Scientific American - Aula Aberta 14

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Roteiros temáticos para atividades em sala de aula

Aula Aberta

Matriz de referência do

O prazer de ensinar ciências

ENEM

BRASIL

ANO II - NO 14 - 2013 - R$ 6,90

ISSN 2176163-9 00014

9 772176 163001

FÍSICA Marés, um fenômeno e diversas teorias MATEMÁTICA O que são e para que servem os algoritmos BIOLOGIA Nosso corpo abriga uma complexa rede social QUÍMICA Da matéria inanimada aos primeiros organismos CIÊNCIA COGNITIVA A influência do idioma em nossa percepção

GEOGRAFIA

Como alimentar

o mundo sem destruir o planeta



SUMÁRIO

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA No 14

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FÍSICA Galileu e a natureza dos tupinambás Em suas obras, para demonstrar teoria das marés, Galileu desconsiderou a Lua como razão das marés, fato que as tribos do litoral brasileiro ja conheciam

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CIÊNCIA COGNITIVA

Como a linguagem modela o pensamento Diferentes idiomas afetam de maneiras distintas a percepção do mundo

20

MATEMÁTICA

O infinito e o universo dos algoritmos Para expressar todos os algoritmos, os cálculos podem durar um tempo infinito

30

36

BIOLOGIA

A mais recente rede social Nosso corpo é um complexo ecossistema em que predominam células não humanas

44

QUÍMICA

A origem da vida na Terra Como os primeiros organismos surgiram da matéria inanimada

GEOGRAFIA

É possível alimentar o mundo sem destruir o planeta? Um plano para dobrar a produção de alimentos SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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SEÇÕES 6 NOTAS ■

A cura pela exposição

Falantes velozes

Rede subterrânea

Fogo e água

Espécies que se alimentam de plástico

12 COMO FUNCIONA Microscópio eletrônico de varredura

10 FÍSICA NO ESPORTE Forças na “magrela”

14

www.sciam.com.br

BRASIL

COMITÊ EXECUTIVO Jorge Carneiro, Luiz Fernando Pedroso, Lula Vieira e Ana Carolina Trannin DIRETOR DE REDAÇÃO Janir Hollanda janirhollanda@ediouro.com.br

Aula Aberta

EDITOR: Luiz Marin DIAGRAMAÇÃO: Juliana Freitas redacaosciam@duettoeditorial.com.br EDITOR-CHEFE: Ulisses Capozzoli EDITOR DE ARTE: João Marcelo Simões ASSISTENTES DE ARTE: Ana Salles PESQUISA ICONOGRÁFICA: Luiz Loccoman

4 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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PARA O PROFESSOR

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MEU PERCURSO

Roteiros elaborados por professores especialistas com sugestões de atividades para a sala de aula

Lygia Terra, geógrafa e autora de livros didáticos, fala sobre seus estudos e trabalhos

TECNOLOGIA Multirrecursos na ponta dos dedos

COLABORADORES: Carmen Weingrill (redação); Edna Adorno e Lara Milani (revisão); Thaynara Macário, Denise Martins (arte); Paulo César Salgado (tratamento de imagem); Isabela Jordani (iconografia) DIRETORA EXECUTIVA Ana Carolina Trannin ana.carolina@duettoeditorial.com.br PUBLICIDADE publicidade@duettoeditorial.com.br COORDENADOR DE PUBLICIDADE: Robson de Souza PROJETO EXECUTIVO FARMACÊUTICO EXECUTIVO DE NEGÓCIOS: Walter Pinheiro REPRESENTANTES COMERCIAIS Alagoas/Bahia/ Pernambuco/Sergipe: Pedro Amarante (79) 3246-4139 / 99788962 Brasília: Sônia Brandão (61) 3321-4304 Espírito Santo: Dídimo Effgen (27) 3229-1986/ 3062-1953/ 8846-4493/ 9715-7586

MARKETING GERENTE DE MARKETING/ EVENTOS: Cláudio Rahal ASSISTENTES DE MARKETING: Rafael Couto e Rodrigo Bezerra NÚCLEO MULTIMÍDIA/ASSINATURAS DIRETORA: Mariana Monné REDATORA DO SITE: Fernanda Figueiredo WEB DESIGNER: Patricia Mejias COORDENADORA DE VENDAS WEB: Michele Lima ASSISTENTE ADMINISTRATIVA: Eliene Silva GERENTE DE ASSINATURAS: Alex Jardim COORDENADOR DE VENDAS PESSOAIS: Rodrigo de Souza ANALISTAS DE PROCESSOS: Cleide Orlandoni e Marcia Paiva Silva ANALISTA DE PLANEJAMENTO: Cíntia Bissoli


EDITORIAL I

magine andar pela rua e saber que, de cada sete pessoas que cruzam seu caminho, uma passa fome. Todos devem concordar que viver numa cidade assim seria não apenas triste e revoltante, como também constrangedor. Embora tal pesadelo não se faça tão visível e real no nosso dia a dia e na nossa cidade, essa é a estatística global, para a qual nem sempre estamos atentos. Sobre esse tema, que resulta principalmente da má distribuição de alimentos no mundo, o artigo de Jonathan A. Foley, diretor do Instituto Ambiental da Universidade de Minnesota, alerta-nos para três problemas que precisam ser resolvidos e apresenta cinco soluções. Um prato cheio para examinar e discutir com os alunos e cujos ingredientes vão da produção agrícola, e todos os fatores nela envolvidos, à preservação ambiental e a sustentabilidade, condições sine quibus non para as vidas futuras no planeta. Vida é o tema central desta edição. Desde sua origem na Terra e as várias teorias científicas para explicá-la – que sugerimos para uma ampla abordagem em aulas de química – até a compreensão de que, olhados com o microscópio, somos um complexo ecossistema, em que predominam células não humanas, como assinala o artigo de Jennifer Ackerman, indicado para ser trabalhado na aula de

CIRCULAÇÃO E PLANEJAMENTO GERENTE: Arianne Castilha PRODUÇÃO GRÁFICA: Wagner Pinheiro ASSISTENTE DE PCP: Paula Medeiros ANALISTA DE CIRCULAÇÃO: Cinthya Müller ASSISTENTE DE CIRCULAÇÃO: Roberta Aguiar ANALISTAS DE PLANEJAMENTO: Joseane Gomes e Érica de Almeida VENDAS AVULSAS: Fernanda Ciccarelli CENTRAL DE ATENDIMENTO Segunda a sexta das 8h às 20h/ sábado das 9h às 15h ASSINANTE E NOVAS ASSINATURAS SÃO PAULO (11) 3512-9414 RIO DE JANEIRO (21) 4062-7551 www.lojaduetto.com.br e www.assineduetto.com.br Para informações sobre sua assinatura, mudança de endereço, renovação, reimpressão de boleto, solicitação de reenvio de exemplares e outros serviços acesse: www.assinaja.com/ atendimento/duetto/faleconosco

CAPA: ©Elnur/Shutterstock

biologia. Outra matéria vital, principalmente para as populações litorâneas (humanas ou não), é o fenômeno das marés, assunto recomendado para as aulas de física, mas cuja importância ultrapassa os limites dessa disciplina (se é que existem). Tanto o artigo como o roteiro de aula oferecem alternativas para uma abordagem multidisciplinar, com discussões que abrangem, além da física, a filosofia, a história, a biologia e a geografia. Física no esporte, uma seção criada com a finalidade de promover a integração da ciência com a educação física,

focaliza neste número as forças exercidas quando andamos de bicicleta, esse veículo cada vez mais do futuro. Apresentamos ainda nesta edição algumas atividades lúdicas, que utilizam o conceito de algoritmo, capazes certamente de motivar os alunos para a resolução de exercícios matemáticos, além de fazê-los perceber o quanto dependemos dessa ideia.

Números atrasados e edições especiais podem ser adquiridos através da Loja Duetto, ao preço da última edição acrescido dos custos de postagem, mediante disponibilidade de nossos estoques.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é uma publicação mensal da Ediouro Duetto Editorial Ltda., sob licença de Scientific American, Inc.

Boa leitura e boas aulas. Luiz Carlos Pizarro Marin redacaosciam@duettoeditorial.com.br

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SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina EXECUTIVE EDITOR: Fred Guterl MANAGING EDITOR: Ricki L. Rusting CHIEF NEWS EDITOR: Philip M. Yam SENIOR EDITORS: Mark Fischetti, Christine Gorman, Anna Kuchment, Michael Moyer, George Musser, Gary Stix, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley PRESIDENT: Steven Inchcoombe EXECUTIVE VICE-PRESIDENT: Michael Florek

EDIOURO DUETTO EDITORIAL LTDA. Rua Cunha Gago, 412, cj. 33 Pinheiros – São Paulo/SP CEP 05421-001 Tel. (11) 2713-8150 – Fax (11) 2713-8197 Aula Aberta no 14, ISSN 2176163-9. Distribuição nacional: DINAP S.A. Rua Doutor Kenkiti Shimomoto, 1678. IMPRESSÃO: Edigrafica

CONHEÇA O SITE www.sciam.com.br/aula_aberta

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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NoTAS Medicina

a cura pela exposição

Estudo deixa tratamentos de alergia alimentar mais próximos da realidade

ito em cada 100 crianças nos Estados Unidos sofrem de alergias alimentares, uma taxa que cresceu 18% entre 1997 e 2007[no Brasil não existem estatísticas para esses casos]. Apesar de algumas superarem essas reações com a idade, muitas sofrem a vida toda com sintomas que vão de formigamento e coceira na boca à constrição das vias aéreas e uma queda potencialmente fatal da pressão sanguínea. Até agora, a única maneira de prevenir reações alérgicas era evitar certos alimentos, o que pode ser difícil, porque traços de nozes, trigo e leite permanecem em muitos produtos. Mas um novo estudo oferece algumas das melhores evidências de que o oposto – expor pacientes a doses cada vez maiores de um alergênico – pode ajudar a superar a sensibilidade. No maior teste desse tipo, controlado por placebo, Wesley Burks, professor de pediatria da Escola de Medicina Chapel Hill da Universidade da Carolina do Norte, e seus colegas expuseram 40 crianças com alergias a ovos a uma dose de ovo em pó equivalente a 10 décimos do alimento. Os pesquisadores, que publicaram as descobertas em julho de 2012 no New England Journal of Medicine, aumentaram a dose e, após 22 meses de terapia seguida por uma pausa de 2 meses, 28% das crianças conseguiram comer o equivalente a dois ovos e meio. Um ano depois, 100% dessas crianças comiam ovos e não relatavam reações. A abordagem, chamada de imunoterapia oral, segue o mesmo princípio de vacinas para alergênicos aéreos, apesar de vacinas poderem ser menos seguras para alergias alimentares. Pesquisadores acreditam que o tratamento, também testado para alergias a amendoim e leite, “ensina” o corpo a tolerar o que rejeitava. Exames de sangue de crianças que responderam ao teste mostraram níveis reduzidos do anticorpo IgE, que dispara a resposta imune, e níveis aumentados de anticorpos IgG4, que inibem inflamações. De acordo com Burks, as crianças que não passaram no teste do ovo podem precisar de um período de terapia maior, ou podem ser excessivamente sensíveis para responder à terapia. Um anticorpo sintético pode ajudar esses pacientes extrassensíveis ligando-se (e assim eliminando) ao IgE livre no sangue. Isso já foi aprovado para alergias aéreas e atualmente está em teste para a imunoterapia oral. “Esperamos desenvolver um tratamento nos próximos anos”, prevê Burks. – Marissa Fessenden 6 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Levi Brown Trunk Archive

o


linguÍStica

falantes velozes

Algumas línguas são mais rápidas que outras, mas a maioria fornece informações com a mesma velocidade

“F

alantes de algumas línguas parecem matraquear em alta velocidade como metralhadoras, enquanto outras línguas parecem mais lentas e pesadas”, escreveu o linguista Peter Roach em 1998. Pesquisadores quantificaram sistematicamente a observação de Roach e ofereceram uma explicação surpreendente. Em uma edição do periódico Language, François Pellegrino e seus colegas da Universidade de Lyon, na França, publicaram uma análise da fala de 59 pessoas que leram os mesmos 20 textos, em voz alta, em sete línguas diferentes. Eles descobriram que o japonês e o espanhol, frequentemente descritos como “línguas rápidas”, têm o maior número de sílabas por segundo. A língua mais “lenta” do grupo foi o mandarim, seguido de perto pelo alemão. Mas a história não termina aí: os pesquisadores também calcularam a densidade de informação para as sílabas de cada língua ao compará-las com uma oitava, o vietnamita, que serviu como referência arbitrária. Eles descobriram que uma sílaba média de espanhol fornece apenas uma

pequena quantidade de informação, contribuindo com apenas um fragmento do sentido total de cada frase. Em contraste, uma sílaba individual de mandarim contém uma quantidade muito maior de informação, talvez porque as sílabas do mandarim incluam tons. A conclusão é que o espanhol e o mandarim na verdade fornecem informações aos ouvintes com mais ou menos a mesma velocidade. A correlação entre velocidade de fala e densidade de informação provou-se verdadeira para cinco das sete línguas estudadas, e os pesquisadores concluíram que, apesar da diversidade das línguas do mundo, todas fornecem um fluxo constante de informação em dado intervalo de tempo, possivelmente afinado com o sistema de percepção humano. Os resultados desses estudos poderiam mudar a forma como pensamos sobre a diversidade das línguas. Na década de 50, o linguista Noam Chomsky propôs a ideia da gramática universal, que sugere que todas as línguas, apesar de suas diferenças apa-

rentes, têm um conjunto de estruturas abstratas. Essa hipótese estimulou o campo da linguística, mas verdadeiras estruturas universais provaram-se difíceis de achar. –Anne Pycha lÍngua

SÍlabaS POr SegundO

Japonês

7,84 (± 0,09)

Espanhol

7,82 (± 0,16)

Francês

7,18 (± 0,12)

Italiano

6,99 (± 0,23)

Inglês

6,19 (± 0,16)

Alemão

5,97 (± 0,19)

Vietnamita

5,22 (± 0,08)

Mandarim

5,18 (± 0,15)

O que é isso?

Photo reSeArCherS, inC.

S

ensível à pressão: A experiência de degustar pratos preferidos envolve não só sentir sabores, mas também as texturas que passam pela língua. Grande parte dos carocinhos da superfície da língua são papilas filiformes que possibilitam a sensação tátil. Nesta imagem microscópica eletrônica escaneada da língua humana, ampliada 1.500 vezes, as papilas aparecem como botões cônicos. “Elas sentem quando são movimentadas por algo que as toca, incluindo pressão de um líquido pesado”, explica Robert F. Margolskee, diretor-associado do Monell Chemical Senses Center em Filadélfia. Ele acrescenta que as papilas parecem escamosas porque estão constantemente em processo de descamação das células antigas e crescimento de novas. – Ann Chin

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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NoTAS ecOlOgia

rede subterrânea

bactÉriaS (em verde) na superfície de uma raiz de Arabidopsis.

Plantas também têm microbiomas

P

ara os olhos humanos, o solo pode ser uma camada marrom de mingau de planta que fica entre as pedras, mas na verdade é um ambiente vivo altamente complexo. As bactérias que vivem ali não apenas precisam compartilhar seu espaço com animais pequenos, protozoários e fungos, mas também trabalhar ao redor de complexos gigantescos de raízes de árvores. Essas raízes não são apenas objetos estáticos: elas têm papel ativo na formação das comunidades microbianas que as cercam. Como ex-bioquímica estou acostumada à ideia de estudar interações entre plantas e microrganismos explorando uma única planta e um único microrganismo, então fiquei fascinada com a pesquisa recente da Universidade da

Carolina do Norte em Chapel Hill e outras instituições que examinaram ecossistemas microbianos inteiros. Pesquisadores coletaram dois tipos de solo de diferentes locais e cultivaram amostras da planta Arabidopsis thaliana em cada um deles. Em seguida coletaram solo que tinha se desenvolvido ao redor das raízes e observaram as espécies bacterianas nesse solo, bem como as espécies bacterianas que cresciam nas próprias raízes. A colaboração com uma equipe de sequenciamento da próxima geração permitiu-lhes identificar as várias espécies bacterianas presentes. Eles descobriram que um subgrupo de todas as bactérias em cada solo foi encontrado aglomerado ao redor das raízes, e um subgrupo ainda menor es-

tava lá dentro. O exame das bactérias dentro de cada planta revelou um microbioma principal comum a todas as plantas e também um conjunto de bactérias que as plantas recrutaram dependendo do tipo de solo. Como as bactérias ajudam a fornecer alimento para as plantas, essa informação pode ajudar pesquisadores a encontrar maneiras de alterar as interações planta-bactéria de maneiras que permitam à vegetação crescer e possivelmente prosperar em solos pobres em nutrientes. – S. E. Gould

Adaptado do blog Lab Rat em blogs. ScientificAmerican.com/lab-rat

aStrOfÍSica

fogo e água

M

ercúrio é um mundo de extremos. Durante o dia desse mundo mais próximo do Sol a temperatura pode chegar a 400oC nas vizinhanças do equador – calor suficiente para derreter chumbo. Em compensação, à noite, a temperatura na superfície do planeta cai para menos de –150oC. Algumas regiões de Mercúrio, no entanto, são um pouco mais estáveis. Dentro das crateras polares desse pequeno planeta existem regiões que nunca viram a luz do dia, protegidas pelas sombras das bordas de suas crateras. A temperatura por lá permanece baixa durante todo o dia mercuriano. Agora, novos dados da sonda Messenger, da Nasa, apresentados em março de 2012 na Conferência Científica Lunar e Planetária anual, corroboram a velha hipótese de que Mercúrio 8 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

abriga bolsões de gelo em suas sombrias crateras, apesar da proximidade do Sol. Desde 2011 a Messenger orbita o planeta, mapeando sua superfície com detalhes sem precedentes. Os mapas das crateras polares feitos pela sonda correspondem muito bem a imagens mais antigas dos polos, feitas por radares terrestres, que mostraram elementos anormalmente brilhantes – trechos que refletem ondas de rádio muito melhor que o terreno ao redor, exatamente como faz o gelo. As fotos do radar mostram também crateras menores e em latitudes mais baixas que teriam temperaturas não muito amigáveis para o gelo no fundo da cratera. Esses depósitos de gelo provavelmente precisariam de uma fina cobertura isolante, talvez uma camada de material da superfície em grãos finos, conhecido

crateras em Mercúrio como mapeadas pela Messenger. Os pontos brilhantes, em amarelo, podem indicar depósitos de gelo.

como regolito, para evitar a sublimação [passagem do estado sólido diretamente para o gasoso]. Os dados da Messenger parecem confirmar que algum tipo de material isolante cobre qualquer gelo que possa existir nas crateras. As temperaturas no interior das crateras sombreadas são adequadas para depósitos de gelo cobertos por regolito escurecido por compostos orgânicos, explicou David Paige, da Universidade da Califórnia em Los Angeles. –John Matson

CORTESIA DE SARAH LEBEIS (bactéria); CORTESIA DE: NASA/LABORATÓRIO DE FÍSICA APLICADA DA JOHNS HOPKINS UNIVERSITY /CARNEGIE INSTITUTION DE WASHINGTON (Mercúrio)

Mercúrio mostra novos sinais de que pode abrigar gelo


OceanOgrafia

Para algumas espécies, plástico é fantástico

Lixo no Pacífico Norte pode ajudar a proliferação de algumas espécies ao custo de outras

Anthony Smith

A

durabilidade do plástico ajudou a tornálo um milagroso produto popular no início do século 20. Mas, agora, a onipresença desse material pode estar destruindo ecossistemas de maneiras surpreendentes. Um novo estudo de pesquisadores do Instituto de Oceanografia Scripps, em La Jolla, na Califórnia, mostra que a concentração de plástico aumentou em 100 vezes nos últimos 40 anos no Giro Subtropical do Pacífico Norte – um enorme local de calmaria no meio da rotação horária de correntes oceânicas localizado entre a Ásia Oriental e a costa americana oeste; o Havaí é aproximadamente o ponto médio. Estima-se que o tamanho da área seja de mais de 18 milhões de km². O estudo, publicado on-line em 9 de maio de 2012 na Biology Letters, documentou também, pela primeira vez, um aumento nas densidades de ovos de Halobates sericeus, um inseto aquático [no Brasil é conhecido como “inseto jesus”, por estranho que possa parecer] que os deposita em objetos flutuantes. A equipe coletou e analisou dados em pedaços de plástico com menos de 5 milímetros no oceano Pacífico Norte, incluindo registros de duas viagens e dados publicados de outras fontes e desenvolvidos com base em amostras arquivadas na coleção do Scripps obtida no início dos anos 70. A autora Miriam Goldstein, candidata a

inseto jesus

doutorado em oceanografia biológica do Scripps, aponta que um estudo de 2011 que examinou o Giro Subtropical do Atlântico Norte não encontrou aumento no plástico desde 1986. Concentrações mais altas de destroços plásticos flutuantes oferecem mais oportunidades para o inseto pelágico depositar ovos. Esse inseto marinho passa sua vida inteira em mar aberto e toma seu lugar na cadeia alimentar consumindo zooplâncton e larvas de peixes e sendo consumido por caranguejos, peixes e aves marinhas. Objetos flutuantes são historicamente raros no Pacífico Norte. “Os insetos teriam sorte se encontrassem uma pena ou um pouco de madeira flutuante”, aponta Miriam. Agora pedaços de plástico flutuante são mais comuns e oferecem uma superfície na qual eles podem depositar seus ovos amarelos e brilhantes, do tamanho de um grão de arroz.

Apesar de os pesquisadores terem encontrado um aumento no número de ovos, não acharam aumento no número de insetos. Isso pode se dever ao fato de não haver amostras suficientes do início dos anos 70 com as quais compará-los adequadamente, mas também é provável que caranguejos ou peixes possam estar comendo esses ovos, aponta Miriam. Pesquisadores se preocupam com a possibilidade de essa proliferação plástica dar a esses insetos, micróbios, animais e plantas que crescem diretamente no plástico uma vantagem sobre animais oceânicos que não estão associados com superfícies sólidas, como peixes, lulas, pequenos crustáceos e águas-vivas. “Ainda que esses organismos [que crescem direto no plástico] sejam nativos, são como ervas-daninhas”, explica Miriam, já que crescem, se reproduzem e morrem rapidamente. Em contraste, os organismos na coluna de água tendem a ser mais biodiversos. Mais da metade do oceano é parte dos giros subtropicais, e mudar a maneira como eles funcionam entupindo-os de lixo plástico poderia ter consequências imprevisíveis. “Apesar de nosso estudo só examinar um inseto em uma área do oceano, ele mostra que pedaços diminutos de plástico têm o potencial de alterar a ecologia do mar aberto”, destaca ela. – Carrie Madren SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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FÍSICA NO ESPORTE Forças na “magrela” Saiba por que precisamos aplica-las mesmo para andar com velocidade constante POR FELIPE FÁBIO FRIGERI E OTAVIANO HELENE

10 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

ERIKA ONODERA

A

Quando estamos devagar, o efeito segunda lei de Newton diz que a não devolvem toda a energia gasta na principal é o atrito de rolamento. Em uma deformação. Esse tipo de resistência é força é proporcional à aceleração: bicicleta comum, esse atrito corresponde chamado de atrito de rolamento. F = m·a. Assim, se estamos andando a uma força da ordem de 5 N, ou cerca Embora haja outros efeitos que disde bicicleta em terreno plano e velocide 0,5 kgf (quilograma-força) − força sipam a energia da bicicleta – como os dade constante (portanto com acelerigual ao peso de um objeto de 0,5 kg −, atritos das suas partes móveis – vamos ação nula), por que precisamos fazer que atua no sentido oposto ao do moviconsiderar apenas a resistência do ar e o força sobre os pedais? A necessidade dessa ação não contradiz a própria lei? atrito de rolamento, que são os mais im- mento, segurando a bicicleta. (Essa força Afinal, se a aceleração da bicicleta (e portantes em situações normais. É princi- depende do tamanho e do tipo de pneu, do ciclista) é nula, então a força não palmente por causa deles que a bicicleta de sua pressão, do tipo de solo etc. Os perde velocidade se não houver uma for- 5 N representam apenas um valor típico deveria ser também nula? para bicicletas de passeio.) Para manter Parece uma contradição, mas não ça que a empurre para a frente. é. Se deixarmos de pedalar quando nos deslocamos sobre uma superfície plaForça exercida na, a bicicleta perderá velocidade até pelo ciclista parar. A razão é que há alguns efeitos que “seguram” a bicicleta. Um deles é a resistência do ar que nos envolve. Pneu Embora o ar pareça irrelevante nesse movimento, quando o atravessamos r precisamos “arrastá-lo” (com a barriga, 2r o peito, as pernas etc.). Essa resistência que o ar oferece aumenta à medida que aumentamos nossa velocidade. QuanCatraca do andamos lentamente, nem sentimos a presença do ar; mas se estivermos em velocidade alta, podemos sentir o ar nos Coroa “segurando”. Isso acontece também nas Força exercida Força exercida corridas rápidas de atletismo, como as pelo solo no pneu pelo solo no pneu de 100 metros rasos. Os atletas gastam boa parte de sua energia para arrastar (1) o ar. Esse efeito do vento é tão decisivo (2) (3) nessas corridas, que os tempos obtidos não são considerados para fins de re1. Força do ciclista no pedal cordes quando a velocidade do vento é 2. Força da coroa na corrente superior a 2 m/s. 3. Força da catraca na corrente (4) Outro efeito que faz a bicicleta parar 4. Força do solo no pneu é o atrito produzido pelas rodas em movimento sobre o chão. Conforme giram, os pneus são de- Esquemas simplificados das forças exercidas na bicicleta e no chão (acima) e das formados e isso gasta energia. Quando forças que agem no pedal, no pneu, na catraca e na coroa (embaixo), considerando os pneus voltam à forma original, eles um movimento com velocidade constante.


a velocidade constante, é necessário que a bicicleta seja empurrada para a frente por uma força também de 5 N, que é igual em intensidade à que a roda exerce sobre o chão, empurrando-o para trás. Ou seja, a bicicleta empurra o chão para trás (fig. 1, flecha verde), e este a empurra para a frente com a mesma força (fig. 1, flecha vermelha) – essa é a terceira lei de Newton. A origem dessa força é a força que o ciclista faz sobre o pedal. Com o aumento da velocidade, cresce também a resistência do ar mas, acima de certa velocidade, a força resistiva é dominada pelo arrasto do ar. A velocidade em que a resistência do ar se torna maior que a força provocada pelo atrito de rolamento depende tanto do pneu e do solo como, também, da posição do ciclista (curvado ou ereto). A tabela ao lado mostra valores aproximados. CÁLCULO DA FORÇA NOS PEDAIS A intensidade da força que o ciclista precisa fazer sobre pedais depende da relação entre a distância percorrida pela bicicleta e o deslocamento do pedal. Por exemplo, se o pedal se desloca, em suas voltas, de certa distância e a bicicleta percorre o dobro dessa distância, então a força que o ciclista deve fazer contra os pedais é duas vezes maior que a força exercida pela roda ao empurrar o chão para trás. A tabela mostra que, ao andar a 10 km/h, a força feita pelo ciclista deve ser de 14 N. A relação entre a distância percorrida pela bicicleta e o deslocamento dos pedais depende da relação entre o número de dentes nas engrenagens dianteira e traseira e da relação entre os diâmetros da engrenagem traseira e da roda. (Vale a pena pegar uma bicicleta para verificar quais são essas relações.) Para calcular a força nos pedais, vamos representar o movimento feito pelo pedal por um círculo de raio r e a roda da bicicleta por um círculo de raio 2r (fig. 1). Essa é a relação utilizada na tabela: a roda da bicicleta se desloca o dobro da distância percorrida pelos pedais em seu giro. O pedal, a corrente, a coroa e a catraca foram simplificadamente substituídos pelos dois círculos concêntricos e fixos um ao outro (os círculos mais escu-

VALORES APROXIMADOS DAS FORÇAS RESISTENTES SOBRE UMA BICICLETA Velocidade da bicicleta em km/h Força de arrasto do ar

2

5

10

20

50

*

1N

2N

9N

56 N

Força resultante do atrito de rolamento 5 N

5N

5N

5N

5N

Força total

5N

6N

7N

14 N

61 N

Força média nos pedais (**)

10 N

12 N

14 N

28 N

122 N

(*)força desprezível. (**)força média nos pedais, supondo que girem metade da distância percorrida pela bicicleta.

ros da figura), pois o que importa para calcularmos a relação entre as forças nos pedais e no chão é a relação entre as distâncias percorridas, e não a forma como essa relação é obtida. Para examinar as forças, vamos supor que a velocidade angular da roda e a velocidade de deslocamento da bicicleta sejam constantes, isto é, a força exercida pelo chão sobre a roda é igual à força reponto mais sistiva que “segura” aNobicicleta. Sobre a alto, a energia roda traseira, atuam várias forças,éentre apenas potencial as quais o peso da própria roda, o peso gravitacional do ciclista e uma força vertical aplicada pelo chão. No entanto, apenas duas delas são capazes de fazer a roda girar mais ou menos rapidamente: a indicada pela flecha vermelha, cuja origem é a força exercida pelo ciclista ao pedalar, e a correspondente à flecha azul, que é a aplicada pelo chão sobre a roda. A aceleração angular da roda, que vamos chamar de α, depende do torque τ das forças indicadas pelas flechas coloridas, Fvermelha . r – Fazul . 2.r = τ. α Como a aceleração angular da roda é nula – a bicicleta está andando em velocidade constante, temos: Fvermelha = 2 . Fazul O esquema que usamos está bastante simplificado, mas contém os ingredientes importantes para calcular a relação entre a força aplicada pelo ciclista e a força horizontal que o chão faz sobre a roda. MAIS DETALHES Considerando que a bicicleta se desloca em velocidade constante, o pedal e a coroa giram em velocidade angular constante, da mesma forma que as rodas.

