilidades, os diversos ângulos e o papel dessa construção é de todos nós. Se você tem mídias digitais as pessoas podem ter maior acesso à informação. Se você tem processos comunitários e acesso à grande mídia você tem outras informações, complementares, mais dados para você tomar decisão. O acesso à comunicação comunitária, às mídias digitais e à grande mídia é importantíssimo para garantir maior acesso a diferentes informações, facilitando que esse indivíduo tome suas próprias decisões.

Mas quem pode garantir esse acesso?

E qual é o papel do educador, professor nesse processo? Professor é igual jornalista. Hoje eu não consigo imaginar um único processo sério

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O Estado tem que garantir ao indivíduo os direitos básicos, como cultura, moradia, saúde, principalmente educação, para que ele possa ter direito a tomar suas decisões. Mas, ao mesmo tempo, à medida que a comunidade se apropria de suas ferramentas, ela passa a reivindicar seus direitos. Se você quiser participar de um culto, agremiação, clube ou igreja com diferentes práticas, não há problema algum, desde que você conheça diferentes visões e não tome a sua verdade como a verdade do outro.

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de comunicação sem ter a questão digital e um processo de educação sem o acesso à informação de qualidade. A informação transita muito rapidamente, por todos os lados, o tempo todo. Mas esse indivíduo, a quem chamo de professor-comunicador, também tem outra tarefa. Além de trabalhar com mídia digital, ele tem que ser cada vez mais um filtro dessas informações disponíveis nos diferentes veículos. A expansão da mídia digital aumentou muito o consumo de informação e, consequentemente, aumentou muito a necessidade de seleção dessa informação. E, novamente, esse processo aumentou a necessidade da educação, que nada mais é do que a habilidade de selecionar o que é relevante para que o indivíduo tenha instrumental de autonomia para fazer suas próprias escolhas. Então, esse professor tem que saber lidar com tudo isso, tem que aproveitar todos os canais que estão abertos de comunicação e de troca de informação, e simultaneamente ele tem que entender que também é produtor de conteúdo e que seu aluno também faz parte dessa rede e produz para ela.

Não acho que isso seja o grande problema. A verdadeira questão é que a maioria das pessoas não tem acesso à educação de qualidade. A questão não é da tecnologia, mas sim da educação. Por isso é que o Aprendiz não busca ser e não pode ser uma lan house, um telecentro. Nós e outros que pensam e problematizam esse tema temos que criar um processo em que o mundo digital esteja ao alcance do indivíduo, mas que esse alcance se dê em todos os espaços e tempos como uma proposta educativa. E isso não é só para a Internet. É para um livro, é para tudo. Essa é uma desigualdade que aparece em vários sentidos, campos e veículos de informação.

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Quando falamos em democratização da informação, argumentamos sobre a necessidade de que o indivíduo seja um produtor de conteúdo, além de consumidor.

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Considerando que apenas 36% da população têm acesso à Internet, como é possível lidar com a exclusão digital?

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Como as mídias sociais se apresentam neste cenário? Nesse sentido acho que a internet melhorou muito o acesso à produção da informação. Atores, cineastas, estudantes, comerciantes passaram a expor seus trabalhos, reflexões e produções. O problema é que surge muita porcaria junto. É dicotômico, pois de um lado é ruim, mas por outro lado aumenta o caldo informativo. Por exemplo, um garoto que naturalmente gosta de música passa a produzir canções e para divulgar essa produção na internet precisa de alguém que facilite, que o ajude a perceber como fazer uso dos meios disponíveis para isso. A Internet então se torna uma espécie de palco que, novamente, pode ser usado tanto de forma positiva quanto negativa. Um exemplo disso é o que tentamos fazer a partir do Vila Mundo, que em pouquíssimo tempo já conquistou a atenção e a receptividade de um grande número de pessoas. São cantoras, cantores, atores, atrizes, cineastas – muitas vezes anônimos – que passaram a se colocar em rede e divulgar e construir coletivamente um espaço de produção e troca cultural. A partir do momento que as pessoas passam a construir algo coletivamente, desenvolvem os seus talentos, suas potencialidades. Essa é a grande base do Bairro-Escola.

