Roteiros temáticos para atividades em sala de aula
Aula Aberta
Matriz de referência do
O prazer de ensinar ciências
ENEM
BRASIL
ANO II - NO 13 - 2012 - R$ 6,90
GEOGRAFIA
Faixa de chuva migratória
BIOLOGIA
Altruísmo e egoísmo caminham juntos na evolução
QUÍMICA
A origem da vida e outros mistérios não resolvidos
MATEMÁTICA
Enigma: a matemática é invenção ou descoberta?
FÍSICA
Como funciona o sentido magnético animal
9 772176 163001
00013
ISSN 2176163-9
ameaça o clima global
SUMÁRIO
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GeOGraFIa
Faixa de chuvas em transição Mapeando precipitações equatoriais desde 800 d.C., cientistas projetam mudanças no clima tropical nos próximos 100 anos
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta No 13
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eDuCaçãO
desafios para formar um bom professor de ciência Experiência e diplomas contam menos em sala de aula que o domínio da ciência e da matemática, ao lado do bom e velho dinamismo
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MateMÁtICa
Por que a matemática funciona? A matemática foi inventada ou descoberta? Para o astrofísico israelense nascido na Romênia Mario Livio, ambas as respostas são corretas
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FíSICa
A bússola interior O sentido magnético dos animais é real. Cientistas estão desvendando como ele funciona
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40
bIOlOGIa
Por que razão nos ajudamos? Longe de ser uma exceção à regra tida como constante na evolução, a cooperação tem sido uma de suas características fundamentais
QuíMICa
10 mistérios não resolvidos da química Várias das questões científicas mais profundas – e alguns dos problemas mais urgentes da humanidade – estão nos domínios da ciência dos átomos e moléculas SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
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seções 6 NOTAS n
Rastreando animais do espaço
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Ajustando a fotossíntese
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O que é isso?
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Carga microbiana
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Livros didáticos criam vida
n
Memória fotográfica
10 Física no Esporte Salto com vara
12 como funciona
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para o professor
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MEU PERCURSO
Roteiros elaborados por professores especialistas com sugestões de atividades para a sala de aula
O premiado matemático brasileiro Artur Ávila fala de sua vertiginosa trajetória
Stents vasculares
14
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BRASIL
Tecnologia
Redes sociais aplicadas ao contexto escolar
colaboradores: Carmen Weingrill (redação); Edna Adorno e Ricardo Jensen (revisão); Paulo César Salgado (tratamento de imagem)
COMITÊ EXECUTIVO Jorge Carneiro, Luiz Fernando Pedroso, Lula Vieira e Ana Carolina Trannin
DIRETORA EXECUTIVA Ana Carolina Trannin ana.carolina@duettoeditorial.com.br
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Aula Aberta
EDITOR: Luiz Marin DIAGRAMAÇÃO: Juliana Freitas redacaosciam@duettoeditorial.com.br Editor-chefe: Ulisses Capozzoli EDITOR DE ARTE: João Marcelo Simões ASSISTENTES DE ARTE: Ana Salles pesquisa iconográfica: Luiz Loccoman
4 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
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EDITORIAL O
que tem a ver a chuva em uma região tropical do Hemisfério Norte com determinadas inundações ou secas que podem ocorrer no Nordeste brasileiro? O artigo sobre mudanças climáticas e o roteiro de aula acerca desse tema dão uma ideia de como uma alteração local pode ter consequências globais, com efeitos que variam de uma região para outra. Saber como o clima funciona, como foi no passado longínquo e prever como ele será no futuro é o que deveria, hoje, determinar nossas ações, principalmente no Brasil, onde se gastam fortunas para construir estádios, mas não se dispensa metade desse orçamento para manter um satélite meteorológico próprio, capaz de cobrir todo o seu vasto território e fornecer dados ininterruptos sobre a atmosfera, que poderiam, por exemplo, ter evitado tragédias como tivemos recentemente. Conhecer é o primeiro passo para transformar, meta que esperamos cumprir com as discussões propiciadas por essa abordagem com os alunos. Outro passo é a colaboração, assunto que pode ser bastante explorado na aula de biologia com a leitura do artigo “Por que razão nos ajudamos”, que destaca a presença do altruísmo
na evolução das espécies, ao lado da tendência aparentemente oposta, a competição pela sobrevivência. Há várias formas de altruísmo, motivadas por diferentes finalidades (se é que se pode usar esse termo) e os alunos terão bons exemplos para testar as vantagens e desvantagens dessas atitudes. Voltada para o CAPA: ©olly/shutterstock. apoio e a formação de bons professores de ciência, como isso funciona e estudar alguns feAula Aberta reservou um assunto nômenos eletromagnéticos. Os professosobre educação para falar das quali- res de química, por sua vez, encontrarão dades necessárias para atingir esses dez bons motivos para envolver os aluobjetivos, e em outro artigo levanta a nos na construção de uma rede temática questão do uso de tecnologias, como que balizará o exame de alguns mistérios o celular, e redes sociais com finalida- da sua disciplina. Por fim, a matemática des pedagógicas. Impossível? Difícil, é contemplada com uma questão fundatalvez, mas os benefícios podem valer mental: ela foi inventada ou descoberta ? o esforço. Esperamos os comentários Boa leitura e boas aulas. de nossos leitores. Nesta edição, reservamos ainda a Luiz Carlos Pizarro Marin controversa questão sobre o magnetismo animal para examinar, à luz da física, redacaosciam@duettoeditorial.com.br
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NOTAS CONSERVAÇÃO
Rastreando Animais do Espaço
Um estudo por satélite identifica local onde tartarugas e arrastões se cruzam
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FILHOTE de tartaruga-de-couro.
México e na Costa Rica para o sudeste do Pacífico – e muitas ficaram presas em redes de pesca ao longo da costa da América do Sul. Como a população oriental é mais concentrada na área, seu risco de extinção é maior, ressalta Helen. As novas descobertas podem ajudar os encarregados de planejar o fechamento de curto prazo de pescarias. Helen relembra que uma decisão recente de proibir a pescaria de peixes-espada e tubarões-raposa na Califórnia, da metade de agosto até a metade de novembro, reduziu drasticamente as capturas colaterais de tartarugas-de-couro
(em 2010, nenhuma foi capturada). O rastreamento por satélite pode ajudar a precisar o momento e a área ideais para essas proibições e a guiar os animais na costa do Oregon e de Washington. Nas ilhas Galápagos, as tartarugas-de-couro passam por um corredor migratório bem específico de fevereiro a abril, então uma proibição no momento adequado naquela área poderia reduzir as capturas em 100%. “Suspeitávamos que as pescarias fossem o problema”, reforça Helen, “mas agora sabemos onde concentrar nossos esforços.” – Carrie Madren
MIKE PARRY Minden Pictures
om 900 kg e quase 2 metros de comprimento, as tartarugas-de-couro são os maiores répteis vivos. Seu tamanho, porém, esconde sua fragilidade: entre as tartarugas-de-couro que vivem no oceano Pacífico as populações diminuíram em 90% nos últimos 20 anos. Biólogos já sabiam que equipamentos de pesca são um problema para as tartarugas, que podem ficar enroscadas nas redes de arrastões, mas não estavam seguros disso. “Esses animais viajam milhares de quilômetros pelo Pacífico, então não há como rastreá-los por terra ou barcos”, explica a bióloga marinha Helen Bailey, do Centro para Ciência Ambiental da University of Maryland. Então Helen e seus colegas resolveram segui-las por satélite. Os cientistas posicionaram arreios com dispositivos rastreadores nos cascos das tartarugas, recebendo um sinal a cada vez que os animais emergiam. O estudo, publicado na edição de abril do Ecological Applications, localiza as zonas de perigo onde tartarugas e arrastões se encontram. Esses dados ajudarão as agências reguladoras a decidir os momentos e locais em que podem limitar a pesca para proteger essa espécie. Os pesquisadores acompanharam 135 fêmeas, algumas do Pacífico leste e algumas do oeste, por mais de 15 anos enquanto elas cruzavam o oceano em busca de águas-vivas. O estudo descobriu que os padrões de migração das duas populações do Pacífico eram diferentes. As tartarugas-de-couro deixam seus ninhos na Indonésia para se alimentar no mar do Sul da China, da Indonésia, do sudeste da Austrália e ao longo da costa oeste dos Estados Unidos, o que as torna vulneráveis a redes de pesca em muitas áreas diferentes. As tartarugas-de-couro do leste do Pacífico viajaram de seus ninhos no
MEIO AMBIENTE
Ajustando a Fotossíntese
Ao alterarem a forma como as plantas transformam luz solar em energia química, cientistas esperam produzir biocombustíveis economicamente viáveis
H
CHRIS STEIN Getty Image (folha); CORTESIA DE YOOSIK KIM E STANISLAV Y. SHVARTSMAN Princeton University E KWANGHUN CHUNG E HANG LU Georgia Institute of Technology (embriões); CHRIS STEIN Getty Image (folha)
á anos, pesquisadores tentam descobrir as melhores formas de levar plantas a produzir biocombustíveis. Mas há um problema fundamental: a fotossíntese, processo pelo qual as plantas convertem a luz solar em energia química armazenada, é altamente ineficiente. As plantas transformam apenas de 1-3% da luz solar em carboidratos. Essa é uma das razões para uma área tão grande de terra ser alocada para o cultivo do milho para etanol, entre outras ideias ruins de biocombustível. E, mesmo assim, as plantas também apresentam muitas vantagens: elas absorvem dióxido de carbono em baixas concentrações diretamente da atmosfera e cada célula vegetal pode se recuperar por conta própria quando danificada. Cientistas iniciaram uma nova tentativa de turbinar a fotossíntese e nos ajudar a fazer combustíveis mais verdes. A Advanced Research Projects Agency for Energy americana, conhecida como ARPA-e, financiou dez projetos assim até agora, a maioria deles usando engenharia genética para ajus-
tar o manual de instruções baseado no DNA de uma planta para o crescimento, pigmentos etc. A maior subvenção – mais de US$ 6 milhões – foi para a University of Florida, para alterar pinheiros e fazê-los produzir mais terebintina, um combustível em potencial. Outro projeto, liderado por Davis, da Arcadia Biosciences, na Califórnia, tem como objetivo induzir gramíneas de crescimento rápido como switchgrass a produzir óleo vegetal pela primeira vez na história. No futuro, engenheiros talvez possam criar uma planta negra que absorva toda luz solar recebida, ou uma planta que use diferentes comprimentos de onda de luz para iniciar as diferentes etapas da fotossíntese. Atualmente plantas usam os mesmos comprimentos de onda para tudo. Uma planta modificada produtora de biocombustível poderia até ter folhas menores, reduzindo a própria demanda de energia para o crescimento, ou poderia deixar de armazenar energia na forma de açúcar, mas transformá-
-la diretamente em uma molécula de hidrocarboneto para o uso humano como combustível. Os cientistas do programa chamado Petro, de plantas modificadas para substituírem o petróleo, também terão de lidar com os desafios de abastecimento de água cada vez mais limitado para plantações e com o ceticismo do público em relação a organismos geneticamente modificados. – David Biello
O que é isso?
L
arvas: Para esta imagem tipo Kandinsky, pesquisadores pigmentaram seções transversais de 20 embriões de drosófilas com anticorpos para revelar três tipos de tecidos diferentes: nervos, músculos e pele. Recentemente incluída na exposição Art of science, da Princeton University, a imagem mostra os progressos realizados neste tipo de microscopia. Os cientistas, provenientes de Princeton e do Georgia Institute of Technology, desenvolveram um novo dispositivo microfluídico que captura e coloca na vertical objetos minúsculos mais rápido que antes. – Ann Chin
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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NOTAS MEDICINA
Carga Microbiana
Cientistas modificam bactérias para transportar fármacos e nanopartículas
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equenos robôs que circulam por nossos vasos sanguíneos e atacam vírus e células malignas ainda não cruzaram a linha que separa a ficção científica da realidade, mas certamente deve haver uma maneira de resolver isso. Em vez de projetar essas máquinas minúsculas do zero, alguns cientistas estão testando a ideia de recrutar os milhares de espécies de bactéria que vivem em nosso corpo. Nos últimos anos pesquisadores equiparam microrganismos com nanopartículas úteis e pedaços de DNA. Apesar de a pesquisa ainda ser preliminar, alguns engenheiros e microbiólogos
veem potencial nela. Em março passado, na reunião bianual da American Chemical Society, em San Diego, o engenheiro biomolecular David Gracias, da Johns Hopkins University, explicou como ele e seus colegas enfeitaram Escherichia coli não patogênicas com pequenas contas, hastes e crescentes feitos de níquel e estanho e cobertos de ouro. Uma vez dentro do corpo, essas nanopartículas podem ser aquecidas de longe com luz infravermelha para destruição de tecidos danificados. O sonho de Gracias é conseguir que bactérias transportem nanopartículas esponjo-
sas contendo fármacos e equipá-las com pequenas ferramentas capazes de realizar cirurgia em uma única célula. Pesquisas semelhantes feitas por outros cientistas confirmam que bactérias modificadas podem transportar pacotes médicos diretamente para células doentes ou cancerosas. Em um trabalho anterior, Demir Akin, da Stanford University, e seus colegas usaram o gene da luciferase, que faz vaga-lumes brilharem, na Listeria monocytogenes, bactéria responsável por muitos casos de intoxicação alimentar. Três dias depois, Akin injetou o material em ratos
EDUCAÇÃO
Livros Didáticos Criam Vida
Próxima geração de e-books científicos pode ajudar a manter o interesse dos jovens
ILUSTRAÇÃO DE THOMAS FUCHS; OLEKSIY MAKSYMENKO PHOTOS Alamy (iPad)
A
ciência pode avançar rapidamente, tornando os livros didáticos atuais obsoletos. Agora, novos livros digitais estão surgindo com a intenção de aumentar o interesse dos alunos e mantê-los em dia com as pesquisas mais recentes. Esses e-books custarão (e pesarão) menos que um tomo impresso comum. Em janeiro, a Apple anunciou sua plataforma para livros didáticos iBooks 2 para o iPad, e editoras, incluindo a McGrawHill, Pearson e a Houghton Mifflin Harcourt, já se registraram para criar conteúdos para o aplicativo. Em fevereiro, o Nature Publishing Group, de que SCIENTIFIC AMERICAN é parte, lançou Principles of Biology (Princípios de biologia), um “livro” multimídia interativo que visa aulas introdutórias de biologia em universidades e pode ser acessado on-line por meio de tablets, laptops, desktops e smartphones. O livro integra textos 8 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
com vídeos, simulações, exercícios interativos, ilustrações e testes e inclui artigos clássicos e recentes da Nature e de periódicos afins. Títulos futuros nas áreas de ciências físicas e da vida já estão sendo produzidos. O ecólogo marinho David Johnston, da Duke University, e seus colegas preferiram uma abordagem à la Wikipedia. Seu aplicativo, o Cachalot, está disponível gratuitamente no iPad e foi criado com a ajuda de voluntários: cientistas marinhos escreveram-no gratuitamente a partir de notas de palestras. Uma turma de ciências da computação projetou-o e instituições, incluindo a Woods Hole Oceanographic Institution, doaram imagens e vídeos. O projeto surgiu de uma aula de Johnston que se concentra em grandes animais marinhos, como golfinhos, tartarugas, focas e vermes de tubo gigantes. – Charles Q. Choi
Bactéria E. coli em forma de bastão, com partícula anexa.
e eles brilharam sob uma câmera especializada, cofirmando não apenas que as bactérias haviam penetrado nas células, mas também que os núcleos celulares haviam expressado o gene. Akin projetou os microbots vivos para que liberassem seus pacotes de DNA dentro de células de mamíferos e replicou esses resultados em células cancerosas humanas em placas de Petri.
A vantagem da L. monocytogenes é ter desenvolvido maneiras de entrar em células animais – mas ela não é inofensiva. Em contraste, muitas cepas de E. coli não oferecem perigo, mas não têm adaptações específicas para entrarem em células. O segredo, revela Douglas Weibel, da University of Wisconsin-Madison, é trabalhar com um microrganismo inofensivo que flua bem e não tenha dificuldades para invadir células de mamíferos. Em um experimento, Weibel ligou contas de poliestireno a algas verdes unicelulares e manobrou-as (as algas se movem na direção da
luz) – um experimento inicial que inspirou um trabalho posterior. Weibel continua fascinado pela pesquisa em andamento. “As bactérias desenvolveram uma mobilidade impressionante”, diz ele. “Elas conseguem sentir mudanças em seu ambiente e se adaptam, não apenas em intervalos curtos de tempo, mas até mesmo geneticamente. Ainda que não consigamos fazê-las levar algo pelo corpo humano, elas podem ser úteis para transportar nanopartículas em laboratório. Quem sabe que avanços teremos em 50 anos?” – Ferris Jabr
NEUROCIÊNCIA
Memória Fotográfica
Uma câmera de vídeo portátil pode diminuir os estragos da doença de Alzheimer
CORTESIA DO LABORATÓRIO DAVID H. GRACIAS (bactéria); CORTESIA DA MICROSOFT RESEARCH (câmera)
E
sperança de novas drogas que retardem ou parem o declínio inexorável dos pacientes com Alzheimer fracassou repetidas vezes nos últimos anos. Como exemplo, o grupo farmacêutico Eli Lilly teve de suspender os ensaios com um medicamento destinado a evitar a produção de proteínas tóxicas no cérebro porque a cognição dos pacientes piorou enquanto eles o tomavam. Agora, cientistas se voltam para a indústria de computadores à procura de alternativas para ajudar os pacientes. Uma dessas abordagens se baseia em uma pequena câmera chamada SenseCam, que, usada como um colar, faz fotos automaticamente durante o dia. A ideia é usar as imagens não para substituir a memória, mas para estimulá-la. Cada fotografia pode servir como uma sugestão, como as madeleines de Marcel Proust, explorando a rede de lembranças que, coletivamente, define a identidade de uma pessoa.