Mas se a velocidade de rotação da coroa e a do pedal são constantes, então é nulo o torque (em relação ao eixo da coroa) das forças representadas pelas flechas vermelhas (fig. 2), uma delas aplicada pelo ciclista sobre o pedal e a outra pela corrente sobre a coroa. Isso permite achar a relação entre as duas forças e os raios da coroa e do pedal. Em primeiro lugar, a força que a corrente faz sobre a coroa é igual à que ela exerce sobre a catraca; em segundo, a roda traseira está girando com velocidade angular constante. Daí resulta que os torques das duas forças azuis em relação ao eixo da roda devem ser iguais. Para calcular o torque de cada uma dessas forças, precisamos conhecer o raio da catraca e da roda. O resultado dessas várias igualdades permite encontrar uma relação entre a força tangencial aplicada sobre o pedal e a força que o chão faz sobre a roda traseira da bicicleta em função dos raios da roda, da catraca, da coroa e do círculo feito pelo pedal. Para calcular as distâncias percorridas pelo pedal e pela bicicleta, é necessário conhecer a relação entre o perímetro do círculo feito pelos pedais e a distância que a bicicleta percorre quando o pedal executa uma volta completa. Nessa conta, devem aparecer novamente os raios. Com um pouco de paciência, chega-se à relação entre as forças do chão na roda e do ciclista no pedal. ■ OS AUTORES Otaviano Helene é professor do Instituto de Física da USP e Felipe Fábio Frigeri, mestrando do mesmo instituto.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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como funciona microscópio eletrônico de varredura

Foco admirável imagem impressiona: um inseto minúsculo, ampliado 10 mil vezes, surge como um alienígena gigante de um filme de ficção, com suas presas e dentes aterradores prontos para devorar o mundo. Essa impressão fascinante deve-se ao microscópio eletrônico de varredura (SEM, ou scanning electron microscope), que amplia objetos até 1 milhão de vezes. O que torna suas imagens tão atraentes é a precisão com que ele retrata a superfície do objeto, com definições mais detalhadas que 100 angströns. Os SEMs também podem indicar quais elementos atômicos constituem a amostra. Os engenheiros industriais usam os SEMs para descobrir se um metal sofre cisalhamento devido a fadiga, corrosão ou esforços tensores. Fabricantes de turbinas de jatos analisam partículas aprisionadas em filtros de óleo para determinar quais componentes da turbina exibem desgaste excessivo. Ao examinar células, pesquisadores podem dizer se um osso está degradando-se ou se uma bactéria atacou um tecido. E legistas determinam se fios de cabelo, fibras de roupas ou resíduos do disparo de armas de fogo encontrados em diferentes locais são provenientes de uma mesma fonte. Um microscópio eletrônico de varredura comum capaz de executar tais funções custa entre 150 mil e 300 mil dólares. A amostra é seca e revestida por uma camada de átomos condutores, para que cargas negativas não se acumulem quando um feixe de elétrons de alta energia varrê-la. Instrumentos avançados, como SEMs de baixa pressão ou SEMs ambientais, podem capturar imagens de amostras não revestidas ou molhadas, mas seu preço chega a 1 milhão de dólares quando totalmen-

12 SciEnTific amERican BRaSiL aula aberta

te equipados. Um desses equipamentos, o Quantra, produzido pela FEI, em Hillsboro, Oregon, permite que o operador umedeça, aqueça, alongue ou comprima a amostra. Usados também por artistas para representar objetos, os SEMs dão cor a imagens originalmente em preto e branco. Imagens de células epiteliais, bolor ou minerais poderão em breve aparecer em livros e em paredes de museus, ao lado de fotografias e pinturas de artistas tradicionais. – Mark Fischetti

lentes da objetiva detector secundário de elétrons

amostra

kent snodgrass precision graphics; microangela/ tina carvalho biological em facility, university of hawaii (pelo de aranha, formiga negra)

A

detector de retrodispersão de elétrons

➔  Um oBjeto cUja imagem qUeremos oBter é seco e revestido com uma camada ■ extremamente fina de átomos condutivos, geralmente de ouro, que atrai um feixe de elétrons. o feixe interage com a nuvem de elétrons da amostra, liberando elétrons de baixa energia. Um detector de elétrons secundário imediatamente atrai todas as partículas carregadas para dentro de seu tubo, milhões de vezes por segundo. cada captura corresponde a um pixel na superfície do objeto. Um multiplicador em cascata no interior do detector amplifica o número de elétrons capturados a cada instante, que um computador lê na forma de uma corrente elétrica. alternativamente, os elementos da amostra podem ser determinados movendo-se o detector de retrodispersão sob as lentes. o raio passa através de um orifício e pela amostra. diferentes núcleos atômicos em seu interior curvarão a trajetória dos elétrons em vários graus. alguns atingem a parte inferior do detector, criando uma imagem intrigante.

➔  Um canhão de elétrons (ao lado) emite o feixe de elétrons. lentes ■ condensadoras (bobinas de fios) alinham e estreitam o feixe, e uma objetiva o focaliza com nitidez. Bobinas de varredura criam um campo magnético variável que faz o feixe varrer a amostra para a frente e para trás, em um padrão de varredura por rasterização, isto é, produzindo uma matriz de pontos.


vocÊ sabia?

u o interior: Em vez de atingir a superfície de um objeto com

elétrons para exibir sua topografia, um microscópio de transmissão de elétrons (TEm) envia elétrons através de seu alvo para exibir suas entranhas. Os TEMs são capazes de definir estruturas muito pequenas, de até 1 angström. O detalhe é que a amostra precisa ser preparada na forma de uma fatia de material com espessura inferior a 1.000 angströns. Assim, o instrumento não é capaz de exibir a imagem ampliada de um mosquito, mas pode revelar um vírus escondido no interior de uma das células do inseto.

u nas escolas: alunos de ensino fundamental e médio

podem utilizar o SEm da universidade do Estado de iowa via internet. o departamento de ciência dos materiais e engenharia prepara uma amostra enviada por uma turma de alunos e a coloca em um SEM. Em horário previamente combinado, a

classe acessa o microscópio pela internet, o que lhe permite controlar o instrumento e ver a imagem. os estudantes podem mover a amostra; modificar a escala de ampliação, foco, contraste e brilho; e obter dados sobre a composição química. Os objetos favoritos dos alunos parecem ser papel, grafite de lápis, açúcar, folhas, insetos, sujeira e doces. u “microJateador de areia”: Equipamentos baseados

em feixes concentrados de íons (FCIs, ou focused ion beams) funcionam de modo semelhante aos SEMs, mas dirigem um feixe de íons de gálio, por exemplo, sobre uma amostra. Eles podem criar a imagem de uma superfície, mas também remover material, como um jateador de areia. Os FCIs são frequentemente usados para detectar e reparar falhas em circuitos integrados e para usinar outras microestruturas.

canhão de elétrons

Bobinas condensadoras pelo de aranha

Formiga negra

Feixe de elétrons

Bobina de varredura

objetiva células sanguíneas

detector e amplificador

➔  o compUtador tradUz o sinal ■ variável de pixel para pixel numa imagem correspondente em um tubo de raios catódicos. Um ponto (pixel, “picture element” ou elemento de imagem) alto na superfície da amostra é representado em branco, na tela; um ponto baixo aparece escuro. se um ponto da superfície que esteja sendo iluminado em determinado momento se inclina para o detector, ele aparece ligeiramente mais brilhante; se sua inclinação se afasta do detector, ele aparece um pouco mais escuro. o cérebro humano interpreta esses valores como brilhos e sombras, assim como interpreta o reflexo dos raios do sol como luz ou sombra. SciEnTific amERican BRaSiL aula aberta

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TECNOLOGIAS NO ENSINO Multirrecursos na ponta dos dedos Com potencial para revolucionar a sala de aula, os tablets exigem preparo dos professores e da administração escolar Por Carlos seabra

H

As pessoas vão deixar de ler livros no á cerca de 5.500 anos, os sumérios blogs e publicá-los, assistir a filmes e inventaram uma das primeiras for- ouvir música ou programas de rádio, bom e consagrado formato de edições mas de escrita. Usando um tipo de estile- além de ler e enviar e-mails, e serve em papel? No caso dos livros didáticos te de cana, faziam inscrições, em forma- também para comunicação direta e dos dicionários, em boa parte sim; to de cunha (daí a designação desse tipo através de mensageiros instantâneos, no caso de romances, de poesia, quase de escrita: cuneiforme), nesses tablets para bate-papo, ou acessar redes so- certamente não. Afinal, o papel é uma tecnologia comprovadamente resistente, primitivos de argila. ciais, como Twitter e Facebook. Hoje, muitos passos depois (hieróOs tablets funcionam, ainda, como que não necessita de fonte de energia, e glifos em pergaminhos, monges copis- máquinas fotográficas permitem tirar assim como o cinema não acabou com tas, Gutenberg, lápis, caneta e papel, fotos, editá-las e publicá-las, em álbuns o teatro, nem a televisão acabou com o máquinas de datilografar, computa- on-line ou blogs. Oferecem recursos de cinema, o livro tem inúmeras vantagens. dores), as tabuletas retornam como gravação e edição de arquivos em áudio, O maior inimigo dos livros não são os avanço máximo da tecnologia digital úteis para armazenar anotações pesso- leitores de formatos digitais (que nos na ponta dos dedos. ais ou mesmo entrevistar pessoas para grandes sistemas on-line são também os As interfaces de tocar na tela, pre- trabalhos escolares. Dotados de sensor maiores compradores de edições em pasentes tanto nos tablets quanto nos ce- de posicionamento e GPS, possibilitam pel), mas sim os não leitores. Os alunos desaprenderão a escrever lulares, estes mais disseminados ainda a interação com mapas e o georreferen(tanto que já há muito mais deles do que ciamento, com poucos metros de impre- com lápis e caneta no papel e sua cabolsos que os carregam), dão aos dedos cisão, da exata posição do tablet no pla- ligrafia será um horror? O importante funções que vão além de teclar em letras neta (útil para se fazer webgincanas, por é aprender a escrever e ter prazer nisso. e números. Permitem desenhar direta- exemplo, ou recuperar o equipamento Se o instrumento utilizado para a escrita ou o desenho é a ponta do dedo, uma mente na tela e, com movimentos de em caso de perda). pinça do indicador e polegar opositor, Todas essas características, reunidas caneta ou um pincel, isso faz parte da aumentar ou diminuir imagens, além de num só aparelho, portátil e leve, com a diversidade de recursos cuja apropriagirá-las ou arrastá-las na tela. capacidade de processamento inúmeras ção a escola deve estimular. Se a caliA leitura de livros (mas também vezes maior que os primeiros computa- grafia for considerada importante, conde jornais e revistas) é uma experiên- dores militares (que custavam milhões venhamos que o tablet pode permitir cia quase próxima, embora ainda não de dólares e pesavam muitas tonela- estratégias mais adequadas e interativas igualável, à proporcionada pelo papel, das), certamente são um conjunto de do que canetas tinteiro. Outro aspecto essencial para gespermitindo destacar trechos, redigir recursos que podem viabilizar inúmeanotações e, principalmente, carregar ras atividades pedagógicas, facilitar a tores e educadores é o lado prático de sem aumento de peso centenas de obras. visualização de conteúdos cognitivos, como usar os tablets na sala de aula, do Só por esse aspecto as costas dos alunos estimular atividades cooperativas e o ponto de vista técnico e administrativo. A escola deverá se preocupar com o geagradecem o alívio do peso da mochila. desenvolvimento de projetos. Conectados à internet, seja por reAlém do acesso à internet e a livros, renciamento de grupos de tablets, com des locais sem fio (wi-fi) ou por cone- o aluno pode interagir com infográfi- diferentes níveis de permissões de acesxão de telefonia (3G), o tablet é um cos, com simulações, com jogos edu- so ou conteúdos instalados, consoante o navegador que permite acessar qual- cacionais, fazer simulados de provas perfil dos usuários, alunos e professores. Existem vários softwares (tipo MDM quer site na web, fazer pesquisas em (Enem, por exemplo) e outros exercíbuscadores e enciclopédias, acessar cios, e acompanhar cursos a distância. - Mobile Device Management) que per14 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta


© karelnoppe/shutterstock

Da armazenagem de dados à comunicação e à navegação na internet, os tablets permitem viabilizar inúmeras atividades pedagógicas.

mitem fazer isso, carregando o mesmo aplicativo em até centenas de tablets ao mesmo tempo, ou desligando as funções de comunicação durante a aula, para os alunos não ficarem se comunicando por e-mail, chat ou SMS em vez de usar somente o material didaticamente planejado. A navegação na web também pode ser desligada, com a liberação de alguns sites específicos. A escola pode definir que certos aplicativos, como jogos, só podem ser acessados fora do horário de aula, a menos que o professor deseje usar algum e solicite sua liberação. Outras questões a serem planejadas são o carregamento da energia de dezenas de tablets ao mesmo tempo, o transporte para a sala de aula, armários para armazenagem etc; isso caso os tablets sejam usados só na escola, pois se os alunos os levarem para casa – o que permite interessantes usos em “lições de casa” e interação familiar – a

problemática muda de aspecto, envolvendo outros cuidados, como preocupações com a segurança. A escola deve levar em conta também o consumo de banda larga, que subirá exponencialmente com classes inteiras conectadas on-line, assistindo vídeos, baixando conteúdos multimídia, publicando em blogs e redes sociais. Outro aspecto estrutural é a conectividade sem-fio, que exige vários repetidores de wi-fi para assegurar a cobertura em todos os ambientes. É importante também que o tablet do professor possa não só se comunicar com os dos alunos, para acompanhá-los e interagir de várias formas, como ter sua imagem compartilhada com a classe por meio de um projetor multimídia ou uma lousa eletrônica. Esses usos do tablet na escola exigem um professor preparado, dinâmico e investigativo, pois as perguntas e no-

vas situações que surgem fogem do controle preestabelecido do currículo. Essa é a parte mais difícil dessa tecnologia. E esse é o papel insubstituível do professor: elaborar estratégias que deem significado a essa porta que se abre para o universo do conhecimento. Sem isso, equipamentos e software podem apenas ser modismos adestradores de um mercado consumidor, perdendo-se a oportunidade de promover uma efetiva mudança na área do ensino. n O AuTOR Carlos seabra é editor de publicações e produtor de conteúdos culturais e educacionais de multimídia e internet, consultor e coordenador de projetos de tecnologia educacional e redes sociais, autor de diversos artigos, jogos de entretenimento, softwares educacionais e sites culturais, educacionais e corporativos. Atualmente, entre outras atribuições, é coordenador técnico pedagógico na gerência de Inovação e Novas Mídias da Editora FTD, membro do conselho consultivo do instituto claro e presidente do conselho fiscal do Instituto Intranet Portal.

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pSICoLogIA CogNITIvA

Como a linguagem modela o pensamento Diferentes idiomas afetam de maneiras distintas a percepção do mundo Por lera boroditsky

ilustração de tom Whalen

e

stou diante de uma menina de 5 anos em Pormpuraaw, uma pequena comunidade aborígene na borda oeste do Cabo York, no norte da Austrália. Quando peço a ela que me mostre o norte, ela aponta com precisão e sem hesitação. A bússola confirma que ela está certa. Mais tarde, de volta a uma sala de conferências na Stanford University, faço o mesmo pedido a um público de ilustres acadêmicos, ganhadores de medalhas de ciência e prêmios de gênios. Peço-lhes que fechem os olhos (para que não nos enganem) e apontem o norte. Muitos se recusam por não saberem a resposta. Aqueles que fazem questão de demorar um pouco para refletir sobre o assunto apontam em seguida para todas as direções possíveis. Venho repetindo esse exercício em Harvard e Princeton, sempre com os mesmos resultados. Uma criança de 5 anos de idade de uma cultura pode com facilidade fazer algo que cientistas eminentes de outras culturas lutam para conseguir. O que poderia explicar isso? Parece que a resposta surpreendente é a linguagem. A noção de que diferentes idiomas possam transmitir diferentes habilidades cognitivas remonta a séculos. Desde 1930, essa associação foi indicada pelos linguistas americanos Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf, que estudaram como as línguas variam e propuseram maneiras pelas quais os falantes de idiomas distintos podem pensar de forma diferente. Na década de 70, muitos cien-

tistas ficaram decepcionados com a hipótese de Sapir-Whorf, e ela foi praticamente abandonada. Mas agora, décadas depois, um sólido corpo de evidências empíricas demonstrando como os diferentes idiomas modelam o pensamento finalmente emergiu. As evidências derrubam o dogma de longa data sobre a universalidade e rendem teorias fascinantes sobre as origens do conhecimento e a construção da realidade. Os resultados têm implicações relevantes para o direito, a política e a educação. Ao redor do mundo, as pessoas se comunicam por meio de uma deslumbrante variedade de idiomas – mais ou menos 7 mil ao todo –, e cada um deles exige condições muito diferentes de seus falantes. Suponha, por exemplo, que eu queira dizer que vi a peça Tio Vânia na Rua 42. Em mian, língua falada em Papua-Nova Guiné, o verbo que usei revelaria se o evento acabou de acontecer, aconteceu ontem ou em passado remoto, enquanto na Indonésia, o verbo não denotaria sequer se o evento já aconteceu ou ainda está para acontecer. Em russo, o verbo revelaria o meu gênero. Em mandarim, eu teria de especificar se o tio do título é materno ou paterno e se ele está relacionado por laços de sangue ou de casamento, porque há vocábulos diferentes para todos esses tipos diferentes de tio e assim por diante (ele é irmão da mãe, como expressa claramente a tradução chinesa). E em pirarrã, língua falada no Amazonas, eu não poderia dizer “42”, porque não há palaSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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vras que expressem números exatos, apenas vocábulos para “poucos” e “muitos”. Pesquisas em meu laboratório e em vários outros vêm descobrindo como a linguagem molda até mesmo as dimensões mais fundamentais da experiência humana: espaço, tempo, causalidade e relacionamentos com os outros. Voltemos a Pormpuraaw. Ao contrário do inglês, o kuuk thaayorre, idioma falado nessa comunidade, não usa termos relativos ao espaço como esquerda e direita. Em vez disso, os falantes de kuuk thaayorre conversam em termos de pontos cardeais absolutos (norte, sul, leste, oeste, e assim por diante). Claro que, também em inglês, há termos para designar os pontos cardeais, mas apenas em grandes escalas espaciais. Não diríamos, por exemplo: “Eles colocaram os garfos de sobremesa a sudeste dos garfos grandes”. Mas em kuuk thaayorre os pontos cardeais são usados em todas as escalas. Isso significa que se acaba dizendo coisas como “o copo está a sudeste do prato” ou “o menino em pé ao sul de Mary é meu irmão”. Em Pormpuraaw, deve-se estar permanentemente orientado, apenas para conseguir falar corretamente. Além disso, o trabalho inovador realizado por Stephen C. Levinson, do Instituto Max Planck de Psicolinguística em Nijmegen, na Holanda, e por John B. Haviland, da Universidade da Califórnia em San Diego, durante as duas últimas décadas têm demonstrado que falantes de idiomas que se valem de direções absolutas são especialmente bons em manter o registro de onde estão, mesmo em paisagens desconhecidas ou no interior de edifícios estranhos. Eles fazem isso melhor que quem vive nos mesmos ambientes, mas não falam essas línguas. Pessoas que pensam de modo diferente sobre o espaço também são suscetíveis a pensar de forma diferente sobre o tempo. Por exemplo, minha colega Alice Gaby, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e eu demos aos falantes de kuuk thaayorre conjuntos de fotos que mostravam progressões temporais: o envelhecimento de um homem, o crescimento de um crocodilo, uma banana sendo consumida. Em seguida, pedimos que organizassem as imagens embara18 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

lhadas no chão para indicar a sequência temporal correta. Testamos cada pessoa duas vezes, cada vez elas olhavam para um ponto cardeal diferente. Os falantes de inglês que recebem essa tarefa vão organizar as cartas de modo que o passar do tempo seja da esquerda para a direita. Os de língua hebraica tenderão a colocá-las da direita para a esquerda. Isso mostra que a direção da escrita em uma linguagem influencia a forma como organizamos o tempo. Os falantes de kuuk thaayorre, porém, rotineiramente não organizam as cartas da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda. Eles as arrumaram de leste para o oeste. Isto é, quando estavam sentados de frente para o sul, as cartas ficavam da esquerda para a direita. Quando encaravam o norte, as cartas ficavam da direita para a esquerda. Quando olhavam para o leste, as cartas vinham na direção do corpo, e assim por diante. Nunca dissemos a ninguém que direção eles estavam encarando – os falantes de thaayorre kuuk já sabiam disso e espontaneamente usaram essa orientação espacial para construir suas representações do tempo. As representações do tempo variam de muitas outras maneiras pelo mundo. Por exemplo, os falantes de inglês consideram que o futuro fica “adiante” e o passado “para trás”. Em 2010, Lynden Miles, da Universidade de Aberdeen, na Escócia, e seus colegas descobriram que os falantes de inglês, inconscientemente, balançam o corpo para a frente ao pensar no futuro, e, para trás, ao considerar o passado. Mas em aimará, idioma falado na cordilheira dos Andes, o passado está à frente e o futuro atrás. E a linguagem corporal dos falantes de aimará corresponde ao seu modo de falar: em 2006, Rafael Núñez, da Universidade da Califórnia em San Diego, e Eve Sweetser, da mesmo universidade, campus de Berkeley, descobriram que os aimarás gesticulavam na frente deles quando falavam do passado, e atrás deles quando discutiam o futuro. lembrando “quem feZ o quÊ” Os falantes de línguas diferentes também diferem na forma como descrevem os eventos e podem se lembrar bem de quem

fez o quê. Todos os acontecimentos, mesmo os acidentes ocorridos em frações de segundo, são complexos e exigem que analisemos e interpretemos o que aconteceu. Tomemos, por exemplo, o caso do ex-vice-presidente americano Dick Cheney durante uma caça às codornas na qual ele atirou em Harry Whittington por acidente. Pode-se dizer que “Cheney atirou em Whittington” (em que Cheney é a causa direta), ou “Whittington foi baleado por Cheney” (distanciando Cheney do resultado), ou “Whittington levou um bom chumbinho” (deixando Cheney totalmente de fora). O próprio Cheney disse: “Resumindo, eu sou o cara que puxou o gatilho que disparou a bala que atingiu Harry”, interpondo uma longa cadeia de ações entre ele e o resultado. A fala do então presidente George Bush – “Ele ouviu um movimento de pássaro, virou-se, puxou o gatilho e viu seu amigo se ferir” foi uma desculpa ainda mais magistral, que transformou Cheney de agente a mera testemunha em quatro frases. Minha aluna Caitlin M. Fausey e eu descobrimos que diferenças linguísticas influenciam o modo pelo qual as pessoas analisam o que aconteceu e exercem consequências na memória de testemunhas. Em nossos estudos, publicados em 2010, falantes de inglês, espanhol e japonês assistiram a vídeos de dois rapazes estourando balões, quebrando ovos e derramando bebidas intencionalmente ou sem querer. Mais tarde, passamos aos participantes um teste de memória pelo qual tinham de dizer qual sujeito havia feito a ação, exatamente como numa fileira diante da polícia. Outro grupo de falantes de inglês, espanhol e japonês descreveu os mesmos acontecimentos. Quando olhamos para as informações da memória, encontramos exatamente as diferenças na memória de testemunhas oculares previstas pelos padrões de linguagem. Os falantes de todos os três idiomas descreveram as ações intencionais usando o agente, dizendo coisas como “Ele estourou o balão”, e todos os três grupos se lembraram igualmente bem de quem fizera essas ações intencionais. Entretanto, quando passaram para as acidentais, surgiram diferenças interessantes. Os falantes de espanhol e japonês foram menos propensos a descrever os


acidentes que os que falavam inglês. Da mesma forma, lembraram-se menos do agente que os que falavam inglês. Isso não aconteceu por terem pior memória global – eles se lembraram dos agentes de eventos intencionais (para os quais seus idiomas naturalmente mencionariam os agentes) da mesma forma como fizeram os indivíduos de língua inglesa. Não apenas as línguas influenciam o que lembramos, mas as estruturas dos idiomas podem facilitar ou dificultar o nosso aprendizado de coisas novas. Por exemplo, pelo fato de as palavras correspondentes a número em alguns idiomas revelarem a base decimal implícita mais claramente que em inglês (não há adolescentes problemáticos, com 11 ou 13 anos, em mandarim, por exemplo), as crianças que aprendem essas línguas são capazes de interiorizar mais rapidamente a base decimal. E, dependendo de quantas sílabas têm as palavras relativas a números, será mais fácil ou mais difícil memorizar um número de telefone ou fazer cálculo mental. A linguagem pode até afetar a rapidez com que as crianças descobrem se pertencem ao sexo masculino ou feminino. o que modela o quÊ? Essas são apenas algumas das fascinantes descobertas das diferenças translinguísticas em cognição. Mas como saber se as diferenças na linguagem criam diferenças em pensamento, ou se é o contrário? Parece que a resposta inclui os dois: a maneira como pensamos influencia a maneira de falar, mas a influência age também na direção contrária. Durante a década anterior, vimos uma infinidade de demonstrações engenhosas estabelecendo que a linguagem realmente desempenha papel causal na formação da cognição. Estudos demonstraram que ao mudar o modo de falar, mudamos a maneira de pensar. O ensino de novas denominações de cores, por exemplo, muda a capacidade de as pessoas as discriminarem. Pessoas bilíngues mudam o modo de enxergar o mundo dependendo do idioma que falam. Duas descobertas publicadas em 2010 demonstram que mesmo algo tão fundamental quanto de quem você gosta e não gosta depende do idioma em que é feita a pergunta.