Concordo plenamente com a ideia de que precisamos potencializar as pessoas como produtoras de mídia, de conhecimento e garantir que tenham recursos para isso. Acredito que a mídia tem que ser democratizada. E lembro que o Aprendiz nasceu com essa ideia. Porém, isso não significa excluir o papel da grande mídia na sociedade, que, a meu ver, é fundamental. É claro que, quando existe um grupo de comunicação forte e de formação de opinião, ele está sujeito a críticas. Mas esses veículos são pautados na consistência e na seriedade e dependem essencialmente disso. Ao mesmo tempo, é claro que também têm erros, que forçam a barra, mas o resultado final é que eles têm um compromisso com a ética.

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Nessa perspectiva, como você avalia as conquistas do movimento pela democratização da comunicação, levantadas, por exemplo, na Conferência Nacional de Comunicação?

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Se você tem um jornal que não é ético, ele não dura muito tempo. Os bons jornalistas saem, bons profissionais não ficam lá. Entendo que a negação da grande mídia muitas vezes aparece como uma questão ideológica. Existem as pessoas que dizem que o capitalismo não presta e as empresas de comunicação, como são empresas capitalistas, vão apoiar as empresas que não prestam. Se o indivíduo acha que o capitalismo é um sistema ruim e que as empresas são um mal para a sociedade é natural que ele ache que a grande mídia não presta. Eu pessoalmente não concordo, mas faz sentido. O que não faz sentido é você querer democratizar a informação e abrir mão da importância da grande imprensa. A grande mídia e a mídia alternativa se complementam.

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Aí aparece uma coisa muito legal do colaborativo. Antes, o jornalista não se importava com o leitor. O leitor ficava parado, esperando o que nós, jornalistas, “gênios”, tínhamos para dizer a eles. Quando chegava uma carta na redação, a gente pouco se importava com ela. Porém a internet chegou e desmontou essa estrutura. O jornalista passou a conviver com respostas imediatas, com processos colaborativos e com a interatividade, que, de modo geral, influenciaram muito positivamente a relação dos veículos com o público. Porém, ao mesmo tempo, é preciso perceber que isso alerta para um grande perigo, o de se levar o jornalismo para o senso comum, porque o senso comum trabalha com o pensamento místico e não lida com relação de causa e efeito. O senso comum não dialoga com o olhar científico do mundo, é uma questão de misticismo. O jornalista então deve ser a pessoa obrigada a desconfiar de uma série de falas de senso comum. E aí a internet aparece como problema porque ela faz com que se acompanhe apenas o que dá Ibope, reforçando as opiniões do senso comum, não problematizadas, discutidas. Então quando vocês perguntam sobre uma reinvenção da imprensa, acredito que não

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Ainda sobre a grande mídia, vários veículos criaram formas de interatividade com o leitor, desde o “mande sua foto” até o espaço de comentários nas matérias produzidas. Será que isso é suficiente? Como é que a mídia vai se reinventar? Ela vai se reinventar?

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seja um processo de reinvenção, mas apenas de se adequar à tecnologia. Após um ano do nascimento do Portal Aprendiz, outras tantas pessoas passaram a fazer sites, inúmeros veículos passaram a existir e hoje, 13 anos depois, inúmeras ferramentas apareceram. É um avanço muito rápido e contínuo. E, além disso, é preciso que o jornalista saiba selecionar os fatos e contextualizá-los na vida do seu leitor. É claro que a produção e interação com o leitor é importante, mas olhando para os grandes jornais vemos que grande parte do conteúdo que vem do colaborativo é senso comum, reiterando preconceitos, produto apenas de emoção.