A SenseCam, desenvolvida pela Microsoft e agora comercializada por uma empresa chamada Vicon, usa uma lente olho de peixe para captar uma visão grande-angular. Regularmente, digamos a cada 30 segundos, uma nova imagem é armazenada em um gigabyte de memória em estado sólido. Quando o usuário se desloca de uma sala para outra, um sensor que capta a mudança de luz aciona a SenseCam para tirar uma nova foto. Além disso, se uma pessoa passa, um sensor infravermelho detecta o calor do corpo e sinaliza que está na hora de outra foto. O resultado é uma cronologia de miniaturas das minúcias da vida cotidiana do usuário. Mais tarde, os pacientes, ou seus cuidadores, passam este registro eletrônico de miniaturas para um PC para exibir as imagens individualmente ou em sequência cronológica. Atualmente, dezenas de grupos realizam testes-piloto do dispositivo para deficiências de memória. Os estudos conti-
nuam curiosos, mas ainda são atraentes. Steve Hodges, do Microsoft Research Cambridge, se lembra de um paciente com Alzheimer que descreveu um dia de viagem com a esposa na Espanha, enquanto portava a SenseCam que produziu imagens que o homem pôde, então, “estudar”. O paciente, porém, indagou como o casal chegou ao seu destino. A esposa observou que ele tirou o dispositivo no trem porque ficou com vergonha de ostentar uma engenhoca de aparência engraçada. Rever as imagens pode ser uma forma de ginástica do cérebro para melhorar o processo mental conhecido como memória autobiográfica, relembrando o momento e local de eventos passados. A capacidade de se envolver nesse tipo de viagem mental no tempo é exatamente aquilo que o Alzheimer destrói. – Gary Stix SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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FÍSICA NO ESPORTE Salto com vara Pequenos aumentos na velocidade podem ser decisivos na altura do salto POR FELIPE FÁBIO FRIGERI E OTAVIANO HELENE
N
os Jogos Olímpicos, muitos limites humanos são colocados à prova. Os resultados vemos durante as competições: pesos e lanças são atirados a enormes distâncias, ginastas executam numerosas, difíceis e belas piruetas em um único salto, flechas são lançadas com enorme precisão em seus alvos, os saltos são cada vez mais altos e mais longos. Ainda que muitas dessas atividades exijam grande habilidade técnica e envolvam movimentos detalhados, a física pode estimar alguns resultados. É isso que vamos fazer a seguir com um esporte que exige grande técnica e tem a beleza de um bailado: o salto com vara, modalidade na qual o Brasil tem grandes atletas.
efeitos, a vara permite que a energia ciné- em que m é a massa do atleta, v a vetica acumulada pelo atleta durante a cor- locidade horizontal imediatamente rida possa ser transformada em energia antes do início do salto, g a aceleração potencial gravitacional. Vale a pena ver gravitacional e h a altura que o cenna rede de computadores alguns vídeos tro de massa do atleta subirá durante de saltos dos atletas brasileiros Fábio o salto. (Note que a pequena energia Gomes da Silva e Fabiana Murer, dois re- cinética que o atleta ainda tem no mocordistas. Isso pode ajudar bastante a en- mento em que cruza a barra, por cautender a finalidade de cada um dos movi- sa de uma também pequena velocidamentos e como ocorre a transformação de horizontal, foi desprezada.) Agora, de energia entre cinética e potencial. vamos às contas. Considerando a conservação da Em uma corrida com vara, atletas energia mecânica, a energia potencial de ponta atingem velocidades típicas gravitacional no momento em que o da ordem de 9 m/s, no caso de hoatleta está no ponto mais alto, ou seja, mens, e 8m/s, no caso de mulheres. no momento em que cruza a barra, é Portanto, seus centros de massa subiigual à energia cinética do atleta quan- rão, por causa da transformação da do ele atinge a maior velocidade de cor- energia cinética em energia potencial rida, logo antes de iniciar o salto. Por- gravitacional, cerca de 4,1 metro e 3,3 tanto, essa parte do problema é simples: metros, respectivamente. Para calcularmos a altura do salto Energia Energia mv2 precisamos de mais dois ingredientes: potencial
UM MODELO DO SALTO POR CONSERVAÇÃO DE ENERGIA Como já fizemos com outras modalicinética = dades esportivas, vamos começar nossa abordagem procurando os aspectos essenciais do salto com vara, deixando de lado alguns detalhes. Essa é sempre uma boa estratégia quando temos um problema complexo pela frente. Durante a corrida, o atleta Nessa modalidade de salto, a vara tem armazena energia cinética duas finalidades diferentes. Uma delas é que ela ajuda o atleta a mudar a direção de sua velocidade inicialmente horizontal, antes de iniciar o salto, em uma velocidade com uma componente na vertical, sem perda de energia; isso ocorreria mesmo que a vara não fosse flexível. A outra é que a vara armazena parte da energia cinética do atleta (que ele tem por estar correndo) na forma de energia potencial elástica da sua deformação, e devolve essa energia armazenada “empurrando” o atleta para cima. Por causa desses dois 10 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
2
= mgh
1. o centro de massa de um atleta já está a cerca de 1 metro do chão antes de ele iniciar o salto;
tram bastante razoáveis, sugerindo que as hipóteses adotadas são boas.
OUTROS INGREDIENTES 2. como você pode observar assistin- Até aqui usamos os seguintes ingredo a vídeos de saltos com varas, os dientes: a energia cinética que o atleta atletas conseguem, usando os braços, acumula durante a corrida é totalmenganhar mais outro metro. te transformada em energia potencial gravitacional, permitindo elevar o seu Adicionando esses valores aos resul- centro de massa; além disso, usando os tados acima, vemos que homens devem braços, o atleta consegue empurrar seu saltar cerca de 6,1 metros e mulheres, centro de massa cerca de 1 metro mais 5,3 metros. para cima; e no início do salto, o centro Quando comparamos esses valores de massa já estava a 1 metro do chão. com os recordes mundiais, estabeleciVamos ver os ingredientes comdos em 1985 pelo ucraniano Serguei plicadores que não consideramos até Bubka, com 6,14 metros, e pela atleta agora. Nem toda a energia cinética é russa Yelena Isinbayeva, em 2009, com convertida em energia potencial gravi5,06 metros, nossas estimativas se mos- tacional: há alguma perda de energia
ILUSTRAǘÅO: ISABELA JORDANI
A energia cinética é transformada em energia potencial de deformação da vara e gravitacional
No ponto mais alto, a energia é apenas potencial gravitacional
mecânica quando a vara se curva, pois ela se aquece, ainda que ligeiramente. O choque da vara com o chão, imediatamente antes do início do salto, e a interação do atleta com a vara também provocam alguma perda de energia. Esses fatores tendem a reduzir a altura do salto em relação ao que foi calculado acima. Mas há pelo menos dois fatores que fazem com que essa altura possa ser maior do que a calculada. Imediatamente antes do salto, no instante de decolagem, o atleta dá um empurrão contra o chão, o que permite pular um pouco mais alto. Além disso, o centro de massa do atleta passa ligeiramente abaixo da barra. Se incluir esses ingredientes, além de outros que você pode descobrir, estará realizando o trabalho típico que muitos pesquisadores na área de esportes e ciências também fazem para preparar os atletas e melhorar as técnicas e as características das varas, procurando permitir saltos cada vez mais altos. UM POUCO MAIS RÁPIDO E UM POUCO MAIS ALTO Embora o modelo que fizemos seja muito simples, supondo que toda a energia cinética seja transformada em energia potencial, ele permite tirar algumas conclusões. Uma delas é a seguinte: um pequeno aumento na velocidade da corrida pode significar um acréscimo importante na altura do salto. Por exemplo, se nossa atleta Fabiana Murer corresse apenas 0,2 m/s mais rapidamente, ela poderia bater o recorde mundial, de 5,06 metros. Entretanto, quando se está a 8 m/s ou 9 m/s, e carregando uma desajeitada vara, é muito difícil correr ainda mais rápido. De qualquer forma, fica a dica: além de melhorar todas as técnicas necessárias e usar a vara adequada, correr mais rápido é sempre uma possibilidade para melhorar o desempenho no salto com vara. ■ OS AUTORES Felipe Fábio Frigeri é mestrando no Instituto de Física da USP e Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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COMO FUNCIONA STENTS VASCULARES
Pequenos e eficazes resce vertiginosamente o uso de stents – pequenos cilindros expansíveis desobstrutivos de artérias. Para alguns médicos já está havendo abuso na utilização desses dispositivos, mas os defensores alegam que eles estão no mercado há 20 anos e são uma alternativa não-invasiva à cirurgia convencional. Por décadas, pacientes com entupimento de artérias causado por placas de gordura eram submetidos a cirurgias tradicionais, entre elas a conhecida ponte de safena, na qual uma artéria ou veia saudável é usada como desvio do trecho comprometido. Outra possibilidade era abri-la e raspar a gordura acumulada. Os procedimentos coronários começaram a se tornar menos invasivos com o advento da angioplastia de balão. A extremidade de um cateter introduz um balão até o ponto obstruído e sua expansão rompe e comprime as placas de gordura, aumentando o diâmetro do vaso e, conseqüentemente, o fluxo sangüíneo. No entanto, é comum ocorrer formação de tecido fibroso ou contração da artéria no local da intervenção, o que leva ao reestreitamento do vaso, também chamado reestenose. O posicionamento do stent é feito de forma semelhante ao do balão da angioplastia, exceto pelo fato de as artérias serem mantidas abertas (ver ilustrações). Os alvos mais comuns são as artérias coronárias, embora outros vasos venham sendo cada vez mais tratados por esse método. Aprovados no início dos anos 90, os primeiros stents eram feitos de aço inoxidável. Posteriormente surgiram os stents auto-expansíveis à base de uma liga de níquel e titânio. Os mais modernos são os stents farmacológicos, revestidos com polímeros que lentamente liberam drogas que previnem a reestenose. Aprovados nos Estados Unidos em 2003, eles são um sucesso de vendas, embora os críticos argumentem que os médicos 12 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
os estão adotando rápido demais, sem avaliar adequadamente os riscos. “Os stents farmacológicos revolucionaram o tratamento”, diz Michael Jaff, diretor do centro vascular do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston. A reestenose ocorre em cerca de 30% dos pacientes que recebem stent convencional. Com a versão farmacológica, esse número está abaixo de 10%. Segundo o médico, um enorme volume de dados prova que, nas cirurgias cardíacas, os stents farmacológicos são superiores aos tradicionais. Para outras aplicações, “eles parecem promissores, mas não há estudos suficientes ainda”.
Os fabricantes trabalham a todo vapor. Brian Firth, vice-presidente de relações médicas da Cordis Corporation, informa que sua empresa está desenvolvendo novos modelos para a artéria femoral superficial e para a artéria poplítea (abaixo do joelho). “O uso de stents está crescendo e deve continuar assim.” – Mark Fischetti
Artéria carótida
➔ OS STENTS são mais comumente ■ aplicados nas artérias coronária (coração), carótida (cérebro), ilíaca (pernas) e renal (rins) Artéria coronária
Artéria renal
Artéria ilíaca
KEN EWARD BIOGRAFX
C
VOCÊ SABIA?
TUDO LIMPINHO: A introdução do stent rompe placas de
gordura, o que geralmente resulta em fragmentos indesejáveis. A maioria dos órgãos tolera bem esses resíduos, mas alguns deles podem se alojar na artéria carótida e provocar derrame, segundo L. Nelson Hopkins, diretor do departamento de neurocirurgia da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo. Pensando nisso, algumas empresas projetaram filtros para reter esses fragmentos (ver ilustrações). Em alguns casos são usados balões para barrar o fluxo de sangue durante o procedimento ou cateteres de sucção para remover os resíduos antes que o fluxo normal seja restaurado.
FLUXO CONTÍNUO: Os coágulos sangüíneos podem se formar em qualquer local ou em torno do dispositivo implantado. Pacientes com stents normalmente são tratados
➔ OS STENTS ■ expansíveis, usados na maioria das artérias coronárias, são fixados por meio de um balão e posicionados com um cateter. O balão então é inflado várias vezes, abrindo o stent e quebrando as placas de gordura. Em seguida o balão é desinflado e recolhido
com medicação que impede a coagulação plaquetária, e com aspirina, a principal droga anticoagulante. SOB MEDIDA: Os stents são cuidadosamente dimensionados
para cada artéria. As primeiras medidas são obtidas por meio de imagens, e o tamanho final é determinado durante o próprio procedimento. A maioria das artérias coronárias mede entre 2 mm e 4 mm de diâmetro, as carótidas entre 4 mm e 6 mm. Os stents expansíveis com balões são os preferidos nas cirurgias coronárias porque é possível ajustar seu diâmetro com precisão. Como os stents auto-expansíveis são mais resistentes à compressão, eles são os mais adequados para aplicações na carótida, pois essa artéria está mais próxima da pele, onde o stent normal poderia ser perigosamente comprimido por pressão externa.