Esses estudos, um de Oludamini Ogunnaike e seus colegas de Harvard e outro de Shai Danziger e seus colegas da Universidade Ben-Gurion de Negev, Israel, observaram bilíngues nos idiomas árabe e francês em Marrocos, espanhol e inglês nos Estados Unidos, e árabe e hebraico em Israel; em cada caso foram testadas as tendências implícitas dos participantes. Por exemplo, pediram às pessoass bilíngues em árabe e hebraico que apertassem rapidamente botões em resposta a palavras, mediante várias situações. Em uma delas, foram instruídas para, ao verem um nome hebreu como “Yair”, ou uma característica positiva como “bom” ou “forte”, pressionar “M”; se vissem um nome árabe como “Ahmed” ou um aspecto negativo como “mesquinho” ou “fraco”, deveriam pressionar “X”. Em outra situação, a paridade foi revertida, de modo que os nomes judaicos e características negativas partilhavam um botão e nomes árabes e aspectos positivos correspondiam a um só botão. Os pesquisadores mediram a rapidez com que os indivíduos foram capazes de responder nas duas condições. Essa tarefa tem sido amplamente utilizada para medir tendências involuntárias ou automáticas – com que naturalidade coisas como características positivas e grupos étnicos parecem se corresponder na mente das pessoas. Surpreendentemente, os pesquisadores verificaram grandes mudanças nessas tendências involuntárias automáticas em indivíduos bilíngues, dependendo do idioma em que foram testados. Os bilíngues em árabe e hebraico mostraram atitudes implícitas mais positivas em relação aos judeus quando testados em hebraico do que quando testados em árabe. A linguagem parece estar envolvida em muitos mais aspectos de nossa vida mental que os cientistas previamente supunham. As pessoas confiam na língua, mesmo quando fazem coisas simples como distinguir manchas de cor, contar pontos em uma tela ou se orientar em uma pequena sala: meus colegas e eu descobrimos que limitar a capacidade de acesso às faculdades linguísticas fluentes de um indivíduo, dando-lhe uma tarefa verbal que exige competição, como repetir uma notícia, prejudica a capacidade de

executá-la. Isso significa que as categorias e as distinções que existem em determinados idiomas interferem amplamente em nossa vida mental. O que os pesquisadores vêm chamando de “pensamento” esse tempo todo na verdade parece ser uma reunião de ambos: processos linguísticos e não linguísticos. Assim, pode não existir grande quantidade de pensamento humano adulto quando a linguagem não desempenha um papel significativo. Uma característica marcante da inteligência humana é a sua adaptabilidade, a capacidade de inventar e reorganizar os conceitos do mundo de modo a se adequar às mudanças de metas e ambientes. Uma consequência dessa flexibilidade é a enorme diversidade de idiomas que surgiu no mundo. Cada um oferece o seu próprio conjunto de ferramentas cognitivas e engloba o conhecimento e a visão de mundo desenvolvidos ao longo de milhares de anos dentro de uma cultura. Cada um tem um modo de perceber, classificar e fazer sentido no mundo, um guia inestimável desenvolvido e aperfeiçoado por nossos antepassados. A investigação sobre a forma como o idioma que falamos molda a nossa maneira de pensar está ajudando os cientistas a desvendar o modo como criamos o conhecimento e construímos a realidade e como conseguimos ser tão inteligentes e sofisticados. E essa percepção ajuda-nos a compreender exatamente a essência do que nos faz humanos. n A AuToRA lera boroditsky é professora-assistente de psicologia cognitiva da Stanford university e editora-chefe de Frontiers in Cultural Psychology. Seu laboratório faz experimentos em todo o mundo, concentrando-se em representações mentais e nos efeitos do idioma na cognição. pARA CoNhECER MAIS remembrances of times east: absolute spatial representations of time in an australian aboriginal community. Lera Boroditsky e Alice gaby, em Psychological Science, vol. 21, no 11, págs. 16351639, novembro de 2010. Constructing agency: the role of language. Caitlin M. Fausey et al., em Frontiers in Cultural Psychology, vol. 1, artigo 162. publicado on-line em 15 de outubro de 2010. language changes implicit associations between ethnic groups and evaluation in bilinguals. Shai Danziger e Robert Ward, em Psychological Science, vol. 21, no 6, págs. 799-800, junho de 2010. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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MATEMáTICA

O infinito e o universo dos algoritmos Nem sempre é possível prever o número de operações necessárias para fazer um cálculo. E para expressar todos os algoritmos, deve-se admitir que os cálculos podem durar um tempo infinito Por gilles Dowek

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© Dreamstime

m algoritmo decompõe um cálculo em sequências de operações elementares. Quando ele prescreve um número infinito de operações desse tipo, o resultado jamais é alcançado. Assim, ou se consegue eliminar esse infinito, ou se torna necessário dominá-lo. Para multiplicar 35 por 12, devemos primeiro multiplicar 5 por 2, escrever 0, guardar 1, multiplicar 3 por 2, somar com o 1 que foi guardado... ao fim desses esforços, obtemos o resultado: 420. Essa receita, que descreve o encadeamento de operações elementares realizadas, é denominada algoritmo de multiplicação. Trata-se, na verdade, de um dos algoritmos de multiplicação, pois existem outros métodos possíveis. Por exemplo, 35+35+35 +35+35+35+35+35+35+35+35+35 também representa um método para obter o mesmo resultado, ou seja, um algoritmo possível para multiplicar 35 por 12, utilizando adições sucessivas. Além desses, existem muitos outros. Esses algoritmos, em princípio, são métodos de cálculo capazes de fornecer um resultado após um número finito de operações, e num tempo finito. O infinito não parece ter nenhum papel no universo dos algoritmos. Entretanto, a noção de algoritmo não pode ser definida sem utilizar o infinito. Ele é indispensável: por isso, é preciso dominá-lo. a Definição De algoritmo Ainda que utilizemos algoritmos desde a Antiguidade, e embora a palavra venha do nome de Al Khwarizmi, matemático que viveu em Bagdá no século 19, foi somente 20 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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no século 20 que essa noção foi definida função e para n igual a 10, depois de 10 iterações o número 1.024 aparecerá na com maior grau de precisão. Na década de 20, o matemático norue- tela do computador. Com essa noção de função recursiva guês Thoralf Skolem (1887-1963) propôs uma primeira definição da noção de algo- primitiva, parecia possível evitar o infiniritmo, ligada à ideia de recorrência (ou re- to. Os matemáticos acreditavam que tais cursividade). Esse procedimento consiste funções seriam suficientes para definir em determinar uma função por meio de todo o conjunto dos algoritmos. No enseu valor no ponto 0, ao lado de uma indi- tanto, em 1928, William Ackermann encação de como calcular o valor no ponto controu uma função de duas variáveis, n e n + 1, a partir do valor em n. Por exemplo, m, para a qual havia uma receita explícita a função e, que a cada número natural as- de cálculo, mas sem a possibilidade de socia o valor 2n: e(0) = 1, e(1) = 2, e(2) = prever a quantidade de etapas necessárias 4, e(3) = 8, e(4) = 16, ... pode ser definida para chegar a um resultado. Essa função recursivamente, indicando-se que seu va- é definida da seguinte maneira: A(0,n) = lor em 0 é 1, e que cada valor sucessivo é n + 1; A(m + 1,0) = A(m,1), e A(m + 1, n + 1) = A(m,A(m + 1,n)). obtido dobrando-se o anterior. Essa função não é recursiva primitiva: As funções definidas por seu valor em 0, ou em outro número inicial, que podem o número de etapas de cálculo necessárias ser calculadas num ponto qualquer por para passar de um certo valor de m ou n meio de uma operação realizada sobre para o seguinte, m + 1 ou n + 1, não é coseu valor no ponto anterior, são conheci- nhecido de antemão. Tal impossibilidade das como recursivas primitivas, segundo não se deve a uma falha na formulação da a terminologia da húngara Rosza Péter. função, mas a uma impossibilidade teóA função e(n) = 2n é recursiva primitiva. rica, demonstrada por Ackermann. EmEla é definida por e(0) = 1 e e(n + 1) = bora a função seja sempre calculável em 2e(n). O alemão Richard Dedekind, que um número finito de etapas, o número de já havia estudado as definições por recor- iterações necessárias para obter seu valor rência em 1888, mostrou que a adição, a em um ponto é imprevisível. Em informámultiplicação e a potenciação (elevar um tica, o cálculo de uma função desse tipo número a uma potência) são funções re- não pode ser realizado com o uso de laços mais simples, como o for. cursivas primitivas. Assim, os estudiosos perceberam que A definição recursiva de uma função fornece um algoritmo para o cálculo de as funções recursivas primitivas podem seus valores. Assim, para determinar o sempre ser calculadas através de um alvalor da função e no ponto 10, basta cal- goritmo. Por outro lado, nem todas as cular seu valor em 0, depois em 1, em 2, funções calculáveis através de um algo..., em 9 e, finalmente, em 10. Obtém-se ritmo são recursivas primitivas, como assim e(0) = 1, e(1) = 2, e(2) = 4, ..., e(9) prova a função de Ackermann. A defini= 512, e e(10) = 1.024. Podem-se progra- ção de Skolem era muito restritiva, e os mar facilmente essas funções recursivas matemáticos, no início da década de 30, primitivas no computador por meio de lançaram-se ao desafio de superá-la para uma estrutura em looping (ou “laço”); propor uma nova, englobando todo o mais especificamente, basta utilizar, aqui, conjunto dos algoritmos. aquele tipo de laço conhecido em linguao esquema-µ gem de computação como for, laço FOR que estabelece a realização de A instrução (ou laço) for Diversas novas definições de um número determinado de corresponde a um traje- algoritmo foram propostas to que o computador iterações. Cada iteração cor- percorrerá mais de uma por alguns dos melhores maresponde a uma operação ele- vez, retornando ao iní- temáticos do século 20, como mentar. Pode-se determinar o cio da trajetória cada Jacques Herbrand, Kurt Gövez que atingir o final número de iterações necessárias dela. Do ponto de vista del, Alonzo Church, Stephen relativamente ao ponto em que algorítmico, usa-se Kleene, Alan Turing, Emil se deseja saber o valor da fun- um laço for quando se Post e outros. Na definição precisa realizar uma ção. Se o objetivo é calcular a operação determinado mais simples, apresentada número de vezes.

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A função de Ackermann

A função de Ackermann, de duas conhecido como esquema-µ, em que a variáveis, pode ser perfeitamente definida condição de encerramento das iterações e calculada, mas não é recursiva primitiva. é a obtenção de um único valor de m que Tome-se como exemplo o cálculo da seja igual a 0, é capaz de dar o resultado. função no ponto (2,2), decompondo-o em Pela definição de Ackermann, A(2,2) pode etapas. Se essa função fosse recursiva ser reescrita como A(1,A(2,1)). Para primitiva, bastaria partir do valor de A(0,0), facilitar o exemplo, aceitamos como calculando em seguida A(1,0), A(2,0), hipótese que A(2,1) é conhecida e vale 5. A(2,1) e, finalmente, A(2,2). Quatro O valor procurado, assim, é igual ao valor etapas bastariam. O principal problema de A(1,5), que precisamos agora com a função de Ackermann é que o descobrir. Na figura, vemos a conhecimento dos seus valores em decomposição dessa função até chegar à todos os pontos abaixo daquele que se forma A(0,n), cujo valor é n + 1. Assim, deseja calcular não é suficiente para descobre-se que A(2,2) é igual a 7. permitir a obtenção do resultado. Mais A(2,2) precisamente, para calcular o Resultado A(1,A(2,1)) A(m,n) A(1,5) conhecido valor de A(a,b), não basta = A(m-1,A(m,n-1)) A(0,A(1,4)) A(2,1) = 5 saber o valor de A(m,n), para A(0,A(0,A(1,3))) todo m menor que a e todo n A(0,A(0,A(0,A(1,2)))) A(0,A(0,A(0,A(0,A(1,1))))) menor que b. No nosso caso, Se for A(m+1,0) como se pode ver na figura, a conhecido que A(0,A(0,A(0,A(0,A(0,A(1,0)))))) A(0,A(0,A(0,A(0,A(0,A(0,1))))) = A(m,1) A(1,2) = 4 decomposição do cálculo de A(0,A(0,A(0,A(0,A(0,2))))) A(0,A(0,A(0,A(0,3)))) A(2,2) implica o conhecimento A(0,A(0,A(0,4))) do valor da função em valores Condição de A(0,A(0,5)) A(0,n) de n superiores a 2. Somente encerramento A(0,6) = n+1 das iterações 7 o mecanismo de busca 22 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

contém a instrução de interromper o cálculo quando o número de iterações desejado é alcançado. Já o laço while inclui a instrução de encerrar o cálculo quando certa condição buscada for atingida (neste caso, g(x) = 0), qualquer que seja o número de iterações necessárias. O programa busca a solução iterativamente, enquanto (o termo while, em inglês, significa justamente enquanto) ela não é encontrada. Com o esquema-µ, calculam-se todas as funções para as quais o número de etapas não é conhecido a priori e a estrutura do cálculo é encontrada gradualmente. O esquema-µ permite elaborar progressivamente a estrutura do cálculo da função de Ackermann (ver quadro abaixo). Essa noção de descoberta progressiva não comparecia na definição de Skolem. As funções definidas por meio desses dois procedimentos – recursividade e esquema-µ – são calculáveis algoritmicamente, e há boas razões para acreditarmos que, reciprocamente, todas as funções que podem ser calculadas por um algoritmo são definidas de uma dessas duas maneiras. O desafio apresentado aos matemáticos com a introdução da função de Ackermann foi assim superado. As funções recursivas primitivas e o esquema-µ englobam – aparentemente – o conjunto de todos os algoritmos. a cHegaDa Do infinito Com o esquema-µ, contrariamente às definições recursivas, não é possível prever o número de iterações necessárias para que o algoritmo chegue a um resultado. Pode até ocorrer que a solução não exista e, nesse caso, o cálculo prosseguirá eternamente. Substituindo no exemplo precedente o número 9 por 10, experimentemos calcular o número a que é o menor valor de x tal que |x2 – 10| seja igual a 0. Como nenhum número (natural) serve, pode-se tentar 0, 1, 2, 3, 4, 5, ... sem jamais chegar ao valor que anula a função. Tecnicamente, diz-se que o número não está definido. Isso significa que o cálculo se estenderá indefinidamente, situação chamada de “laço infinito”. Nesse mecanismo de procura até o infinito, resultado do esquema-µ e traduzido nos programas de computador por laços do tipo while, o programa fica

EDWARD CHARLES LE GRICE Getty Images

pelo americano Stephen Kleene em 1936, essa situação por meio de um algoritacrescenta-se às funções recursivas um mo; isto é, pode-se tentar obter o valor segundo procedimento de cálculo, que re- de a por meio da realização de operacebeu o curioso nome de esquema-µ. Esse ções elementares sucessivas, ainda que esquema nos obriga a continuar o proce- esse cálculo não seja tão simples quanto dimento iterativo de cálculo, não um nú- aquele por recorrência. Para calcular a, mero determinado de vezes, mas até que devemos buscar o menor número x tal certa condição tenha sido satisfeita. Com que |x2 – 9| seja igual a 0, isto é, calcular essa definição, por exemplo, Kleene pode sucessivamente g(0), g(1), g(2), g(3), ... incluir no conceito de algoritmo o procedi- até encontrar o primeiro valor que anule mento de busca pelo número a que é igual a função. Contrariamente ao que aconao menor x para o qual uma função qual- tece no cálculo clássico (por recorrência) quer g(x) é igual a 0. Aqui, a condição bus- das funções recursivas primitivas, o númecada é justamente g(x) = 0. laços Do ro de iterações é imprevisível. PodeSe g é a função que associa, tiPo WHILE mos chegar a uma solução depois a cada valor de x, o número Executa uma se- de poucas iterações, mas também quência de coman|x2 – 9|, então 3 é o menor dos enquanto a con- podemos ter de testar um grande número x tal que dição do comando número de valores antes de encon|x2 – 9| seja igual a 0; for verdadeira. trar o valor adequado. Antes de cada iteNas linguagens de programapara outras funções mais ração do loop a complexas, no entanto, essa condição é checa- ção, esse procedimento de solução busca pode revelar-se bem da. Se ela for satis- se faz com o auxílio de laços do tipo feita os comandos mais difícil, e não se tem serão executados; while. Da mesma forma que os for, certeza nem mesmo de que se for falsa ou nula, esses laços executam uma mesma o loop será inter- operação diversas vezes. No entanchegue ao fim. rompido e o controO importante, porém, é le, passado para o to, o laço for não se adapta senão a possibilidade de lidar com próximo comando. a funções recursivas primitivas, pois


“preso” no laço enquanto |x2 – 10| for diferente de 0, ou seja, enquanto a condição não for atendida. Tradicionalmente, um algoritmo era visto como uma receita de cálculo que sempre fornecia um resultado após um número finito de operações. Com o esquema-µ, o universo dos algoritmos se ampliou e, em certos casos, passou-se a aceitar que o cálculo se prolongue até o infinito, jamais chegando a um resultado. Em certas ocasiões, algoritmos com essa característica são chamados semialgoritmos. Dominar o infinito O esquema-µ permite definir semialgoritmos que procuram determinado objeto num conjunto infinito, sem mesmo saber se tal objeto existe. Um programa de computador que busca a saída de um labirinto é uma ilustração do esquema-µ. Por exemplo, pode-se buscar um caminho que vá de A a G no labirinto apresentado no quadro da página ao lado, e possivelmente se encontrará o caminho A, D, E, F, G. Se o que se busca é um caminho que vá de A a J, não é possível encontrá-lo. Como se procede para encontrar o caminho que vai de A a G? O número de caminhos num labirinto é infinito. Caminhando em círculos, por exemplo de A a D, de D a C e de C a A, é possível se perder sem jamais pegar a passagem de D para E. Para encontrar a saída, não basta fazer a lista de todos os caminhos que partem do ponto em que nos encontramos; deve-se encontrar uma maneira de enumerar os caminhos de modo sistemático, a fim de não esquecer nenhum. Podem-se listar todos os caminhos de comprimento 1 (que existem em número finito), depois todos os de comprimento 2 (também em número finito), daí todos os de comprimento 3... A enumeração de todos os caminhos de tamanho finito permite buscar a saída, caso ela exista e corresponda a um trajeto de tamanho finito, mas não terá fim se não houver saída. O risco de ficar procurando infinitamente, no caso de o problema não ter solução, é inevitável em um conjunto infinito. No caso do labirinto, é possível evitar a pesquisa de um conjunto infinito. Para atravessar um labirinto, nunca é necessário passar mais de uma vez pelo mesmo

I

Caminho inacessível

H B

J

D

C

Caminho circular

Entrada

A

Saída

E

Saída F

G

a busca Da saíDa de um labirinto pode ser infinita. Para limitar a pesquisa devemse excluir, por exemplo, caminhos em círculo, como ACDA

lugar. Portanto, se o programa encontrar um caminho que contém um círculo fechado (como ACDA), pode desconsiderá-lo e obter, assim, outro caminho que chegue ao mesmo ponto de maneira direta. Limita-se assim a busca da solução aos caminhos que não têm circularidades. Eles existem em número finito e, se não houver solução (como no percurso de A a J), depois de enumerar todos os caminhos e constatar que nenhum serve, podemos estar certos de que os dois pontos não estão conectados. Haja ou não solução, a pesquisa terá um fim. Restringir desse modo o espaço de pesquisa, de modo a torná-lo finito, sem contudo excluir nenhuma solução, é o problema principal na hora de conceber determinados algoritmos, como o de saída do labirinto. Essa estratégia é conhecida como aplicação de uma limitação ao esquema-µ. Eventualmente – como em nosso caso – isso é possível, mas quando o problema que se quer resolver é indecidível, não se consegue encontrar uma limitação adequada. Nessa situação, nem sempre se pode prever, após um número finito de etapas, se a solução existe ou não. O problema exige uma pesquisa num conjunto infinito, uma busca que se estende até se encontrar solução. Em determinados casos, na impossibilidade de evitar a busca infinita, o esquema-µ é a ferramenta certa. Já em outros, como quando se deseja definir a função de Ackermann, cujas etapas são imprevisíveis mas sempre finitas, o esquema-µ é uma ferramenta mal-adaptada, talvez po-

tente em excesso, pois convoca o infinito em seu auxílio. Ao introduzir o esquema-µ, Kleene permitiu que aparecesse o infinito na teoria dos algoritmos – até então, o domínio do finito, por excelência. Será que isso ocorre devido a uma falha na formulação de Kleene, ou a intrusão do infinito no universo dos algoritmos era mesmo necessária? Alonzo Church e Stephen Kleene mostraram que não se trata de uma falha na formulação, e que essa intrusão do infinito no mundo dos algoritmos era inevitável. Todas as definições de algoritmo que buscam restringir esse conceito a procedimentos capazes de fornecer um resultado após um número finito de operações (que excluem o mecanismo de busca infinita) revelam-se incompletas. Sempre é possível construir uma função calculável por meio de algoritmo, em número finito de etapas, mas que não pode ser definida desse modo. Essa função é construída com o uso do método diagonal introduzido por Georg Cantor no estudo dos cardinais infinitos. Não há, assim, definição capaz de determinar todas as funções – e somente elas – que chegam a um resultado após um número finito de etapas. Certos procedimentos, como o esquema-µ, conseguem abranger todas essas funções, com o custo, porém, de incluir algumas outras que não dão resultado após um número finito de passos. Outros procedimentos desse tipo, mais complicados, propostos por Kurt Gödel em 1940, ou Jean-Yves Girard em 1970, restringem-se a incluir funções que dão resultado em número finito de etapas. No entanto, não são capazes de alcançar todas essas funções. Quando tentamos eliminar o infinito, ele rapidamente reaparece. n o AuToR Gilles Dowek é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas em Informática e Automação, França. PARA CoNhECER MAIS Histoire des algorithmes. Jean-Luc Chabert e colegas. Belin, 1995. Logique et fondement de l´informatique. Richard Lassaigne e Michel de Rougemont. hermès, 1993. Logique mathématique. René Cori. Masson, 1993. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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FÍSICA

Galileu e a natureza dos tuPiNaMbÁs Para demonstrar teoria das marés, Galileu escreveu o Discurso do fluxo e refluxo do mar. Em seguida, publicou Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo: ptolomaico e copernicano. Ele desconsiderou a Lua como razão das marés, fato inequívoco para os tupinambás Por GerMaNo b. aFoNso

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NA CROMOLITOGRAFIA do século 19 (no alto, ao centro), Galileu apresenta sua luneta no Palácio Ducal de Veneza. ao contrário do cientista italiano, que atribuiu as marés a resultados de forças envolvendo a rotação e a translação da terra, os tupinambás, segundo relato do monge francês Claude d’abbeville, de 1614, identificaram esse fenômeno como produzido pela ação da lua.

© Costa/Leemage; RituaL tupinambá: RepRodução

D

urante o século 17, no final da Renascença, Marés uma teoria das marés representava um gran- O movimento cíclico das de desafio, pois era um fenômeno para o qual águas do mar compreende as seguintes etapas: o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) não havia • O nível das águas sobe sequer proposto uma explicação. Além disso, havia durante algum tempo uma forte polêmica entre o sistema geocêntrico, es- (enchente) • As águas atingem um truturado por Aristóteles e melhorado por Cláudio nível máximo (preamar) Ptolomeu (83-161), e o sistema heliocêntrico de • Durante um certo tempo, Nicolau Copérnico (1473-1543), pois do ponto de o nível não varia (estofo de enchente) vista experimental, um sistema não era em nada su- • O nível das águas baixa durante algum tempo perior ao outro. Assim, quem conseguisse formular uma teoria (vazante) • O nível das águas chega satisfatória para as marés conquistaria notoriedade. a um mínimo (baixa–mar) Provavelmente, essa foi a principal motivação de Ga- • Durante algum tempo, lileu Galilei (1564-1642), ao defender com tanto em- novamente, o nível das águas não varia (estofo de penho sua teoria do fenômeno das marés, cuja prin- vazante) cipal causa seriam os dois movimentos circulares da Terra: o de rotação em torno de seu eixo (diurno) e o de translação em torno do Sol (anual), afirmando, com toda a certeza, que o sistema de Copérnico era o correto. Para apresentar sua teoria das marés, Galileu escreveu, em 1616, o Discurso do fluxo e refluxo do mar, na forma de uma carta ao cardeal Alessandro Orsini, e publicou, em 1632, o livro Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo: ptolomaico e copernicano. O fato de Galileu não considerar a Lua como principal razão das marés, apesar de todas as evidências observacionais, foi seu maior erro. Naquela época, qualquer pescador sabia que período e altura da maré dependem da fase da Lua. Para concluir que o astro tem relação com o fenômeno, há um passo a seguir, dado por diversos observadores. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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a concepção proposta

por Galileu não teve confirmação observacional, o que significa uma contradição em relação ao método experimentalista que ele recomendou. Kepler relacionou as marés à ação Sol/Lua, mas recebeu críticas de Galileu. Isaac Newton, com sua gravitação universal, resolveu a questão de forma definitiva.

• nos pontos E e G, nascente e poente, a teoria Das Marés respectivamente, as velocidades são Galileu afirmava que a causa principal constantes e iguais à velocidade do das marés são os dois movimentos da ponto B (centro da Terra), pois a velociTerra: o diurno, em torno de seu eixo dade diurna é perpendicular à velocidade rotação, e o anual, em torno do Sol. de anual, não interferindo em seu valor, Para facilitar a compreensão de sua hino sentido da direita para a esquerda. pótese, Galileu utilizou a figura acima, O segmento de reta GBE é tangente à que completamos com os sentidos das circunferência anual no ponto B e paravelocidades diurna (azul) e anual da Terlela à velocidade anual nesse ponto, que ra (vermelho). Ele fez coincidir o plano representa o centro da Terra. do equador terrestre com o plano da órPortanto, de G para E há uma acelebita da Terra em torno do Sol (eclíptica), fazendo com que os dois movimentos ração e de E para G uma desaceleração, sendo que a maior velocidade é atingida da Terra ocorressem no mesmo plano. Os pontos B, D, E, F e G têm a mesma no ponto F e a menor, no ponto D. Galileu demonstrou que da compovelocidade anual orbital, da direita para a esquerda. Os pontos da superfície da Ter- sição desses dois movimentos circulares ra D, E, F e G também estão animados uniformes, diurno e anual, resulta um de velocidade diurna rotacional em torno movimento disforme, acelerado e retardo ponto B, tendo essa velocidade tem dado, para partes da superfície terrestre. sentidos diferentes, dependendo do ponto Para ele, essa variação na velocidade reconsiderado. Assim, considerando cada sultante provocaria o fluxo e o refluxo ponto da superfície terrestre em relação à das marés, ou seja, a subida e a descida do nível médio das águas dos oceanos, velocidade anual, temos: • no ponto F, meio-dia, há uma diminui- sem necessidade de participação da Lua. ção da velocidade, pois a velocidade diurna é subtraída da velocidade anual; a solução De NewtoN • no ponto D, meia-noite, há um au- No livro Princípios matemáticos de fimento da velocidade, pois a velocidade losofia natural, conhecido como Prindiurna é adicionada à velocidade anual; cipia, publicado em 1687, Newton

eRika onodeRa (artes)

No século 7, Beda, o Venerável (674-735), atribuiu as marés à ação da Lua e forneceu métodos para prevê-las em um porto, 900 anos antes de Galileu apresentar sua teoria. No livro História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, putuPiNaMbÁ blicado em Paris, em 1614, Nome genéri­ 18 anos antes da publicação co de diversas tribos (tamoios, do Diálogo, o monge frantupiniquins, cês Claude d’Abbeville relapotiguaras, tou: “Os tupinambás atricaetés etc), que habita­ buem à Lua o fluxo e o revam o litoral fluxo do mar e distinguem do Brasil na época em que muito bem as duas marés aqui chegaram cheias que se verificam na os primeiros lua cheia e na lua nova ou portugueses. poucos dias depois”. Isso mostra que, muito antes de Galileu apresentar sua teoria, os indígenas que habitavam o Brasil já sabiam que a Lua é a principal razão das marés. Johannes Kepler (1571-1630), contemporâneo de Galileu, explicou as marés pela ação conjunta do Sol e da Lua. No entanto, Galileu escarnecia de Kepler nestes termos: “Apesar de seu espírito aberto e penetrante, ele deu ouvidos e seu assentimento ao poder da Lua sobre as águas, às propriedades ocultas e outras mentiras”. Além disso, Galileu não considerava uma das leis empíricas de Kepler, publicadas em 1609, no livro Astronomia nova, no qual ficou demonstrado que as órbitas dos planetas são elipses com o Sol em um dos focos, continuando a utilizar órbitas circulares, como Aristóteles, Ptolomeu e Copérnico. Somente em 1687 Isaac Newton (1643-1727) demonstrou que a razão das marés é a atração gravitacional da Lua e, com menor intensidade, do Sol, sobre a superfície da Terra. Apesar da nossa familiaridade com as marés, elas permanecem um dos fenômenos astronômicos menos entendidos pelo grande público. Portanto, a seguir, apresentamos as teorias de forma simplificada de Galileu e a de Newton e comparamos suas explicações para os períodos das marés mais facilmente observados: o diurno, o mensal e o anual.