Aí, sim, você sai do senso comum. Você está usando os recursos do jornalismo para uma comunicação de interesse comunitário. Isso aí é que é formação cidadã. Jornalismo cidadão é quando o indivíduo usa sua capacidade de se comunicar, a partir de instrumentais técnicos e analíticos, de forma que ele possa olhar criticamente para a questão a ser debatida, sob diversos ângulos e fazer as suas próprias escolhas. Quando falo de senso comum é porque infelizmente muitas pessoas, por exemplo, julgam uma candidata à presidência pela sua simpatia ou não. Elas se baseiam nisso e não vão além. O olhar crítico é traço da minoria. A maioria das pessoas ainda se baseia no senso comum. O que é o poder crítico. É falar mal? É dizer que as pessoas não prestam? A criticidade vem, primeiro, da avaliação consistente dos vários ângulos de uma situação, checar as informações para saber se elas existem. E ouvir de novo, ler, falar com as pessoas, ter um olhar científico do mundo. Por isso vamos voltar sempre à questão: não estamos falando de comunicação em si, mas de educação. E foi nesse sentido que o Aprendiz nasceu, ainda no Colégio Bandeirantes, como instrumento de análise e produção crítica de informação, ensinando jovens a produzirem conhecimento na mídia a partir dos seus próprios interesses.

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Você disse que a maior parte das informações que as pessoas trazem é do senso comum. Como você vê isso quando a produção é comunitária?

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Então a comunicação comunitária aparece como instrumento para o desenvolvimento local? Quando você fala que a comunicação é comunitária, ela nada mais é do que a intencionalidade de usar a comunicação a favor da comunidade, a partir da ideia de hiperlocalidade. Você tem uma história internacional, uma história nacional, regional, local e depois a história hiperlocal, que são as cidades e suas tribos. É você decupar mais as cidades, os bairros. A hiperlocalidade valoriza o local e o Aprendiz trabalha justamente com isso. A localidade é uma questão definidora do que nós somos como organização. Toda e qualquer pessoa tem capacidade de comunicar. O segredo é a habilidade de seduzir a pessoa pela palavra, pela imagem. O acadêmico comunica quando ele faz um livro, mas as pessoas do meio externo à academia não entendem necessariamente o que ele quer comunicar. A comunicação comunitária, no entanto, empodera as pessoas, ensina as pessoas, sejam elas crianças, jovens, adultos ou idosos, a usarem a comunicação de forma produtiva. E é papel do Aprendiz observar como acontecem essas sinapses comunitárias e quais são os mecanismos de comunicação para garantir a participação efetiva das pessoas no seu território.

Acho que nada supera a interação do presencial. A internet não consegue substituir os milhões de conexões mentais que o seu olho consegue na hora de expressar uma dúvida, uma alegria, uma dor. Não tem nada mais interativo do que o rosto, o olhar. Com quantas combinações interativas você tem que lidar para perceber que a pessoa está mentindo?

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Quando se fala em interatividade e construção colaborativa, logo nos vem à mente a ideia do software livre.

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Só o virtual dá conta dessa interação entre as pessoas e o território?

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Essa é outra coisa maravilhosa e consequência da colaboração em escala planetária. Também não sou contra software pago. Acho que as pessoas são incapazes de conviver com a ideia de que o contraditório possa existir, mas as duas possibilidades estão aí e também são complementares, existem de formas diferentes. O software livre é uma revolução de produção coletiva na humanidade. Raras coisas foram assim. Acho que talvez só a Bíblia tenha sido construída em processo semelhante. A meu ver, ela foi uma espécie de Wikipédia – não existe um texto mais colaborativo na Humanidade do que a Bíblia. É só pensar em quantos judeus, muçulmanos e cristãos ela move e nos códigos morais que foram estabelecidos a partir dela para perceber que se trata de algo extremamente poderoso. Assim como a Wikipédia, o software livre trouxe também essa imensa possibilidade de troca e construção compartilhada e coletiva.