Cateter Placa de gordura Stent
Balão Artéria
➔ OS STENTS AUTO■ EXPANSÍVEIS geralmente são usados nas artérias carótidas. Eles são inseridos por meio de um cilindro cuja retração expande o stent. Um balão costuma ser usado depois para acomodá-lo melhor e comprimir a placa. Um filtro guarda-chuva pode ser usado durante o procedimento para coletar pedaços da placa que se soltam e obstruem a carótida causando derrame
Cilindro
Balão guarda-chuva
Placa de gordura rompida
➔ UMA VEZ ROMPIDA, a placa de gordura dispara um ■ mecanismo que tende a estreitar a passagem novamente. Os stents farmacológicos são revestidos por um polímero que libera drogas diluidoras durante semanas, impedindo o acúmulo de tecido fibroso sem interferir no crescimento de células endoteliais que normalmente revestem o vaso. Com o tempo, essas células recobrem a estrutura do stent, reduzindo a chance de que as plaquetas coagulem sobre ela
Camada de células endoteliais
Tecido fibroso Stent revestido com droga
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TECNOLOGIAS NO ENSINO Redes sociais aplicadas ao contexto escolar Usá-las como ferramenta pedagógica é um grande desafio aos professores Por Carlos Seabra
A
s redes sociais existem há milhares de anos, fazem parte da própria civilização e da cultura da humanidade de modo tão intrínseco que mal temos consciência de sua existência. Além das relações presenciais, há muito que a distância tem sido superada por mecanismos de comunicação como a escrita, os correios, a imprensa, o rádio, o telégrafo, a televisão etc. Entretanto, as redes sociais hoje estão em evidência e o senso comum designa cada vez mais por esse termo as redes que se desenvolvem através das tecnologias de informação e comunicação na internet (Twitter, Facebook, Foursquare, Delicious, Skoob, LiveMocha, Flickr, YouTube, Wikipédia e muitas mais), além de outros ambientes de interação na web. Sua interconexão com a mobilidade (celulares, smartphones e tablets) torna as redes sociais instrumentos ainda mais poderosos e naturais para que a humanidade faça o que sempre fez desde o início de nossa espécie: tecer relacionamentos, físicos ou virtuais, envolvendo finalidades profissionais, sexuais, amizades, casamentos, negócios… Como isso pode ser usado na educação é algo que necessita, principalmente, de acompanhamento e engajamento proativo dos professores, que podem por meio desses ambientes acompanhar, mais do que nunca, seus alunos − como pensam e se expressam − e assim desenvolver e adequar estratégias pedagógicas. A forma como as redes sociais podem ser usadas como ferramenta pedagógica – e certamente elas têm esse 14 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
grande potencial – é justamente um desafio para os próprios professores procurarem a resposta! O contexto está dado: as redes sociais são usadas pelos alunos de forma intensiva. O professor que apenas acompanhar o que seus alunos ali escrevem, veja os interesses, os assuntos discutidos, perceba como eles se comunicam, como articulam suas discussões, terá no mínimo um conhecimento ímpar de como seus alunos pensam e interagem. Usar os dispositivos de comunicação para o ensino e a aprendizagem, evitando que seja mais um dispersor de atenção, ainda é um grande desafio! Sem dúvida que tais recursos precisam ser usados, mas o caminho passa por inúmeras questões que não são novas mas ficam bastante agravadas com essas tecnologias. Há que se evitar, por um lado, o simples banimento da sala de aula ou da escola. Por outro lado, evitar também que sejam distrações que prejudiquem a aprendizagem, tirando o foco do que realmente interessa – que é o processo de construção do conhecimento. PACTO NECESSÁRIO Como usar um livro ou um filme na aula? Certamente boa parte dos professores terá algumas respostas para isso, embora saibamos o quão mal ainda se utilizam esses recursos na escola. Assim como não basta pegar um filme e exibi-lo em classe (é necessário pensar nas atividades antes ou durante sua apresentação, além de talvez exibir apenas um trecho significativo), também não se tra-
ta de “liberar” o uso do telefone celular em sala de aula. O uso de celulares em sala de aula é uma interessantíssima possibilidade ainda pouco estudada e aplicada, com contradições que podem ser mais um motivo de conflitos e proibições do que uma real oportunidade de ferramenta de ensino e aprendizagem. A grande preocupação e justo receio dos educadores é com o potencial desvio de atenção: imagine durante uma aula os alunos ficarem a conversar com namorados, familiares ou amigos! Mas o mesmo potencial distraidor podem ter as canetas e folhas de papel, pois um aluno pode não prestar atenção à aula e fazer outras coisas com esses recursos. Claro que o exemplo é fraco, pois o potencial de distração do celular é muito maior, canetas e papéis não tocam e não fazem outras tantas coisas… O principal, a nosso ver, é uma experimentação e um pacto do professor com os alunos: experimente discutir com eles os limites e as possibilidades, como uma abordagem inicial. É necessário pensar nas ações, nas tarefas, nos processos cognitivos envolvidos, ter uma estratégia pedagógica, seja para o uso de celulares seja para tablets ou mesmo computadores – e pensar isso não só na sala de aula, mas também na integração com outros momentos da vida dos alunos, na casa deles, em atividades extraclasse etc. Quando são meros distraidores, não utilizadas de forma integrada em estratégias de ensino e aprendizagem, essas tecnologias todas podem até atrapalhar mais
© Olaf Speier / Shutterstock
Os recursos dos celulares e as redes sociais podem ser aproveitados para acompanhar mais de perto os jovens e contribuir na sua formação
do que ajudar. Assim como papel e lápis por si não resolvem nada e até podem ser usados para produzir material preconceituoso, racista ou sexista, assim como o audiovisual pode apenas tirar a atenção e o foco de uma aula, tudo o que não seja pensado e não tenha uma proposta de uso consistente pode impactar negativamente. Não existem receitas prontas nem ditames a seguir. O grande desafio é justamente este: os educadores devem se apropriar das tecnologias para pensar que usos podem fazer delas. E não ter receio de experimentar, de errar, nem cair na armadilha de acreditar em soluções prontas e mágicas! O desenvolvimento do senso crítico é um dos esteios da educação, sem dúvida. O uso da internet e das redes sociais apenas permite maior integração e transparência das relações entre os alunos e deles com assuntos e temas de seu interesse. Cabe aos educadores aproveitar a possibilidade aberta por essas tecnologias para acompanhar mais de perto os jovens e construir, em conjunto com eles, novos processos integradores da formação crítica de cidadãos, de artistas, cientistas, profissionais, de seres humanos na mais plena acepção. Não basta colocar um monte de computadores, DVDs e outros artefatos nas escolas. É preciso focar os esforços nos processos de ensino e aprendizagem, de modo criativo e crítico, buscando aliar a inovação tecnológica, o lúdico e o motivacional, com a seriedade pedagógica que tantas vezes sucumbe ante as rotinas
desmobilizadoras e desinteressantes que são os verdadeiros geradores dos resultados dessas avaliações e colocam nosso país num patamar muitas vezes inferior a seu real potencial. As novas tecnologias de informação e comunicação são extensões do cérebro, permitem concretizar conceitos, juntar dados a informações significativas, desenvolver projetos que exijam a aplicação prática de conceitos teóricos… Mas é necessário levar em conta que o mero uso dessas tecnologias não garante maior domínio da linguagem ou do raciocínio, não assegura a formação cultural nem o desenvolvimento de cidadãos, pois isso somente é assegurado quando há uma efetiva apropriação pelo projeto pedagógico, e esse é o desafio que torna os professores o elemento central dessa questão. ALÉM DA INCLUSÃO DIGITAL Potencializar a aprendizagem pela tecnologia será um fato somente se houver o engajamento dos professores e dos alunos em projetos específicos – mas isso não ocorre espontaneamente, a não ser em casos esporádicos. Envolver os alunos em atividades que levem à leitura e escrita, ao raciocínio, à pesquisa e à produção, pela comunicação escrita, seja pela redação de pequenos contos, poesias ou minirreportagens e publicação em blogs, permite que esse potencial redunde em estímulo e facilitação da aprendizagem. É fundamental que os professores coloquem a “mão na massa”, que
experimentem, que se apropriem. Sem isso, abrir-se-á um grande fosso entre eles e seus alunos, e mais ainda, entre eles e um mundo cada vez mais digital. As tecnologias, disseminadas em larga escala e que estão sendo usadas até pelas classes mais carentes, devem ser pensadas também do ponto de vista dos educadores, que deverão aplicá-las cotidianamente em sala de aula, não só para se atualizar, mas também para transformá-las em instrumentos pedagógicos. O papel do professor é cada vez mais o mesmo: que ele deve ser, sempre, um estimulador da aprendizagem, que saiba perceber o que se passa na cabeça de seus alunos, que identifique suas dificuldades de aprendizagem, que procure criar estratégias facilitadoras da construção do conhecimento. A função de educar não é mais dominar todas as informações e as repassar aos alunos, mas sim acompanhá-los na pesquisa dessas informações, estimulando o pensamento crítico e autônomo e preparando-os para aprenderem a aprender. Outro aspecto importante a considerar é que, a cada dia, mais pessoas das classes mais carentes têm acesso às novas tecnologias, incluindo internet e celulares. Mesmo a imensa parcela da população que ainda não tem acesso será incluída, com o barateamento do custo dos equipamentos e políticas de universalização. O grande desafio é desenvolver estratégias pedagógicas, atividades motivadoras e projetos que levem à construção do conhecimento, com a finalidade de em promover uma “inclusão cognitiva” para além da chamada inclusão digital. n
o autor Carlos Seabra é editor de publicações e produtor de conteúdos culturais e educacionais de multimídia e internet, consultor e coordenador de projetos de tecnologia educacional e redes sociais, autor de diversos artigos, jogos de entretenimento, softwares educacionais e sites culturais, educacionais e corporativos. Atualmente, é coordenador técnico pedagógico na gerência de Inovação e Novas Mídias da Editora FTD, membro do Conselho Consultivo do Instituto Claro, membro do Conselho Deliberativo da Aliança Francesa de São Paulo, membro do Conselho Fiscal do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital, membro do Conselho Editorial da revista A Rede e presidente do Conselho Fiscal do Instituto Intranet Portal.
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16 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
EDUCAÇÃO
Desafios para formar um bom
Professor
ILUSTRAÇÃO DE BENJAMIN SIMON
de ciência
Experiência e diplomas contam menos em sala de aula que o domínio da ciência e da matemática, ao lado do bom e velho dinamismo POR PAT WINGERT SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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um galpão reformado em uma área envelhecida de Troy, Nova York, Katie Belluci, de 25 anos, arrebata a atenção de 27 alunos da 5a série. Eles estão cantando, batendo os pés, aplaudindo e erguendo as mãos – num entusiasmo muito maior que se esperaria. A classe está trabalhando em grupo com um problema envolvendo uma equipe fictícia de basquete com uma relação ganho/perda de 9 a 3. Qual a parcela de perdas em relação ao total de jogos disputados? Katie envolve a todos no processo de cálculo. (“O que precisamos fazer primeiro?”) Quando a classe chega a uma fração – ganhos mais perdas, dividido pelas perdas, ou (9 + 3):3 – ela os estimula a reduzir a equação. “OK, quem tem o MDC?”, pergunta, referindo-se ao máximo divisor comum. Ela percorre os corredores para cima e para baixo, elogiando um aluno, e depois outro por cada bloco da solução. Os estudantes acompanham todos os seus movimentos, sabendo que ela pode chamá-los, mesmo que estejam com as mãos abaixadas. “Estou vendo muitas luzes e esmero”, comemora. Se uma resposta surge com facilidade ela segue adiante com aquele
Nos últimos anos uma pilha crescente de pesquisas mostrou que um bom professor é a variável mais importante para o melhor desempenho dos estudantes em cada disciplina. Um bom professor fica acima de fatores como condição socioeconômica, tamanho da classe, estrutura do currículo e nível educacional dos pais. Um estudo de Eric Hanushek, da Stanford University, mostrou que os estudantes com professores altamente eficientes obtêm cerca de três vezes mais ganhos acadêmicos que aqueles com mestres menos talentosos, independentemente do perfil demográfico do aluno. E esse é exatamente o problema com o ensino de matemática e ciências: há poucos professores como Katie. A taxa de abandono deles é elevada e o sistema educacional recompensa os professores de que dispõe por razões equivocadas. A crise não tem passado despercebida. Autoridades políticas, educadores e empresas americanas não centravam tanto foco no aprimoramento da educação de matemática e ciências desde que os russos lançaram o Sputnik, em 1957. Foram pressionados a agir pela desaceleração econômica do país e pela competitividade cada vez maior da China, incluindo as notas elevadas de seus estudantes em testes internacionais. Protagonistas importantes, como o presidente Barack Obama, consideram o 18 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
estudante, perguntando-lhe como e por que chegou à solução apresentada. O sino toca e, enquanto as crianças se enfileiram para o almoço, cada uma delas entrega a Katie um “bilhete de saída” – a solução dos dois problemas que exemplificam a lição do dia, que ela vai analisar para determinar se a classe atingiu o objetivo da aula. Troy Prep, onde Katie ensina, é uma das escolas públicas de mais alto desempenho no estado de Nova York, embora a maioria de seus estudantes venha de famílias de baixa renda. Em 2011, no segundo ano de funcionamento da escola, 74% dos seus alunos de quinta série obtiveram nível de “proficiência” no exame de matemática do estado de Nova York, ante apenas 66% entre os estudantes de 5o ano de todo o estado. Ainda mais impressionante, após dois anos na escola, 100% dos alunos da 6a série da Troy Prep ficaram na faixa de proficiência. Qual a razão do sucesso da escola? Doug Lemov, um dirigente da Uncommon Schools Charter Network, a que a Troy Prep está integrada, não hesita: professores excepcionais e bem treinados como Katie.
desempenho inferior do país em ciências e matemática como ameaça direta à competitividade futura. Segundo os resultados de dois testes de avaliação de desempenho escolar do Nation’s Report Card divulgados este ano, 32% dos alunos de 8a série dos Estados Unidos são proficientes em ciências e 35% em matemática. Enquanto isso, estudantes de Xangai obtiveram as maiores notas nos testes de matemática e ciência do Program for International Student Assessment (Programa Internacional para a Avaliação de Estudantes) de 2010 e os americanos ficaram apenas na faixa média. Para ajudar a diminuir essa diferença, o presidente Barack Obama propôs injetar novos talentos no sistema escolar. Sua receita: tornar prioridade nacional a preparação de 100 mil professores de matemática e ciências altamente eficazes até 2020 e elevar o padrão de ensino de ciências e matemática em todos os 50 estados americanos “Manter nossa liderança em pesquisa e tecnologia é crucial para o sucesso da América”, disse Obama durante seu discurso sobre o Estado da União, no ano passado. De fato, estimulados pela Casa Branca, os Estados Unidos parecem ter embarcado numa imensa experiência nacional sobre como tornar mais eficaz o ensino de matemática e ciências. Cada
vez mais a pesquisa está mostrando que muito do que pensávamos saber sobre como preparar e recompensar professores está errado. Pelo senso comum, por exemplo, Katie não teria metade da eficácia que demonstra. Antes de ir para Troy Prep ela não tinha experiência em classe e nunca obteve um grau de mestre em educação. O que ela tem, e que a pesquisa tem mostrado que é ainda mais importante, é um forte domínio de sua área de ensino: ela é bacharel em matemática aplicada e trabalhava com números numa empresa de engenharia antes de mudar de carreira. Mas, na maioria das escolas distritais, os aumentos de salários e benefícios de aposentadoria dos professores estão ligados à experiência e a uma pós-graduação. De fato, o tempo em sala de aula não prevê tão bem as conquistas do aluno quanto muitos especialistas supunham. A proficiência dos novos professores tipicamente cresce por alguns anos e então se estabiliza; a diferença entre as notas atingidas por estudantes com um professor muito experiente e um que atue em classe por três anos, como Katie, é pequena. Títulos de graduação não se traduzem necessariamente em desempenho melhor. Analistas suspeitam que isso se deve ao fato de 90% desses graus serem mestrados em educação geral, e não em uma área específica.
FONTE: “BREAKING THE CYCLE: AN INTERNATIONAL COMPARISON OF U.S. MATHEMATICS TEACHER PREPARATION”, DA MICHIGAN STATE UNIVERSITY CENTER FOR RESEARCH IN MATHEMATICS AND SCIENCE EDUCATION, 2010
“UM SISTEMA CAÓTICO” A mudança de legislação não tem sido fácil. Desde 2001 e da aprovação da lei No Child Left Behind (Nenhuma criança deixada para trás), no governo do ex-presidente George W. Bush, a maioria dos novos professores americanos de ensino médio deveria ter graduação em sua disciplina. Até 2008, no entanto, apenas 25% dos professores de ciências e matemática em todos os níveis de ensino dispunham de diploma universitário ou de pós-graduação conferido por uma escola ou departamento de matemática ou ciências. Isso é atribuído, em parte, à fraca retenção de professores. A cada ano, 25 mil professores de matemática e ciências, de um corpo de 477 mil, deixam a profissão, com quase dois terços citando insatisfação com o trabalho. Para preencher as vagas, cada estado adotou suas próprias normas e regulações para contratações “alternativas” e de “emergência”, alguns com excelente treinamento, outros não. Em geral, os padrões de certificados dos professores ainda variam amplamente de estado para estado. Alguns professores aspirantes à escola fundamental, como os de Massachusetts, têm de frequentar rigorosas aulas de matemática destinadas a docentes e se submeter a duros exames para provar conhecimento do conteúdo. Em outros estados, incluindo Arkansas e Nevada, os eventuais professores precisam apenas repetir um curso que fizeram na faculdade ou uma complementação destinada mais a reduzir sua ansiedade em matemática que a aumentar seu domínio da matéria, segundo o Conselho Nacional sobre Qualidade dos Professores. Esse tipo de treinamento é tímido na comparação com o oferecido por países de maior sucesso educacional. Um estudo de 2007 sobre o conhecimento do conteúdo da disciplina entre pretendentes à carreira de professor de matemática de escolas de ensino elementar e médio em 16 países descobriu que os futuros professores americanos sabem menos matemática que muitos de seus colegas. (Nos Estados Unidos, o ensino elementar vai do pré até a 5a série e o ensino médio vai da 6a à 8a série.) Enquanto quase todos os futuros professores de ensino médio em Cingapura, Alemanha, Taiwan e Coreia tiveram cursos de álgebra linear e cálculo básico, apenas cerca da metade dos futuros docentes americanos frequentou esses cursos fundamentais. Em relação ao conhecimento de álgebra, os professores americanos apareceram em último lugar. Uma das razões disso é que não há acordo sobre como deve ser um programa de preparação do professor de qualidade de matemática ou de qualquer outro assunto. “Alguns [colégios de professores americanos] podem competir com os melhores do mundo”, diz William Schmidt, da Michigan State University, que dirigiu a parte da pesquisa. “Mas outros são mais como os de Botsuana.” De forma igualmente perturbadora, a pesquisa mostrou que os programas de preparação de professores nos Estados Unidos com a classificação mais baixa em conhecimento de matemática dos futuros docentes tendem a estar nas grandes universidades públicas, que produzem o maior número de professores. “O mais baixo perfil da distribuição – as faculdades cujos alunos não sabem muita matemática – produz mais da metade dos futuros professores de ensino médio de matemática”, aponta Schmi-
Não tão preparados para inspirar
Americanos que estão concluindo treinamento para ensinar matemática em escolas de nível médio sabem significativamente menos geometria, álgebra e números (domínio que inclui frações e decimais) do que seus colegas em Taiwan e Cingapura. Eles também sabem menos sobre como os estudantes aprendem matemática e as melhores formas de ensiná-los.
Conhecimento de conteúdo de matemática (futuros professores de ensino médio)
Extensão
Taiwan
Média
Federação Russa Cingapura Polonia Suíça Alemanha EUA (privado) EUA (público) Malásia
Não muito diferente dos Estados Unidos. (público)
Tailândia Omã Noruega Filipinas Botsuana Geórgia Chile Pontuação no Teste
baixa
300
500
700
alta
700
alta
Conhecimento de pedagogia de matemática (futuros professores de ensino médio)
Taiwan Federação Russa Cingapura Suíça Alemanha Polônia EUA (privado) EUA (público) Tailândia Omã Malásia Noruega Filipinas Geórgia Botsuana Chile Pontuação no Teste
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Como preparar bons professores?