apresentou a razão principal das marés o dia lunar como sendo a força gravitacional. De fato, as marés constituem uma prova experimental da lei da gravitação universal de Newton, que, de maneira superficial, pode ser enunciada como: a intensidade da força de atração entre dois corpos é diretamente proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa. As marés na Terra são um fenômeno resultante principalmente da atração gravitacional exercida sobre a Terra pela Lua e, com menor intensidade, pelo Sol. Tendo em vista que a força gravitacional aumenta com a diminuição da pTOLOMAICOs também criticaram o modelo de Galileu, que − observaram eles −, se fosse distância, a Lua atrai com mais força o verdadeiro, em determinado lugar o fluxo e o refluxo do mar ocorreriam uma única vez lado mais próximo da Terra e com me- por dia e sempre à mesma hora. Galileu justificou essa contradição como resultado de causas secundárias das marés. nos força o lado oposto, tendo a força de atração do centro da Terra um valor intermediário em comparação com as causas secundárias para uma explica- ponto abaixo da Lua, na superfície da duas porções situadas em lados simetri- ção mais realista das marés, como os Terra, necessita girar 24 horas e 48 minucamente opostos em relação ao centro. movimentos de rotação e translação da tos (dia lunar) para alcançar novamente Uma vez que os oceanos são líquidos, Terra, que para Galileu eram a principal a Lua, que se adianta em relação ao Sol cerca de 12o por dia. essas porções são praticamente livres causa das marés. para responder às diferentes forças de Segundo a teoria das marés de atração gravitacional da Lua. teorias e obserVações Newton, tendo em vista que há duas Essas diferentes forças fazem a super- Os defensores do modelo de Ptolomeu protuberâncias e a rotação da Terra, um fície da Terra inchar externamente em criticaram a teoria de marés de Galileu, ponto sublunar da superfície terrestre, duas direções: no mesmo lado da Terra imediatamente depois de sua publica- que parte de uma protuberância provoe no lado oposto, criando duas protube- ção, pois, se a parte principal da sua te- cada pela Lua, passa em uma depressão, râncias na superfície terrestre, pois pare- oria fosse verdadeira, em determinado depois em uma protuberância, depois ce que a porção de água mais próxima lugar o fluxo e o refluxo do mar ocorre- em uma segunda depressão e depois em está sendo puxada e a mais afastada em- riam somente uma vez por dia e sempre uma segunda protuberância, quando purrada pela Lua, em relação ao centro à mesma hora. Isso levando em conta encontra novamente a Lua. Isso produz da Terra. Essas protuberâncias são des- que a maré depende da posição do lugar duas marés altas e duas marés baixas locadas pela rotação terrestre, produzin- considerado em relação ao Sol. No en- em um dia lunar no ponto considerado. do o fluxo e o refluxo das marés. tanto, o fato não está de acordo com as Então o intervalo de tempo entre duas A força que produz a maré, sendo observações, pois muitas pessoas sabiam marés altas, ou baixas, consecutivas é a diferença da força gravitacional entre que há duas marés cheias por dia, em um de 12 horas e 24 minutos. O adiantauma porção de água na superfície e um período de pouco mais de 12 horas, e mento da Lua em relação ao Sol, vistos ponto no centro da Terra, é inversamen- que o horário da maré cheia varia todos da Terra, faz com que a mesma sequênte proporcional ao cubo da distância os dias para o mesmo lugar. cia de marés se atrase, em média, 48 mientre a Lua e a porção de água consiGalileu explicava essas discrepâncias nutos por dia. derada da superfície da Terra. Assim, como sendo devidas a causas secundáembora a força gravitacional do Sol rias das marés, ligadas a condições locais, PeríoDo MeNsal seja maior que a da Lua sobre a Terra, como profundidade, tamanho e orienta- Na época de Galileu já se sabia que a ala força de maré da Lua é cerca de 2,2 ção do recipiente da água. Muitos críticos tura das marés varia consideravelmente vezes maior que a do Sol, pois, embo- consideraram não satisfatórias essas ex- durante um mês sinódico ou uma lunara a sua massa seja menor, a distância à plicações de Galileu, chegando mesmo a ção (29,5 dias). Terra também é menor. Logo, as marés acusá-lo de má-fé. Para explicar os períodos mensais seguem a Lua, e não o Sol. A translação da Lua, em torno da Ter- das marés Galileu utilizou uma anaAlém da atração gravitacional, que é ra ocorre no mesmo sentido da rotação logia do movimento do sistema Terradominante, devemos considerar outras da Terra em torno do seu eixo. Logo, um -Lua com o movimento de um pêndu-


já se sabia que a altura das marés varia ao longo de uma lunação. Para justificar esse período, Galileu fez uma analogia entre o pêndulo e o movimento do sistema terra-lua. Considerou que a oscilação do pêndulo depende do comprimento da corda associada ao peso; neste caso, o sistema binário (acima). Mas observações mostraram que marés de água-viva ocorrem tanto na lua cheia quanto nova (abaixo). o raciocínio do pêndulo também foi aplicado à translação (página seguinte).

à épOCA de GALILeu

lo, fazendo a Lua interferir como um sizígia deriva do grego e significa “ficontrapeso que muda de posição. Ga- car em uma mesma linha”. Os menores desníveis entre a prealileu sabia que um pêndulo oscila com velocidade maior quanto menor for o mar e a baixa-mar ocorrem duas vezes comprimento da corda que suspende o por mês, nos dias de lua crescente e de peso que, nesse caso, seria constituído lua minguante (marés de quadratura pelo sistema Terra-Lua. Como para a ou marés de água-morta). O Sol e a lua cheia o contrapeso do pêndulo fica Lua ficam em ângulo reto em relação à mais distante do Sol do que na lua nova, Terra e suas forças de maré não se soo sistema Terra-Lua produziria marés mam, formando marés menos intensas mais intensas na lua nova do que na lua que as de sizígia. cheia. No entanto, as observações mostram que as marés de água-viva podem PeríoDo aNual existir tanto na lua cheia como na lua Para demonstrar o período anual, Ganova. Assim, é evidente que essa expli- lileu utilizou praticamente o mesmo cação de Galileu é totalmente contrária raciocínio de sua teoria principal das ao fenômeno observado. A teoria das marés de Newton exMarés e fases da lua plica a relação das marés com as fases Marés de lua nova da lua da seguinte maneira: os maiores desníveis entre a preamar e a baixa-mar ocorrem duas vezes por mês, nos dias de lua nova e de lua cheia (marés de sizígia ou marés de água-viva). Nessas duas ocasiões a Terra, a Marés de lua cheia Lua e o Sol se encontram alinhados, as marés altas são mais altas e as baixas mais baixas, pois as forças de maré se somam na formação das duas protuberâncias de lados opostos. A palavra 28 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

marés. Mas, dessa vez, considerando o plano do equador terrestre inclinado em relação à eclíptica e o centro da Terra situado em dois pontos separados em 90º, um no solstício (início da primavera ou do outono) e outro no equinócio (início do verão ou do inverno). Na figura ilustrativa de Galileu, temos: • AIPA = plano da eclíptica; • A e I = centro da Terra no solstício e no equinócio, respectivamente; • DGEFD = elipse resultante da projeção do equador terrestre sobre o plano da eclíptica, com centro no ponto A (no solstício) e no ponto I (no equinócio); • CAB e CIB = eixo de rotação da Terra (paralelos) no solstício e no equinócio; • DAE = intersecção do equador terrestre com a eclíptica no solstício. Tangente à eclíptica no ponto que passa pelo centro da Terra (A) em um solstício; • DIE = intersecção do equador celeste com a eclíptica no equinócio. Perpendicular à tangente à eclíptica no ponto que passa pelo centro da Terra (I) em um equinócio; • DE = comprimento do segmento de reta paralelo à velocidade anual no ponto A (solstício); • SV = comprimento do segmento de reta paralelo à velocidade anual no ponto I (equinócio). Durante seu movimento anual em torno do Sol, o eixo de rotação da Terra (eixo dos polos) aponta sempre na mesma direção do espaço sideral, ficando sempre paralelo a si mesmo, ainda que consideremos instantes diferentes de

Marés de lua crescente

Marés de lua minguante

ilustração de Brown Bird design

Marés – período mensal


tempo; portanto, ele oscila em relação ao plano da órbita da Terra (eclíptica). Devido à inclinação entre o plano do equador e o plano da eclíptica, durante um ano, também há uma variação na relação da composição da velocidade do movimento diurno e a velocidade do movimento anual, em dois pontos diferentes da órbita terrestre; por exemplo, no solstício e no equinócio, resultando na periodicidade anual do fenômeno. Galileu mostrou que o comprimento do segmento paralelo à velocidade anual é maior nos solstícios (DE), pois está no mesmo plano da eclíptica, do que nos equinócios (SV), onde se trata de uma projeção no plano da eclíptica. Dessa maneira, as marés deveriam ser maiores nos solstícios do que nos equinócios, pois nos solstícios a combinação dos dois movimentos, anual e diurno, produziria a máxima aceleração e o máximo retardamento, enquanto nos equinócios, quando os dois movimentos estão em seu ângulo máximo de inclinação, o efeito dessa combinação é mínimo. No entanto, é o oposto que se verifica nas observações, pois as marés são mais intensas nos equinócios do que nos solstícios. Além disso, a teoria de Newton mostra que a intensidade anual das marés depende da declinação do astro causador das marés (Lua ou Sol), que é o ângulo de afastamento do astro em relação ao plano do equador terrestre. Quanto menor for a declinação do Sol, maior será a intensidade da força de maré e vice-versa. Portanto, as marés anuais são máximas nos equinócios, onde esse ângulo é nulo, e mínimas nos solstícios, onde esse ângulo é máximo (23,5 graus). Esse fato já era conhecido por Francis Bacon (15611626) e Giovanni Riccioli (1598-1671), que criticaram duramente a teoria de Galileu, pela inconsistência com os dados da observação. uMa CoNtraDição De Galileu? No princípio da relatividade, apresentada na segunda Jornada do Diálogo, Galileu mostra que a rotação da Terra não poderia provocar nenhum fenômeno mecânico, como os descritos pelos seguidores dos ensinamentos de Aristó-

Terra em solstício e em equinócio

teles (peripatéticos): a Terra estouraria, mente e com uma componente tangenos pássaros não reencontrariam seus ni- cial. Assim, parece não haver qualquer nhos, haveria fortes vendavais, os cor- incompatibilidade entre o princípio da pos não cairiam verticalmente etc. No relatividade e a teoria das marés, na entanto, na quarta Jornada do mesmo concepção de Galileu. A teoria das marés de Galileu é conlivro Galileu pretende que a rotação da Terra provoca o fenômeno das ma- siderada falsa, pois parte da causa errés. Muitos cientistas, incluindo Ernst rada e é inconsistente com as observaMach (1838-1916), posteriormente, ções. É surpreendente que o criador do criticaram a teoria de Galileu por con- método experimental em ciências tenha siderarem que é incompatível com o negligenciado dessa maneira as obserprincípio da relatividade. A ideia física vações do fenômeno. n principal é que pequenos segmentos de movimento circular podem ser considerados retilíneos, principalmente no caso O AuTOR dos movimentos da Terra, que em uma Germano b. afonso é pesquisador especia­ do CNPq da universidade Estadual de volta diurna (360º) percorre apenas um lista Mato Grosso do Sul. Doutor em astronomia segmento de arco menor que 1º do mo- pela universidade de Paris VI, fez pesquisas vimento circular anual. No entanto, em de forças não gravitacionais em asteroides e artificiais. Ganhou, em 1991, o prê­ nenhum lugar do Diálogo Galileu deixa satélites mio Paranaense de Ciência e Tecnologia e, explícito que o movimento de transla- em 2000, o prêmio Jabuti, na categoria “Me­ ção anual é considerado retilíneo e uni- lhor livro didático”, em conjunto com a equipe Planetário do Pará – uepa, com o livro O forme, o que realmente contrariaria seu do céu dos índios Tembé. princípio da relatividade. Percebemos que, na demonstração PARA CONHECER MAIS das marés de solstícios e de equinócios, www.astronomia2009.org.br embora falsa, Galileu considera expli- Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. Galileu citamente os dois movimentos, diurno Galilei. Tradução, introdução e notas de Pa­ e anual, como movimentos circulares blo Rubén Mariconda. Discurso Editorial (Fa­ uniformes, resultando da composição pesp), 2001. deles um movimento circular disforme. on the tidal time delay of the earth. A. S Sant’Anna e G. B. Afonso, Revista Brasileira de Mesmo com a mecânica newtoniana Geofísica, vol. 16, págs. 3­14, 1998. obtém-se um movimento circular re- universo. Enciclopédia de Astronomia. Duetto sultante disforme, variando periodica- Editorial, 2008. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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KeVin Van aeLst

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GEOGRAFIA

é possível alimentar o mundo sem destruir o planeta um plano global de cinco itens pode dobrar a produção de alimentos até 2050 e ao mesmo tempo reduzir consideravelmente os danos ambientais POr JOnatHan a. FOleY

U

m bilhão de pessoas são vítimas da fome. A produção da agricultura mundial é suficiente para alimentá-las, mas os produtos não são distribuídos adequadamente. Mesmo que fossem, muitos não teriam condições de comprar, e os preços não param de subir. Mas um novo desafio desponta. Vários estudos mostram que por volta de 2050 a população mundial terá aumentado em 2 bilhões ou 3 bilhões, o que provavelmente dobrará a demanda de alimentos. E esse aumento ocorrerá porque o poder aquisitivo das pessoas será maior, o que significa que comerão mais, principalmente carne. O uso crescente de terras férteis para a produção de biocombustíveis levará a uma demanda ainda maior de produtos agrícolas. Assim, para resolvermos os problemas atuais de pobreza e acesso à alimentação – uma tarefa desafiadora – deveremos produzir duas vezes mais para assegurar a oferta adequada de alimentos em escala global.

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sobra são áreas formadas por desertos, e ISSO nãO é tuDO Ao desmatar florestas tropicais, cultivar montanhas, tundra, gelo, concentraterras improdutivas e intensificar a agri- ções urbanas, parques e outras áreas cultura industrial em áreas frágeis e de impróprias para o cultivo. As poucas mananciais, a humanidade acabou fa- áreas remanescentes são principalmente zendo da agricultura a principal ameaça florestas tropicais e savanas ou cerrados, ambiental do planeta. A atividade agríco- vitais para a estabilidade do planeta, em la já ocupa uma grande porção da Terra especial como reservas de carbono e de e está destruindo hábitats, consumindo biodiversidade. Expandir a agricultura água doce, poluindo rios e oceanos e emi- para essas áreas não é uma boa ideia, embora nos últimos 20 anos tindo gases do efeito estufa com mais intensidade que qualquer 5 MIlHÕeS De tenham sido criados de 5 miHeCtareS outra atividade humana. Para ga- Área aproxima- lhões a 10 milhões de hectares rantirmos a saúde de longo prazo damente equiva- de terras cultiváveis por ano, ao planeta, precisamos reduzir lente à superfície com uma proporção significatido Rio Grande va desse montante nos trópicos. drasticamente os impactos adver- do Norte. Mas a incorporação dessas tersos da agricultura. O sistema de alimentos do mun- ras aumentou a área efetivamente cultido enfrenta três desafios poderosos e vada em apenas 3%, devido às perdas interligados. Precisa garantir que os 7 de áreas cultiváveis provocadas pelo debilhões de pessoas que vivem hoje no senvolvimento urbano e outros fatores. Aumentar a produção também pamundo estejam adequadamente alimentadas; é necessário duplicar a produção rece animador. Mas nosso grupo de de alimentos nos próximos 40 anos; e pesquisa descobriu que a produção essas duas metas devem ser perseguidas agrícola global cresceu, em média, cerao mesmo tempo e em condições am- ca de 20% nos últimos 20 anos – muito menos do que costuma ser relatado. O bientalmente sustentáveis. Essas metas podem ser atingidas si- crescimento é significativo, mas a taxa multaneamente? Um grupo de especia- está longe de permitir a duplicação da listas internacionais, sob minha coor- produção até meados deste século. Endenação, baseou-se em cinco itens, que, quanto em algumas lavouras a produse articulados em conjunto, poderão ção subiu, em outras houve aumento aumentar em mais de 100% a dispo- modesto ou redução. Alimentar mais pessoas seria mais nibilidade de alimentos para consumo humano e, ao mesmo tempo, diminuir fácil se todo o alimento produzido fossignificativamente as emissões de gases se consumido apenas por humanos. do efeito estufa, perdas de biodiversi- Mas só 60% da produção mundial é dade e uso e poluição da água. Atacar destinada às pessoas: principalmente esse conjunto de desafios será uma das grãos, seguidos de leguminosas (feijões provas mais importantes que a humani- e lentilha), plantas oleaginosas, frutas e verduras. Outros 35% são usados dade já enfrentou. Num primeiro momento, a questão para produzir forragem para a criação de como alimentar mais pessoas impli- de animais e 5% são destinados aos ca uma resposta aparentemente óbvia: biocombustíveis e outros produtos inproduzir mais alimentos, ampliando as dustriais. A carne é o item mais imporáreas cultiváveis e melhorando a produ- tante. Normalmente, para criar gado tividade agrícola – a quantidade de ali- à base de grãos são necessários 30 kg desses alimentos para 1 kg de carne mento produzido por hectare. A sociedade já cultiva aproximada- sem osso, pronta para consumo humamente 38% do solo, excluindo a Groen- no. Frangos e suínos são mais eficienlândia e a Antártida. A agricultura é de tes, e a carne produzida por engorda longe a maior atividade humana. Sua em pasto converte material impróprio abrangência não se equipara a nenhu- para alimento em proteína. Outro fator que inibe a oferta de ma outra. E a maior parte desses 38% ocupa as terras mais produtivas. O que alimentos é o dano ambiental, que já 32 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

é considerável. Apenas o consumo de energia – com seus profundos impactos no clima e na acidificação dos oceanos – se compara à magnitude absoluta dos impactos ambientais da agricultura. Nosso grupo de pesquisa estima que a agricultura já devastou ou transformou radicalmente 70% das pastagens pré-históricas do mundo, 50% das savanas e cerrados, 45% das ÚltIMa IDaDe florestas temperadas com DO GelO renovação anual de folhas Período de redudas tempee 25% das florestas tropi- ção raturas médias cais. Desde a última idade do planeta que do gelo, nada destruiu mais ocorreu ocorreu 110 mil e 10 os ecossistemas. A pegada entre mil anos atrás. ambiental da agricultura é cerca de 60 vezes maior que a produzida por todas as edificações e pavimentação do mundo. Água doce é outra preocupação. Os seres humanos gastam 4 mil km³ de água por ano, basicamente retirada de rios e aquíferos. A irrigação é responsável por 70% desse volume. Se considerarmos apenas a água de consumo – que não retorna aos reservatórios –, a irrigação sobe para 80% a 90% do total. Como resultado, muitos dos grandes rios do mundo tiveram seu fluxo reduzido, outros acabaram secando, e em vários locais houve rápido declínio dos lençóis freáticos, incluindo países como os Estados Unidos e a Índia. A água não está só desaparecendo. Também está sendo contaminada. Fertilizantes, herbicidas e pesticidas estão se espalhando em quantidades crescentes e são detectados em praticamente todos os ecossistemas. A quantidade de nitrogênio e fósforo encontrada no ambiente aumentou em mais de 100% desde os anos 60, provocando poluição da água em grande escala e o aparecimento de enormes “zonas mortas” por hipóxia (falta de oxigênio) na foz de muitos rios importantes. Ironicamente, os fertilizantes que escoam pelo solo – em nome da produção de mais alimentos – comprometem outra fonte crucial de alimentos: áreas de pesca costeira. A agricultura também é a maior fonte de emissões de gases do efeito estufa. Coletivamente é responsável por cerca de 35% do dióxido de carbono, metano


a agricultura atingiu a parede, mas não o teto A humanidade cultiva atualmente 38% do solo não congelado do planeta. As lavouras preenchem um terço dessa área; o resto é ocupado por pastagens e capinzais para criação de animais. Existe pouco espaço para expansão porque a maior parte da área restante é formada por desertos, montanhas, tundra ou cidades. Mesmo assim, fazendas em muitas das áreas existentes poderiam ser mais produtivas (inserções).

Tipos de atividade agrícola

Nenhum

100% terras cultiváveis 100% pastagem Produção de milho Longe do máximo

Perto do máximo

cortesia de JaMes gerBer Institute on the Environment, University of Minnesota (mapas)

e óxido nítrico antrópico. Isso representa mais que as emissões de todos os meios de transporte do mundo (carros, caminhões e aviões) ou de toda a geração de eletricidade. A energia utilizada para produzir, processar e transportar alimentos é outra preocupação, mas a grande maioria das emissões provém do desflorestamento tropical, metano liberado por animais e alagadiços de arrozais, e do óxido nítrico de solos fertilizados em excesso. CInCO SOluçÕeS A agricultura moderna tem sido uma força incrivelmente positiva no mundo, mas não podemos mais ignorar sua capacidade de expansão ou o prejuízo ambiental crescente que ela impõe. Abordagens anteriores para resolver problemas ambientais e de produção de alimentos geralmente foram esporádicas. Podemos ampliar rapidamente a produção de alimentos desmatando mais áreas para plantio ou usando mais água e mais defensivos agrícolas, mas

Melhores celeiros

O mundo poderia plantar muito mais alimentos se a produtividade das fazendas mais pobres aumentasse até sua capacidade máxima, consideradas as condições específicas de clima e solo. A produção de milho, por exemplo (ver quadro), poderia aumentar significativamente em várias partes do México, oeste da África e leste da Europa se sementes, irrigação, fertilizantes e mercados fossem aprimorados.

com um custo ambiental muito alto, ou podemos recuperar ecossistemas sem invadir mais solos férteis, mas somente reduzindo a produção de alimentos. Essa política de “ou um ou outro” já não é aceitável. Precisamos de soluções verdadeiramente integradas. Após muitos meses de pesquisa e debates – com base em análises de dados ambientais e agrícolas recentes – nossa equipe definiu um plano de cinco itens para enfrentar os desafios ambientais e de produção de alimentos. 1• Interromper a expansão da agricultura. Nossa primeira recomendação é diminuir e finalmente interromper completamente a expansão da agricultura, principalmente em florestas tropicais e em savanas e cerrados. A perda desses ecossistemas provoca impactos com graves consequências ao ambiente, particularmente devido à perda de biodiversidade e aumento nas emissões de dióxido de carbono (por queimadas para desmatamento do solo). Um desflorestamento mais lento reduziria

drasticamente os danos ambientais, com restrição mínima na oferta global de alimentos. Muitas propostas foram apresentadas para reduzir o desflorestamento. Uma das mais promissoras é um programa chamado Reduzindo Emissões do Desflorestamento e Degradação (REDD, na sigla em inglês). Sob a égide do REDD, países ricos compram dos países tropicais créditos de carbono para proteger suas florestas. Outros mecanismos incluem o desenvolvimento de padrões de certificação de produtos agrícolas de modo que as cadeias de suprimentos possam garantir que os alimentos não foram cultivados em solo desflorestado. Além disso, uma política mais adequada para os biocombustíveis, privilegiando lavouras não comprometidas com a produção de alimentos, como capim, poderia promover a revitalização de solo fértil. 2• Preencher as “lacunas da produção” mundial. Para dobrar a produção global de alimentos sem aumentar os avanSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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34 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

expansão da produção com menos dano ambiental Produção de alimentos

Para alimentar o mundo sem afetar o ambiente a agricultura terá de produzir mais alimentos (azul) e encontrar melhores formas de distribuí-los (vermelho), e ao mesmo tempo reduzir os danos na atmosfera, hábitats e água (amarelo).

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Por volta de 2050 a população total do planeta terá aumentado de 2 bilhões a 3 bilhões, e uma proporção maior de pessoas terá renda mais alta; por isso o consumo per capita será maior. Os produtores rurais terão de dobrar a produção atual.

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acesso ao alimento

Mais de 1 bilhão dos 7 bilhões de habitantes do planeta sofrerão de fome crônica. Pobreza e escassez de alimentos devem ser superadas para prover as calorias necessárias a todos.

Dano ambiental

Para reduzir os prejuízos ao ambiente, a agricultura deve deter o avanço sobre as florestas tropicais, melhorar a produtividade de terras agricultáveis subutilizadas (o que poderia aumentar a produção entre 50% e 60%), usar água e fertilizantes de forma muito mais eficiente e evitar a degradação do solo.

Em média, para produzir 1 caloria de alimento é preciso gastar cerca de 1 litro de água de irrigação. Embora em vários locais muito mais água seja utilizada, nossa análise mostrou que os agricultores podem controlar significativamente o uso da água sem comprometer muito a produção de alimentos, principalmente em locais de clima seco. Com os fertilizantes, enfrentamos um problema semelhante ao da “zona de habitabilidade dos planetas”. Em alguns locais o solo é muito pobre em nutrientes e por isso a produção é reduzida, enquanto em outros há nutrientes demais, o que resulta em poluição. Praticamente ninguém utiliza fertilizantes com o devido critério. Nossa análise identificou hotspots no

planeta – principalmente na China, norte da Índia, centro dos Estados Unidos e oeste da Europa – onde os agricultores poderiam reduzir substancialmente o uso de fertilizantes com pouco ou nenhum impacto na produção de alimentos. Surpreendentemente, apenas 10% das terras férteis do mundo produzem de 30% a 40% da poluição por fertilizantes. Entre as ações que podem mitigar esse problema estão incentivos econômicos e políticas públicas como remunerar os fazendeiros pela administração e proteção de mananciais, reduzir o uso abusivo de fertilizantes, aprimorar o manejo de adubos, capturar o excesso de nutrientes por meio de reciclagem; e aplicar outras técnicas de preservação.

gráfico de Jen christiansen

ços da agricultura é preciso melhorar a produtividade das terras cultiváveis atuais. Existem duas opções: melhorar o rendimento das fazendas mais produtivas – aumentando seu “limite de produção” por meio de avanços no manejo e na genética dos cultivares – ou ampliar o rendimento das fazendas menos produtivas – preenchendo a lacuna entre a produção atual da fazenda e seu potencial mais alto. A segunda opção apresenta um ganho maior e mais imediato – principalmente em regiões onde a fome é mais acentuada. Nosso grupo analisou padrões globais de produção agrícola e descobriu que boa parte do mundo produz safras significativas. Em particular, a produção poderia aumentar substancialmente em muitas partes da África, América Central e Leste Europeu. Reduzir as lacunas de produção em terras cultiváveis menos produtivas pode aumentar muitas vezes a demanda de água e aplicação adicional de fertilizantes. É preciso tomar cuidado e evitar o uso desenfreado de irrigação e de defensivos agrícolas. Várias outras técnicas podem melhorar a produção. Técnicas de plantio de “cultivo reduzido” afetam menos o solo, evitando a erosão. Lavoura de desenvolvimento rápido entremeada com lavoura de produtos de estação reduz a proliferação de ervas daninhas e adiciona nutrientes e nitrogênio ao solo durante a aragem. Experiências em sistemas orgânicos e agroecológicos também podem ser aproveitadas, como abandonar restos da colheita no campo para que se decomponham em nutrientes. Para preenchermos as lacunas de produção agrícola mundial precisamos ainda superar sérios desafios econômicos e sociais, incluindo melhor distribuição de fertilizantes e de variedades de sementes para agricultores de regiões mais pobres e melhor acesso de muitas regiões aos mercados globais. 3• Utilizar os recursos com mais eficiência. Para reduzirem os impactos ambientais da agricultura, regiões de baixa e alta produção devem agir da mesma forma, em busca de uma agricultura eficiente: maior produção por unidade de água, fertilizantes e energia.