A primeira coisa é o letramento e a capacidade de desenvolver o raciocínio abstrato. A escola é o lugar onde você pode desenvolver a capacidade de lidar com as questões contemporâneas, com autonomia, aprender a ter um olhar crítico e desenvolver a capacidade de argumentação. Por isso acho que faz sentido ter uma matéria escolar ligada à análise crítica da mídia. Assim como você tem uma análise crítica da biologia. Aprender a ler a mídia é um código. Hoje, na sociedade urbana, não saber lidar com o Facebook, Orkut, Twitter, MSN, SMS significa uma espécie de analfabetismo funcional digital. Não é só saber usar a ferramenta, mas entender de verdade o que fazer com ela. É isso que propomos quando falamos da intercomunicação das comunidades que usam seus agentes locais para estabelecer redes sociais. É o caso de um de nossos parceiros, o site Urbanias, que pega uma queixa da comunidade, a encaminha e a acompanha. É também o caso do Catraca Livre, que reuniu as várias possibilidades de acesso gratuito à cultura na cidade. Outro exemplo disso foi o movimento Ficha Limpa, a primeira revolução e grande vitória das mídias sociais no Brasil. Muitos

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E como as pessoas participam efetivamente do processo de construção colaborativa?

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disseram que a ideia não emplacaria, mas a proposta se fortaleceu e pautou a grande mídia a partir da articulação e mobilização das pessoas em rede. Diante de tudo que foi problematizado nesta entrevista, quais são os próximos passos para o Aprendiz? O mais importante é entender como você monta essas sinapses comunitárias. E a partir disso como você cria aplicativos para o bairro se comunicar. Precisamos garantir que experiências como a do Vila Mundo, das Agências Comunitárias de Notícias e do Palco Digital continuem problematizando as questões da comunicação e pensando novas formas de estimular a autonomia dos indivíduos e da articulação do território.

Catraca Livre, Palco Digital e Vila Mundo O Catraca Livre é um projeto de jornalismo educativo que seleciona diariamente as melhores atrações culturais gratuitas e a preço popular da região metropolitana de São Paulo, com foco na capital. A proposta é conectar numa única rede cinemas, teatros, museus, galerias, parques, praças e auditórios para transformar a cidade numa grande sala de espetáculos de portas abertas – ou numa grande escola. Da experiência do Catraca Livre, surgiu em junho de 2010 a rede social Palco Digital, que tem como objetivo reunir escolas e comunidades de todo o Brasil. A ideia é que cada escola interessada possa criar um blog onde seus alunos postem textos sobre as atividades culturais do entorno. Já o Vila Mundo, apesar de ser um site jornalístico profissional, faz parte da rede do Palco local por meio da divulgação de atividades culturais no território de Pinheiros. Criado em maio de 2010, é uma parceria da Associação Cidade Escola Aprendiz com o Catraca Livre. Além de um site, o projeto conta com um espaço no miolo do bairro de Vila Madalena

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onde é possível ter acesso a diversas formas de expressão cultural da região.

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Digital e integra o Ponto de Cultura Escola da Rua, tendo como foco o desenvolvimento

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SOBRE O APRENDIZ

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Nos livros e sites a seguir, você encontra mais informações sobre a Associação Cidade Escola Aprendiz:

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Livros e Cadernos: ALVES, Rubens. Aprendiz de mim: um bairro que virou escola. Campinas: Papirus, 2004. CENPEC. Juventudes: Panoramas e iniciativas com foco na juventude de São Paulo. São Paulo: Peirópolis, 2007. CIDADE ESCOLA APRENDIZ & COMGAS NATURAL. Aprendiz Comgás – Tecnologia Social para a Juventude, Programa Aprendiz Comgás, São Paulo, 2004. CIDADE ESCOLA APRENDIZ e CENPEC. Comunidade Integrada: A Cidade para as Crianças Aprenderem. Belo Horizonte: Fundação Itaú Cultural, 2008. CIDADE ESCOLA APRENDIZ e SANOFI AVENTIS. Guia de Promoção da Saúde para o Aprendizado, São Paulo, 2008. CIDADE ESCOLA APRENDIZ. Bairro Escola: passo a passo, São Paulo: Cipó Produções, 2007. CIDADE ESCOLA APRENDIZ. Expressões digitais: língua, mídia e responsabilidade social no ensino médio. São Paulo, 2002. CIDADE ESCOLA APRENDIZ. Metodologia para Gerenciamento de Projetos Sociais: uma abordagem prática para a concepção, planejamento, implementação e avaliação de projetos. São Paulo: Fundação Vanzolini/Escola Politécnica da USP, 2007. CIDADE ESCOLA APRENDIZ, Trilhas Educativas. São Paulo: Fundação Educar/ UNESCO, 2006. CIDADE ESCOLA APRENDIZ/SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA/MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Eu escrevo, alguém responde. São Paulo, 2002. DIMENSTEIN, Gilberto. Aprendiz do Futuro. São Paulo: Ática, 1997. DIMENSTEIN, Gilberto. Cidadão de Papel. São Paulo: Ática, 1994. GOULART, Bia. O Centro SP Uma Sala de Aula. São Paulo: Peirópolis, 2008. KANTER, Rosabeth Moss & LITOW, Stanley S., “Informed Interconnected: a Manifesto for Smarter Cities” (Working Paper 09-141), Boston: Harvard Business School, 2009. KLOTZEL, Ruth (coord.). 100 Muros: A Reinvenção da Rua. São Paulo, Estúdio Infinito, 2003. MEDEIROS FILHO, Barnabé & GALIANO, Mônica Beatriz. Bairro-escola: uma nova geografia do aprendizado. São Paulo: Tempo D’Imagem, 2005. REDE CEP. Educomunicação: comunicação e participação para uma educação de qualidade, São Paulo: Unicef/Instituto C&A, 2008. REDE CEP. Mudando sua Escola, Mudando sua Comunidade, Melhorando o Mundo: sistematização da experiência em Educomunicação. São Paulo: Unicef, 2010.