Valorizar a carreira e investir na educação são condições fundamentais Por Otaviano Helene Precisamos atrair bons estudantes para a carreira docente e convencê-los a se dedicarem à tarefa para a qual serão formados. Mas, embora necessário, isso pode não ser suficiente. Por melhor que seja a formação, se um professor não tiver bom ambiente escolar, de pouco adiantará. Assim, se um país não oferece bons ambientes escolares, terá dificuldades em atrair jovens para a carreira docente. No Brasil, precisamos superar muitas barreiras. A maioria dos professores da educação básica, por exemplo, atua em escolas públicas, onde está a maioria dos estudantes. Nessas escolas, os salários do pessoal com curso superior completo são, em média, próximos da metade da média salarial dos demais trabalhadores com mesmo nível de formação escolar. Essa é uma enorme barreira. Na verdade, nas áreas das ciências básicas, muitos cursos de licenciatura nem esgotam as poucas vagas oferecidas. Mas o desestímulo salarial ainda cria outra dificuldade: para compensar a baixa remuneração, muitos professores têm carga excessiva de trabalho, o que significa pouco tempo para preparar aulas, estudar, atender os alunos, corrigir trabalhos etc. Mas mesmo uma pessoa bem formada e motivada encontrará uma barreira adicional para continuar a ser um bom professor: o tamanho das classes, grandes demais para permitir uma devida atenção aos alunos,
dt. “Os estados precisam fechar as instituições que estão fazendo um trabalho realmente fraco.” Há, no entanto, razões para otimismo. Alguns estados embarcam em ambiciosas agendas de reformas, ajudados por conceituados programas de treinamento de professores, que estão crescendo com a entrada de recursos de empresas e organizações sem fins lucrativos. Nos últimos anos, os melhores professores de matemática de Louisiana, um estado que passa por uma grande reforma de seu programa de treinamento de professores, têm vindo do Teach for America (Ensine pela América), o programa nacional altamente competitivo que recruta os melhores alunos formados pelas melhores faculdades do país para um compromisso de ensinar 20 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
conhecer suas necessidades e interesses. Para superar esse obstáculo é preciso mais professores em atuação. Há, ainda, a carência de infraestrutura das escolas: laboratórios, bibliotecas e mesmo salas de aula adequadas. O número insuficiente de professores implica carência em determinadas disciplinas. Há ainda barreiras econômicas. Embora a escola pública seja gratuita, frequentá-la tem um custo financeiro, pois gera despesas adicionais para as famílias: tanto por induzir a gastos como pelo fato de que, ao estudar, o jovem ou a criança não pode ajudar nas tarefas domésticas, provocando, eventualmente, perda de renda de outras pessoas que trabalham. Assim, faltas constantes de alunos são comuns, o que leva muitos estudantes a ficar defasados. Se bons estudantes dependem de bons professores, o reverso também é verdadeiro. É difícil, ou mesmo impossível, ser um bom professor se os alunos levam para as escolas graves problemas domésticos. Um bom professor deve poder adaptar suas aulas às necessidades de seus alunos, claro que respeitando as exigências curriculares. Mas muitas redes públicas de ensino avaliam seus professores com base no desempenho dos alunos em testes padronizados e oferecem livros e apostilas
por dois anos em escolas com dificuldades para preencher seus quadros. Os recrutados pelo Teach for America têm notas em exames de admissão em faculdades mais altas em matemática do que a maioria dos professores, e alguns dados mostram que as notas mais elevadas estão correlacionadas com maior eficácia, revela Jeanne Burns, comissária associada de iniciativas de educação do Conselho de Docentes de Louisiana. Estudos do Teach for America em escolas do Tennessee e Carolina do Norte mostram resultados igualmente positivos dos estudantes de ciências. Até agora, apenas cerca de um terço dos membros do Teach for America se especializou em ciências ou matemática, mas isso está para mudar. Em fevereiro passado a organização se comprometeu
também padronizados que devem ser seguidos. Pressionados pelo processo de avaliação, que pode gerar prêmios e punições, os professores perdem a chance de adaptar suas aulas aos interesses, limitações e necessidades dos alunos. Não há como encorajar o conhecimento, a criatividade e o interesse natural das crianças e dos jovens com tantas amarras. Temos muitos dos problemas americanos, apontados por Pat Wingert. Mas temos ainda outros, ainda que sejam solucionáveis. Neste momento, o Congresso Nacional discute um Plano Nacional de Educação, com duração de dez anos. Esse plano tem metas ambiciosas, mas factíveis, se uma delas, a do financiamento da educação pública, for aprovada. Se isso ocorrer, em não mais que uma década nos livraremos de um sistema educacional que compromete o desenvolvimento social e cultural do país, afetando a produção de bens e serviços. Nesse caso, também nossos cursos superiores de formação de docentes se tornarão atraentes, as classes serão menores, os professores terão cargas de trabalho adequadas e as escolas serão bem equipadas. Então, teremos condições para que todas elas tenham bons professores. Otaviano Helene, físico, é colaborador de Scientific American Brasil.
a recrutar 11 mil novos professores de ciências e matemática até 2015 para os 31 estados que atende. O lado negativo é que muitos dos recrutados desistem de ensinar depois de uns poucos anos. Um programa-modelo para reter bons professores é o UTeach, um treinamento inovador de docentes criado na University of Texas em Austin, no fim dos anos 90. O objetivo é preparar mais professores de ciências e matemática com profundo conhecimento de suas disciplinas. O programa oferece a calouros que têm matemática ou ciência entre suas disciplinas principais dois semestres de graça de oficinas pedagógicas com orientadores. Cinco anos depois, 82% de seus professores permanecem nas salas de aula. O UTeach atribui esses números elevados ao
Estes três fatores são determinados no nascimento ou início da vida e não influenciados por qualquer outra variável no modelo. Destes, o nível educacional dos pais é o maior prognosticador da busca futura da ciência pelo estudante.
Base educacional dos pais
Estímulo dos pais e da escola no colegial
Gostava de matemática como disciplina no colegial
Habilidade de leitura do estudante no colegial Estímulo do professor de matemática no colegial
Pais empregados no campo STEMM
Gênero do estudante (masculino)
Aprovado em matemática (12a série)
Recursos para aprendizado de ciências em casa
O diagrama à esquerda, conhecido como modelo de caminho, mostra como a família e o ambiente da escola interagem para prever a probabilidade de os estudantes se especializarem em ciência, tecnologia, engenharia, matemática ou medicina (STEMM, na sigla em inglês). Pais altamente instruídos têm mais chances de estimular seus filhos em matemática e ciências, tornando mais provável que eles aprendam bem matemática e cursem cálculo na 12ª série (a última do colegial). A conclusão de cálculo no colegial é um dos maiores indicadores de uma graduação em STEMM. O modelo também mostra que os pais têm probabilidade um pouco maior de estimular mais os meninos que as meninas, enquanto os professores têm probabilidade levemente menor de encorajar mais os meninos que as meninas.
Concluiu curso de cálculo no colegial
Seguir álgebra no ensino médio e colegial
Estímulo dos pais em matemática/ ciências no colegial
Passos para a Ciência
Estudantes com notas mais altas em leitura no ensino médio têm maior probabilidade de sobressair em matemática.
Estímulo do professor de ciências no colegial
Aprovado em ciência (12a série) Gostava de ciência como disciplina no colegial
Planejou se especializar em STEMM na faculdade
Matriculou-se no campo STEMM na faculdade
Os círculos amarelos marcam as variáveis que melhor preveem a decisão de um estudante de se especializar em ciência, tecnologia, engenharia, matemática ou medicina no ensino superior. Relação mais forte
Relação mais fraca Relação negativa
FONTE: “PATHWAYS TO A STEMM CAREER”, POR JON D. MILLER E LINDA G. KIMMEL, EM PEABODY JOURNAL OF EDUCATION, VOL. 87, Nº 1, 2012. COM BASE EM DADOS DO LONGITUDINAL STUDY OF AMERICAN YOUTH
Eixo horizontal: ordem cronológica
fato de que oferece aos estudantes tempo suficiente em classes reais desde o início “para que decidam se gostam de ensinar ou não”, diz Mary Ann Rankin, ex-reitora do Departamento de Ciências Naturais da University of Texas em Austin que ajudou a lançar o programa. “Alguns são seduzidos assim que têm uma experiência realmente divertida e veem como isso pode ser compensador.” O UTeach Institute foi reconhecido pelo Conselho de Assessores Econômicos do presidente, entre muitos outros grupos, e tem atraído financiamento suficiente de organizações sem fins lucrativos e empresas para se expandir. Nos últimos três anos, o número de campi que oferecem o programa triplicou para 30 em 14 estados. (A maioria cria suas próprias
versões do nome engenhoso: o da University of Kansas é UKan Teach.) Enquanto isso Mary Ann, que no ano passado se tornou presidente e CEO da Iniciativa Nacional para a Matemática e a Ciência, se comprometeu a manter sua expansão. Seu objetivo: 4 mil professores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (as chamadas disciplinas STEM, na sigla em inglês) preparados pelo UTeach até 2015. Outros programas de treinamento de professores têm tido sucesso ao recrutar profissionais com bons conhecimentos de matemática e ciências nos estágios posteriores de sua carreira. The New Teacher Project (TNTP), ou Projeto Novo Professor, centra o foco em pessoas na casa dos 20 e 30 anos “que fizeram a escolha errada [de carreira] no início” e ainda têm
baixos custos de oportunidade para mudar para o magistério, relata Tim Daly, presidente da TNTP. O programa, uma organização de treinamento alternativo criada pela ex-diretora de escolas de Washington, D.C. Michelle Rhee, oferece preparação de professores de graça para seus bolsistas, que ganharão um grau de mestre subsidiado em educação enquanto lecionarem. Todos os seus professores de matemática e ciências têm bases sólidas em suas disciplinas, como Katie. “Costumávamos pensar que havia todas essas pessoas que deixariam seus empregos e voltariam para a escola, onde obteriam um crédito para pagar por seus programas de mestrado para que pudessem se tornar professores e que ganhariam uma ninharia no outro lado. Isso SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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O que os cientistas dizem
SCIENTIFIC AMERICAN colaborou com Adam Maltese, pesquisador em ciência da educação da Indiana University, em um estudo com o objetivo de entender melhor as experiências de estudantes e professores de ciência, matemática e engenharia. Com base em dados de uma amostra aleatória de universidades e voluntários on-line que completaram a pesquisa, homens e mulheres que buscam as disciplinas STEM tendem a se interessar por ciências na escola elementar. Mulheres têm mais probabilidade do que os homens de selecionar um professor, uma classe na escola, a resolução de problemas de matemática e passar tempo ao ar livre, enquanto os homens foram mais influenciados por consertos, construções e leituras. Quando homens e mulheres entram na faculdade, a paixão pelo campo supera de longe todas as outras influências como a principal razão de sua persistência.
Quando você se interessou por STEM? Antes do ensino elementar Ensino elementar Ensino médio Colegial Faculdade Após faculdade
Que tipo de experiência despertou seu interesse? Nenhum evento específico (intrínseco) Aula na escola Construção/conserto Livros/revistas Problemas de matemática/jogos de lógica Passar tempo ao ar livre
Masculino Feminino
Quem foi responsável por despertar seu interesse? Eu Pais/responsáveis Professores Outros parentes Amigo 0%
10%
20%
30%
40% 30%
Por que você persistiu? Paixão pelo campo
20%
Boas notas Influência da família Aulas interessantes Influência do professor
10%
Clube escolar/atividades Interesses de carreira Experiência em pesquisa Necessidade econômica Ensino médio
Colegial
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Faculdade
não acontece muito”, garante Daly. “Descobrimos que o ponto ideal para recrutar pessoas é entre 25 e 35 anos. Elas têm poucos anos de carreira, uma série de competências em matemática ou ciências e um desejo de ensinar como vocação, não como uma experiência de curto prazo. São boas nessas disciplinas e altamente motivadas, orientadas por uma missão e querem lecionar em uma escola onde são muito necessárias.” Embora o TNTP – como o Teach for America – seja criticado por defensores das escolas de formação de professores por seu cronograma condensado de treinamento, os programas alternativos que recrutam pessoas com conhecimento profundo do conteúdo são peça essencial para a solução do ensino nas disciplinas STEM, avalia Daly. “Se não oferecermos certificados alternativos, alguém vai se oferecer para fazer isso?”, pergunta. “Acredito que a resposta seja não – ninguém vai enfrentar dificuldade financeira em meio de carreira, quando tem um hipoteca e uma família, para voltar à escola e se tornar professor. O número de interessados em fazer isso é zero.” Enquanto educadores e pesquisadores aprendem mais sobre os melhores meios de atrair e treinar professores, também estão formulando uma receita melhor para reter os profissionais. Matthew G. Springer, professor-assistente de educação e política pública da Vanderbilt University, acredita que o salário pode não ser um motivador tão claro como se pensa. “Há apenas um pequeno conjunto de estudos rigorosos sobre programas de remuneração por mérito”, diz Springer, “e o número de diferentes formas para elaborá-los é enorme. Testamos apenas uns poucos modelos.” Mas, acrescenta, a Pesquisa sobre Escolas e Pessoal do Departamento de Educação dos Estados Unidos mostrou que é quase duas vezes mais difícil encontrar um bom professor de ciências ou matemática que um professor de ensino elementar e “se poderia concluir que isso se deve ao fato de que não há mais remuneração orientada pelo mercado”. O que está ficando mais claro é a ideia de que excelente treinamento e satisfação no emprego caminham lado a lado. Julia Toews, diretora da Basis Tucson, uma escola charter de 700 alunos entre as de melhor desempenho do país em ciências e matemática, usa uma combinação de remuneração competitiva, desenvolvimento constante e feedback regular para manter seu pessoal motivado. Seus professores tendem a vir das fileiras da academia, graduados e estudantes de pós-doutorado que decidiram que gostam mais de ensinar que de pesquisar. Lemov, da Uncommon Schools, concorda que um treinamento inadequado pode ser a causa do abandono antecipado da profissão por muitos professores. “Quem não conhece várias pessoas que foram professores e agora são corretores de imóveis?”, pergunta ele. “Sem treinamento devido, elas não são bem-sucedidas. Quando alguém decide ensinar, sabe que poderá não ser bem pago, mas acredita que fará diferença. Este é, de fato, um dos mais difíceis empregos do mundo. Temos de dar às pessoas que fazem esse trabalho as melhores ferramentas.” Como seriam essas ferramentas? Em outras palavras, quais seriam as técnicas específicas que, nos termos da Casa Branca, “preparam e inspiram” os estudantes? Há pouca pesquisa conclusiva, particularmente no que se refere ao ensino da ciência, escrevem os autores do relatório “Preparando Professores”, de 2010, do
Conselho de Pesquisa Nacional. Especialistas concordam que os estudantes precisam de uma mistura de conhecimento factual, oportunidades para praticar a pesquisa científica e uma compreensão da “natureza da ciência”, que se refere a como os cientistas reúnem e dão sentido a novas informações. Há dados melhores em relação à matemática. Os estudantes devem memorizar fatos como tabuada e trabalhar com conhecimentos conceituais profundos antes de chegar aos níveis mais elevados da matemática. Há também “alguma evidência” que sustenta o uso de aprendizado cooperativo e avaliações individuais para personalizar o ensino do estudante. Mas há mais concordância sobre o que deve ser ensinado do que sobre o melhor jeito de ensinar. Esforços para mudar isso estão sendo feitos. Deborah L. Ball, reitora da Faculdade de Educação da University of Michigan, se dedicou por mais de uma década a identificar que habilidades específicas os novos professores devem ter para assumir uma classe. O programa que ela ajudou a criar, Mathematical Knowledge for Teaching (Conhecimento de matemática para o ensino), tem como objetivo ensinar novos instrutores a diagnosticar por que um estudante está confuso, a manter a atenção da classe e a reunir uma caixa de ferramentas que inclui, por exemplo, uma variedade de estratégias para explicar as frações. Sua própria experiência em classe, assim como seus anos como pesquisadora, diz Deborah, a convenceram de que é “muito equivocado” pensar que ensinar bem é “intuitivo”. Os professores com pontuação elevada no teste de habilidades do Mathematical Knowledge for Teaching têm maior probabilidade de fazer o estudante ser bem-sucedido que os que vão bem em testes diretos de matemática, diz Paul Cobb, da Vanderbilt, que ensina as estratégias para seus próprios alunos e para professores experientes que buscam se aprimorar. Juntamente com sua colega Kara Jackson, da McGill University, Cobb tem comprovado um aumento sensível no aprendizado dos alunos com o treinamento de professores experientes para usarem essas mesmas técnicas. Mas ele reconhece que os grupos são peque-
nos − 12 a 15 de cada vez – e que os esforços levaram mais de um ano. O desafio agora é descobrir como fazer esse tipo de treinamento em escala maior. “Sabemos que há escolas excepcionais”, diz Cobb. “Estamos interessados em criar distritos excepcionais.” Lemov identificou também 49 técnicas que, em suas palavras, “separam os grandes professores dos apenas bons”. Ele passou anos observando professores “superstar”, concentrando-se nos traços concretos, reproduzíveis, que os tornam altamente eficazes. Primeiro, a equipe de Lemov centrou o foco em como fazer as instruções de leitura mais eficazes e agora está fazendo o mesmo com matemática e ciências, produzindo professores como Katie. Entre os fatores que a equipe notou até agora estão: não deixar os estudantes em dúvida (voltar a um estudante que respondeu incorretamente a uma questão para se certificar de que a resposta correta foi compreendida) e normalizar o erro (mostrando aos estudantes que ter alguns erros antes dos acertos é normal). AMBICIONANDO O TOPO Enquanto prossegue o debate sobre as melhores formas de reformar o treinamento de professores de matemática e ciências o governo Obama tem prometido continuar estimulando a educação STEM desde o púlpito da Casa Branca até o Tesouro. Seu programa Race to the Top (Corrida para o Topo), uma série nacional de competições que recompensa os estados com as reformas educacionais mais ambiciosas com bilhões em ajuda financeira federal extra, motivou a modificação de seus programas de avaliação de professores e facilitou a abertura de escolas charters como a Basis e a Uncommon e a contratação de professores com treinamento alternativo (como os da Teach for America e TNTP). As competições estimularam os estados a fazer mais para recrutar professores STEM com maior domínio da disciplina e a relacionar o desempenho dos estudantes às reformas educacionais. Estímulo em dinheiro foi oferecido para que as escolas modernizem seus laboratórios de ciência e recursos federais estão financiando projetos como os
do Programa de Bolsas para Professores Robert Noyce, que paga o treinamento de professores para os principais graduados em ciência e matemática em campus universitário. Mesmo assim, o governo sabe que precisa fazer muito mais. Essa é uma das razões por que funcionários do governo estão trabalhando com a Carnegie Corporation, organização sem fins lucrativos de Nova York, no que eles chamam de esforço “100 Kin10”, ou “100 mil em 10”, para formar 100 mil professores STEM em dez anos. No último ano, eles conseguiram que mais de 100 governos, empresas e organizações sem fins lucrativos aderissem à causa e levantassem US$ 24 milhões em sua primeira rodada de arrecadação junto a grupos que incluem a Fundação Bill & Melinda Gates, Google e Fundação Michael & Susan Dell. Eles estão prometendo aos doadores que o investimento será restrito aos programas de treinamento de professores que já provaram sua eficácia ao se submeterem à verificação dos pesquisadores da University of Chicago. (Até agora, o UTeach e o Teach for America estão entre as dezenas que receberam sinal verde para investimento, assim como a California State University, Arizona State University, Michigan State University, Boston College e a Woodrow Wilson National Fellowship Foundation.) Embora ainda haja um longo caminho a percorrer, é indiscutível a importância desse esforço. n
A AUTORA Pat Wingert, repórter de educação da revista Newsweek por longo tempo, recentemente concluiu um ano como Spencer Fellow for Education Journalism na Columbia University, estudando a reforma do ensino de matemática e ciência. Ela trabalha em Washington, D.C. PARA CONHECER MAIS Breaking the cycle: an international comparison of U.S. mathematics teacher preparation. Michigan State University Center for Research in Mathematics and Science Education, 2010: http:// hub.mspnet.org/index.cfm/20671. Preparing teachers: building evidence for sound policy. National Research Council.National Academies Press, 2010. Teach like a champion: 49 techniques that put students on the path to college. Doug Lemov. Jossey-Bass, 2010. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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ILUSTRAÇÃO DE TOM BEDDARD
FRACTAIS, como esta pilha de esferas criada com um software de modelagem 3-D, são uma das estruturas matemáticas inventadas por motivos abstratos; contudo, conseguem captar a realidade.