Aqui, novamente, o cultivo reduzido pode ajudar a nutrir o solo da mesma forma que a agricultura de precisão (aplicação de fertilizantes e água apenas quando e onde forem necessários e mais eficientes) e técnicas de produção orgânica. 4• Manter a carne bovina longe da mesa. Podemos aumentar significativamente a disponibilidade global de alimentos e a sustentabilidade ambiental usando as safras prioritariamente para alimentar as populações em vez de engordar animais de criação. Globalmente, as pessoas poderiam dispor de até 3 quatrilhões de calorias a mais todos os anos – aumento de 50% de nosso suprimento atual – apenas com alimentação baseada em vegetais. Naturalmente, nossa alimentação atual e o uso das safras resultam em vários benefícios econômicos e sociais, e é pouco provável que nossas preferências mudem radicalmente. E mais: mesmo pequenas mudanças nos hábitos alimentares, como substituição da carne de vaca alimentada com grãos por carne suína, de aves ou de vaca criada em pastagens, podem ser altamente compensadoras. 5• Reduzir o desperdício de alimentos. Uma recomendação final óbvia, mas geralmente desrespeitada, é a redução do desperdício no sistema de produção de alimentos. Aproximadamente 30% do alimento produzido no planeta é descartado, perdido, desperdiçado ou consumido por insetos. Em países ricos, boa parte do desperdício é do consumidor final da cadeia produtiva, em restaurantes e latas de lixo. Mudanças simples no padrão de consumo diário – reduzindo o tamanho das porções, a quantidade de alimentos jogados no lixo e o número de refeições em restaurantes ou levadas prontas para casa – poderiam diminuir significativamente o desperdício e até as medidas da nossa cintura. Em países mais pobres, as perdas são de mesma magnitude, mas ocorrem antes, na produção, na forma de safras dizimadas, estoques destruídos por pragas ou alimentos nunca entregues por falta de infraestrutura e de mercado. Embora eliminar completamente o desperdício do trator ao garfo pos-

sa não ser realístico, pequenos passos podem ser benéficos. Esforços concentrados – principalmente na redução do desperdício de alimentos que requerem mais recursos como carne e laticínios – poderiam fazer uma grande diferença. MuDar Para uM SISteMa De alIMentaçãO eM reDe Em princípio, nossa estratégia de cinco itens irá ajudar a solucionar vários problemas ambientais e de produção de alimentos. Juntos, esses itens poderão aumentar a oferta de alimentos do mundo de 100% a 180% e, ao mesmo tempo, promover uma redução significativa nas emissões de gases do efeito estufa, nas perdas de biodiversidade e no uso e poluição da água. É importante enfatizar que os cinco pontos (e talvez mais) devem ser trabalhados em conjunto. Nenhuma estratégia isolada é suficiente para resolver os desafios. Pense em chumbo espalhado, não em uma única bala. Obtivemos um sucesso enorme baseado na revolução verde e na agricultura em escala industrial juntamente com inovações em cultivares orgânicos e sistemas locais de alimentos. Vamos aproveitar as melhores ideias e incorporá-las numa nova abordagem – um sistema sustentável de alimentos com foco nos benefícios nutricionais, sociais e ambientais, para colocar a produção de alimentos num nível mais elevado. Podemos configurar esse sistema de próxima geração como uma rede de sistemas de agricultura local sensíveis ao clima, aos recursos hídricos, aos ecossistemas e à cultura regional e que também estejam conectados por diferentes meios de transporte e de comércio global. Esse sistema pode ser flexível e oferecer aos produtores verbas para sua manutenção. Um dispositivo que ajudaria a impulsionar esse novo sistema de alimentação seria o equivalente ao programa de Liderança em Energia e Projeto Ambiental (LEED, na sigla em inglês), atualmente usado na construção de novos edifícios comerciais sustentáveis. O programa LEED privilegia níveis cada vez mais altos de certificação baseada em pontos que são acumulados pela incorporação de

qualquer uma das inúmeras opções verdes que variam de energia solar e iluminação eficiente a materiais de construção recicláveis, com redução de desperdício. Para práticas agrícolas sustentáveis, os alimentos receberiam pontos de acordo com seu potencial nutricional, garantia de procedência e outros benefícios públicos, já deduzidos os custos sociais e ambientais. Essa certificação nos ajudaria a ir além das etiquetas atuais que identificam os alimentos como “local” e “orgânico”, que realmente não informam muito sobre o que estamos consumindo. Considere estas possibilidades: laranjas sustentáveis e café dos trópicos, ou cereais sustentáveis da zona temperada, acompanhados de verduras e legumes produzidos localmente, todos cultivados segundo padrões de transparência e qualidade. Use seu smartphone e o último aplicativo para alimentos sustentáveis e saberá de onde eles provêm, quem os cultiva e como são produzidos. Os princípios e práticas dos diferentes sistemas agrícolas – dos comerciais em larga escala até os locais e orgânicos – fornecem as bases para atender às necessidades ambientais e garantir a produção de alimentos do mundo. Alimentar 9 bilhões de pessoas de forma realmente sustentável será um dos grandes desafios que nossa civilização deverá enfrentar. Essa tarefa demandará imaginação, determinação e muito trabalho de muitas pessoas no mundo todo. E para isso não há tempo a perder. n O AuTOR Jonathan a. Foley é diretor do Instituto Ambiental da universidade de Minnesota, onde também é professor titular de sustentabilidade global. PARA CONHECER MAIS Solutions for a cultivated planet. Jonathan A. Foley et al., em Nature, vol. 478, 20 de outubro de 2011. enough: why the world’s poorest starve in an age of plenty. Roger Thurow e Scott Kilman. Public Affairs, 2010. Food security: the challenge of feeding 9 billion people. H. Charles J. Godfray et al., em Science, vol. 327, págs. 812-818, 12 de fevereiro de 2010. Global consequences of land use. Jonathan A. Foley et al., em Science, vol. 309, págs. 570-574, 22 de julho de 2005.

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BIOLOGIA

a mais recente rede social Pesquisadores de bactérias amigáveis que vivem no organismo humano estão começando a reconhecer quem está no comando – as pessoas ou os microrganismos? por JenniFer aCKerman

IlustraÇÕes por bryan chrIstIe

h

ouve uma época em que biólogos acreditavam que os seres humanos eram ilhas fisiológicas, totalmente capazes de regular suas próprias funções internas. Nosso corpo produz todas as enzimas necessárias para quebrar as moléculas de alimento e aproveitar seus nutrientes para fortalecer e reparar tecidos e órgãos. Sinais enviados por nossos tecidos definem condições de fome ou saciedade. E as células especializadas do sistema imune ensinam a si próprias como reconhecer e atacar microrganismos perigosos – patógenos – e ao mesmo tempo poupar nossos tecidos. Nos últimos dez anos, no entanto, pesquisadores demonstraram que o corpo humano não é a ilha de autossuficiência que se pensava. Ele parece mais um ecossistema complexo – uma rede social – com trilhões de bactérias e outros microrganismos que habitam nossa pele, áreas genitais, boca e principalmente os intestinos. Na verdade, a maioria das células do corpo humano não é realSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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mente humana. Em nosso corpo, as células bacterianas superam as humanas numa relação de 10 para 1. Além disso, essa comunidade mesclada de células microbianas e dos genes que elas contêm, coletivamente conhecidas como microbioma, não ameaça nossa saúde, mas é de vital importância em processos fisiológicos básicos – da digestão ao aumento de autodefesas. tudo isso para a autonomia humana Os biólogos têm feito progressos na caracterização das espécies mais comuns dos microrganismos de nosso corpo. Recentemente começaram a identificar efeitos específicos desses habitantes. Nessa tarefa estão tendo uma nova visão de como nosso corpo funciona e por que certas doenças contempodistÚrbio râneas como a obesidade autoimune e distúrbios autoimunes Problema causado por uma res- estão em alta. posta imunológiQuando pensamos ca inadequada, nos microrganismos que excessiva ou ausente, em que vivem em nosso corpo as células de geralmente temos em defesa do corpo mente os patógenos. De reagem contra os tecidos do pró- fato, durante muitos prio corpo tempo os pesquisadores estudaram apenas seres malignos e ignoraram a possível importância dos benignos. O motivo disso, segundo o biólogo Sarkis K. Mazmanian, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, na sigla em inglês), é nossa visão deturpada do mundo. “Nosso narcisismo nos fez regredir; tendemos a pensar que dispomos de todas as funções necessárias para manter nossa saúde”, avalia. “Mas só porque os microrganismos são estranhos e os adquirimos durante toda a vida não significa que eles formem uma parte menos importante de nós.” Na verdade, todos os seres humanos têm um microbioma desde a mais tenra infância, mesmo não nascendo com ele. Cada um de nós adquire sua própria comunidade de comensais (do latim “partilhar a mesa”) do ambiente que nos rodeia. Como o útero normalmente não contém bactérias, os recém-nascidos iniciam a vida como seres sin38 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

porque seus genes se mistugulares, estéreis. Mas à medida Comensais Organismos em ram no processo da extração. que passam pelo canal de nas- interação harmôDeterminar se o gene de uma cimento, adquirem algumas nica interespecídeterminada bactéria está aticélulas comensais da mãe, que fica com outros dos quais obtêm vo (ou expresso) no corpo é recomeçam então a se multipli- benefícios (em lativamente fácil; já descobrir car. A amamentação e o manu- geral, alimena que espécie pertence aquele seio pelos pais, avós, parentes tar), sem causar-lhes nenhum gene em particular é mais come amigos – sem mencionar o tipo de benefíplicado. Felizmente, o desencontato normal com lençóis, cio ou prejuízo. volvimento de computadores cobertores e até animais de estimação – contribuem rapidamente cada vez mais potentes e de sequenciapara que uma infinidade de microrga- dores de genes ultrarrápidos na primeira nismos se multiplique rapidamente. No década do século 21 transformou o que final da infância, nosso corpo contém antes era uma tarefa impossível – selecioum dos mais complexos ecossistemas nar e analisar – simplesmente numa tarefa complicada. microbianos do planeta. Dois grupos independentes de cienNos últimos cinco anos, cientistas dedicaram-se a caracterizar a nature- tistas, um nos Estados Unidos e outro za desse ecossistema. A tarefa tem sido na Europa, adotaram essa nova tecnoloextremamente difícil. As células bacte- gia para contar os genes bacterianos no rianas do intestino, por exemplo, evo- interior do corpo humano. No início de luíram para se desenvolver no ambiente 2010 o grupo europeu publicou seu cenapertado e sem oxigênio do intestino, so de genes microbianos no sistema dipor isso muitas espécies não sobrevi- gestivo humano – 3,3 milhões de genes vem bem na vastidão solitária de uma (de mais de mil espécies), ou seja, cerca placa de Petri. Os pesquisadores su- de 150 vezes os 20 mil a 25 mil genes do peraram esse problema, estudando as genoma humano. instruções genéticas – os filamentos de As pesquisas sobre a natureza do miDNA e RNA – encontradas dentro dos crobioma humano revelaram muitas surmicrorganismos e não na célula como presas: duas pessoas não partilham, por um todo. Como o DNA e o RNA po- exemplo, a mesma constituição microbiadem ser manipulados num ambiente na – nem gêmeos idênticos. Essa descoberoxigenado comum de laboratório, é ta pode ajudar a desvendar um mistério inpossível retirar amostras microbianas troduzido pelo Projeto Genoma Humano: e analisá-las. o DNA de todos os seres humanos coincide Parece que cada espécie de bactéria em 99,9%. Nosso destino pessoal, saúde comensal tem uma assinatura – sua ver- e até algumas atitudes podem estar muito são única e própria de um gene (conheci- mais relacionadas com a variação encondo como o gene RNA ribossômico 16S) trada nos genes de nosso microbioma que que codifica uma molécula específica de em nossos próprios genes. E embora os RNA encontrada nos ribossomos, a má- biomas de microrganismos de diferentes quina que produz proteínas nas células. pessoas variem principalmente em número Com a determinação da sequência desses relativo e em tipos de espécies que contêm, genes, os cientistas estão criando um ca- a maioria dos humanos partilha um núcleo tálogo de todo o microbioma humano. complementar de genes bacterianos úteis, Dessa forma é possível descobrir que que podem provir de diferentes espécies. espécies habitam nosso corpo e como a No entanto, até as bactérias mais benéficas combinação exata de espécies difere de podem provocar doenças graves se acessauma pessoa para outra. rem locais onde não deveriam estar – por O passo seguinte é analisar outros exemplo, o sangue (provocando infecções) genes encontrados na comunidade mi- ou a trama de tecidos entre os órgãos abdocrobiana para determinar quais estão ati- minais (peritonite). vos e que funções desempenham. Essa é A primeira menção de que organisoutra tarefa altamente complexa devido mos benéficos poderiam ser úteis surgiu ao grande número de espécies e também há décadas durante pesquisas sobre a


digestão e produção de vitaminas no intestino de animais. Por volta dos anos 80, cientistas descobriram que os tecidos humanos precisam de vitaminas B12 para, entre outras coisas, produzir energia celular, sintetizar o DNA e produzir ácidos graxos; e descobriram que apenas as bactérias sintetizavam as enzimas necessárias para formar vitaminas a partir do zero. Os cientistas também sabiam que as bactérias do intestino quebram certos componentes dos alimentos que seriam indigestos e poderiam ser eliminados pelo corpo sem serem aproveitados. Só nos últimos anos eles entenderam detalhes interessantes: duas espécies comensais em particular desempenham papéis importantes na digestão e no controle do apetite. Talvez o nome do melhor exemplo de um germe útil se pareça com o de uma irmandade ou fraternidade grega. Bacteroides thetaiotaomicron é o grande devorador de carboidratos, capaz de transformar os maiores e mais complexos carboidratos encontrados em muitos vegetais em glicose e outros açúcares menores mais simples e fáceis de digerir. No genoma humano, a maioria dos genes necessários para produzir as enzimas que degradam esses carboidratos complexos está ausente. Em contraposição, a B. thetaiotaomicron contém genes que codificam mais de 260 enzimas capazes de digerir matéria vegetal, fornecendo assim uma forma eficiente de extrair nutrientes de laranjas, maçãs, batatas e germe de trigo, entre outros alimentos. Detalhes fascinantes sobre como a B. thetaiotaomicron interage e fornece alimentos para seus hospedeiros foram revelados por estudos com camundongos criados em ambiente estéril (portanto, livres de microbioma) e depois expostos apenas a esse grupo específico de microrganismos. Em 2005, pesquisadores da Universidade Washington em St. Louis relataram que a B. thetaiotaomicron sobrevive consumindo carboidratos complexos conhecidos como polissacarídeos. A bactéria fermenta essas substâncias gerando ácidos graxos com cadeias curtas (basicamente suas fezes) que os camundongos podem usar como combustível. Desse modo, a bactéria retira calorias de formas normalmente

indigeríveis de carboidratos, como as fibras dietéticas do farelo de aveia. O estudo do microbioma chegou a reabilitar parcialmente a reputação de uma bactéria que provoca doenças, a chamada Helicobacter pylori. Manipulada pelos médicos australianos Barry Marshall e Robin Warren nos anos 80 como agente provocador de úlceras pépticas, a H. pylori é uma das poucas bactérias que parecem prosperar no ambiente ácido do estômago. Embora se soubesse há muito tempo que o uso contínuo de medicamentos conhecidos como drogas anti-inflamatórias não esteroides (NSAID, na sigla em inglês) fosse a causa comum de úlcera péptica, a descoberta de que a H. pylori contribui para esse quadro foi extraordinária. Depois da descoberta de Marshall, o tratamento de úlceras pépticas com antibióticos passou a ser uma prática-padrão. Como resultado, a taxa de úlceras induzidas por H. pylori caiu em mais de 50%. Mas esse caso não é tão simples, previne Martin Blaser, atualmente professor

de microbiologia e medicina interna da Universidade Nova York, que estudou a H. pylori nos últimos 25 anos. “Como qualquer um, comecei a trabalhar com a H. pylori tratando-a como um patógeno simples. Levei alguns anos para perceber que ela era na verdade um comensal.” Em 1998, Blaser e seus colegas publicaram um estudo mostrando que em muitas pessoas a H. pylori beneficia o corpo, ajudando a regular os níveis dos ácidos estomacais, criando um ambiente agradável para si e seu hospedeiro. Uma década depois, Blaser publicou um estudo sugerindo que a H. pylori tinha outra função além de regular a acidez do estômago. Há muitos anos os cientistas já sabiam que o estômago produz dois hormônios envolvidos no apetite: a grelina, que avisa o cérebro de que o corpo precisa se alimentar; e a leptina, que –, entre outras coisas –, sinaliza que o estômago está saciado e não precisa de mais alimentos. “Quando você acorda pela manhã e está com fome, é porque seus níveis de grelina estão al-

amigo, você pode dispensar um gene? Em boas mãos: o número de genes distribuídos entre bactérias amigáveis que vivem no corpo e na pele das pessoas ultrapassa o de genes que herdamos de nossos pais. Cientistas estão descobrindo em detalhes quais desses genes microbianos beneficiam os hospedeiros humanos e como.

Humanos: 20 mil-25 mil genes Microbioma intestinal: 3,3 milhões de genes SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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boca, faringe, sistema respirat贸rio

Streptococcus viridans Neisseria sicca

Candida albicans

Streptococcus salivarius

est么mago Helicobacter pylori Bacteroides fragilis Streptococcus thermophiles

Lactobacillus reuteri Lactobacillus casei

intestino

Escherichia coli

Lactobacillus gasseri

40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Bacteroides thetaiotaomicron

trato


espécies diferentes por razões diferentes Vários tipos de microrganismos aglomeram-se em todos os lugares dentro e fora do corpo humano. Essa presença mantém a saúde de seu hospedeiro, em parte dificultando o acesso de germes causadores de doenças. Várias espécies, como a Bacteroides fragilis, também desempenham funções específicas muito úteis, incluindo a promoção do desenvolvimento e regulação do sistema imune (abaixo, à direita).

1 Pityrosporum ovale

Células imunes chamadas dendríticas capturam uma molécula de polissacarídeo A (PSA) das células B. fragilis e a apresentam a células T não diferenciadas.

Staphylococcus epidermidis B. fragilis

Corynebacterium jeikeium

PSA produzido pela B. fragilis

Trichosporon

Staphylococcus haemolyticus

Célula dendrítica

pele

Célula T não diferenciada

Células T reguladoras

Intestino

peças de PSA estimulam as células T não diferenciadas a tornar-se células T reguladoras. Estas, por sua vez, produzem substâncias que comprimem os esforços agressivos das células T inflamatórias.

urogenital

Ureaplasma parvum

Corynebacterium aurimucosum

Área inflamada

Células T inflamatórias

estudo de caso: como uma espécie bacteriana é útil Estudos com camundongos em condições estéreis revelaram que as bactérias B. fragilis são cruciais para manter a saúde dos intestinos. Num experimento, camundongos assépticos que receberam uma cepa da bactéria B. fragilis e produziram o complexo carboidrato polissacarídeo A não desenvolveram a inflamação do intestino (colite), enquanto camundongos que receberam uma cepa da bactéria B. fragilis e não produziram PSA desenvolveram inflamação crônica no intestino. Os pesquisadores mostraram que a presença do PSA estimulou o desenvolvimento de células T reguladoras que desativaram as células T inflamatórias, restabelecendo assim a saúde dos roedores.

Fonte: “InsIde the mIcrobIal and Immune labyrInth: Gut mIcrobes: FrIends or FIends?”, por Warren strober, em Nature MediciNe, vol. 16, 2010 (estudo de caso B. fragilis)

2 As pequenas

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tos”, exemplifica Blaser. “O hormônio está sinalizando que você precisa comer. Depois de tomar o café da manhã, no entanto, o nível de grelina diminui”, o que os cientistas chamam de diminuição pós-prândio (da palavra latina prandium, “refeição”). Num estudo publicado no ano passado, Blaser e seus colegas analisaram o comportamento dos níveis de grelina antes e depois das refeições em pessoas com e sem H. pylori. Os resultados foram claros: “Quando você tem H. pylori, há uma redução de grelina pós-prândio. Ao erradicar a H. pylori, esse processo desaparece”, explica ele. “Isso significa, a priori, que a H. pylori está envolvida na regulação da grelina” – e, consequentemente, do apetite. Como isso ocorre ainda é um grande mistério. O estudo com 92 voluntários mostrou que aqueles tratados com antibióticos para eliminar a H. pylori ganharam mais peso em comparação a seus colegas não infectados – provavelmente porque seus níveis de grelina permaneceram elevados quando deveriam ter caído, fazendo com que sentissem fome por mais tempo e comessem demais. Há duas ou três gerações mais de 80% dos americanos serviam de hospedeiros do invasor audacioso. Atualmente, menos de 6% das crianças americanas apresentam testes positivos. “Temos uma geração inteira de crianças que está crescendo sem a H. Pylori para regular a grelina do estômago”, adverte Blaser. Além disso, crianças continuamente expostas a altas doses de antibióticos estão mais propensas a sofrer outras mudanças na sua carga microbiana. Por volta dos 15 anos, a maioria dos jovens já foi tratada várias vezes com antibióticos de uma mesma doença, a otite média ou infecção do ouvido. Blaser especula que o tratamento indiscriminado de jovens com antibióticos tem provocado alterações na composição do microbioma intestinal e que essas alterações podem ajudar a explicar a elevação dos níveis de obesidade infantil. Ele acredita que as várias bactérias do microbioma podem influenciar se certa classe de células-tronco do corpo, relativamente não especializada, pode se diferenciar em gordura, músculo ou osso. 42 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Ele argumenta que administrar antibióticos prematuramente às crianças, e eliminar certas espécies microbianas, interfere nos alertas normais e pode provocar uma superprodução de células de gordura. A perda acelerada de H. pylori e outras bactérias do microbioma humano juntamente com tendências da sociedade – como a fácil disponibilidade de alimentos altamente calóricos e a redução contínua do trabalho braçal – são suficientes para destruir o equilíbrio a ponto de favorecer uma epidemia global de obesidade? “Não sabemos ainda se essa será uma parte maior ou menor da história da obesidade”, avalia Blaser, “mas aposto que não será trivial.” Na visão do pesquisador, o uso indiscriminado de antibióticos não é o único culpado da destruição sem precedentes do microbioma humano. Grandes mudanças na ecologia humana ao longo do século passado também contribuíram. O aumento drástico no número de partos por cesariana nas últimas décadas limita a transferência de todas as cepas tão importantes da mãe quando o bebê passa pelo canal de nascimento. (Nos Estados Unidos, mais de 30% dos partos é por cesariana e, na China – terra de um filho por casal –, a cirurgia é responsável por aproximadamente dois terços de todos os partos de mulheres que vivem em áreas urbanas.) Família com menos filhos representa menos irmãos, fonte primária de material microbiano para os irmãos mais jovens no início da infância. Mesmo água tratada – que tem salvado a vida de milhões – cobra um ágio ao microbioma humano, reduzindo a variedade de bactérias a que estamos expostos. Resultado: mais e mais pessoas nascem e crescem num mundo microbiano cada vez mais pobre. equilíbrio deliCado Como ilustram os estudos sobre a B. thetaiotaomicron e a H. pylori, mesmo as questões mais básicas sobre os efeitos da presença dessas espécies bacterianas no corpo levam a respostas complicadas. Avançando um pouco mais, perguntar como o corpo responde à presença de todas essas células estranhas no seu interior significa introduzir ainda mais complexidade. Por uma simples

razão a compreensão tradicional de como o sistema imune distingue as células do próprio corpo das geneticamente diferenciadas sugere que nossas defesas moleculares devem estar em constante estado de guerra contra essa multidão de intrusos. Por que razão os intestinos, por exemplo, não são o cenário de batalhas mais acirradas entre células imunes e os trilhões de bactérias presentes é um dos maiores mistérios da imunologia. As poucas pistas exis- Éons tentes oferecem insights Segundo a geologia, assustadores sobre o equi- é a maior subdivisão de tempo na escala líbrio entre o microbioma de tempo geológico. e as células imunes, que A história da Terra já levou mais de 200 mil divide-se em quatro éons, de acordo com anos para ser regulado. a ocorrência de Ao longo de éons, o sis- grandes eventos na tema imune desenvolveu evolução do planeta e da vida. Os éons numerosos testes e ajustes subdividem-se em que geralmente impedem eras e períodos. que se torne ou agressivo demais (atacando seus próprios tecidos), ou muito tolerante (incapacitado de reconhecer patógenos perigosos). As células T, por exemplo, desempenham papel importante no reconhecimento e ataque a invasores microbianos do corpo, além de controlar o intumescimento, vermelhidão e aumento de temperatura, característicos de uma resposta inflamatória generalizada à infecção por um patógeno. Mas logo depois que o corpo acelera sua produção de células T também começa a produzir as chamadas células T reguladoras, cuja principal função é neutralizar a atividade das outras células T pró-inflamatórias. Normalmente as células T reguladoras entram em ação antes de as células T pró-inflamatórias perderem o controle. “O problema é que muitos mecanismos que essas células T pró-inflamatórias usam para combater a infecção – a liberação de compostos tóxicos, por exemplo – acabam destruindo nossos próprios tecidos”, observa Mazmanian. Felizmente, as células T reguladoras produzem uma proteína que inibe as células T pró-inflamatórias. O efeito final é reduzir a inflamação e impedir o sistema imune de atacar as próprias células e tecidos do corpo, desde que o equilíbrio entre as células T beligerantes e as células T reguladoras mais tolerantes do corpo permaneça saudável.


Durante anos pesquisadores acreditaram que esse sistema de testes e ajustes era gerado pelo sistema imune. Agora, com novos exemplos do baixo controle que temos sobre nosso destino, Mazmanian e outros pesquisadores estão começando a mostrar que a formação de um sistema imune maduro e saudável depende da intervenção constante de bactérias benéficas. “Pensar que as bactérias podem fazer nosso sistema imune funcionar melhor é contradizer o paradigma”, explica ele. “Mas o quadro está se tornando cada vez mais claro: a força motora por trás das características do sistema imune são as comensais.” Mazmanian e sua equipe do Caltech descobriram que um microrganismo, chamado Bacteroides fragilis, que vive em 70% a 80% das pessoas, ajuda a manter o equilíbrio do sistema imune impulsionando seu efeito anti-inflamatório. As pesquisas começaram com a observação de que camundongos assépticos apresentam sistema imune deficiente, com diminuição das funções das células T reguladoras. Quando os pesquisadores introduziram a B. fragilis nos camundongos o equilíbrio entre as células T pró-inflamatórias e anti-inflamatórias foi restabelecido, e o sistema imune dos roedores passou a funcionar normalmente. Mas como? No início da década de 90 os pesquisadores começaram a investigar várias moléculas de açúcar que se projetam da superfície da B. fragilis e ajudam o sistema imune a reconhecê-las. Em 2005, Mazmanian e seus colegas mostraram que uma dessas moléculas – conhecida como polissacarídeo A (PSA) – auxilia na maturação do sistema imune. Posteriormente eles mostraram que o polissacarídeo A dá o sinal para o sistema imune produzir mais células T reguladoras, que, por sua vez, avisam as células T pró-inflamatórias para deixar a bactéria. Cepas de B. fragilis sem PSA simplesmente não sobrevivem na mucosa interna do intestino onde as células imunes atacam os microrganismos como se fossem um patógeno. Em 2011 Mazmanian e seus colegas publicaram um estudo na revista Science detalhando o sequenciamento molecular completo que produz esse efeito – a primeira descrição da sequência molecular

para o mutualismo entre microrganismos e mamíferos. “A B. fragilis fornece um efeito extremamente benéfico, que nosso próprio DNA, por alguma razão ainda desconhecida, não fornece”, analisa Mazmanian. “Ela coopta de várias maneiras nosso sistema imune, ela sequestra-o.” No entanto, ao contrário dos patógenos, esse sequestro não inibe ou reduz o desempenho do sistema imune; ao contrário, estimula-o. Outros organismos podem ter efeitos similares no sistema imune, observa ele. “Esse é apenas o primeiro exemplo; não há dúvida de que muitos outros ainda virão.” Ainda assim, devido às mudanças no estilo de vida que ocorreram no século passado, tanto a B. fragilis como a H. pylori estão desaparecendo. “O que fizemos como sociedade ao longo de um

alteramos nossa assoCiação Com o mundo miCrobiano, mas pagamos um preço por isso curto período foi mudar completamente nossa associação com o mundo microbiano”, explica Mazmanian. “Com os esforços para nos afastarmos de agentes infecciosos provocadores de doenças, provavelmente também mudamos nossas associações com organismos benéficos. Nossas intenções são boas, mas há um preço a pagar.” No caso da B. fragilis, o preço pode ser um aumento significativo no número de distúrbios autoimunes. Sem o PSA sinalizando o sistema imune para produzir mais células T reguladoras, as células T beligerantes começam a atacar tudo o que veem pela frente – incluindo os tecidos do próprio corpo. Mazmanian argumenta que o aumento de sete a oito vezes nas taxas de distúrbios autoimunes, como a doença de Crohn, diabetes tipo 1 e esclerose múltipla, está relacionado à redução de microrganismos benéficos. “Todas essas doenças contêm tanto um componente genético como ambiental”,

comenta Mazmanian. “Acredito que o componente ambiental seja microbiano e que as mudanças estejam afetando nosso sistema imune.” A guinada microbiana decorrente das mudanças em nosso modus vivendi – incluindo uma redução na B. fragilis e outros organismos anti-inflamatórios – resulta no baixo desenvolvimento de células T reguladoras. Em pessoas com predisposição genética, esse desvio pode levar à autoimunidade e a outras doenças. Pelo menos essa é uma hipótese. No estágio em que a pesquisa se encontra, as correlações entre taxas mais baixas de infecções microbianas e mais altas de doenças imunes em humanos são apenas isto: correlações. Exatamente como no caso da obesidade, é muito difícil separar causa e efeito. Ou a perda de germes inatos pela humanidade forçou as taxas de doenças autoimunes e obesidade a aumentar muito, ou os níveis crescentes de autoimunidade e obesidade criaram um clima desfavorável para esses germes inatos. Mazmanian está convencido de que a primeira afirmação é a correta – que mudanças no bioma microbiano intestinal estão contribuindo significativamente para o aumento das taxas de doenças imunes. No entanto, “o ônus da prova cabe a nós, os cientistas: usar essas correlações e provar que existe uma relação de causa e efeito quando são desvendados os mecanismos nos quais se baseiam”, conclui Mazmanian. “Esse é o futuro de nosso trabalho.” n O AuTOR Jennifer ackerman é uma autora premiada de ciência e de Ah-Choo. A vida incomum de nosso resfriado comum (Twelve, 2010). Atualmente está escrevendo um livro sobre a inteligência dos pássaros. PARA CONHECER MAIS has the microbiota played a critical role in the evolution of the adaptive immune system? Yun Kyung Lee e Sarkis K. Mazmanian, em Science, vol. 330, págs. 1768-1773, 24 de dezembro de 2010. www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3159383 a human gut microbial gene catalogue established by metagenomic sequencing. Junjie Qin et al., em Nature, vol. 464, págs, 59-65, 4 de março de 2010. Who are we? indigenous microbes and the ecology of human diseases. Martin J. Blaser, em EMBO Reports, vol. 7, no 10, págs. 956-960, outubro de 2006. www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1618379

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QuíMICA

Novas pistas indicam como os primeiros organismos surgiram da matéria inanimada Por alonso riCardo e JaCk W. szostak

C

ada célula viva, mesmo a bactéria mais simples, conta com engenhocas moleculares que causam inveja a qualquer nanotecnólogo. À medida que balançam, giram ou se arrastam pela célula, essas máquinas cortam, colam e copiam moléculas genéticas, transportam nutrientes ou os transformam em energia, constroem e consertam membranas celulares, levam mensagens mecânicas, químicas ou elétricas – a lista não acaba, e novas descobertas são adicionadas a ela o tempo todo. É quase impossível imaginar como essas máquinas celulares – na sua maioria, catalisadores proteicos chamados enzimas – se formaram espontaneamente enquanto a vida surgia da matéria inanimada, mais ou menos 3,7 bilhões de anos atrás. Claro, sob as condições certas, algumas unidades formadoras de proteínas, os aminoácidos, surgem facilmente de substâncias químicas mais simples, como Stanley L. Miller e Harold C. Urey, da Universidade de Chicago, descobriram, nos seus experimentos pioneiros na década de 50; transformar essas substâncias em proteínas e enzimas, porém, é outra história. O processo de fabricação de proteínas inclui a particienzimas Grupo de subs- pação de enzimas complexas que separam as fitas da dutâncias orgâni- pla hélice de DNA para extrair as informações contidas cas de natureza nos genes (as receitas para fazer as proteínas) e traduzinormalmente proteica. -las no produto final. Assim, explicar como a vida começou implica um paradoxo sério: parece que precisamos de proteínas – bem como das informações armazenadas hoje em dia no DNA – para fazer proteínas. Por outro lado, o paradoxo desapareceria se o primeiro organismo não precisasse de proteínas. Experimentos recentes sugerem que seria possível, para moléculas genéticas similares ao DNA, ou ao RNA, seu parente próximo, surgir de forma espontânea. Essas moléculas podem se enrolar de diversas formas e atuar como catalisadores rudimentares; portanto, podem ser capazes de se copiar – de se reproduzir – sem a necessidade de proteínas. As primeiras formas de vida podem ter sido simples membranas de ácidos graxos – estruturas que também se for-

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ÁCidos Graxos Ácidos monocarboxílicos de cadeia normal que apresentam o grupo carboxila (–COOH) ligado a uma longa cadeia alquílica, saturada ou insaturada.