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Internet: Agência Comunitária de Notícias de Pinheiros: www.agenciacomnoticias.org.br/ Associação Cidade Escola Aprendiz: www.cidadeescolaaprendiz.org.br Autoformação Pinheiros: www.autoformacaolocal.pbwiki.com Bairro Educador: www.bairroeducador.blogspot.com Café Aprendiz: www.cafeaprendiz.com.br Canal de YouTube – Cidade Escola Aprendiz Conexão Aprendiz: www.conexaoaprendiz.org.br Energias do Jaraguá e do Mundo: www.energiasdojaragua.org.br Guia de Empregos: www.guiadeempregosaprendiz.org.br Nossa Barra: www.nossabarra.org.br OldNet:: www.oldnet.com.br Portal Aprendiz: www.aprendiz.org.br Programa Aprendiz Comgás – PAC: www.aprendizcomgas.com.br Teatro da Vila: www.teatrodavila.org.br Twitter: #ceaprendiz VilaMundo: www.vilamundo.org.br

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Filmes: CASA REDONDA PRODUÇÕES, “O Centro de São Paulo é Uma Sala de Aula”. São Paulo, 2008, DVD. CIDADE ESCOLA APRENDIZ, “A Neighborhood Becomes a School”. São Paulo: Casa Redonda Produções, 2004, DVD, 16 minutos, legendado. GIRAL, “Projeto Bairro-escola Aprendiz”. Recife: AVON. 2010, DVD. UNICEF, “O Direito de Aprender: Educação Integral e Comunitária”. Brasília, 2008, DVD, 18 minutos, legendado em inglês e espanhol. Disponível em http://portal.mec.gov.br/secad/ arquivos/midia/direitodaprender

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Volume

Neste volume 3 o foco é a comunicação comunitária, do direito às práticas, de sua necessidade aos instrumentos necessários para se criar uma agência de notícias local. Em entrevista exclusiva, o jornalista Gilberto Dimenstein explica porque vê a comunicação como "o eixo estruturante do bairro-escola”.

Volume

Coleção Tecnologias do Bairro-Escola

Os quatro volumes que compõem esta Coleção Tecnologias do Bairro-Escola da Associação Cidade Escola Aprendiz foram escritos pelos próprios profissionais da organização com a proposta de levar adiante uma forma de trabalho que vem sendo experimentada por nós, com sucesso, em diferentes lugares. Em comum, os quatro volumes trabalham o conceito do bairro-escola, que propõe a articulação de diferentes oportunidades educativas locais, compondo redes sociais que envolvem diferentes agentes, políticas públicas e iniciativas comunitárias dos bairros e das cidades.

Coleção Tecnologias do Bairro-Escola

Apoio:

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