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MATEMÁTICA
Por que a Matemática funciona? POR MARIO LIVIO
A matemática foi inventada ou descoberta? Para o astrofísico israelense nascido na Romênia Mario Livio, ambas as respostas são corretas
A
maioria de nós tem por certo que a matemática funciona – que os cientistas podem desenvolver fórmulas para descrever eventos subatômicos ou que os engenheiros podem calcular trajetórias para naves espaciais. Aceitamos o ponto de vista, inicialmente defendido por Galileu, de que a matemática é a linguagem da ciência e esperamos que sua gramática explique resultados experimentais e até prediga novos fenômenos. O poder da matemática, de fato, é surpreendente. Considere, por exemplo, as quatro famosas equações do físico escocês James Clerk Maxwell: elas não só resumem tudo o que era conhecido sobre eletromagnetismo na década de 1860, como anteciparam a existência das ondas de rádio duas décadas antes de o físico alemão Heinrich Hertz detectá-las. Poucas linguagens são tão abrangentes, sucintas e têm tamanha precisão. Albert Einstein ponderou: “Como é possível que a matemática, produto do pensamento humano, independente da experiência, ajuste tão perfeitamente os objetos da realidade física?”. Como astrofísico teórico em atividade sempre deparo com a visível “quase impensável eficácia da matemática”, como o Nobel de Física Eugene Wigner a denominou em 1960, em cada etapa do meu trabalho. Independentemente de eu estar me esforçando para entender que sistemas progenitores produzem as explosões estelares – conhecidas como supernovas do tipo Ia – ou calcular o destino da Terra quando o Sol se tornar uma gigante vermelha, as ferramentas que uso e os modelos que desenvolvo são matemáticos. A maneira incomum como
a matemática apreende o mundo natural tem me fascinado e, há dez anos, resolvi olhar para a questão mais profundamente. No centro desse mistério está um argumento que matemáticos, físicos, filósofos e cientistas CIENTISTA COGNITIVO cognitivos tiveram durante séculos: a Pesquisador dedicado à matemática seria um conjunto de fer- ciência cognitiva, que esturamentas inventado, como Einstein da com bases empíricas a natureza do conhecimento. acreditava? Ou ela realmente existe em algum domínio abstrato, com os seres humanos meramente descobrindo suas verdades? Muitos grandes matemáticos – incluindo David Hilbert, Georg Cantor e o grupo conhecido como Nicolas Bourbaki – compartilham a mesma opinião de Einstein, associada a uma escola de pensamento chamada formalismo. Mas outros pensadores ilustres – entre eles Godfrey Harold Hardy, Roger Penrose e Kurt Gödel – têm opinião contrária: o platonismo. Esse debate sobre a natureza da matemática se acirra hoje e parece escapar de uma resposta. Acredito que, simplesmente questionando se a matemática foi inventada ou descoberta, ignoramos a possibilidade de uma resposta mais complexa: ambas, invenção e descoberta, desempenham um papel crucial. Eu sustento que, juntas, explicam por que a matemática funciona tão bem. Embora a eliminação da dicotomia entre invenção e descoberta não explique totalmente a irracional eficácia da matemática, o problema é tão profundo que até mesmo um pequeno passo para resolvê-lo é um progresso. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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abstração de elementos do mundo ao seu redor – formas, linhas, conjuntos, grupos e assim por diante – seja para algum propósito específico ou simplesmente por diversão. Passam então a descobrir conexões entre esses conceitos. Como esse processo de invenção e descoberta é produzido pelo homem – ao contrário do tipo de descoberta que os platônicos aceitam –, nossa matemática é, em última análise, baseada em nossas percepções e nas imagens mentais que podemos conjecturar. Temos um talento inato, chamado “subitaneidade”, para instantaneamente reconhecer quantidade, o que, sem dúvida, levou ao conceito de número. SELEÇÃO E EVOLUÇÃO Michael Atiyah, um dos maiores matemáticos do século 20, apresentou um elegante experimento mental que revela como a percepção colore os conceitos matemáticos que adotamos – mesmo os aparentemente tão primários como os números. O matemático alemão Leopold Kronecker expressou-se admiravelmente: “Deus criou os números naturais, todo o resto é obra do homem”. Mas imagine se a inteligência em nosso mundo não estivesse com a humanidade, mas com uma água-viva, única e isolada, flutuando no oceano. Tudo em sua experiência seria contínuo, do fluxo da água em torno de si mesma às flutuações de temperatura e pressão. Em um ambiente como esse, na falta de qualquer objeto ou mesmo algo localizado, emergiria o conceito de número? Se não houvesse qualquer coisa para contar, os números existiriam? Como a água-viva, adotamos ferramentas matemáticas que se aplicam ao nosso mundo, fato que tem, sem dúvida, contribuído para a eficácia da matemática que percebemos. Os cientistas não escolhem métodos analíticos arbitrariamente, mas utilizam a acurácia e precisão deles para prever resultados de seus experimentos. Se uma máquina dispara bolas de tênis, podemos usar os números naturais 1, 2, 3, e assim por diante, para descrever o fluxo delas. Quando os bombeiros utilizam uma mangueira, devem, no entanto, invocar outros conceitos, como volume ou peso, para descrever o fluxo de água. Assim,
EDWARD CHARLES LE GRICE Getty Images
INVENÇÃO E DESCOBERTA A matemática é efetiva de duas maneiras distintas: uma, penso eu, como ativa e outra como passiva. Às vezes, os cientistas criam métodos específicos para quantificar os fenômenos do mundo real. Isaac Newton, por exemplo, formulou o cálculo [diferencial e integral] para capturar O UNIVERSO TEM movimento e mudança, quebrando-os em REGULARIDADES, sequências quadro a quadro infinitamente pequenas. É claro que invenções ativas CONHECIDAS COMO como essa são eficazes; as ferramentas SIMETRIAS, QUE PERMITEM são, afinal, feitas sob encomenda. O que surpreende, no entanto, é sua estupenAOS FÍSICOS DESCREVÊ-LO da precisão em alguns casos. Tomemos, MATEMATICAMENTE. E por exemplo, a eletrodinâmica quântica, a teoria matemática desenvolvida para NINGUÉM SABE POR QUÊ descrever como a luz e a matéria interagem. Quando os cientistas a usam para calcular o momento magnético do elé- derna teoria de como núcleos atômicos tron, o valor teórico concorda com o va- são mantidos juntos. lor experimental mais recente, medido em O estudo de nós oferece outro exem1,00115965218073 nas unidades apro- plo de eficácia passiva. Os nós matemátipriadas, em algumas partes por trilhão! cos são semelhantes aos nós de todo dia, Ainda mais surpreendente, talvez, é exceto que não têm pontas soltas. Na que os matemáticos às vezes desenvolvem década de 1860, lorde Kelvin esperava campos inteiros de estudo sem nenhuma descrever os átomos como tubos nodais aplicação em mente e mais tarde os físicos de éter. Esse modelo equivocado não condescobrem que essas linhas de pensamen- seguiu se conectar com a realidade, mas to fazem sentido em suas observações. os matemáticos continuaram a analisar Exemplos desse tipo de eficácia passiva nós por muitas décadas como um mero são frequentes. O matemático francês braço esotérico da matemática pura. SurÉvariste Galois desenvolveu a preendentemente, a teoria dos INSIGHT teoria de grupos no início de Surgimento repen- nós agora fornece importantes 1800 com o único propósito tino de uma ideia insights sobre a teoria de cordas e de determinar a resolubilidade ou da solução de sobre a teoria quântica da gravium problema de equações polinomiais. Em dade em laços – nossas melhores termos muito gerais, os grupos tentativas atuais de uma teoria são estruturas algébricas formadas por do espaço-tempo que concilia a mecâniconjuntos de objetos (digamos, os intei- ca quântica com a relatividade geral. Da ros) unidos sob alguma operação e que mesma forma, as descobertas do mateobedecem a regras específicas (entre elas a mático inglês Godfrey Harold Hardy na existência de um elemento de identidade, teoria dos números criaram avanços no como o zero que, adicionado a qualquer campo da criptografia, apesar de sua deinteiro, devolve o mesmo inteiro). Na fí- claração anterior de que “ninguém ainda sica do século 20, esse campo bastante descobriu qualquer finalidade bélica a abstrato acabou por se mostrar a forma ser servida pela teoria dos números”. E, mais frutífera de categorizar partículas em 1854, Bernhard Riemann descreveu elementares. Na década de 60, os físicos as geometrias não euclidianas – espaços Murray Gell-Mann e Yuval Ne’eman, de curiosos onde linhas paralelas convergem forma independente, mostraram que um ou divergem. Mais de meio século depois, grupo específico, denominado SU(3), es- Einstein invocou essas geometrias para pelhava um comportamento de partículas construir sua teoria da relatividade geral. subatômicas chamadas hádrons – uma Um padrão emerge: os seres humaconexão que lançou as bases para a mo- nos inventam conceitos matemáticos pela
também, quando partículas subatômicas distintas colidem em um acelerador, os físicos se voltam para medidas como energia e momento, e não para o número final de partículas, o que revelaria apenas informações parciais sobre como as partículas originais colidiram, uma vez que partículas adicionais podem ser criadas no processo. Ao longo do tempo, só os melhores modelos sobrevivem. Modelos falhos – como a tentativa do filósofo francês René Descartes de descrever o movimento dos planetas por vórtices de matéria cósmica – morrem na infância. Em oposição, modelos de sucesso evoluem à medida que novas informações se tornam disponíveis. Medidas muito precisas da precessão do planeta Mercúrio, por exemplo, exigiram uma revisão da teoria da gravitação de Newton na forma da relatividade geral de Einstein. Todos os conceitos matemáticos de sucesso têm uma vida útil longa: a fórmula para a área da superfície de uma esfera permanece tão correta hoje como era quando Arquimedes a provou por volta de 250 a.C. Como resultado, os cientistas de qualquer época podem pesquisar num vasto arsenal de formalismos para encontrar os métodos mais adequados. Os cientistas não apenas pinçam soluções, mas também tendem a selecionar os problemas passíveis de tratamento matemático. Existe, no entanto, uma série de fenômenos para os quais não são possíveis previsões matemáticas exatas, às vezes nem mesmo em princípio. Na economia, por exemplo, muitas variáveis – a detalhada psicologia das massas, para citar uma – não se prestam facilmente a análises quantitativas. O valor preditivo de qualquer teoria depende da constância das relações subjacentes entre as variáveis. Nossas análises também não conseguem captar completamente os sistemas que desenvolvem caos, nos quais a menor mudança nas condições iniciais pode produzir resultados finais totalmente diferentes, impedindo qualquer previsão a longo prazo. Os matemáticos desenvolveram estatística e probabilidade para lidar com essas deficiências, mas a matemática em si é limitada, como provou o famoso lógico austríaco Kurt Gödel.
SIMETRIA DA NATUREZA Essa seleção cuidadosa dos problemas e soluções contribui apenas parcialmente para o sucesso da matemática em descrever as leis da Natureza. Essas leis devem existir em primeiro lugar. Felizmente, da mesma forma para os matemáticos e físicos, leis universais aparecem para governar o nosso Cosmos: um átomo a 12 bilhões de anos-luz daqui se comporta como um átomo na Terra; a luz no passado distante e a de hoje compartilham das mesmas características, e as mesmas forças gravitacionais que modelaram as estruturas iniciais do Universo têm influência sobre as galáxias atuais. Matemáticos e físicos inventaram o conceito de simetria para descrever esse tipo de imunidade contra a mudança. As leis da física parecem exibir simetria em relação ao espaço e o tempo: elas não dependem de onde, de que ângulo, ou quando as examinamos. Elas também são idênticas para todos os observadores. Assim, as mesmas leis explicam nossos resultados, independentemente de as experiências ocorrerem na China, no Alabama ou na galáxia de Andrômeda – ou se conduzirmos nossa experiência hoje ou alguém fizer isso daqui a 1 bilhão de anos. Se o Universo não exibisse essas simetrias, qualquer tentativa de decifrar o grande design da Natureza – qualquer modelo matemático construído com base em nossas observações – estaria condenada, porque teríamos de repetir experimentos continuamente em cada ponto do espaço e do tempo. Ainda mais sutis, as chamadas simetrias de calibre, prevalecem nas leis que descrevem o mundo subatômico. Devido à imprecisão do mundo quântico, uma dada partícula pode ser um elétron de carga negativa ou um neutrino eletricamente neutro, ou uma mistura de ambos – até que meçamos a carga elétrica que faz a distinção entre os dois. Como se vê, as leis da Natureza tomam a mesma forma, quando intercambiamos elétrons por neutrinos ou qualquer mistura dos dois. O mesmo vale para trocas de outras partículas fundamentais. Sem essas simetrias teria sido muito difícil criar uma teoria dos mecanismos fundamentais do Cosmos. Estaríamos igualmente presos sem a
localidade – o fato de os objetos em nosso Universo serem influenciados diretamente apenas pelo seu entorno imediato e não por fenômenos distantes. Nossa melhor tentativa matemática de unificar todas as interações pede ainda outra simetria, conhecida como supersimetria. Em um universo baseado em supersimetria, cada partícula conhecida deve ter um parceiro ainda não descoberto. Se esses parceiros forem descobertos, será mais um triunfo da eficácia da matemática. Comecei com duas perguntas básicas e inter-relacionadas: a matemática foi inventada ou descoberta? E o que dá à matemática seus poderes explicativos e preditivos? Acredito que sabemos a resposta para a primeira pergunta. A matemática é uma fusão complexa de invenções e descobertas. Os conceitos geralmente são inventados, e, apesar de todas as relações corretas entre eles existirem antes de suas descobertas, os homens ainda estão escolhendo quais delas estudar. A segunda questão acaba por ser ainda mais complexa. Não há dúvida de que a seleção dos temas que abordamos matematicamente tem desempenhado um papel importante na eficácia da matemática que percebemos. Mas a matemática não funcionaria de modo algum onde não houvesse características universais a serem descobertas. Agora você pode perguntar: por que existem leis universais da Natureza em tudo? Ou equivalentemente: por que o nosso Universo é governado por certas simetrias e pela localidade? Realmente não sei as respostas, exceto para notar que, talvez, em um universo sem essas propriedades, a complexidade e a vida não teriam surgido, e não estaríamos aqui. ■ O AUTOR Mario Livio é astrofísico teórico do Space Telescope Science Institute, em Baltimore. PARA CONHECER MAIS Deus é matemático? Mario Livio. Ed. Record, 2010. Creation v. discovery. Michael Atiyah, em Times Higher Education Supplement, 29 de setembro de 1995. Pi in the sky: counting, thinking, and being. John D. Barrow. Back Bay Books, 1992. The unreasonable effectiveness of mathematics in the natural sciences. Eugene Wigner, em Communications in Pure and Applied Mathematics, vol. 13, no 1, págs. 1-14, fevereiro de 1960. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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FÍSICA
A bússola interior O sentido magnético dos animais é real. Cientistas estão desvendando como ele funciona POR DAVIDE CASTELVECCHI
FOTOGRAFIA DE CHRISTOPHER GRIFFITH