HOLLY LINDEM (foto-ilustração); GENE BURKHARDT (design)

a origem da

Vida na terra


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oriGem do rna Um dos mistérios mais difíceis e interessantes, envolvendo a origem da vida, é a forma exata como o material genético se formou a partir das moléculas simples presentes na Terra primitiva. A julgar pelo papel que o RNA tem nas células modernas, parece provável que ele tenha aparecido antes do DNA. Quando as células modernas fazem proteínas, em primeiro lugar, elas fazem cópias em RNA dos genes de DNA e usam esse RNA como molde. Esse último estágio pode ter sido, no início, independente. Mais tarde, o DNA pode ter aparecido como um modo mais permanente de armazenamento, graças à sua estabilidade química superior. Pesquisadores têm mais uma razão para pensar que o RNA veio antes do DNA. As versões em RNA das enzimas, chamadas ribozimas, também têm um papel fundamental nas células modernas. As estruturas que traduzem o RNA em proteínas são máquinas híbridas RNA-proteína, e é o RNA nelas que faz o trabalho catalítico. Assim, cada uma das nossas células parece carregar nos seus ribossomos evidência 46 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

as primeiras moléculas genéticas As primeiras entidades na Terra capazes de se reproduzir e evoluir provavelmente carregavam a informação genética em alguma Fita dupla de RNA molécula similar ao RNA, parente próximo do DNA. Tanto o DNA quanto o RNA são cadeias de unidades chamadas nucleotídeos U (destacados à esquerda), de modo que uma questão importante é como os nucleotídeos apareceram em primeiro lugar, a partir de substâncias químicas mais simples. Os três componentes de um nucleotídeo – uma base U nitrogenada, um fosfato e um açúcar – podem se formar espontaneamente, mas não se reúnem naturalmente da forma certa (centro). Experimentos recentes, no entanto, demonstram C que pelo menos dois tipos de nucleotídeos de RNA – aqueles Açúcar com as bases nitrogenadas Base chamadas C e U – podem surgir nitrogenada através de uma rota diferente (extrema direita) (nos organismos Fosfato modernos, as bases nitrogenadas G de RNA aparecem nos quatro Esqueleto tipos A, C, G e U, as letras do de açúcar alfabeto genético). e fosfato

O QUE É VIDA? Durante muito tempo, os cientistas tentaram definir “vida” de uma maneira que fosse ampla o bastante para abranger formas ainda não descobertas. Eis algumas das muitas definições propostas: 1. O físico Erwin Schrödinger sugeriu que uma propriedade que define um sistema vivo é que ele se autoconstrói contra a tendência da Natureza na direção da desordem, ou da entropia. 2. A “definição de trabalho” do químico Gerald Joyce, adotada pela Nasa, é que a vida é “um sistema químico autossustentável capaz de evolução darwiniana”. 3. Na “definição cibernética” de Bernard Korzeniewski, a vida é uma rede de mecanismos de feedbacks.

A

A

G

C

Pares de bases complementares

“fóssil” de um mundo primordial dominado pelo RNA. Uma grande quantidade de pesquisas, portanto, tem se dedicado a entender a possível origem do RNA. As moléculas genéticas, como o DNA e o RNA, são polímeros (uma cadeia de moléculas menores) nuCleotídeos feitos de unidades Compostos ricos chamadas nucleo- em energia que tídeos. Por sua vez, auxiliam os processos metabóos nucleotídeos têm licos, principaltrês componentes dis- mente as biossíntintos: um açúcar, um teses, na maioria das células. fosfato e uma base nitrogenada. Há quatro tipos de bases nitrogenadas, que constituem o alfabeto com o qual o polímero codifica informações. Em um nucleotídeo de DNA, a base nitrogenada pode ser A, G, C ou T, ou seja, as moléculas adenina, guanina, citosina

ANDREW SWIFT; FONTE, “SYNTHESIS OF ACTIVATED PYRIMIDINE RIBONUCLEOTIDES EM PREBIOTICALLY PLAUSIBLE CONDITIONS”, POR MATTHEW W. POWNER, BÉATRICE GERLAND E JOHN D. SUTHERLAND, EM NATURE, VOL. 459; 14 DE MAIO DE 2009.

mam espontaneamente – que aprisionaram água e essas moléculas autorreplicantes. O material genético codificaria os traços que cada geração passaria à seguinte, da mesma forma que o DNA faz em todas as coisas vivas hoje em dia. Mutações fortuitas, aparecendo ao acaso no processo de replicação, impulsionariam a evolução, permitindo que essas primeiras células se adaptassem ao seu ambiente, competissem umas com as outras e, com o tempo, virassem as diversas formas de vida que conhecemos hoje. A verdadeira natureza dos primeiros organismos e as circunstâncias exatas da origem da vida podem estar perdidas para a ciência para sempre; mas a pesquisa pode ao menos nos ajudar a entender o que é possível. O desafio final é construir um organismo artificial que possa se reproduzir e evoluir. Criar vida nova com certeza nos ajudará a entender como a vida pode começar, qual é a possibilidade de que ela exista em outros mundos e, por fim, o que ela é.


NUCLEOTÍDEOS COM DEFEITO

Os químicos não conseguiram descobrir uma via pela qual as bases nitrogenadas, o fosfato e a ribose (o açúcar componente do RNA) se combinariam de forma natural para gerar quantidades de nucleotídeos de RNA.

Substâncias químicas presentes antes das primeiras células vivas

Açúcar

Fosfato

UMA NOVA VIA

Na presença de fosfato, a matéria-prima para as bases nitrogenadas e a ribose forma, em primeiro lugar, 2-amino-oxazol, molécula que contém parte de um açúcar e parte de uma base nitrogenada C ou U. Reações posteriores geram uma unidade completa base-ribose, e em seguida um nucleotídeo completo. As reações também produzem combinações “erradas” das moléculas originais, mas após uma exposição a raios ultravioleta, apenas as versões “corretas” – os nucleotídeos – sobrevivem.

Base nitrogenada C

x

2-amino-oxazol Arabino-oxazolina

Substâncias químicas presentes antes das primeiras células vivas Fosfato

C

Açúcar Oxigênio Carbono Nitrogênio

LAURENT VILLERET

Fósforo

Fosfato NUCLEOTÍDEO DE RNA

ou timina; no alfabeto RNA, a letra U, de uracil, substitui o T (ver quadro acima). As bases nitrogenadas são compostos nitrogenados que se ligam uns aos outros de acordo com uma regra simples: A se liga com U (ou T) e G se liga com C. Esses pares de base formam os degraus da escada torcida do DNA – a célebre hélice dupla –, e seus pareamentos exclusivos são cruciais para copiar de forma fiel a informação para que uma célula possa se reproduzir. Enquanto isso, o fosfato e as moléculas de açúcar formam o esqueleto de cada fita de DNA ou RNA. As bases nitrogenadas podem surgir de modo espontâneo, em uma série de passos, a partir de cianeto, acetileno e água – moléculas simples que, com certeza, estavam presentes na mistura química inicial. Os açúcares também se formam facilmente a partir de ma-

teriais simples. Faz mais de cem anos que já se sabe que misturas de diversos tipos de moléculas de açúcar podem ser obtidas aquecendo-se uma solução alcalina de formaldeído, que também devia estar disponível no planeta jovem. O problema, no entanto, é como obter o tipo “certo” de açúcar – a ribose, no caso do RNA – para fazer nucleotídeos. A ribose, junto com outros três tipos próximos de açúcar, pode se formar a partir da reação de dois açúcares mais simples que contenham dois e três átomos de carbono, respectivamente. A habilidade da ribose de se formar desse modo não resolve, todavia, o problema de como ela passou a ser abundante na Terra primitiva, porque, na verdade, a ribose é instável e rapidamente se degrada em uma solução ligeiramente alcalina. No passado, essa observação levou muitos

pesquisadores a concluir que as primeiras moléculas genéticas não continham ribose. Mas Alonso Ricardo e outros descobriram modos pelos quais a ribose pode ter se estabilizado. O fosfato que integra os nucleotídeos apresenta outro quebra-cabeça. O fósforo – o elemento central do grupo fosfato – é abundante na crosta da Terra, mas está presente quase exclusivamente em minerais que não se dissolvem facilmente na água, onde se presume que a vida tenha começado. Assim, não é óbvio como os fosfatos teriam entrado na sopa pré-biótica. As altas temperaturas dos gases vulcânicos podem converter os minerais contendo fosfato em formas solúveis de fosfato, mas as quantidades liberadas, pelo menos perto sChreibersita dos vulcões moderMineral que se nos, são pequenas. encontra nos meteoritos metáli- Uma fonte potencial cos. A cor varia completamente difeentre o bronze e o rente de compostos prata claro. Deve seu nome ao cien- de fósforo é a schreit i s t a a u s t r í a c o bersita, um mineral Karl Franz Anton normalmente envon Schreibers contrado em alguns (1775-1852). meteoritos. Em 2005, Matthew Pasek e Dante Lauretta, da Universidade do Arizona, descobriram que a corrosão da schreibersita na água libera fósforo de uma forma mais solúvel do que o fosfato e mais reativa com compostos orgânicos (formados com carbono). teia de reações Uma vez que já temos pelo menos um esboço das vias de produção potenciais das bases nitrogenadas, o próximo passo lógico seria conectar esses componentes da forma certa. Esse passo, no entanto, é o que causou a frustração mais intensa na pesquisa química pré-biótica nas últimas décadas. A mistura simples dos três componentes na água não leva à formação espontânea de um nucleotídeo – principalmente porque cada reação de junção também inclui a liberação de uma molécula de água, que não ocorre de forma espontânea em solução aquosa. Para que as ligações químicas necessárias se formem, SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

47


de açúcar unido a um pedaço de uma base nitrogenada (ver quadro acima). Uma propriedade importante dessa molécula pequena e estável é ser muito volátil. Talvez pequenas quantidades de 2-amino-oxazol tenham se formado junto com outras substâncias químicas em uma poça na Terra primitiva; quando a água evaporou, o 2-amino-oxazol se vaporizou para se condensar em outro lugar em uma forma purificada. Nesse novo lugar ele se acumularia como um reservatório de material, pronto para outras reações químicas que formariam um açúcar e uma base nitrogenada inteira, um ligado ao outro. Outro aspecto importante e satisfatório dessa cadeia de reações é que alguns dos subprodutos dos primeiros estágios facilitam as transformações nos estágios mais avançados do processo. Mas essa via não gera somente os nucleotídeos “certos”; em alguns casos, o açúcar e a base nitrogenada não se juntam da forma correta. No entanto, a exposição à luz ultravioleta – raios solares UV fortes atingiam as águas rasas na Terra primitiva – destrói os nucleotídeos “incorretos” e só poupa os “corretos”. O produto final é uma via bastante limpa para os nucleotídeos C e U. É claro, nós ainda precisamos encontrar uma rota para G e A, e portanto os desafios continuam;

Filamento crescendo

Membrana

48 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

MEMBRANAS LIPÍDICAS se formam sozinhas a partir de moléculas de ácido graxo e moléculas dissolvidas em água. As membranas são inicialmente esféricas; em seguida produzem filamentos que absorvem novos ácidos graxos (micrografia ao lado). Os filamentos se tornam tubos longos e finos e se despedaçam em várias esferas menores. As primeiras protocélulas podem ter se dividido dessa maneira.

Caminho para a vida

Após as reações químicas terem criado as primeiras unidades genéticas e outras moléculas orgânicas, processos geofísicos as levaram a novos ambientes e as concentraram. As substâncias químicas se juntaram em moléculas mais complexas e em seguida em células primitivas, e, mais ou menos 3,7 bilhões de anos atrás, a geofísica pode também ter dado um empurrãozinho para essas “protocélulas” se reproduzirem.

Camadas microscópicas de argila

Nucleotídeos sofrendo polimerização

CRIADOUROS DE RNA

Nas soluções aquosas nas quais se formaram, os nucleotídeos teriam tido uma chance muito pequena de se combinar em grandes cadeias capazes de armazenar informações genéticas; mas, sob as condições certas – por exemplo, se as forças de adesão molecular os reunissem entre camadas microscópicas de argila (acima) –, eles poderiam se ligar em fitas simples similares ao RNA moderno.

mas o trabalho da equipe de Sutherland é um grande passo na direção de uma explicação de como uma molécula complexa como o RNA pode ter se formado na Terra primitiva. um FrasCo Pequeno e quente Uma vez que já temos os nucleotídeos, o passo final na formação da molécula de RNA é a polimerização: o açúcar de um nucleotídeo forma uma ligação química com o fosfato do próximo, de modo que os nucleotídeos se juntam em uma corrente. Mais uma vez, na água, as ligações não se formam espontaneamente, necessitando de energia externa. Adicionando diversas substâncias químicas a uma solução de versões quimicamente reativas dos nucleotídeos, os pesquisadores conseguiram

CORTESIA DE ALONSO RICARDO (RicaRdo); CORTESIA DE JUSSI PUKKONEN (SzoStak); ANDREW SWIFT (iluStRação)

deve-se fornecer energia, por exemplo, adicionando compostos ricos em energia que ajudem na reação. Muitos desses compostos podem ter existido na Terra primitiva. No laboratório, porém, as reações energizadas com essas moléculas, nos melhores casos, não foram eficientes, e, na sua maioria, fracassaram completamente. No primeiro semestre – para grande empolgação no meio científico –, John Sutherland e seus colaboradores da Universidade de Manchester, na Inglaterra, anunciaram ter encontrado um modo mais plausível para a formação dos nucleotídeos que também contornava o problema da instabilidade da ribose. Esses químicos criativos abandonaram a tradição de tentar criar nucleotídeos juntando uma base nitrogenada, açúcar e fosfato. Sua abordagem se baseou nos mesmos materiais simples empregados antes, como derivados de cianeto, acetileno e formaldeído. No entanto, em vez de formar bases nitrogenadas e ribose separadamente e depois tentar juntá-las, a equipe misturou os ingredientes iniciais com o fosfato. Uma teia complexa de reações – com o fosfato agindo como um catalisador crucial em diversos passos pelo caminho – produziu uma molécula pequena chamada 2-amino-oxazol, que pode ser considerada um fragmento


Lado frio do corpo de água

Lado quente do corpo de água 4 A membrana ●

incorpora novas moléculas de lipídeo e cresce Dire ção de co nv

5 A protocélula se ● divide, e as células filhas repetem o ciclo

REPRODUÇÃO ASSISTIDA

w

o çã ec

Após terem se soltado da argila, os polímeros recém-formados podem ter sido envolvidos em sacos preenchidos com água, enquanto os ácidos graxos se arranjavam espontaneamente em membranas. Essas protocélulas provavelmente necessitavam de algum Células empurrão para começar a duplicar o seu material filhas genético e dessa forma se reproduzir. Em um cenário possível (à direita) as protocélulas circulavam entre o lado frio e quente de um corpo de água, que pode ter sido congelado parcialmente em um lado (a Terra primitiva era em sua maior parte fria) e descongelado do outro 1 Os nucleotídeos lado pelo calor de um vulcão. entram e formam a fita complementar No lado frio, fitas simples de RNA 1 agiam como modelos nos quais novos nucleotídeos formavam pares de base (com As se pareando com Us e Cs com Gs), resultando em fitas duplas. Fita dupla 2 No lado quente, o calor iria separar as fitas de RNA duplas. 3 As membranas também iriam se separar lentamente 4 até que as protocélulas se dividissem em protocélulas “filhas” 5, que iniciariam o ciclo novamente.

Moléculas de lipídeos Nucleotídeos

DE “COUPLED GROWTH AND DIVISION OF MODEL PROTOCELL MEMBRANES”, POR TING F. ZHU E JACK W. SZOSTAK, EM JouRNal oF tHE aMERicaN cHEMical SociEtY, VOL. 131, NO 15, 22 DE ABRIL DE 2009

À medida que os ciclos de reprodução prosseguem, a evolução ocorre – produzida

por mutações aleatórias – e em algum ponto as protocélulas adquirem a capacidade de se reproduzir por conta própria, e a vida surge.

pequenas cadeias de RNA, de dois a 40 fundo de corpos de água formados por nucleotídeos de comprimento. No fim da fontes termais. Com certeza, descobrir década de 90, Jim Ferris e seus como os polímeros genéticos colaboradores do Instituto Po- arGilominerais apareceram não resolveria, por Silicatos de alumínio litécnico Rensselaer demonstra- hidratados, classifi- si só, o problema da origem da ram que argilominerais melho- cados como filossili- vida. Para estarem “vivos”, os ram o processo, produzindo ca- catos ou silicatos organismos devem ser capazes em folha. Diâmetro deias de até aproximadamente geralmente < 2 μm. de sobreviver e se multiplicar – 50 nucleotídeos (um gene típico Propriedades quími- um processo que inclui copiar hoje em dia mede de milhares a cas e físicas variáveis as informações genéticas. As e clivagem perfeita. milhões de nucleotídeos). A haenzimas das células modernas, bilidade intrínseca dos minerais que são basicamente proteínas, de ligar os nucleotídeos reúne moléculas realizam essa replicação. reativas, facilitando, assim, a formação de Mas os polímeros genéticos, se ligações entre eles (ver o quadro acima). formados pela sequência correta de A descoberta reforçou a sugestão nucleotídeos, podem se dobrar em forde alguns pesquisadores de que a vida matos complicados e catalisar reações pode ter começado em superfícies mine- químicas, como as enzimas de hoje em rais, talvez em lamas ricas em argila no dia. Assim, parece plausível que o RNA

3 O calor separa as fitas

2 A protocélula ● atinge a “maturidade”

tenha dirigido a sua própria replicação nos organismos primitivos. Essa noção inspirou diversos experimentos, tanto no nosso laboratório quanto no de David Bartel, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos quais fizemos novas ribozimas “evoluir”. Começamos com trilhões de sequências aleatórias. Em seguida, selecionamos aquelas que tinham propriedades catalíticas e fizemos cópias delas. A cada rodada de replicação, algumas das novas linhagens de RNA sofriam mutações que as transformavam em catalisadores mais eficientes, e mais uma vez nós as selecionamos para a próxima rodada de replicação. Com essa evolução direcionada, fomos SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

49


Fita dupla de RNA

Membrana lipídica

Catalisadores de RNA 

Ribozimas – moléculas de RNA análogas às enzimas baseadas em proteínas – surgem e assumem a tarefa de acelerar a reprodução e reforçar a membrana da protocélula. Em consequência, as protocélulas começam a se reproduzir sozinhas.

Energia

Ribozima

O RNA é duplicado

1 ●

A evolução começa 

A primeira protocélula é apenas um saco de água de RNA e precisa de um estímulo externo (como ciclos de calor e frio) para se reproduzir. Mas ela já vai receber novas propriedades.

capazes de produzir ribozimas que podem catalisar a cópia de fitas relativamente pequenas de DNA, embora ainda falte muito para sermos capazes de copiar os polímeros com suas próprias sequências nos RNAs filhos. Recentemente, o princípio da autorreplicação do RNA recebeu um grande apoio de Tracey Lincoln e Gerald Joyce, do Instituto de Pesquisa Scripps, que fizeram duas ribozimas de RNA evoluir; cada uma delas foi capaz de fazer cópia da outra juntando duas cadeias menores de RNA. Infelizmente, o sucesso nas experiências necessitava da presença de pedaços preexistentes de RNA que eram grandes e complexos demais para ter se acumulado de forma espontânea. Ainda assim, os resultados sugerem que o RNA tenha o poder catalítico bruto para catalisar sua própria replicação. Será que há uma alternativa mais simples? Nós, junto com outros pesquisadores, estamos agora explorando meios químicos de copiar moléculas genéticas sem a ajuda dos catalisadores. Em experimentos recentes, começamos com fitas simples, “molde”, de DNA (usamos DNA porque ele é mais barato e mais fácil de manusear, mas poderíamos ter utilizado RNA também). Misturamos os moldes em uma solução 50 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Nova fita Ribozima

contendo nucleotídeos isolados para ver se os nucleotídeos se ligariam ao molde por pareamento complementar de bases (A se juntando a T e C a G) e então se polimerizariam, formando assim uma fita dupla inteira. Isso seria o primeiro passo para a replicação total: uma vez que uma fita dupla tenha se formado, a separação das fitas permitiria que o complemento servisse como molde para copiar a fita original. Com o DNA ou o RNA normais, o processo é muito lento; mas pequenas mudanças na estrutura química do açúcar – trocando um par oxigênio-hidrogênio por um grupo amina (feito de nitrogênio e hidrogênio) – tornaram a polimerização centenas de vezes mais rápida, de modo que as fitas complementares se formaram em horas, em vez de semanas. O novo polímero se comportou de forma bastante parecida com o RNA clássico, embora tenha havido ligações nitrogênio-fósforo, em vez das ligações normais oxigênio-fósforo. questões de liGaçÃo Se partimos do pressuposto, de que as lacunas no nosso conhecimento da química da origem da vida um dia serão preenchidas, começaremos a considerar como é que as moléculas podem ter interagido para se juntarem nas primeiras estruturas parecidas com células, ou “protocélulas”.

3 ●

O metabolismo começa 

Outras ribozimas catalisam o metabolismo – cadeias de reações químicas que permitem que as protocélulas recebam os nutrientes do ambiente.

As membranas que recobrem todas as células modernas consistem principalmente em uma bicamada lipídica: uma camada dupla de moléculas lipídicas como fosfolipídeos e colesterol. As membranas mantêm os componentes de uma célula fisicamente juntos e formam uma barreira para a passagem incontrolada de grandes moléculas. Proteínas sofisticadas imersas na membrana funcionam como guardiãs e bombeiam moléculas para dentro e para fora da célula, enquanto outras proteínas ajudam na construção e no conserto da membrana. Como uma protocélula rudimentar, sem o maquinário proteico, poderia realizar essas tarefas? As membranas primitivas provavelmente eram feitas de moléculas mais simples, como ácidos graxos (um componente dos fosfolipídeos mais complexos). Estudos do fim da década de 70 mostraram que as membranas poderiam, de fato, se juntar de forma espontânea a partir dos ácidos graxos simples, mas o sentimento geral era de que as membranas ainda seriam uma barreira formidável para a entrada de nucleotídeos e outros nutrientes complexos na célula. Essa noção sugere que o metabolismo celular tinha de se desenvolver antes, para que as células pudessem, elas mesmas, sintetizar os

ANDREW SWIFT

2 ●

s riente Nut

Após a vida ter começado, a competição entre as formas de vida acelerou a marcha para haver cada vez organismos mais complexos. Talvez nunca saibamos os detalhes exatos da evolução inicial, mas aqui há uma sequência plausível de alguns dos eventos principais que levaram da primeira protocélula para as células baseadas em DNA, como as bactérias.

Excre tas

Jornada à célula moderna


Ribozimas Proteínas dobradas

5 ●

AS PROTEÍNAS TOMAM CONTA 

As proteínas assumem uma grande quantidade de tarefas dentro da célula. Catalisadores baseados em proteínas ou enzimas gradualmente substituem a maior parte das ribozimas.

Energia

Excre tas

Cadeia de aminoácidos

DNA Ribossomo Enzimas Proteína dobrada

4 APARECEM AS PROTEÍNAS 

Enzima Proteína de membrana

nucleotídeos. O trabalho no nosso laboratório demonstrou, porém, que moléculas grandes como os nucleotídeos podem, na verdade, escorregar através das membranas facilmente, desde que tanto os nucleotídeos quanto as membranas sejam versões mais simples, “primitivas”, dos seus equivalentes modernos. Essa descoberta nos permitiu realizar um experimento simples, modelando a habilidade de uma protocélula para copiar as suas informações genéticas utilizando nutrientes presentes no ambiente. Preparamos vesículas feitas com ácidos graxos contendo um pequeno pedaço de uma fita simples de DNA. Assim como antes, o DNA deveria servir como molde para uma nova fita. Em seguida, expusemos essas vesículas a versões quimicamente reativas desses nucleotídeos. Os nucleotídeos cruzaram a membrana de forma espontânea e, uma vez dentro da protocélula molde, se alinharam com a fita de DNA e reagiram um com o outro para gerar uma fita complementar. O experimento favorece a ideia de que as primeiras protocélulas continham RNA (ou alguma coisa similar a ele) e pouca coisa além disso, e replicavam o seu material genético sem enzimas.

tes trien Nu

Os sistemas complexos de RNA catalisadores começam a traduzir sequências de letras de RNA (genes) em cadeias de aminoácidos (proteínas). As proteínas, mais tarde, provaram ser catalisadores mais eficientes e serem capazes de realizar uma variedade de tarefas.