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Hoje, a comunidade científica admite que certos animais de urante o que pareceram seis intermináveis meses em 2007, Sabine Begall passava as noites no computador, fato detectam e respondem a campos magnéticos, e que para muiobservando fotografias de gado pastando. Ela baixava tos deles essa capacidade é útil para a sobrevivência – mesmo que uma imagem de satélite da pastagem no Google Earth, identifi- a razão para o gado querer se alinhar magneticamente seja ainda cava as vacas uma a uma, e passava à imagem seguinte. Com a um mistério. Um sentido magnético tem sido, de fato, bem docuajuda de seus colaboradores, Sabine, zoóloga da Universidade mentado em dúzias de espécies – desde migrantes sazonais como de Duisburg-Essen, na Alemanha, começou a suspeitar que os tordos e borboletas-monarcas, até mestres navegadores como inocentes ruminantes estavam a fim de alguma coisa. Na mé- pombos-correio e tartarugas marinhas; desde invertebrados como dia, pareciam alinhar o corpo com uma ligeira preferência pelo lagostas, abelhas e formigas, a mamíferos como toupeiras e focaseixo norte-sul. Mas não apontavam para o norte verdadeiro, -elefante; e de minúsculas bactérias a corpulentas baleias. O que ninguém sabe exatamente é como criaturas que não que elas poderiam ter localizado usando o sol como referência. Em vez disso sabiam, de alguma forma, como orientar-se para as bactérias fazem isso. O magnetismo é “o sentido que menos o polo magnético da Terra, que fica a centenas de quilômetros conhecemos”, nota Steven M. Reppert, neurobiólogo da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, em Worcester. ao sul do polo geográfico, no Canadá setentrional. Na última década, entretanto, colaborações entre biólogos Um estudo a seguir descobriu mais evidência de que animais do porte de vacas podem reagir ao campo magnético: o e cientistas da terra e físicos começaram a propor mecanismos alinhamento desaparecia na vizinhança de linhas de transmis- plausíveis e apontar candidatas a estruturas anatômicas nas são de alta voltagem que apagam os sinais sutis do planeta. Há quais os mecanismos podem estar atuando. Nenhuma dessas poucas décadas, estudos como os de Sabine seriam recebidos ideias teve completa aceitação da comunidade científica, mas com suspeição. Todo mundo sabia que a matéria orgânica não a evidência experimental encontrada até agora é mesmerizanresponde a fracos campos magnéticos como os da Terra e que te. Alguns animais podem abrigar mais de um tipo de órgão os animais não estão equipados com ímãs para serem usados magnético. E conquanto certos sensores de campos magnéticos como bússola. As crenças de Franz Anton Mesmer, no século pareçam se comportar de forma muito semelhante a bússolas, 18, a respeito do “magnetismo animal”– a noção de que criatu- outros podem ter suas raízes em efeitos quânticos sutis. O assunto continua a ter sua quota de controvérsia. Mas ras que respiram carregam fluidos magnéticos no corpo – havia o crescente interesse em recepção magnética e rápidos apermuito tinham sido relegadas aos anais do puro charlatanismo. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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Variações no campo magnético da feiçoamentos em técnicas experimentais poderiam levar os pesquisadores a solu- Terra não se limitam a mudanças de incionar o mistério desse sentido incomum clinação de um polo ao outro. Minerais magnéticos na crosta terrestre produzem em uns poucos anos. anomalias locais tanto em direção como em intensidade. Alguns animais – notadaO ÍMPETO PARA MIGRAR Os primeiros indícios modernos de que mente tartarugas marinhas – parecem ter animais usam campos magnéticos para um mapa mental dessas anomalias que guiar seu comportamento emergiram permite a eles não só identificar o norte cerca de meio século atrás. Pesquisadores mas também definir sua posição em relahaviam notado, desde os anos 50, que no ção ao destino. Kenneth J. Lohmann, da outono tordos europeus engaiolados pa- University of North Carolina, em Chapel reciam querer escapar para o sul – para Hill, e seus colaboradores têm registrado onde usualmente migram –, mesmo que que tartarugas marinhas capturadas tennão tivessem indícios visíveis de onde fica- dem a responder a campos magnéticos va o sul. Então, em meados dos anos 60, artificiais que simulam condições em váWolfgang Wiltschko, estudante de biologia rias localizações ao longo das suas rotas da Universidade Goethe, em Frankfurt, de migração. As tartarugas tentam nadar demonstrou que bobinas eletromagnéticas na direção que as levaria ao seu destino enroladas em volta da gaiola dos pássaros partindo dessas localizações. Para ter esse podiam enganá-los, fazendo-os se deslocar senso de mapa magnético o animal prona direção errada. Essa era, provavelmente, vavelmente deve detectar não só anomaa primeira evidência de um sentido magné- lias de inclinação do campo, mas também tico, e a reação foi previsivelmente cética. sua variação de intensidade. Alguns pesquisadores acreditam que “Quando descobri que o campo magnético tem um papel na orientação dos tordos, as aves dispõem de um sentido de mapa magnético, além de orientação magnétininguém acreditou”, diz Wiltschko. Pouco depois da descoberta Wilts- ca simples, mas Anna Gagliardo, espechko conheceu sua futura esposa e cola- cialista em olfato aviário da universidaboradora científica, Roswitha. O casal de de Pisa, na Itália, diz que para esse tem estudado detecção magnética aviária tipo de sentido de mapa a evidência é desde então, trabalhando principalmente fraca. E as aves parecem encontrar sua com os tordos que ambos capturam com rota muito bem usando outros sentidos. redes perto do seu laboratório. Os Wilts- “Quarenta anos de experimentos”, diz chko começaram a publicar os resultados ela, “e nenhuma manipulação magnética de suas investigações conjuntas em 1972, conseguiu impedir pombos-correios de quando revelaram que os tordos são sen- voltar para casa.” Mas ela nota que os síveis não apenas à direção geográfica do pássaros se perdem se seu senso de olfato norte magnético, mas também à inclina- é eliminado por corte dos nervos nasais. Além disso, pombos-correios criados em ção do campo magnético terrestre. A inclinação do campo geomagnéti- aviários que se abrem apenas para cima co varia continuamente de polo a polo. – de modo que as aves não poderem disNo polo magnético sul ela aponta direto tinguir a direção dos odores ambientes para cima, enquanto no polo norte mag- – são incapazes de navegar. Muitos outros especialistas, no entannético aponta direto para baixo: apenas a meio caminho, ao largo do “equador to, acreditam agora que as aves têm dois magnético”, ela é horizontal. Uma bús- sentidos magnéticos distintos, cada um sola comum precisa equilibrar sua agulha otimizado para diferentes usos – um senhorizontalmente e, assim, não pode medir so de bússola para a direção do campo a inclinação do campo, respondendo ape- e um sentido separado tipo “magnetômenas à componente lateral. As aves – assim tro” para a intensidade. Outros argumencomo outros animais – se saem melhor tam que várias evidências sugerem a exise provavelmente usam a inclinação para tência de um ou outro sentido, mas não estimar grosseiramente sua distância dos de ambos numa espécie. Uma razão para o desacordo é que apontar com precisão polos magnéticos. 30 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
os efeitos comportamentais do magnetismo é diabolicamente difícil, em parte porque as aves, e outros animais, exploram certo número de diferentes indícios para orientação e navegação – eles usam o Sol, as estrelas e a Lua: eles podem reconhecer feições em terra, a direção prevalecente das ondas no mar e odores. Os animais sempre navegam usando sentidos múltiplos, nota Michael Winklhofer, geofísico da Universidade Ludwig Maximilian de Munique. “Eles usam qualquer indício disponível. Sempre que um é duvidoso, usam outro mais confiável.” Infelizmente, mesmo os resultados mais evidentes de experimentos bem planejados frequentemente se prestam a interpretações múltiplas. Uma das principais observações de Wiltschko foi que o sentido de bússola do tordo não funciona no escuro: ele necessita de luz com um componente azul, ou COMPRIMENTO de curto comprimento de DE ONDA onda. Suas verificações Distância entre duas cristas ou dois vales foram obtidas em condi- consecutivos de ções de laboratório que uma onda ajudam a isolar indícios e distingui-los, mas são ao mesmo tempo um tanto artificiais. Num histórico estudo de 2004, Henrik Mouritsen, da Universidade de Oldenburgo, na Alemanha, e seus colaboradores encontraram forte evidência para a interação luz-bússola na Natureza. Eles mostraram que tordos noturnos recalibram seu sentido magnético todo dia ao pôr do sol. Para o experimento, a equipe de Mouritsen capturou dúzias de tordos na parte central de Illinois e equipou-os com radiotransmissores. Ao pôr do sol, os pesquisadores expuseram 18 dos pássaros a um campo magnético que simulava o campo da Terra mas apontava para leste em vez de norte. Depois de escurecer, eles abriram as gaiolas e os soltaram. À medida que os pássaros se afastavam, membros da equipe os acompanharam num Oldsmobile 1982 equipado com uma grande antena sobre o teto – coisa que muitas vezes fazia a polícia pará-los na estrada. Enquanto o grupo de controle reiniciava sua migração para o norte, no rumo de Wisconsin, os 18 pássaros expostos ao falso campo geomagnético tomaram o rumo oeste na
direção de Iowa ou Missouri. Nas noites campo magnético é suficientemente granseguintes, no entanto, mesmo esses pás- de, certas bactérias usam-na como subssaros corrigiram sua rota e tomaram o tituta [proxy] da gravidade para “saber” qual direção é para baixo para que posrumo norte novamente. Embora os resultados tenham indi- sam assim nadar em lamacentos fundos cado que as aves reajustaram seu norte de mar – seu hábitat preferido. Nos anos magnético ao pôr do sol, as interpreta- 70 pesquisadores demonstraram que esções variaram quanto ao papel da luz sas bactérias contêm filamentos de parnesse processo. Uma possibilidade é que tículas microscópicas de magnetita – uma as aves tenham uma bússola interna que forma fortemente magnética de óxido de funciona só na presença de luz, como os ferro que orienta o organismo inteiro. As bactérias oferecem um paradigma Wiltschkos haviam concluído. Outra explicação parece igualmente plausível: as natural na tentativa de entender a recepaves usam o Sol apenas como ponto de ção magnética em geral. Nos anos 80 o geobiólogo Joseph L. Kirschvink, agora referência para calibrar a bússola. do Califórnia Institute of Technology, e outros propuseram que estruturas simiINDíCIOS ENFERRUJADOS A busca por órgãos magneticamente lares, com bases magnéticas, poderiam sensíveis é um dos piores pesadelos para existir em todo o reino animal. No início dos anos 2000 uma equipe um anatomista. Os sensores podem ser células únicas e isoladas, localizadas em que incluía Winklhofer, Wolfgang Wiltsqualquer parte do corpo. Podem conter chko, Gerta e Günther Fleissner – outro microscópicas partículas magnéticas – casal da Goethe – usou técnicas avançaatuando como agulhas imantadas – que, das de imageamento para revelar intriquando analisadas, poderiam ser difíceis gantes estruturas alinhadas com nanoparde distinguir de contaminantes nos teci- tículas de magnetita em pombos-correios. dos. O candidato a mecanismo também Encontraram essas estruturas na pele na teria de satisfazer a requisitos estritos; em parte superior do bico dos pássaros. As particular ser sensível a campos tão fracos partículas magnéticas eram muito pequecomo os da Terra, e precisaria separar o nas – uns poucos nanometros – e assim sinal magnético do ruído das vibrações seu movimento aleatório seria substanmoleculares naturais – coisa especialmen- cial comparado a seu tamanho. Esse ruí te difícil para uma estrutura microscópica. do seria alto demais para as partículas Até agora, o único mecanismo identifica- lerem a intensidade do campo, mas em princípio elas poderiam ter detectado sua do e explicado ocorre em bactérias. Em latitudes onde a inclinação do direção, diz Winklhofer: “Você não teria
fonte: “The Magnetic Sense and Its Use in Long-Distance Navigation by Animals”, de Michael M. Walker, Todd E. Dennis e Joseph L. Kirschvink, em Current Opinion in Neurobiology, Vol. 12, No 6; dezembro de 2002
Peixes fazem isso, aves talvez Pesquisadores suspeitam que o sentido magnético nos animais é, na maioria das vezes, equivalente ao das trutas arcos-íris [rainbow trouts]. No peixe, feixes de partículas de magnetita, uma forma de óxido de ferro contida em células sensoriais, respondem a uma mudança na direção do campo geomagnético (relativa à cabeça do peixe) ao abrirem canais nas membranas celulares (painel direito).
Norte
Poro bloqueado
Linhas de campo magnético
No
rte
Feixe de magnetita
Membrana celular Íon
A passagem de íons pela membrana inicia um sinal
Poro aberto
que transportaria informação para o cérebro.
uma resposta muito forte, mas poderia ter funcionado pelo menos como bússola”. De modo intrigante, as estruturas ficavam em regiões com densos terminais nervosos, o que se esperaria de supostos detectores que precisariam ser integrados ao sistema nervoso. Num trabalho subsequente, os Fleissners e colaboradores propuseram um modelo para que mesmo uma estrutura composta prin- MAGHEMITA Fe2 O4, cipalmente de maghemita po- semelhante deria funcionar como bússola. à magnetita Sugeriram que as estruturas Fe2 O3 de maghemita seriam capazes magnetizar-se temporariamente e assim amplificar o campo geomagnético na sua vizinhança, concentrando-o nas partículas magnéticas. Winklhofer, entretanto, separou-se do caminho de seus ex-colaboradores e, com Kirschvink, emitiu uma refutação. Os dois pesquisadores citaram evidência de que a maghemita no estudo era “amorfa”, ou seja, não tinha um ordenamento cristalino; esses materiais amorfos produzem ímãs muito fracos, segundo Winklhofer – fracos demais para produzir o efeito atribuído às partículas encontradas nas aves. Outros notam que não está claro que os terminais nervosos estejam localizados precisamente nas partículas magnéticas. Outro motivo para cautela é que a magnetita e outras partículas magnéticas são ubíquas no meio ambiente. “Mesmo a poeira do laboratório contém materiais magnéticos”, diz Winklhofer. Os anatomistas precisam usar bisturis de cerâmica para evitar introduzir fragmentos metálicos nos tecidos extraídos de animais. Mas se as partículas entram no corpo como contaminantes, podem ser apanhadas pelas células brancas do sangue e aparecerem no microscópio como possíveis células sensoriais. Apesar das dificuldades apresentadas pelo suposto receptor magnético em pombos-correios, Winklhofer e Kirschvink defendem a hipótese da magnetita. Apontam para o que dizem ser a melhor evidência até agora para um órgão desse tipo: células cobrindo a abertura nasal da truta arco-íris. Michael M. Walker, da University of Auckland, na Nova Zelândia, e colaboradores esSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
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Alguns cientistas consideram a proteína criptocromo, presente na retina, como a chave do sentido magnético das aves. Certas células oculares detectariam a direção do norte porque uma reação química se aceleraria ou retardaria dependendo da direção do campo magnético da Terra. A reação começaria quando um fóton de luz atinge uma molécula de criptocromo, separando dois elétrons que normalmente orbitariam formando um par. Eventualmente isto levaria a célula a disparar um sinal para o cérebro, permitindo ao animal perceber a direção do campo.
1 Elétrons na molécula estável
Criptocromo
de criptocromo orbitam como pares, com seus spins – o equivalente na física quântica ao eixo sul-norte de um ímã – alinhados em direções opostas, ou antiparalelas. (Apenas dois dos muitos elétrons da molécula estão representados aqui.)
Elétron
Fóton
2 Quando um fóton
atinge a molécula, ele expele um dos elétrons do par para outro local dentro da molécula.
3 Os dois elétrons podem agora estar em um de dois estados:
paralelo e antiparalelo, e na realidade ficam por algum tempo num estado ou em outro. Mas, dependendo da direção em relação ao olho do animal apontada pelo campo geomagnético, eles podem ficar mais tempo num estado que no outro. Paralelo
Antiparalelo
Norte
Norte
Reação química
4 Aqui a ave está voando
para o norte magnético, o que faz os elétrons ficarem mais tempo no estado antiparalelo. A reação química não ocorre. O elétron deslocado pode então voltar ao seu estado estável (até ser atingido pelo próximo fóton).
5 Se a ave se desvia do
rumo, o elétron fica mais tempo no estado paralelo. Uma reação química pode então ocorrer, o que leva embora o elétron deslocado. Essa reação alertaria o animal de que não está mais apontando para o norte.
Muitos desses detalhes, incluindo a maneira como a ave traduz a reação química num sinal para o cérebro, ou mesmo qual seria exatamente a reação, continuam desconhecidos.
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tudam essas células desde 1997. Os pesquisadores demonstraram uma resposta eletrofisiológica a campos magnéticos: as células na realidade enviaram um sinal ao cérebro. Kirschvink dirige uma pesquisa para caracterizar a estrutura e o comportamento desses possíveis sensores magnéticos. Ele suspeita que as partículas magnéticas estão em organelas coladas nas membranas de neurônios especializados. Cada uma dessas células constituiria um microscópico órgão sensor magnético. Quando um campo magnético gira as organelas para uma nova orientação, estas desencadeiam a liberação de íons que induzem os neurônios a disparar e desse modo “dizem” ao cérebro para qual lado o peixe deve nadar (ver ilustração na pág. 31). Talvez, diz Kirschvink, pesquisadores que observam a pele dos bicos de pombos devessem seguir a indicação oferecida pelos peixes e investigar a região frontal da cabeça das aves. SINAIS CIFRADOS Além da magnetita, um mecanismo da física quântica também parece plausível a muitos pesquisadores. Klaus Schulten, biofísico teórico da University of Illinois, observou nos anos 70 que reações químicas afetadas por campos magnéticos podem prover a base física para o sentido magnético. As reações em questão seriam iniciadas quando fótons atingem moléculas de pigmento adequaFÓTON das, provocando a formação dos chamados radi- Partícula de luz desprocais livres. A necessidade de fótons explicaria as vida de massa e provida aparentes conexões luz solar-bússola observadas somente de energia pelos biólogos. Mas aquilo parecia uma ideia maluca, e Schulten não explicou como o sinal seria conduzido ao cérebro. Em fins da década de 90, bioquímicos descobriram, primeiro em plantas e depois em retinas de mamíferos – incluindo humanos –, uma proteína pigmento em diferentes variantes chamada criptocromo, o que ajudou os animais a ajustar seu ciclo dia-noite. Schulten e seus colegas Salih Adem e Thorsten Ritz, biofísico da University of California em Irvine, sugeriram que o criptocromo exibia exatamente as propriedades certas para o sentido de bússola e que certas células na retina poderiam ser capazes de usar a formação de pares de radicais nelas existentes para detectar a direção do campo magnético. Experimentos mostraram que, quando o criptocromo absorve um fóton na parte azul do espectro, a energia do fóton expele um elétron de uma parte da molécula para outra. Numa molécula estável seus elétrons compartilham órbitas ao pares, mas em criptocromos o deslocamento faz com que cada elétron se mova independentemente. Então os dois elétrons, chamados par radical, envolvem-se numa dança ditada pelos seus spins. (Spin é o análogo, em mecânica quântica, do eixo magnético de um ímã.) Cada spin de elétron interage com o campo geomagnético e com os spins de núcleos atômicos e, coletivamente, as interações fazem com que os eixos de PRECESSÃO Giro do eixo spin entrem em precessão, como num pião. de rotação Em alguns momentos, os spins dos pares de elétrons apontam aproximadamente na mesma direção e, em outros, em direções opostas. De maneira crucial um campo magnético externo, como o da Terra, muda a duração relativa em que os elétrons permanecem em cada alinhamento. Seria uma explicação de como um campo externo pode afetar a química dos criptocromos: certas reações químicas só podem ocorrer quando os spins são paralelos. Assim, se o campo
ilustração de Brown Bird Design
Olhos Magnéticos
mantém os spins paralelos por mais tempo, as reações são aceleradas. A velocidade de uma reação sensível ao spin pode ser o sinal químico para um neurônio sensor disparar e enviar uma mensagem pelo nervo afora até o centro cerebral encarregado do comportamento ligado ao magnetismo. Infelizmente, embora o princípio geral seja bem conhecido, no caso do criptocromo ninguém sabe qual poderia ser a reação química relevante, nem que variações de sua velocidade poderiam induzir um neurônio a disparar. Na última década surgiram linhas de evidência circunstancial. A precessão do spin é sensível não apenas a campos estáticos como o geomagnético, mas também aos variáveis, como nas ondas de rádio. Em 2004 Ritz uniu-se com os Wiltschkos e mostrou que essas ondas desorganizam as bússolas internas das aves. O efeito ocorria somente em frequências precisas, como se as ondas estivessem interferindo na dança dos pares de radicais. “Essa é a melhor evidência para o mecanismo do par radical”, diz Ritz. Então em 2009, uma equipe liderada por Mouritsen descobriu que aves com lesões no centro cerebral relacionado à visão têm dificuldade de orientação magnética. E em 2010 um estudo de tordos europeus e galinhas dirigido por Christine Niessner, da Goethe, descobriu que o criptocromo é produzido abundantemente não só nas retinas das aves mas mais especificamente nas células de cones sensíveis à luz ultravioleta – isto é, precisamente onde os biólogos esperariam encontrá-las: a formação do par radical requer luz. O caso ainda não está encerrado. A maioria dos resultados ainda precisa ser replicada independentemente. Como no candidato magnetita, parte da evidência avaliada pode não ser tão clara. O próprio Ritz, por exemplo, adverte que ondas de rádio induzem campos elétricos que poderiam perturbar processos biológicos de maneira imprevisível. Sabe-se, por exemplo, que as ondas interferem nos receptores neurotransmissores ativos nos centros de prazer e, portanto, poderiam desorientar os animais em vez de fazê-los perder a capacidade de sentir campos magnéticos. O físico Peter J. Hore, da University of Oxford, acrescenta que a sensibi-
lidade das aves a ondas de rádio é boa plausível pelo menos uma das duas prindemais para ser verdade: um campo cipais hipóteses. Uma possível exceção é com intensidade de 1/2.000 do campo o sentido magnético das arraias e tubageomagnético seria suficiente para de- rões, considerados uma dádiva demonssorganizar seu sentido magnético. Uma trativa de sensibilidade aos campos eléconfusão similar envolve os estudos do tricos. Esses peixes têm canais microscócriptocromo em drosófilas. Em 2008 picos e eletricamente condutores na pele Reppert e colaboradores mostraram que usados para detectar voltagens de até 5 essas moscas podem ser treinadas a se- bilionésimos de volt. Pelo fato de os camguir campos magnéticos até uma recom- pos magnéticos induzirem uma voltagem pensa açucarada mas moscas mutantes.\ em condutores em movimento, um peixe desprovidas do gene para criptocromo poderia captar o campo geomagnético e portanto incapazes de produzir a pro- apenas movendo-se para a esquerda ou teína não fazem isso. Os insetos foram direita ao nadar. Mesmo quando as controvérsias são expostos a campos dez vezes mais fortes que o campo geomagnético. E como finalmente solucionadas, feitos de naos experimentadores sabiam quando os vegação de animais migratórios como campos artificiais eram ligados e desliga- baleias jubarte, capazes de nadar centedos, poderiam ter dado indícios aos inse- nas de quilômetros em mar aberto sem desviar mais de um grau do rumo initos, adverte Kirschvink. Ao todo, diz Hore, embora a evidên- cialmente estabelecido, podem continucia venha se acumulando em apoio à ideia ar sem explicação. Ainda assim, muitos do par radical, “ainda não chegamos lá”. pesquisadores esperam que os mecanisDiversas peças do quebra-cabeça estão mos de recepção magnética em breve faltando, começando com os detalhes do serão revelados. Técnicas experimentais mecanismo. “Acho-o frustrante”, desaba- têm avançado significativamente: a tecfa ele. Ao fim os pesquisadores precisarão nologia agora permite aos pesquisadores demonstrar uma resposta eletrofisiológi- acompanhar até mesmo pequenas aves, ca – neurônios disparando em resposta a métodos de imageamento de estruturas campos magnéticos – para reivindicar a anatômicas microscópicas tornaram-se descoberta da sede do novo sentido. Ele- mais precisos e cientistas de múltiplas trofisiologia é o padrão ouro da biologia disciplinas vêm se unindo aos esforços. sensorial, argumenta Ritz: “É assim que Uma vez solucionado o mistério, alguns voltarão seus olhares para essa época aprendemos como funciona a visão”. Em junho de 2011 Reppert e colegas com saudades, prevê Ritz, para quem, mostraram que drosófilas que tiveram “não é sempre que se tem a oportunidade seus genes de criptocromo substituídos de descobrir um novo sentido”. n por outros do genoma humano retiveram a capacidade de orientação magnética. A descoberta reacendeu a espe- o autor culação de que os humanos também Davide Castelvecchi, divulgador científico e editor teriam um sentido magnético, embora colaborador de Scientific American. a evidência a esse respeito seja pequena. Experimentos conduzidos no final dos PARA CONHECER MAIS anos 70 por Robin R. Baker, da Univer- Magnetoreception. Suplemento de tema único de Interface Focus: Journal of the Royal Society sity of Manchester, na Inglaterra, supos- Interface, vol. 7, no 2, 6 de abril de 2010. tamente mostraram que os humanos Magnetic alignment in grazing and resting têm algumas capacidades de orientação cattle and deer. Sabine Begall, Jaroslav Cermagnética, mas tentativas de replicar os vený, Julia Neef, Oldrich Vojtech e Hynek Burda, em Proceedings of the National Academy resultados não tiveram êxito. of Sciences USA, vol. 105, no 36, págs. 13451JUNTANDO AS PEÇAS Os especialistas abandonaram, na sua maior parte, as explicações alternativas para o sentido magnético, considerando
13455, 9 de setembro de 2008. Migrating songbirds recalibrate their magnetic compass daily from twilight cues. William W. Cochran, Henrik Mouritsen e Martin Wikelski, em Science, vol. 304, págs. 405-408, 16 de abril de 2004.
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GEOGRAFIA
Faixa de chuvas em transição Mapeando precipitações equatoriais desde 800 d.C., cientistas projetam como o clima tropical deve mudar nos próximos 100 anos POR JULIAN P. SACHS E CONOR L. MYHRVOLD
A
EFEITO ESTUFA Retenção da maior parte da radiação solar pela atmosfera por causa dos gases nela presentes, fazendo com que a superfície terrestre seja aquecida.
primeira indicação de que nossa campanha não estava saindo como planejado foram os sucessivos estrondos que ouvimos até a parada total do motor do barco em que viajávamos – isso, às 2 da manhã. O som do silêncio nunca tinha sido tão tranquilizador. De repente, navegar pelo mar aberto num pequeno barco de pesca nas Ilhas Marshall, no oceano Pacífico norte, parecia uma escolha nada prudente. Uma viagem a uma região pouco explorada cientificamente tinha nos levado a um cenário diferente, uma vastidão escura pontilhada, de vez em quando, pela crista branca de uma marola. Somos especialistas em clima e nossa viagem (que terminou em segurança) foi uma das várias que planejamos para nos ajudar a fazer o que, em princípio, parecia impossível: reconstruir a história das chuvas ao longo do tempo, e num mesmo oceano. Acompanhando os eventos que construíram essa história, podemos entender melhor como a evolução a que estamos assistindo – dos gases do efeito estufa na atmosfera, da elevação das temperaturas atmosféricas e das mudanças na preci-
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pitação de chuvas tropicais – poderá alterar os padrões climáticos futuros. Viajamos para locais remotos e em diferentes direções para várias ilhas espalhadas pelo Pacífico. Alguns padrões climáticos atuais são bem conhecidos, como os fenômenos El Niño e La Niña. Um padrão menos conhecido, mas igualmente importante é uma característica de precipitação primária e do planeta: uma faixa de chuvas intensas que circunda o globo nos trópicos e migra para norte e para sul sazonalmente conforme a inclinação aparente do Sol. A região onde essas chuvas se concentram é conhecida como Zona de Convergência Intertropical (ITCZ, na sigla em inglês). Qualquer variação na temperatura do planeta, decorrente da radiação solar incidente ou de gases do efeito estufa, pode afetar essa faixa de chuvas, responsável pela precipitação que irriga a agricultura equatorial. Essa faixa também desempenha papel importante nas monções da Ásia, África e Índia e de grandes células de convecção que transportam calor do equador para os polos. A frequência e intensidade do El Niño e La Niña e
EL NIÑO Aquecimento anormal das águas do oceano pacífico tropicall. No fenômeno La Niña ocorre um resfriamento fora do comum nessa região
MONÇÕES Ventos que sopram ora do oceano para a superfície, ora da superfície para o oceano devido às diferenças de pressão e temperatura no Sudeste Asiático provocando enchentes e secas
a intensidade e duração da estação de furacões no Pacífico e no Atlântico podem ser influenciadas por variações na posição da ITCZ. Um desvio permanente nessa faixa acarretaria mudanças nos regimes de chuva que alterariam drasticamente o ambiente equatorial, provocando efeitos de dimensões globais. E temos boas razões para acreditar que essa faixa está se deslocando. Até recentemente, especialistas em clima não sabiam se a posição atual da linha média anual da faixa – de 3o a 10o de latitude norte no oceano Pacífico – permanecia na sua faixa histórica. Mas
medidas de campo recentes, em latitudes que englobam a ITCZ, permitiram que nossos colegas e nós determinássemos como a faixa se deslocou nos últimos 1.200 anos. Foi constatado que nos últimos 400 anos ocorreu um grande desvio de 5o para norte – cerca de 550 km. A descoberta desse deslocamento nos levou a uma conclusão alarmante: pequenos incrementos no efeito estufa podem alterar drasticamente as chuvas tropicais. Agora é possível prever para onde a ITCZ se encaminhará nos próximos 100 anos, quando a atmosfera se aquecer ainda mais.
INCÓGNITA MEDIEVAL Até começarmos a mapear a história das chuvas tropicais, os cientistas dispunham de dados esparsos sobre a posição da ITCZ no último milênio. A faixa oscila próxima do equador, mas pode ter dezenas ou centenas de quilômetros de largura, dependendo das condições locais e da estação do ano. Como a zona é bem mais pronunciada sobre o Pacífico, essa região é ideal para estudar seu comportamento. Cientistas conseguem determinar o perfil da intensidade solar a partir de isótopos como carbono 14 em anéis de árvores, e berílio 10 em núcleos de gelo, SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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mas, para reconstruir o perfil histórico dos gases de efeito estufa no mundo todo, é preciso analisar bolhas de ar aprisionadas em núcleos tubulares de gelo extraídos das regiões polares. Comparando a emissão solar, os níveis de gases do efeito estufa e a posição da ITCZ ao longo dos séculos, é possível prever como a chuva tropical deverá se comportar. Experimentos permitiram identificar vários indicadores diferentes da temperatura global durante o último milênio. Dois períodos ficaram de fora. Por volta de 800 d.C., as temperaturas globais eram semelhantes às do fim dos anos 1800. As temperaturas então aumentaram durante o Período Medieval Quente (de 800-1200 d.C.), atingindo níveis similares aos do século 20. PEQUENA IDADE DO GELO Gradativamente as tempePeríodo de resfriamento no hemisfé- raturas se estabilizaram e rio norte compre- diminuíram durante a Peendido entre os quena Idade do Gelo (de séculos 15 e 19. 1400-1850 d.C.). Nas últimas duas décadas a radiação solar permaneceu praticamente constante, embora tanto a temperatura como os níveis de dióxido de carbono tenham se tornado significativamente mais altos que em qualquer período dos últimos 1.200 anos. Quando começamos nosso trabalho havia pouca informação sobre o passado do clima tropical. Sedimentos do assoalho oceânico, que podem
fornecer registros do clima em escalas de tempo de milhares de anos, acumulam-se lentamente e contêm informação suficiente sobre os últimos mil anos. Corais produzem camadas anuais, mas esses organismos raramente vivem mais de 300 anos. O mapeamento da chuva poderá suprir a falta de informação sobre a posição da ITCZ no último milênio. Normalmente, não faz sentido determinar o índice de chuva que já se precipitou sobre o oceano. Mas pequenas ilhas espalhadas pelo Pacífico abrigam lagos e lagoas com muita história para contar. Nos últimos seis anos coletamos dezenas de núcleos sedimentares do fundo dessas águas em algumas das ilhas mais remotas do Pacífico. A pesquisa de campo é uma aventura cheia de reveses, problemas com equipamento, barreiras de idioma e dificuldades de acesso aos locais de onde são retirados os núcleos de sedimentos. Quando chegamos à cidade de Majuro, por exemplo, a empresa aérea local, a Air Marshall Islands (mais conhecida pelos locais como “Air Talvez”), estava com dois aviões – de sua frota de duas aeronaves – quebrados. A viagem de dois dias, mencionada no início, para testar o barco modificado de uma empresa de pesca, que parecia absolutamente inadequado para navegar em alto-mar, terminou quando os motores
pifaram na noite em que voltávamos de um atol das redondezas. Para retirar um núcleo sedimentar sem perturbá-lo, perfuramos o fundo do lago com longos tubos providos de triturador e broca. Praticamente em todos os locais que perfuramos havia somente uma sequência de sedimentos. Às vezes encontramos camadas gelatinosas vermelho-brilhante de vários metros de espessura, formadas por cianobactérias, como no lago da ilha Washington. Em outras ocasiões o sedimento era de lama marrom, rica em sulfeto de hidrogênio (bem malcheiroso!), contendo fragmentos de folhas de plantas de manguezais e, às vezes, uma camada de conchas bivalves, como em Palau. Como caminhávamos com dificuldade pela lama, a pé, ou remávamos em águas rasas, costumávamos usar uma longa vara para sondar a profundidade dos sedimentos e a presença de obstáculos traiçoeiros. É comum abortar uma tentativa de obter um núcleo de sedimentos quando se atingem rochas, coral primitivo, areia ou raízes. SEGREDO NOS LIPÍDIOS Como a taxa de deposição de sedimentos é bastante variável, não sabemos até que profundidade é preciso chegar. Geralmente, 1 metro de sedimento contém informações sobre várias centenas de anos: 9 metros de sedimento da ilha
Algas, um Pluviômetro Secular As algas retiram todo o hidrogênio que consomem da água onde vivem. Medindo-se dois isótopos estáveis de hidrogênio – deutério e prótio – em lipídios de algas preservadas em sedimentos depositados no leito de lagos tropicais, pode-se inferir a quantidade de precipitação da época em que viveram. A razão deutério/prótio (D/H) de várias algas guarda uma relação linear com a razão D/H da água. Isso reflete a taxa de precipitação relativa à evaporação na área de um lago. Dentro da faixa de chuvas tropicais, onde a precipitação é frequente e intensa, a razão D/H de lagos e da água do mar é baixa. Fora dessa região, onde a evaporação pode ultrapassar a precipitação, a razão D/H é alta. Por isso, podemos usar razões D/H variáveis de lipídios de algas encontradas em sedimentos cada vez mais profundos para inferir a quantidade de chuva de épocas remotas. Felizmente, as algas também ajustam a razão D/H de seus lipídios em resposta à salinidade. Condições especiais na ilha Christmas 36 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
criaram um experimento natural que permite calibrar essa resposta. A ilha abriga uma série de lagos com temperaturas, níveis de iluminação, de nutrientes e razões D/H similares, embora difiram quanto à salinidade. Descobrimos que à medida que a salinidade aumentou à razão D/H de lipídios produzida por cianobactérias também cresceu de forma linear. Como a salinidade da água dos lagos diminui quando a chuva é abundante e aumenta no período de seca, o efeito da salinidade na razão D/H atua no mesmo sentido que o efeito da quantidade de chuvas, tornando a razão D/H de lipídios uma medida sensível de mudanças hidrológicas. Esses resultados isolados ainda são insuficientes, mais dados são necessários. A idade de um sedimento é determinada por dois isótopos radioativos, carbono 14 e chumbo 210, que têm meia-vida de 5,730 e 22,3 anos respectivamente. Comparando a razão isotópica do hidrogênio em diferentes épocas, podemos reconstruir séries históricas da variação de precipitação que remontam a 1.200 anos. – J.P.S. e C.L.M.