6 ●

O NASCIMENTO DO DNA 

7 O MUNDO DAS BACTÉRIAS 

Outras enzimas começam a fazer DNA. Graças à sua estabilidade superior, o DNA assume o papel de molécula genética primária. O papel principal do RNA agora é agir como uma ponte entre o DNA e as proteínas.

que haJa diVisÃo Para que as protocélulas começassem a se reproduzir, teriam de ser capazes de crescer, duplicar o seu conteúdo genético e se dividir em células “filhas” equivalentes. Os experimentos demonstraram que essas vesículas primitivas podem crescer, pelo menos, de duas formas distintas. No seu trabalho pioneiro da década de 90, Pier Luigi Luisi e seus colaboradores do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, de Zurique, adicionaram ácidos graxos frescos à água ao redor dessas vesículas. Em resposta, as membranas incorporaram os ácidos graxos e aumentaram a área da sua superfície. À medida que a água e as substâncias dissolvidas entravam no seu interior, o volume da célula também aumentava. Uma segunda abordagem, explorada no nosso laboratório pela então estudante de pós-graduação Irene Chen, relacionava-se com a competição entre as protocélulas. As protocélulas moldes, cheias de RNA ou materiais similares, incharam – um efeito osmótico resultante da tentativa da água de entrar nas células para igualar a sua concentração no interior e no exterior. As membranas dessas vesículas inchadas foram submetidas à tensão que provocou crescimento, porque a adição de novas moléculas relaxa a tensão na membrana, dimi-

Organismos parecidos com as bactérias atuais se adaptam a viver virtualmente em todos os ambientes da Terra e reinam, sem opositores, por bilhões de anos, até que algumas delas começam a evoluir para organismos mais complexos.

nuindo a energia do sistema. Na verdade, as vesículas inchadas cresceram ao sequestrar ácidos graxos das vesículas relaxadas vizinhas, que encolheram. No ano passado, Ting Zhu, estudante de pós-graduação do nosso laboratório, observou o crescimento das protocélulas moldes após alimentá-las com ácidos graxos frescos. Para nossa surpresa, as vesículas, inicialmente esféricas, não cresceram, simplesmente ficando maiores. Em vez disso, primeiro produziram um filamento fino. Por mais ou menos meia hora, esse filamento saliente ficou maior e mais grosso, pouco a pouco transformando a vesícula inicial inteira em um tubo fino e longo. Essa estrutura era bastante delicada, e uma leve agitação (que pode ocorrer quando um vento qualquer gera ondas em um corpo d’água) a fazia se despedaçar em diversas protocélulas filhas esféricas menores, que em seguida cresciam e repetiam o ciclo (ver micrográfico na pág. 49). Se as unidades certas forem fornecidas, então, a formação das protocélulas não parece tão difícil; as membranas se formam sozinhas, os polímeros genéticos se formam sozinhos, e os dois componentes podem ser reunidos em várias formas – por exemplo, quando as membranas se formam ao redor de polímeros preexistentes. Esses SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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JOHN SUTHERLAND, da Universidade de Manchester, na Inglaterra, e seus colaboradores resolveram em maio um problema antigo da química pré-biótica, demonstrando que os nucleotídeos podem se formar de reações químicas espontâneas. Na foto, John (o segundo da esquerda para a direita) e membros do seu laboratório.

sacos de água e RNA também crescem, absorvem novas moléculas, competem por nutrientes e se dividem. Para se tornarem vivos, no entanto, eles também teriam de se reproduzir e evoluir. Em particular, precisariam separar as fitas duplas de RNA para que cada fita particular possa agir como um modelo para uma nova fita dupla que pode ser herdada por uma célula filha. Esse processo não teria se iniciado sozinho, mas poderia começar com uma pequena ajuda. Imaginem, por exemplo, uma região vulcânica na superfície fria da Terra primitiva (nessa época, o Sol brilhava com apenas 70% da sua força atual). Poderia haver corpos de água fria, talvez parcialmente cobertos por gelo, mas mantidos líquidos por rochas quentes. As diferenças de temperatura teriam resultado em correntes de convecção, de modo que as protocélulas na água de vez em quando ficariam expostas a ondas súbitas de calor ao passar perto das rochas quentes, mas se resfriariam quase instantaneamente de novo à medida que a água aquecida se misturava com massa da água fria. O aquecimento súbito faria com que uma hélice dupla se separasse em fitas simples. Uma vez que elas retornassem para a região fria, novas fitas duplas – cópias 52 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

da original – poderiam se formar, já que as fitas simples funcionariam como moldes (ver quadro na pág. 49). Assim que o ambiente atiçou as protocélulas a se reproduzirem, a evolução entraria em cena. Em particular, em algum ponto, alguma parte da sequência do RNA sofreria mutações, virando ribozimas que aumentariam a velocidade da replicação do RNA – resultando, assim, em uma vantagem competitiva. Mais tarde, as ribozimas começaram a copiar o RNA sem ajuda externa. É relativamente fácil imaginar como as protocélulas baseadas em RNA possam ter evoluído (ver quadro, págs. 6061). O metabolismo pode ter surgido gradualmente, à medida que as novas ribozimas permitiam que as células sintetizassem nutrientes internamente, a partir de materiais iniciais mais simples e mais abundantes. Em seguida, os organismos podem ter adicionado a fabricação de proteína ao seu pacote de truques químicos. Com versatilidade impressionante, as proteínas teriam suplantado o RNA na função de replicar o material genético e no metabolismo. Mais tarde, os organismos teriam “aprendido” a fazer DNA, ganhando a vantagem de possuir um carregador mais robus-

to de informações genéticas. Nesse ponto, o mundo do RNA se tornou o mundo do DNA, e a vida, como a conhecemos, começou. n OS AuTORES alonso ricardo, nascido em Cali, Colômbia, é pesquisador associado no Instituto Médico Howard Hughes, na Harvard university. Ele há muito tempo se interessa pela origem da vida e está estudando no momento sistemas químicos autorreplicantes. Jack W. szostak é professor de genética na Escola de Medicina de Harvard e no Hospital Geral de Massachusetts. Seu interesse na construção em laboratório das estruturas moleculares como um meio de testar a nossa compreensão de como a biologia funciona vem desde seus trabalhos sobre cromossomos artificiais, publicados em 1987.

PARA CONHECER MAIS synthesizing life. Jack Szostak, David P. Bartel e P. Luigi Luisi, em Nature, vol. 409, págs. 387-390; janeiro de 2001. Genesis: the scientific quest for life’s origins. Robert M. Hazen. Joseph Henry, 2005. the rna world. Editado por Raymond F. Gesteland, Thomas R. Cech e John F. Atkins. Cold Spring Harbor Laboratory Press, 2006. uma origem mais simples da vida. Robert Shapiro, em Scientific AmericAn BrASil, no 62, julho de 2007. uma molécula capaz de gerar vida artificial. Peter Nielsen, em Scientific AmericAn BrASil, no 80, janeiro de 2009. Exploring life’s origins. Projeto multimídia no Museu da Ciência. http://exploringorigins.org


pRoFESS R

pARA o Matemática Física Geografia Biologia Química

RoTEIRoS ELABoRAdoS poR pRoFESSoRES ESpECIALISTAS CoM SugESTõES dE ATIvIdAdES pARA SALA dE AuLA

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

53


pARA o pRoFESSoR MATEMáTICA

O infinito e o universo dos algoritmos propostas pedagógicas coNteXtualiZaÇÃo

o

texto escrito por Gilles Dowek ilustra o mundo dos algoritmos desde seu surgimento até os dias de hoje. Nossos alunos estão habituados a realizar operações e decodificar algoritmos ao longo da vida escolar , muitas vezes sem se dar conta de sua grandeza e importância. Também é comum restringir esse conceito ao universo dos números naturais e suas operações.

Assim, é importante iniciar um debate sobre as ideias do texto, o que pode ser facilitado com algumas perguntas como: o que os alunos entendem por algoritmo? Em que situações eles são aplicados? O que seria do nosso mundo sem os algoritmos? Além disso, nesse diálogo inicial convém salientar que, como diz o artigo, dentre os mais diferentes ramos de apli-

cação dos algoritmos, os de maior destaque são a informática e a robótica. Como nossos alunos interagem com o mundo virtual? O que procuram nesse universo de informação? Que tipos de tecnologias eles conhecem e utilizam com facilidade? Conhecem jogos virtuais e games?

propostas de atividades Quando falamos de tecnologia, não podemos deixar de citar uma das ferramentas matemáticas básicas para desenvolvê-la: as matrizes. Elas são estudadas no ensino médio, mas a maioria dos alunos se questiona sobre sua utilidade e “o porquê de tantos cálculos”. Vale lembrar, como argumento, que as matrizes são as grandes responsáveis por todos os gráficos 3-D dos jogos atuais e graças a elas foi possível construir o universo virtual que conhecemos hoje. O algoritmo da multiplicação de matrizes é utilizado na criptografia de dados. Verifique inicialmente o que os estudantes conhecem sobre esse assun-

to e realce a necessidade cada vez maior da proteção de informações que trafegam através de sistemas inseguros de comunicação, como a internet. Criptografia Explique que essa é a área que estuda os métodos para codificar uma mensagem de modo que apenas seu destinatário consiga decodificá-la. O problema a seguir vai ajudar os alunos a terem uma ideia de como funciona, ao mesmo tempo que oferece um desafio lúdico para eles. (PUC-PR, adaptado) Um batalhão do exército resolveu codificar suas mensagens por meio da multiplicação

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM n Competência de área 5 H21 – Resolver situação-problema cuja modelagem envolva conhecimentos algébricos. H22 – Utilizar conhecimentos algébricos/geométricos como recurso para a construção de argumentação. n Competência de área 6 H24 – Utilizar informações expressas em gráficos ou tabelas para fazer inferências. H25 – Resolver problema com dados apresentados em tabelas ou gráficos. H26 – Analisar informações expressas em gráficos ou tabelas como recurso para a construção de argumentos. 54 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

de matrizes. Para tanto, os responsáveis pela comunicação associaram letras do alfabeto a números segundo a tabela de correspondência indicada no topo da página ao lado. Assim, supondo-se que a mensagem a ser enviada seja “PAZ”, pode-se tomar uma matriz 2 x 2, da forma: P Z

A –

a qual, conforme a tabela citada, é dada por: M= 15 1 25 0

Vamos considerar, então, que a matriz-chave para o código seja: C= 2 3 12

isto é, a multiplicação das matrizes M e C constitui a mensagem PAZ a ser transmitida. Assim, temos: M. C=

15 1 25 0

.

2 3 1 2

=

31 47 50 75

Essa matriz pode ser indicada apenas pela cadeia de números 31 47 50 75, que o receptor decodificará usando o algoritmo da multiplicação das matrizes (ver expressão A, quadro ao lado, embaixo).


Tabela de correspondência a

b

c

d

e

F

g

h

i

j

l

m

N

o

p

q

r

s

t

u

v

w

X

y

Z

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

23

24

25

Após essa explicação, aproveite a oportunidade para orientar os alunos a aplicarem os conhecimentos adquiridos. Uma forma bem animada de fazer isso é dividir a classe em grupos e propor alguns desafios, como o exposto a seguir.

(x, y), dos pontos que compõem a figura a seguir, em coordenadas (x’, y’), por meio da operação matricial indicada ao lado da figura. Com essa transformação, pede-se a figura que se obtém no plano (x’, y’). y

Utilizando a mesma matriz-chave C, decodifique a mensagem 51 81 9 14. Espera-se que a turma chegue ao resultado da expressão B, no quadro abaixo. Estas e outras mensagens podem ser propostas, bem como a variação da matriz-chave. Os mesmos grupos formados para a decifração das mensagens previamente preparadas podem, então, travar disputas entre si, criando novas mensagens codificadas com matrizes-chaves diferentes. Transformações lineares Elas representam um papel importante na computação gráfica, pois são usadas para transformar coordenadas de um sistema qualquer em outro. Elas ainda permitem entender as matrizes de maneira gráfica.

B A

D

1 0 6 –1 . x

x’ = y’

E x

x y

As coordenadas dos vértices da figura são A = (2,2); B = (2,4); C = (4,4); D = (4,2) e E = (6,2). Aplicando os pontos ao algoritmo indicado, temos: x’ y’

=

1 0 6 –1 2

.

2 2

=

2 4

Para B:

x’ y’

=

1 0 6 –1 2

.

2 4

=

2 4

A proposta a seguir refere-se a um problema que apresenta o algoritmo da multiplicação de matrizes nos jogos virtuais e na robotização de máquinas.

Para C:

x’ y’

=

1 0 6 –1 4

.

4 4

=

4 2

(UFSCAR, adaptado) Considere a transformação de coordenadas cartesianas

Para D:

x’ y’

=

1 0 6 –1 4

.

4 2

=

4 4

Decodificação pelo receptor x y w z

(b) x y w z

.

2 3

=

.

2 3

=

1 2

1 2

31 47 50 75

51 81 9

14

2x + 1y = 31 3x + 2y = 47 2w + 1z = 50 3w + 2z = 75

x y

.

15 1

2x + 1y = 31 3x + 2y = 47 2w + 1z = 50 3w + 2z = 75

x y

.

21 9

w z

w z

x’ y’

=

1 0 6 –1 6

.

6 4

=

6 2

Assim, obtemos os novos pontos: A’ = (2,4), B’ = (2,2), C’ = (4,2), D’ = (4,4) e E’ = (6,4) e a nova figura: y

C

Para A:

(a)

Para E:

25 0

4

1

= P A Z –

=

V I

D A

= PAZ

= VIDA

A’ B’

D’ E’ C’ x

Assim, na transformação, o desenho original sofreu uma rotação de 180° em torno de seu próprio eixo

Este e outros desenhos podem ser propostos, bem como a variação da matriz algoritmo. Utilize softwares educacionais, como o GeoGebra, para contextualizar as transformações lineares. O uso de tais programas possibilita maior visuallização dessas transformações (ver sugestão de sites).

sugestÃo de sites http://portaldoprofessor.mec.gov.br/ fichaTecnicaAula.html?aula=43137 Isometrias – Animação Com Geogebra. Identificar os quatro tipos básicos de isometrias no plano: translação, reflexão, rotação e reflexão deslizante; conhecer o conceito de isometria; associar a ideia de simetria com o conceito de isometria. www.youtube.com/ watch?v=gAEoG9BZqGo – Este tutorial ensina a operar com matrizes para realizar algumas transformações lineares utilizando o software Geogebra. www.youtube.com/ watch?v=t8qO4RbEnGI – Aplicação de matrizes para realizar transformações lineares.

Roteiro elaborado por Juliano Squarsone di Siervo, professor especialista em matemática (MAT 100 – unicamp). SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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pARA o pRoFESSoR FÍSICA

Galileu e a natureza dos tupinambás propostas pedagógicas coNteXtualiZaÇÃo As marés ao longo da história

A

relação entre as marés e a posição da Lua é notada por vários povos (entre os quais os tupinambás), mesmo em estágio civilizatório pré-histórico (sem escrita), em diversas regiões da Terra e em distintos momentos da história. Seleuco, o Babilônico, que já no século 4o a.C. acreditava que a Terra girava em torno de um eixo próprio, observou que o período das marés acompanhava com um pequeno atraso o período entre as lunações. Também temos conhecimento de que um dos naturalistas mais importantes da Antiguidade, Plínio, o Velho (23-79 d.C.), afirmava ser a Lua, principalmente, mas também o Sol os causadores das marés, atribuindo os diferentes aspectos do fenômeno às diferentes posições relativas do Sol e da Lua no céu. De maneira geral, basta que um povo viva próximo ao mar e dele dependa para que se debruce sobre as questões relativas às marés e as associe aos movimentos (aparentes) da Lua e do Sol, como fizeram os exploradores portugueses dos séculos 15 e 16. Para eles, era essencial o conhecimento das marés nos oceanos Atlântico

e Índico, cujas variações chegavam facilmente a 3 ou 4 metros. Navegar próximo à costa exigia a capacidade de previsão das alturas das águas e, assim, eles desenvolveram métodos práticos de estimativa do nível das águas para qualquer parte do mundo a que chegaram. Sobretudo, os instantes de maré alta e maré baixa, que são os mais importantes para navegação. Obviamente, por sua importância nas batalhas marítimas, esse tipo de conhecimento era restrito a poucos e pouco divulgado. Amplitude das marés O movimento alternado e periódico das marés ocorre de modo diferenciado em cada ponto do planeta. Notadamente, há uma previsível variação da amplitude das marés com a latitude geográfica, com diferença entre os níveis de água na maré cheia e na maré baixa de poucos centímetros até cerca de 27 metros. No Brasil são famosas as marés de São Luís do Maranhão, com cerca de 10 metros de desnível. Na maior parte dos locais, entretanto, as marés apresentam desníveis próximos de 1 metro. Como regra geral, as marés são mais intensas nas proximidades do equador, e diminuem de intensidade conforme au-

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM limites de distribuição em diferentes ambientes, n Competência de área 5 Ciências da Natureza e suas Tecnologias H17 – Relacionar informações apresentadas em em especial em ambientes brasileiros. n Competência de área 1 H3 – Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas.

diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica.

n Competência de área 4 H15 – Interpretar modelos e experimentos para explicar fenômenos ou processos biológicos em qualquer nível de organização dos sistemas biológicos.

n Competência de área 6 H20 – Caracterizar causas ou efeitos dos movimentos de partículas, substâncias, objetos ou corpos celestes.

H16 – Compreender o papel da evolução na produção de padrões, processos biológicos ou na organização taxonômica dos seres vivos.

n Competência de área 8 H28 – Associar características adaptativas dos organismos com seu modo de vida ou com seus

56 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Ciências Humanas e suas Tecnologias n Competência de área 6 H 26 – Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H 27 – Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e(ou) geográficos. H 28 – Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.


menta a latitude. Mas há exceções, como em certas localidades do Canadá, em que o desnível entre a maré baixa e a maré alta ultrapassa 20 metros. Região intermarina Também chamada zona intermarés (fig. 1), a região intermarina é a área entre as marés baixa e alta no dia em que a maré é de sizígia (máxima diferença entre a baixa-mar e a preamar).

A ação da Lua

(apontando para o centro da Terra) se equilibram mutuamente.

Na fig. 2, a espessura da massa líquida de água está bastante exagerada. A atração que a Lua exerce na massa de água é diferenciada em cada ponto dos oceanos em função das diferentes distâncias que os separam da Lua, conforme a lei da gravitação universal.

A ação do Sol Essa atração diferencial da Lua agindo na massa fluida de água dos oceanos é a principal causa das marés. Principal, mas não única, pois o Sol também tem um papel importante, análogo ao da Lua, mas com menor intensidade, uma vez que sua distância à Terra é muito grande e a ação diferencial de sua força gravitacional é menos acentuada.

Figura 2

Marés

Figura 1 Inclinação suave

Maré alta

Assim, as marés dependem, basicamente, da configuração espacial da Terra, do Sol e da Lua.

Maré baixa região intermarina

Inclinação acentuada região intermarina

Maré alta Maré baixa

Ela depende da amplitude da maré e da inclinação da praia, mangue ou costão rochoso e constitui a interface dinâmica entre os meios aquático e terrestre, sendo particularmente interessante para o estudo de aspectos ecológicos. Os seres que ali habitam têm de suportar, ao menos parcialmente, a vida na água salgada e em terra, sujeitos a variações de hidratação, salinidade, temperatura e insolação direta significativas. Como estão submetidos, além de ao movimento das marés, às frequentes ondas, tiveram de desenvolver estratégias de fixação ao solo, de resistência e de resiliência. Cracas, tatuís, anêmonas, ouriços-do-mar, estrelas-do-mar, corruptos, siris, e caranguejos, e pepinos-do-mar são alguns dos animais que dependem da zona intermarés para viver ou para se reproduzir. E isso para não falar em outros animais mais complexos, como aves, mamíferos e répteis que habitam áreas de costões rochosos e praias.

O diagrama abaixo apresenta um resumo das principais configurações Terra-Sol-Lua e suas implicações para as marés.

As porções de água mais próximas da Lua são atraídas mais fortemente (F1) enquanto as mais distantes são atraídas mais fracamente (F4).

Além da configuração espacial Terra-Sol-Lua, outros fatores contribuem para as diferenças entre os desníveis observados em diferentes locais, tais como o relevo submarino e da orla litorânea dos continentes e a distribuição da massa da Terra próxima à sua superfície.

As porções intermediárias são atraídas, também, com forças de intensidades intermediárias (F3), cujas componentes perpendiculares ao eixo Terra-Lua

minguante

Maré de água-viva (sizígia)

Terra

Maior amplitude

Aspecto no céu Lua cheia

crescente

Maré deágua-morta (quadratura)) Menor amplitude

Aspecto no céu Quarto minguante

Lua

Aspecto no céu Lua nova Maré deágua-morta (quadratura)) Menor amplitude

Aspecto no céu Quarto crescente

minguante

Lua

Terra crescente

Maré de água-viva (sizígia) Maior amplitude

Lua

minguante

Terra crescente minguante

Terra Lua

crescente

Figura 3 Quando Sol e Lua estão aproximadamente, alinhados com a Terra o efeito diferencial da atração gravitacional de ambos sobre as águas será maior, e as marés, mais acentuadas: maré de sizígia, ou maré de água-viva. A Lua, neste caso, está em sua fase nova ou cheia. Quando Sol e Lua estão aproximadamente a 90º (observados aqui da Terra), o efeito diferencial da atração gravitacional de ambos sobre as águas será menor, e as marés, menos acentuadas: maré de água-morta, ou maré de quadratura. A Lua, neste caso, encontra-se em sua fase quarto crescente ou quarto minguante.

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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pARA o pRoFESSoR

propostas de atividades O texto do professor Germano Afonso é de uma riqueza tal que admite vários níveis de leitura e abordagens diversas sob diferentes aspectos. Selecionamos as quatro abordagens sucintamente explicitadas abaixo para serem discutidas em sala de aula. Discussão epistemológica De um pensador genial como Galileu, é de surpreender sua “teimosia” e seu esforço intelectual para argumentar contra fatos observados e a favor de uma teoria complicada e facilmente contestável. O processo de elaboração da ciência pode ser abordado do ponto de vista expresso por Thomas S. Kuhn em A estrutura das revoluções científicas, obra em que explicita o conceito de paradigma. Grosso modo, paradigma, em ciência, é um modelo a ser seguido, uma linha de pensamento, um conjunto de hipóteses e teorias razoavelmente coerentes entre si e aceitas majoritariamente por uma comunidade científica durante certo período. Galileu e outros pensadores de sua época foram os fundadores da ciência moderna, tal como a conhecemos hoje. Eles empreenderam enormes esforços intelectuais e muitos anos de trabalhos árduos e inglórios para mudar os paradigmas anteriores do que, na época, era chamada de “filosofia natural”, eivada de “forças misteriosas” que podiam agir a distância, sem interação direta entre os objetos envolvidos nos fenômenos. Supor a existência de forças “ocultas”, que podiam agir a distâncias enormes como as que separam a Lua e o Sol da Terra era, para Galileu, um retrocesso inadmissível. Ele não queria retornar a nenhum paradigma anterior e agarrou-se como pôde, ainda que sob o risco de cometer (e cometendo) um erro grosseiro para alguém com sua capacidade intelectual, aos novos paradigmas recém-criados por ele e por seus pares. 58 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Não é sem motivo que a teoria da gravitação universal − apresentada por Isaac Newton somente 44 anos após a morte de Galileu –, foi ferreamente contestada e demorou décadas para ser absorvida e aceita fora da Inglaterra, na Europa continental (graças a esforços pessoais isolados, como os de Voltaire e Maupertuis). Os pensadores da França e de onde hoje são a Alemanha e a Itália – locais proeminentes na produção intelectual dos séculos 16 ao 18 – também não aceitaram sem muita luta o retorno da “força a distância” ao palco principal da ciência da época. Discussão antropológica O exemplo documentado de conhecimentos práticos válidos – isto é, verificáveis segundo os padrões da ciência atual, mediante a confrontação com experimentações ou observações – pelos tupinambás é uma rica fonte de elucubrações motivadoras. Como povos em estágios de desenvolvimento pré-históricos, ainda sem língua escrita, e com descrições míticas do mundo puderam obter conhecimentos válidos não tão evidentes, como a correlação entre as marés e a posição da Lua no céu? Note-se que os tupinambás referidos nos documentos citados pelo professor Germano Afonso habitavam, sob diferentes denominações locais, praticamente toda a orla litorânea do que é hoje o território brasileiro Eram, portanto, povos que viviam próximo ao mar e dele se utilizavam para a pesca, coleta – de ostras, mariscos, caranguejos, siris, e outros “aperitivos” com os quais não estamos acostumados, como ouriços-do-mar e corruptos – e transporte em embarcações a remo. Assim, o conhecimento das marés, seus ciclos e variações era vital. Discussão biológica A região intermarina é determinante para a procriação de muitas espécies marítimas, terrestres, aéreas e anfíbias.

É interessante considerar que as relativamente estreitas zonas intermarés de hoje podem ter sido, no passado remoto da Terra, dezenas, centenas ou mesmo milhares de vezes maiores. No passado remoto, a Lua encontrava-se muito mais próxima da Terra e seu período de revolução era bem menor que o atual (cerca de 28 dias); pode ter sido menor do que 24 horas. A proximidade da Lua certamente produzia marés muito maiores que as atuais, com variações prováveis de centenas de metros, muito maiores, portanto, que as temidas tsunamis. Se marés como essas ainda ocorressem, a maioria das cidades atuais não poderia existir. O curto período de revolução implicava também intervalos menores entre as marés de quadratura e de sizígia, sobrepondo-se aos ciclos devidos à rotação da Terra. A vida nessas “superzonas” intermarés deve ter sido muito mais resistente a variações que a de nossa era. Tanto a biologia marinha atual quanto as especulações acerca da biologia arcaica, das épocas em que as marés devem ter sido gigantescas, são temas que podem ser abordados de maneira profícua em sala de aula. Discussão física As marés constituem um “prato cheio” para umas duas ou três aulas. As forças de marés não dependem apenas da intensidade das forças em questão, mas também da aplicação diferencial de forças distintas num mesmo corpo, rígido ou fluido. Em massas de rigidez ideal, forças de maré não produzem deformações. Em massas fluidas, as deformações são inevitáveis. É interessante ter em mente as grandezas das principais forças gravitacionais que agem numa massa próxima à superfície da Terra: a atração gravitacional da Terra (peso), a atração da Lua e a do Sol. Os dados da tabela a seguir serão de utilidade para o cálculo dessas forças e o das forças de mar.


Figura 5 Lua

Sol

0

1

389,1728776

Distância (m)

0

dL = 3,844 x 108

dS = 1,496 x 1011

Massa

1

1 / 81,3

333 000

Massa (kg)

MT = 5,9722 × 1024

ML = 7,345879 × 1022

MS = 1,9891 × 1030

Raio (m)

RT =6,371 x 106

RL =1,737 x 106

RS = 6,96 x 108

De início, calcule com os alunos as forças gravitacionais exercidas pelos três astros sobre um corpo hipotético, de massa m, situado na superfície da Terra. A proposta é compará-las entre si e, depois, com as forças de maré. As forças gravitacionais que cada um dos astros exerce sobre esse corpo são dadas por (sempre no SI e com eventuais arredondamentos):

R1

Terra Distância

Terra Lua dl – rT rT dl

Terra é F1 e sobre a massa na superfície é F2. A força de maré é F2 – F1:

Expandindo a expressão, obtém-se:

envolvidos é muito maior que o tamanho de um deles. Em seguida, passe ao cálculo da relação entre as duas forças de maré, da Lua e do Sol. Utilizando as proporcionalidades obtidas e substituindo os valores indicados na tabela, obtém-se: 2,1743  2,2

Após comparar as intensidades das três forças gravitacionais, questione a classe: se a atração lunar é a menor de todas (180 vezes menor que a do Sol), como pode ser a principal responsável pelas forças de maré? O artigo oferece uma explicação sucinta, que pode ser detalhada para a classe, assinalando, de início, que a força de maré é a resultante de uma diferença entre forças aplicadas em diferentes pontos de um mesmo corpo. Considere duas pequenas porções de massa m, situadas uma no centro da Terra e outra na superfície, exatamente sobre a linha entre o centro da Terra e o centro da Lua (fig. 5). A força gravitacional atrativa exercida pela Lua sobre a massa no centro da

No caso da Lua e também do Sol, a distância à Terra é muito maior que o raio terrestre. Assim, no numerador, entre parêntesis, pode-se desprezar RT. Se os alunos tiverem dúvida quanto a isso, recomende que façam as contas. No denominador, da mesma maneira, podemos desprezar dentro dos parêntesis os dois termos finais, resultando:

Ou seja, a força de maré exercida pela Lua é inversamente proporcional ao cubo da distância do centro da Lua ao centro da Terra. O mesmo raciocínio usado para a Lua vale para o Sol.

Comente que esses resultados só valem quando a distância que separa os corpos

Assim, mesmo tendo massa muito menor que a do Sol, a Lua está tão mais próxima que seus efeitos são predominantes. Um efeito curioso para relatar aos alunos é que as forças de maré podem ser tão intensas a ponto de romper as forças eletrostáticas que mantêm os corpos íntegros. Se a Lua se aproximasse da Terra (empurrada, por exemplo, por um choque eventual com um meteoroide gigante), as forças de maré sobre ela poderiam provocar sua desintegração. A distância em que isso ocorre é chamada limite de Roche e, para a Lua, é algo em torno de 2 raios terrestres. Ou seja, a Lua teria de estar a cerca de 6 mil km de distância da superfície da Terra. sugestÕes de sites Simuladores de marés http://Galileu.tabuademares.com/mares http://astro.unl.edu/classaction/animations/lunarcycles/tidesim.html http://sunshine.chpc.utah.edu/labs/tides/menu_tide.swf

Roteiro sugerido por Renato da Silva oliveira, físico, coordenador do planetário Móvel Asterdomus, São paulo, (Sp).. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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pARA o pRoFESSoR gEogRAFIA

É possível alimentar o mundo sem destruir o planeta? propostas pedagógicas coNteXtualiZaÇÃo

A

fome é um sério problema, de origem complexa, que afeta grande parte da humanidade em diferentes regiões do planeta, e há muito tempo desperta o interesse de diversos pesquisadores. Thomas Robert Malthus, economista e demógrafo britânico, desde o século 18 apontou, em seu famoso livro Um ensaio sobre o princípio da população, a possível falta de alimentos, considerando o intenso ritmo do crescimento da população mundial. A discussão permanece atual; relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que uma a cada oito pessoas passa fome no mundo de hoje, e alguns estudos apontam que o crescimento da população para as próximas três décadas, estimando

entre 2 bilhões e 3 bilhões de habitantes, aumentará vertiginosamente a demanda por alimentos. As tecnologias desenvolvidas no âmbito da Revolução Verde, a partir da segunda metade do século 20, e da posterior Revolução Biotecnológica certamente impulsionaram a capacidade humana de produção de alimentos. A evolução constante dos produtos químicos, maquinários e técnicas de irrigação empregadas nas lavouras, associada aos avanços dos transgênicos e da zootecnia, demonstrou que o homem desenvolveu condições tecnológicas que realmente podem garantir o suprimento de suas necessidades. Mesmo assim, a questão da fome ainda

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Ciências Humanas e suas Tecnologias n Competência de área 4 H17 – Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção.

H29 – Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.

H30 – Avaliar as relações entre preservação H19 – Reconhecer as transformações técnicas e e degradação da vida no planeta nas difetecnológicas que determinam as várias formas rentes escalas. de uso e apropriação dos espaços rural e urbano. Ciências da Natureza e suas Tecnologias H20 – Selecionar argumentos favoráveis ou n Competência de área 3 contrários às modificações impostas pelas novas H10 – Analisar perturbações ambientais, tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho. identificando fontes, transporte e(ou) destino n Competência de área 6 dos poluentes ou prevendo efeitos em sisteH26 – Identificar em fontes diversas o mas naturais, produtivos ou sociais. processo de ocupação dos meios físicos e as H12 – Avaliar impactos em ambientes naturais relações da vida humana com a paisagem. decorrentes de atividades sociais ou econômiH27 – Analisar de maneira crítica as interações cas, considerando interesses contraditórios. da sociedade com o meio físico, levando em con- n Competência de área 8 sideração aspectos históricos e(ou) geográficos. H30 – Avaliar propostas de alcance indiviH28 – Relacionar o uso das tecnologias com dual ou coletivo, identificando aquelas que os impactos socioambientais em diferentes visam à preservação e a implementação da contextos histórico-geográficos. saúde individual, coletiva ou do ambiente.

60 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

persiste, pois além de problemas na produção, o acesso da população aos alimentos em algumas regiões do planeta é limitado, envolvendo sérias questões políticas e econômicas. Uma das principais entidades internacionais de combate a fome é a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), cujo maior objetivo é a segurança alimentar da humanidade, definida por ela como a “situação na qual toda a população tem pleno acesso físico e econômico a alimentos seguros e nutritivos que satisfaçam as suas necessidades e preferências nutricionais, para levar uma vida ativa e saudável”. Contribuindo para a discussão sobre a questão alimentar mundial, o ar-


tigo de Jonathan A. Foley ressalta que o desafio não está relacionado apenas ao aumento e ao acesso à produção mundial de alimentos, mas também a como seria possível garantir a segurança alimentar da humanidade conciliando-a com menores impactos ao meio ambiente e práticas mais sustentáveis. Em síntese, a produção agrícola é a maior atividade humana, abrangendo 38% do solo não congelado do planeta, mas, também, representa a mais impactante ao meio ambiente, responsável por grande parte da devastação vegetal do mundo, o maior consumo e desperdício de água potável, além de promover poluição atmosférica, dos solos e dos recursos hídricos, causadas pela intensa liberação de gases do efeito estufa e utilização de produtos químicos nas lavouras. Sem contar que nem todo esse alimento produzido se destina ao consumo humano, pois cerca de 40% é empregado na alimentação dos rebanhos e produção de biocombustíveis. Considerando todos esses aspectos, o grupo de especialistas citado no artigo propõe soluções que poderiam ajudar a alimentar o mundo sem afetar tanto o ambiente.

propostas de atividades

pria pegada e posteriormente, explicar como chegou ao número apresentado.

1

4

Solicite aos alunos a leitura direcionada do artigo, pedindo que eles respondam aos três principais questionamentos abordados: •

Para avaliar os estudantes, divida a sala em três grupos temáticos, que vão pesquisar e apresentar, ao professor e aos colegas soluções mais sustentáveis para resolver a questão alimentar.

Por que faltarão alimentos no mundo?

Por que a produção alimentar é tão impactante ao meio ambiente?

Quais são as soluções apontadas para alimentar o mundo sem causar tantos impactos?

O grupo 1 deverá apresentar soluções mais sustentáveis para aumentar a produtividade do espaço agrícola mundial, bem como o acesso da população aos alimentos; o grupo 2 se encarregará das técnicas de produção agrícola menos impactantes ao ambiente; o grupo 3 pesquisará sobre os hábitos de consumo que poderiam beneficiar a questão alimentar.

2

Apresente aulas expositivas verticalizando esses principais questionamentos. Relacione a questão da falta de alimentos aos conceitos de segurança e insegurança alimentar, estabelecidos pela FAO, ressaltando a influência humana (questões políticas e econômicas) e natural (secas, furacões, enchentes etc.) sobre o problema. Explique os conceitos de sustentabilidade e pegada ecológica, relacionando-os à cadeia produtiva e ao consumo dos alimentos, assuntos que se aproximam da realidade dos alunos.

O embasamento teórico para a elaboração do trabalho serão as anotações feitas durante a leitura do artigo e a aula expositiva, além do estudo de alguns exemplos de iniciativas nacionais e internacionais que podem ser recomendadas pelo professor. O artigo de Jonathan A. Foley pode ser utilizado na escola para a realização de diversas atividades, todas com a finalidade de esclarecer aos estudantes como a sustentabilidade está diretamente relacionada à nossa vida, padrões de consumo e alimentação. A escola deve estimular a reflexão sobre como pequenas mudanças em nossos hábitos cotidianos poderiam ajudar a humanidade a caminhar em direção a um desenvolvimento mais equilibrado, no qual o acesso e a exploração de recursos naturais, incluindo os alimentos, seriam mais equilibrados.

3

Como trabalho de pesquisa, peça que calculem sua própria pegada ecológica, discriminando quais elementos as tornaram maiores ou menores (alimentação, consumo, hábitos, lazer, moradia ou transporte). Alguns sites, indicados no final, calculam automaticamente a pegada ecológica. Caso a escola não tenha recursos de informática, o professor pode calcular sua pró-

sugestÕes de leitura O estado mundial da agricultura e da alimentação. Relatório da (FAO) disponível em www.fao.org/publications/sofa/es/ (espanhol) Discussões sobre a questão alimentar na Rio+20, acesse: www.onu.org.br/rio20/temas-alimentos/ Informações sobre o conceito e o cálculo da pegada ecológica e sustentabilidade: www.wwf.org.br/participe/pequenoguiadeconsumo/ Roteiro elaborado por Pablo López, professor de geografia do Anglo-Vestibulares, São Paulo (SP). SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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pARA o pRoFESSoR BIoLogIA

A mais recente rede social propostas pedagógicas CONTEÚDOS: Microbiologia n Ecologia n Alelobioses n genética n

Biotecnologia n Engenharia genética n Fisiologia humana

coNteXtualiZaÇÃo

S

e nos fosse atribuída a tarefa de ordenar os seres vivos pelo seu grau de evolução, dificilmente alguém deixaria de organizar uma sequência que tivesse as bactérias nas primeiras posições e os seres humanos – talvez com um pouco de presunção – como o ápice da complexidade. Seres humanos e bactérias têm um longo histórico de interações. Ancestralmente, uma relação conflituosa de parasitismo, com bactérias invadindo e interferindo no equilíbrio dinâmico da fisiologia humana e sendo responsáveis por um grande número de infecções e enfermidades. Mais tarde, como organismos fermentadores, cuja ação as tornou interessantes aliadas na fabricação de vinagres e laticínios (como iogurtes, coalhadas e queijos) e, mais recentemente ainda, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 1 H4 – Avaliar propostas de intervenção no ambiente, considerando a qualidade da vida humana ou medidas de conservação, recuperação ou utilização sustentável da biodiversidade. n Competência de área 4 H14 – Identificar padrões em fenômenos e processos vitais dos organismos, como manutenção do equilíbrio interno, defesa, relações com o ambiente, sexualidade, entre outros. n Competência de área 8 H30 – Avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam à preservação e a implementação da saúde individual, coletiva ou do ambiente.

62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

em técnicas de biotecnologia e engenharia genética. Ecologicamente, as bactérias são imprescindíveis em processos de decomposição da matéria orgânica, no ciclo biogeoquímico do nitrogênio e na produção de glicose e o oxigênio molecular por fotossíntese de cianobactérias. Como se percebe, bactérias e seres humanos são velhos e cada vez mais intimamente conhecidos. Mas a ideia de que as bactérias estejam no comando do corpo humano é uma concepção que parece inquestionavelmente absurda. Até que se inicie a leitura da reportagem... À medida que a pesquisa científica avança, vão surgindo evidências sobre o papel que certas bactérias desempenham na regulação e efetivação de processos fisiológicos em humanos. De patógenos perigosos passam à condição de inquilinos, cuja presença, cada vez mais, se revela fundamental para a garantia da invejável posição de “suprassumo” da evolução para os seres humanos. De que forma seres tão diminutos ditam as regras para rotas metabólicas complexas? Como é possível que esses microrganismos regulem nosso sistema de defesa de modo a garantir sua auto-

preservação e a preservação de nossas próprias células? Como se dá a relação entre os milhões de genes bacterianos presentes em nosso corpo e os pouco mais de 20 mil genes verdadeiramente humanos? Respondidas essas e tantas outras perguntas, será que não seremos obrigados a rever nossa opinião sobre quem está no comando?


propostas de atividades

1

Simbiose. Esse é o termo atualmente utilizado para designar qualquer interação ecológica entre seres vivos. As diversas espécies de bactérias e os seres humanos interagem de diversas maneiras, algumas harmônicas e outras não. Proponha aos alunos que pesquisem e produzam textos sobre bactérias mutualísticas, protocooperativas, comensais, inquilinas e parasitas, descrevendo o tipo de interação e suas consequências para o ser humano nos diversos casos. Provoque uma discussão em sala de aula sobre o emprego do termo “comensal” ao longo do texto. Sugira a criação de um blog sobre o assunto, usando os textos produzidos, que seja alimentado com novos materiais obtidos em revistas, livros ou internet.

2

A presença de bactérias, protozoários e outros microrganismos no interior do corpo humano é conhecida pelos pesquisadores há muito tempo. Possivelmente, os componentes mais bem conhecidos desse microbioma humano são as bactérias do gênero Lactobacillus. Peça que os alunos, em grupos, entrevistem ao menos dez pessoas com mais de 15 anos, buscando a opinião delas sobre o que são lactobacilos, onde são encontrados, qual é a relação desses microrganismos com a saúde humana, entre outras. Oriente-os sobre a forma adequada de preparar o questionário, conduzir a entrevista, organizar e apresentar os resultados. Solicite que seja realizada uma ampla pesquisa sobre lactobacilos e sejam confrontados os resultados obtidos nas entrevistas com as informações levantadas com a pesquisa. Organize uma mesa-redonda para de-

bater o grau de esclarecimento das pessoas a respeito do assunto.

3

No início da década de 70, o cientista britânico James Lovelock inverteu o enfoque segundo o qual a vida existe na Terra porque o planeta reúne as condições corretas para tal. Se a Terra oferece tais condições, dizia ele, é porque a vida assim as mantém. Ao conjunto de ideias e evidências que afirmam que o planeta Terra é um superorganismo foi dado o nome de teoria de Gaia. Separe a turma em pequenos grupos e proponha a realização de uma pesquisa a respeito dessa teoria. Peça que façam uma analogia entre seus pressupostos e a existência do “superorganismo humano”, habitado e influenciado por microrganismos diversos.

4

Alguns estudos estabelecem uma correlação positiva entre a exposição de crianças a estímulos infecciosos e uma menor incidência de doenças atópicas na idade adulta, como alergias, por exemplo. Em linhas gerais, segundo essa concepção – denominada hipótese (ou teoria) da higiene –, uma infância com excessivos cuidados sanitários pode gerar adultos frágeis devido ao não estímulo adequado do sistema imunológico. Separe a turma em grupos e organize uma grande pesquisa sobre o assunto, incluindo consulta a sites e entrevistas com profissionais da saúde e biólogos. Peça que analisem a composição de produtos de higiene e limpeza que prometem a eliminação de quase 100% das bactérias, discutindo seus benefícios e/ ou inconvenientes. Desafie os alunos, em duplas, a escrever um artigo de uma página sobre o assunto. Recolha e redistribua aleatoriamente os artigos, solicitando que

cada dupla leia pelo menos três outros artigos de colegas. Conclua a atividade escolhendo os dois melhores e providencie sua divulgação no meio de comunicação da escola (site, revista, jornal, boletim informativo etc.).

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Desde 28 de novembro de 2010, a venda de antibióticos sem receita médica está proibida no Brasil. A resolução nº. 44/2010 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) justifica a medida como uma forma de evitar a automedicação e o uso indiscriminado dessas substâncias que, se utilizadas de forma inadequada, podem favorecer o desenvolvimento de linhagens de “superbactérias” resistentes, cujo combate é muito difícil. Solicite aos alunos que elaborem um texto argumentativo sobre o assunto, apontando prós e contras da medida e levando em conta aspectos sociais, econômicos, clínicos e a relação dessa situação com o conteúdo da matéria estudada. Num segundo momento, promova um debate na turma entre os que são favoráveis e os que são contrários à resolução.

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Divulgue as informações. Desafie os alunos a construir coletivamente um grande painel a ser exposto em área de intensa circulação no ambiente escolar. Esse painel deve apresentar os diversos aspectos explorados com o estudo da matéria. Ilustrações, fotos e gráficos tornarão o painel mais atrativo ao público. Proponha um concurso para escolher um título para o painel. Após um tempo de exposição, um profissional de área afim (médico, microbiologista, infecciologista) pode ser convidado para debater com os alunos.

sugestÕes de sites www.asbai.org.br/revistas/vol342/editorial_34_2-11.pdf (Hipótese da higiene) www.comciencia.br/reportagens/2005/11/08.shtml (Teoria de Gaia) www.portalarcos.com.br/index2.php?id=1352&idcat=9&content=noticias/ver_noticia&id_menu=6 (Restrição à venda de antibióticos) Roteiro sugerido por Maurício Marczwski, professor de biologia do Colégio Anchieta e do curso Anglo Pré-vestibulares, Porto Alegre (RS).

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pARA o pRoFESSoR QuÍMICA

A origem da vida na Terra propostas pedagógicas coNteXtualiZaÇÃo

S

ó na Terra existe vida? O Big Bang realmente ocorreu? A zebra é branca com listras pretas ou preta com listras brancas? São questionamentos que perseguem os estudiosos da ciência. Algumas situações (como a da zebra) nos remetem a polêmicas mais simples. O biólogo Guilherme Domenichelli, da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, confirma: “As zebras são realmente brancas com listras pretas”, baseado numa espécie cuja barriga tem predominância branca. Já a curadora de grandes animais no zoológico de Atlanta, Lisa Smith, afirma: “O pelo é muitas vezes descrito como preto com listras brancas”. Ela diz que isso faz sentido, porque o padrão resulta da ativação de pigmentos (pretos) e de sua inibição (branco). Quem tem razão? A carga genética, com certeza, será a resposta. O artigo discute a origem da vida, a atmosfera primitiva, a combinação de compostos orgânicos e inorgânicos, a existência de outras estruturas que seriam substitutas das até

hoje estudadas; sugere uma mudança de paradigma, o que no meio científico exige uma série de resultados e confirmações. Por outro lado, isso nos enriquece, pois confirma que nada na ciência está perfeitamente explicado ou acabado. Num confronto de ideias, vejamos a hipótese da desgasificação. Os gases constituintes da atmosfera primitiva tiveram origem no interior da Terra, atingindo a superfície através dos vulcões (desgasificação vulcânica). Após um período transitório, o planeta sofreu grande aquecimento, que promoveu profundas alterações na sua atmosfera. Por isso e porque a Terra não possuía gravidade suficiente, os gases voláteis como o hidrogênio, o hélio e outros gases raros escaparam para o espaço. Segundo essa hipótese, a atmosfera primitiva seria constituída por nitrogênio (azoto, N2), vapor de água (H2O), dióxido de carbono (CO2), amoníaco (NH3), metano (CH4) e hidrogênio (H2), liberados du-

competÊNcias e habilidades seguNdo a matriZ de reFerÊNcia do eNem Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 4 H13 – Reconhecer mecanismos de transmissão da vida, prevendo ou explicando a manifestação de características dos seres vivos. H16 – Compreender o papel da evolução na produção de padrões e processos biológicos ou na organização taxonômica dos seres vivos. n Competência de área 5 H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas e biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica. H19 – Avaliar métodos, processos ou procedimentos das ciências naturais que contribuam para diagnosticar ou solucionar problemas de ordem social, econômica ou ambiental. 64 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

n Competência de área 7 H24 – Utilizar códigos e nomenclatura da química para caracterizar materiais, substâncias ou transformações químicas. H26 – Avaliar implicações sociais, ambientais e/ou econômicas na produção ou no consumo de recursos energéticos ou minerais, identificando transformações químicas ou de energia envolvidas nesses processos. n Competência de área 8 H29 – Interpretar experimentos ou técnicas que utilizam seres vivos, analisando implicações para o ambiente, a saúde, a produção de alimentos, matérias-primas ou produtos industriais. H30 – Avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam à preservação e a implementação da saúde individual.

rante as intensas erupções vulcânicas que caracterizaram esse período. A principal diferença entre tal atmosfera primitiva e a atual é a ausência de oxigênio na primeira. Thomas Huxley diz que a vida é produto de um processo de evolução química em que substâncias orgânicas se arranjam, formando moléculas orgânicas mais simples e essenciais (como carboidratos, aminoácidos, ácidos graxos, bases nitrogenadas, entre outros), e da reação entre essas moléculas mais simples começam a surgir moléculas mais complexas, como lipídios, proteínas, ácidos nucleicos etc. Depois de combinadas, essas moléculas mais complexas e mais estáveis formam estruturas com aptidões metabólicas e de autoduplicação, dando origem aos primeiros seres vivos (teoria da evolução química). Oparin lançou a teoria de que uma atmosfera dotada de gases como hidrogênio, metano e amônia, juntamente com o Sol, como fonte de energia, constituía um ambiente adequado para a criação de moléculas essenciais e substâncias orgânicas simples. Estas, conforme a temperatura da Terra diminuía, tornavam-se mais complexas, promovendo cada vez mais ligações e transformando a água dos oceanos em grandes sopas orgânicas. As proteínas formadas foram se aglomerando até formar os coacervados (ver fig. 1). Para Haldane, as primeiras formas de vida teriam se originado em meio pobre em oxigênio, elemento que, por ser muito reativo, poderia extinguir os compostos orgânicos formados. Com base nessas teorias, diversos compostos orgânicos foram sintetizados em laboratório, em experiências que simulavam as condições supostamente existentes na Terra primitiva. Miller, citado no


Fig. 1 Teoria de Oparin: formação dos coacervados

Figura 2

propostas de atividades

1

Separe a turma em quatro equipes e conceda 20 minutos a cada uma para desenvolver seus temas e montar uma apresentação final.

Fig. 2 Simulador de Miller

ERIKA ONODERA

artigo, arquitetou um simulador formado por tubos e balões de vidro interligados e colocou nesse aparelho uma mistura dos gases metano, amônia, hidrogênio e vapor de água (ver fig. 2). Essa mistura gasosa foi, então, submetida a fortes descargas elétricas durante alguns dias. Após uma semana, ele examinou o líquido formado no aparelho e observou a presença de várias substâncias inicialmente ausentes no experimento, como os aminoácidos glicina e alanina, além de outras substâncias orgânicas mais simples. Com esses resultados, Miller mostrou que seria possível a formação de moléculas mais complexas a partir de moléculas mais simples e de certas condições ambientais, reforçando a teoria da evolução molecular. O tema permite um trabalho interdisciplinar, envolvendo química e biologia. Trataremos como tema central as ligações interatômicas e intermoleculares e o reconhecimento das funções da química orgânica.

Equipe 1 – Levantamento histórico No laboratório de informática, os estudantes devem pesquisar as teorias de Huxley, Oparin, Haldane, Miller, perceber em que se completam e montar uma apresentação (teatral, PowerPoint etc). Equipe 2 – Ligações interatômicas Apresente ao grupo um breve histórico da atmosfera primitiva, bolinhas de isopor de tamanhos e cores diferentes e palitos de madeira, e peça que eles montem o modelo (pau e bola) das estruturas das substâncias N2, H2O, CO2, NH3, CH4 e H2, levando em conta suas geometrias. Equipe 3 – Reconhecimento das funções orgânicas Disponibilize imagens dos aminoácidos desejados (à sua escolha), bem como as estruturas do DNA e do RNA. Solicite que os estudantes identifiquem as funções orgânicas presentes e destaquem o carbono que caracteriza nos aminoácidos a posição de ataque para formação da ligação que os une. Oriente-os a elaborar uma apresentação em PowerPoint e a construir a representação dos nucleotídeos do DNA e do RNA com bolinhas de isopor de tamanhos e cores diferentes e palitos de madeira.

Equipe 4 – Ligações intermoleculares Forneça para o grupo imagens de aminoácidos (à sua escolha) e incumba os estudantes de montar as estruturas com bolinhas de isopor de tamanhos e cores diferentes e palitos de madeira (modelo pau e bola). Peça que, nesse modelo, realizem as ligações peptídicas que unem os aminoácidos para formar as proteínas.

2

Terminado o trabalho em equipe, é hora das apresentações, com 10 minutos para cada grupo. Sugira que os alunos procurem as interações de um trabalho com o outro. Em seguida, faça as “amarrações” entre o texto principal e os trabalhos apresentados, ou seja, conecte tudo o que foi mostrado com o texto-mãe.

3

Conclua sugerindo aos estudantes a montagem da estrutura do DNA, mostrando a importância das ligações de hidrogênio para a união da dupla hélice.

sugestÕes de sites e livros http://setimocientista.blogspot.com. br/2010/02/teoria-de-oparin-haldane-john-burdon.html Biologia das células. José Mariano Amabis e gilberto Rodrigues Martho. Moderna, 2004. A dança do Universo. Marcelo gleiser. Companhia das Letras, 1997. Breve história de quase tudo. Bill Bryson. Bertrand, 2009. O quinto milagre. Paul Davies. Companhia das Letras, 2000.

Roteiro elaborado por otavio Santos Jr., mestrando em Tecnologia Ambiental pelo instituto de Tecnologia de pernambuco e professor do curso de licenciatura em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de pernambuco (IFpE).

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MEu pERCuRSo

lygia Maria terra

uma das mais importantes autoras de livros didáticos fala de seu trabalho no ensino da geografia por luiz Marin

Arquivo pessoAl

M

eu interesse pela geografia foi despertado principalmente no ensino médio, na Escola Estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, em São Paulo. Ali tive uma professora de geografia que sempre promovia trabalhos e pesquisas de campo. Isso foi por volta de 1967, época de intenso movimento cultural e político, que me estimulou a fazer teatro amador e participar de diversas manifestações culturais e políticas, inclusive a de 1968. Pouco depois, prestei o vestibular e ingressei na USP. Ainda na faculdade, casei e, com meu marido, enfrentei alguns anos fora do Brasil, como exilada política. Cursei a Universidade do Chile e, já separada, voltei ao Brasil e estudei por um tempo na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Comecei a lecionar muito cedo, logo que entrei na USP. Dei aula em diversos colégios – Elvira Brandão, Santa Maria e algumas escolas-modelo, como a Mutirão, todas em São Paulo. Dediquei-me à sala de aula durante 23 anos. Nesse processo, adquiri bastante experiência na prática de ensino e como educadora. Tinha o hábito de preparar um guia de aula, no qual criava exercícios e atividades de geografia, produzia textos e os imprimia em mimeógrafo para distribuir aos alunos. Essa prática foi o embrião da ideia de escrever um livro, propósito que ficou latente por algum tempo até que um amigo da USP, Geraldo Fernandez, que já era editor, me convidou para trabalhar na leitura e análise crítica de livros didáticos. Trabalhei também com Melhem Adas, geógrafo e editor muito competente. Nessa época, apresentei o projeto de 66 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

um livro, mas com o falecimento de meu pai e depois de terminar a pós-graduação, comprei um sítio em Boiçucanga [praia no litoral norte de São Paulo, em um subdistrito da cidade de São Sebastião], onde moro atualmente. atividade transforMadora Em Boiçucanga tive experiências muito interessantes. Promovi com os alunos estudos do mar e medição de marés. Eu tinha um telescópio (fazia astronomia amadora), que levava para a escola à noite para a garotada observar o céu; até a passagem do Halley conseguimos acompanhar. Em tudo o que eu achava interessante procurava envolver um grupo de alunos atentos, além de seus parentes e outras pessoas mais velhas da comunidade caiçara, que levavam seus conhecimentos sobre a flora local, e a meteorologia – fundamental para os pescadores, que se baseavam em alguns indícios da natureza, como um tipo de nuvem, um halo no céu, para saber sobre o tempo. Eram tantos saberes populares que dava para escrever um livro, e tudo isso era muito estimulante para os alunos. Muitos deles hoje são professores de geografia. É muito bom identificar nessa ação transformadora a parte que cabe a nós, professores. nova Carreira Voltei mais tarde para São Paulo e continuei lecionando. Em 1994, comecei a trabalhar na Editora Moderna, na finalização editorial de uma obra que ainda estava na metade. Foi um período de aprendizado contínuo.

O trabalho com os autores e editores me ajudou a superar a ideia de que escrever era uma tarefa acima do meu alcance. Em 2000, tive minha estreia como autora, convidada pelo professor Marcos Amorim para a coautoria de um livro de geografia. No segmento de didáticos há uma falta enorme de autores, sobretudo em geografia, porque, além das exigências do MEC, os livros demandam atualização constante – em quatro anos, por exemplo, todo o panorama político, social e até físico do mundo pode se modificar profundamente. [Todos os livros da professora Lygia foram aprovados pelo Mec.] Hoje estou envolvida em um projeto novo, mais moderno, com conteúdo digital, em parceria com a professora. Regina Araujo e o professor Raul Borges Guimarães. a profissão Acho que o geógrafo é um profissional de variedades, pois a geografia é um elo entre várias áreas. Já foi uma disciplina mais genérica, mas hoje está mais técnica, e o graduado encontra colocação em atividades importantes, como análise de mapas, geoprocessamento e sensoriamento remoto, entre outras. É possível perceber uma tendência à maior valorização da profissão, com o recrutamento dos geógrafos nos grandes projetos, assim como no planejamento urbano e na prevenção de acidentes naturais. n




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