Washington, por exemplo, abrangeram 3.200 anos. Quando possível, tentamos chegar até o “leito de rocha” no fundo de um núcleo de sedimentos: um depósito de areia, coral ou rocha vulcânica indica a época em que o lago começou a acumular sedimentos; assim podemos obter um registro histórico mais completo do clima. Para atingir nossa meta, a reconstrução do regime de chuvas, precisamos medir características do ecossistema no clima atual para saber o que as mesmas medidas no ambiente antigo revelarão sobre o clima do passado. Por isso coletamos amostras de água em diferentes profundidades para determinar a composição química e a razão isotópica de hidrogênio na água, além de traços de populações de algas e microrganismos. Capturamos fitoplâncton, zooplâncton e microrganismos em finos filtros de fibra de vidro, que são imediatamente preservados em gelo para podermos analisar sua composição de lipídios – que englobam todos os tipos de substâncias gordurosas como óleos, gorduras, ceras, ácidos graxos etc. Também coletamos amostras de vegetação das vizinhanças para avaliar seu conteúdo lipídico. Depois de retirarmos cuidadosamente os núcleos de sedimentos do fundo do lago, precisamos levar as amostras para o laboratório sem perturbá-las. Para evitar que as camadas do núcleo se misturem, “seccionamos” meticulosamente os sedimentos superiores, que são particularmente moles, em fatias de 1 centímetro e embalamos cada fatia em sacos plásticos etiquetados. Como já tínhamos seccionado os núcleos no local onde foram retirados, viajamos de volta para Seattle, para nosso laboratório na University of Washington, carregando montes de caixas de gelo cheias de núcleos de sedimentos e água e grandes caixas de papelão cheias de pedaços de núcleos que não requerem embalagem especial. Medindo os dois isótopos estáveis de hidrogênio nos lipídios de algas preservadas em camadas cada vez mais profundas de sedimentos e determinando a idade dessas amostras, podemos inferir a quantidade de chuva que ocor-
Núcleo de sedimentos retirado do fundo de um lago da ilha Lib (Ilhas Marshall) mantém preservadas algas que revelam o passado das chuvas. As árvores são úteis para manter o núcleo vertical enquanto seções finas são cortadas para serem levadas ao laboratório.
reu quando a flora era exuberante (ver quadro na próx. pág.). NOVOS DESERTOS Ao longo de vários anos agregamos dados a um mapa cada vez mais preciso que identifica os locais históricos do ITCZ e o atualizamos continuamente com resultados recentes. Embora ainda sejam necessários mais alguns meses para concluirmos a análise da última expedição – a Kosrae na Micronésia –, resultados de várias viagens, combinados com dados obtidos por colegas, indicam que pequenas alterações na temperatura da atmosfera foram acompanhadas de grandes mudanças no regime de chuvas tropicais durante a Pequena Idade do Gelo. Essas variações provocaram a desertificação de regiões anteriormente consideradas úmidas, como Palau, e produziram chuvas abundantes em regiões que anteriormente eram consideradas áridas, como o arquipélago de Galápagos. Quando a energia solar no topo da atmosfera diminui 2 décimos de 1 por cento durante cerca de 100 anos, a ITCZ migra para o sul, na direção do equador, em cerca de 500 km. Essa sensibilidade não é um bom prognóstico. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) destaca que, devido principalmente às emissões de gases de efeito estufa, as concentrações de dióxido de
carbono da atmosfera deverão aumentar, até duplicar os níveis pré-industriais por volta da metade do século, e triplicá-los por volta de 2100. Esse aumento deverá provocar um aquecimento duas a três vezes maior na atmosfera que as mudanças ocorridas no fim da Pequena Idade do Gelo. Durante a Pequena Idade do Gelo, a linha média da faixa de chuvas permaneceu ao sul de 5oN. Hoje ela oscila entre 3oN e 10oN. Aumentos recentes nos gases do efeito estufa ameaçam deslocar o centro da faixa para mais 5 graus ao norte – 550 km – por volta de 2100. Essa nova posição (8°N a 15°N) alteraria significativamente a intensidade de precipitação em várias regiões (ver quadro na pág. oposta). Nossas descobertas nas ilhas evidenciam potenciais mudanças. A ilha Washington, localizada a 5o de latitude norte, recebe hoje 3 metros de chuva por ano, mas 400 anos atrás recebia menos de 1 metro e sofria evaporação mais intensa. Inversamente, as montanhas da ilha de San Cristóbal, a 1o de latitude sul, no arquipélago desértico de Galápagos, eram extremamente úmidas durante a Pequena Idade do Gelo. Arqueólogos concluíram que em ilhas da Indonésia e do Pacífico Sul houve um aumento significativo na construção de fortificações que coincidiu com o último maior desvio para SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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Faixa de Chuvas Aumenta com Elevação da Temperatura A Zona de Convergência Intertropical (vermelho), que circunda a Terra, é formada por ventos alísios opostos que criam uma zona de baixa pressão sobre a água equatorial aquecida pelo Sol. A água evapora, sobe se condensa na forma de chuva – muita chuva. A alta pressão também cria células adjacentes massivas de alta pressão que transportam o calor para latitudes mais altas, e comandam os sistemas climáticos dessa região.
Temperaturas elevadas no hemisfério norte deslocaram a faixa de chuvas para o norte durante o Período Medieval Quente (esquerda); temperaturas mais frias desviaram-na para o sul durante a Pequena Idade do Gelo. Atualmente, a faixa está mais ao norte do que jamais esteve nos últimos 1.200 anos. O aumento projetado nos gases do efeito estufa global poderia deslocá-la mais 5 graus para norte por volta de 2100. 2000
Pequena Idade do Gelo
Período Medieval Quente
2100
Oceano Pacífico
0,4
Período Medieval Medi al Quente Quent
Pequena quena Idade do Gelo
0,2 0 -0,2 -0,4 -0,6 800
1000
1200
Oscilação sazonal: A latitude da faixa de chuvas, que é em média de 7o N, varia ao redor do globo de aproximadamente 3o N durante o inverno no hemisfério norte (verde) a 10o N no verão (laranja), ), de acordo com o aquecimento solar. Chuvas intensas estendem-se além dessa faixa em algumas regiões. Amostras de núcleos de sedimentos de lagos retirados em diferentes ilhas, incluindo algumas mostradas aqui, revelam onde e quando as chuvas se precipitaram no passado, indicando a posição da faixa ao longo do tempo. Palau Precipitação média mensal nos trópicos (1979-2005) (> 200 milímetros) Julho
Janeiro
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1400 Ano ( d.C.)
1600
1800
2000
Implicações: Se a faixa de chuvas se deslocasse mais 5o para o norte, centenas de milhões de pessoas que vivem próximo do equador sofreriam no seu rastro ressequido. Agricultura de subsistência, lavouras de café e plantações de bananas e a biodiversidade tropical definhariam em locais como Equador e Colômbia, norte da Indonésia e Tailândia. Locais incluídos na faixa pela primeira vez receberiam muito mais chuva, incluindo Guam e El Salvador. Secas intensas provavelmente seriam o padrão normal no sudoeste americano.
Oceano Pacífico
Ilha Lib (Ilhas Marshall)
Ilha Mejit Kosrae Nauru
Ilha Washington
Atol de Clipperton
Ilha Christmas Equador Trópicos
Ilha de San Cristóbal Ilha Isabela Ilha Floreana
FONTES: NOAA (precipitação) ; “PROXY-BASED RECONSTRUCTIONS OF HEMISPHERIC AND GLOBAL SURFACE TEMPERATURE VARIATIONS OVER THE PAST TWO MILLENNIA”, POR M. E. MANN et al., EM Proceedings of the National Academy of Sciences usa, VOL. 105, N O 36; 2 DE SETEMBRO DE 2008 (curva de temperatura) ; ILUSTRAÇÃO DE GEORGE RETSECK (globos) E JEN CHRISTIANSEN (gráfi cos)
Diferença de temperatura no hemisfério norte (graus Celsius)
Equador
FONTE: UNIVERSITY OF TEXAS EM AUSTIN
sul da posição da ITCZ. A maior parte das fortificações – estruturas de pedra para defesa contra a invasão de sociedades vizinhas – foi construída do início ao fim da Pequena Idade do Gelo. À medida que a faixa de chuvas se deslocava para o sul, ilhas que ficavam na sua borda norte tornaram–se mais secas, provavelmente forçando seus habitantes a fugir para locais mais aprazíveis ao sul; e isso poderia ter aumentado o medo de invasão entre as pessoas aí estabelecidas. Atualmente a tecnologia de dessalinização e a navegação minimizam a dependência das chuvas, mas um deslocamento da ITCZ de 5 graus para o norte ameaçaria milhões de pessoas que vivem perto do equador e dependem da agricultura de subsistência, sem mencionar a biodiversidade tropical. Muitos países localizados na faixa atual de chuvas são sociedades em desenvolvimento. Provavelmente terão um grande crescimento demográfico neste século e não disporão de recursos para uma adaptação bem-sucedida. Áreas sob a influência direta da ITZC pela primeira vez (10°N a 15°N), como El Salvador, na América Central, e Manila, nas Filipinas, receberiam mais chuvas anualmente e poderiam tornar-se mais úmidas. Regiões que já não estão sob a influência direta da faixa de chuvas (3°N a 8°N) receberiam menos chuvas e se tornariam mais secas. A questão se esse efeito climático seria contrabalançado em certos locais, pela força das monções asiáticas e indianas, ainda está sendo debatida. MENOS CAFÉ E BANANAS Em geral, áreas úmidas do norte da Indonésia, Malásia, Filipinas, Micronésia, Tailândia e Camboja perderiam uma boa parte das chuvas que recebem hoje da ITCZ. As variedades de lavoura ideais para as condições de crescimento atual não floresceriam mais. Por exemplo, os cafeeiros – da mesma forma que os vinhedos – precisam de muita chuva no início da fase de crescimento e requerem mais de 1,8 metro de precipitação total, para desenvolver grãos adequados.
Na América do Sul, Equador e Colômbia ficariam nas bordas da ITCZ e se tornariam mais secos. A urbanização crescente da Colômbia poderia torná-la competitiva porque sua economia já não depende tanto da agricultura. Mas a Colômbia é o terceiro maior produtor de café do mundo e, como na Indonésia, a redução das chuvas poderia afetar a cafeicultura a longo prazo. Muitas regiões produtoras de café que se encontram abaixo de 8o de latitude norte sofreriam problemas idênticos por volta de meados ao fim do século 21. Áreas no sul e ao longo da costa correm maior risco porque estarão mais distantes da faixa de chuvas. O futuro da indústria da banana no Equador pode ser desastroso. Bananas de qualidade precisam de temperaturas mais altas e de 2 a 2,5 metros de chuva por ano, mas o Equador já está bem abaixo da atual ITCZ e mal atinge o limite mínimo de precipitação. Um deslocamento da faixa provavelmente reduziria o índice pluviométrico a 1 metro ou menos por ano, por volta de 2100, acabando com a indústria nacional da banana. Uma queda drástica na produção de bananas pode acontecer muito antes. Nas Filipinas, no começo de 2010, praticamente metade das plantações produziram bananas menores e abaixo do peso de comercialização devido a uma estação anormalmente seca. A agricultura de subsistência também seria afetada em todas essas regiões. Mesmo que as pessoas gravitassem em torno das cidades, a falta de alimentos localmente é uma receita para o desastre. Se a faixa continuar a migrar para o norte, à taxa média que tem se mantido ao longo dos últimos 400 anos, é provável que também ocorram mudanças significativas nos regimes de chuva na região continental dos Estados Unidos. Algumas mudanças já começaram. O sudoeste americano está sofrendo secas severas que permanecem por vários anos, e que provavelmente representarão o novo padrão normal no século 21 se os níveis dos gases do efeito estufa continuarem a aumentar nesse ritmo. Temperaturas
mais altas e o contínuo deslocamento da faixa de chuvas para o norte ameaçam deslocar a zona seca subtropical situada ao norte ITCZ, que atualmente se estende pelo norte do México, até a parte continental do país. Para os cientistas ainda não está claro se um deslocamento para o norte afetaria a frequência ou as dimensões de furacões e monções. Ainda temos de examinar todos os parâmetros capazes de afetar os padrões do El Niño e La Niña. Ainda há muito trabalho a ser realizado antes de soar o sinal de alarme. Modelos climáticos por computador não reproduziram satisfatoriamente os padrões tropicais de precipitação do passado nem do presente. Se os modeladores do clima puderem usar dados de núcleos de sedimentos e outras fontes para produzir padrões mais realistas, o mundo poderá confiar mais nas projeções de chuvas futuras. Continuaremos a estudar os sedimentos de ilhas tropicais na ITCZ e ao norte e ao sul dela, para definir melhor a posição da faixa de chuvas durante todo o milênio passado e para prever onde ela se posicionará nas próximas gerações. n OS AUTORES Julian P. Sachs é professor de oceanografia da University of Washington. O laboratório onde trabalha se dedica ao desenvolvimento e aplicação de técnicas moleculares e isotópicas para interpretar o clima e processos geoquímicos e bioquímicos dos últimos 2 mil anos. Conor L. Myhrvold, um dos maiores geocientistas da Princeton University, atuou como fotógrafo assistente de Sachs em campanhas recentes. PARA CONHECER MAIS Paleoclimates and the emergence of fortifications in the tropical pacific islands. Julie S. Field e Peter V. Lape, em Journal of Anthropological Archaeology, vol. 29, no 1, págs. 113-124, março de 2010. Southward movement of the Pacific intertropical convergence zone AD 1400–1850. Julian P. Sachs et al., em Nature Geoscience, vol. 2, no 7, págs. 519-525, julho de 2009. Proxy-based reconstructions of hemispheric and global surface temperature variations over the past two millennia. Michael E. Mann et al., em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 105, no 36, págs. 1325213257, 2 de setembro de 2008. Pesquisa paleoclimática no Laboratório Sachs: http://faculty.washington.edu/jsachs
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BIOLOGIA
Por que razão nos ajudamos? Longe de ser uma exceção à regra tida como constante na evolução, a cooperação tem sido uma de suas características fundamentais POR MARTIN A. NOWAK
E
m abril de 2011, quando os reatores da usina nuclear Fukushima Daiichi, no Japão, derretiam depois dos terremotos e tsunami letais, um funcionário da manutenção de 20 anos estava entre os voluntários que retornariam à central para tentar controlar a situação. Ele sabia que o ar estava contaminado e que a decisão poderia impedi-lo de se casar ou ter filhos pelo temor de comprometer a saúde deles. Ainda assim cruzou os portões e voltou ao ambiente impregnado de radiação para trabalhar – sem outras compensações a não ser seu modesto salário habitual. “Poucos de nós podem fazer esse trabalho”, disse o empregado, que quis se manter anônimo, ao jornal The Independent em julho de 2011. “Sou solteiro e jovem e sinto que é meu dever ajudar a resolver este problema.” Embora nem sempre alcancem essa escala épica, os exemplos de comportamento altruísta são abundantes na Natureza. As células se coordenam para manter sua divisão sob contro40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
le, evitando a formação de cânceres, se reproduzem com mais frequência do formigas operárias de muitas espécies que seus pares e assim contribuem mais sacrificam sua fecundidade para servir para a geração seguinte –, chamou essa à rainha e à colônia, leoas de um gru- competição de “a mais severa luta pela po amamentam os filhotes umas das vida”. Alçado a sua lógica extrema o outras. E os humanos ajudam outros argumento rapidamente leva à concluhumanos a fazer tudo, desde obter ali- são de que não se deve nunca ajudar mentos até encontrar pares e defender a um rival e que um indivíduo pode, território. Mesmo que os auxiliadores de fato, fazer bem ao mentir e enganar não coloquem necessariamente sua para vencer uma disputa. Vencer o jogo vida em risco, eles podem estar redu- da vida – por bem ou por mal – é tudo zindo seu sucesso reprodutivo em favor o que importa. Por que, então, o comportamento de outro indivíduo. Ao longo de décadas biólogos dis- altruísta é um fenômeno tão persistente? Nas duas últimas décacutiram a cooperação, esfordas venho usando as ferraçando-se para compreendê-la TEORIA DOS JOGOS à luz da visão dominante da Estudo das estratégias mentas da teoria dos jogos para tomadas para estudar este aparente evolução, vivamente descri- usadas de decisão quando o ta por lorde Alfred Tenny- resultado de cada agen- paradoxo. Meu trabalho son como “red in tooth and te depende das deci- indica que, em vez de se de outro(s), que ele opor à competição, a cooclaw” (com “sangue nos sões não é capaz de prever. peração operou juntamendentes e clavas”, em tradute com ela desde o início ção livre). Charles Darwin, ao expor sua teoria sobre a evolução para dar forma à evolução da vida na pela seleção natural – segundo a qual Terra, desde as primeiras células até o os indivíduos com caracteres desejáveis Homo sapiens. A vida é, portanto, não
ILUSTRAÇÃO DE NOMA BAR
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torado, Karl Sigmund, e eu desenvolvemos técnicas para fazer simulações em computador do dilema usando grandes comunidades, sem nos limitarmos aos dois prisioneiros. Com essa abordagem conseguimos observar como suas estratégias de sobrevivência evoluíam da delação para a cooperação e de volta para a delação por meio de ciclos de crescimento e declínio. Com as simulações identificamos um mecanismo que pode superar a predileção da seleção natural pelo comportamento egoísta, levando potenciais desertores a estenderem as mãos. Começamos com uma distribuição ao acaso de delatores e cooperadores e, depois de cada rodada do jogo, os vencedores continuariam a produzir descendentes que participariam da pró-
xima rodada. Os descendentes em sua maioria seguiram a estratégia dos progenitores, embora mutações randômicas pudessem alterar suas estratégias. Prosseguindo com a simulação descobrimos que em poucas gerações (com uma rodada representando uma geração) todos os indivíduos na população estavam delatando em todas as rodadas do jogo. Mas, repentinamente, surgiu uma nova estratégia: os jogadores começaram cooperando e então replicavam os movimentos de seus oponentes. A mudança rapidamente levou a comunidades dominadas por cooperadores. Esse mecanismo para a evolução da cooperação entre indivíduos que se encontram repetidamente é conhecido como reciprocidade direta. Se um morcego hematófago perde a chance de
Deserção Natural Um paradoxo da teoria dos jogos chamado Dilema do Prisioneiro ilustra por que a existência da cooperação na Natureza é inesperada. Duas pessoas enfrentam sentenças de prisão por conspirarem para cometer um crime. Suas sentenças dependem de elas escolherem cooperar e manter silêncio ou desertar e confessar o crime (ver a tabela de recompensas abaixo). Como uma não sabe o que a outra fará, a escolha racional – sempre a mais compensadora – é delatar e assim evitar a sentença mais longa. INDIVÍDUO 2
Deserta (confessa)
Coopera (mantém silêncio)
Coopera (mantém silêncio) INDIVÍDUO 1
apenas uma luta pela sobrevivência – é também, pode-se dizer, uma união pela sobrevivência. E em nenhum outro caso a influência evolutiva do altruísmo foi sentida mais profundamente do que entre os humanos. Minhas descobertas sugerem por que isso acontece e salientam que, assim como ajudar um ao outro foi fundamental para nosso sucesso no passado, deverá ser vital também para nosso futuro. Eu me interessei por cooperação em 1987, ao estudar matemática e biologia na pós-graduação na Universidade de Viena. Durante um retiro escolar com colegas e professores nos Alpes aprendi um paradoxo da teoria dos jogos chamado Dilema do Prisioneiro, que elegantemente ilustra por que a cooperação tem desconcertado tanto os biólogos evolucionistas. O dilema é o seguinte: imagine que duas pessoas foram detidas e enfrentam sentenças de prisão por terem conspirado para cometer um crime. O promotor questiona cada uma separadamente e apresenta os termos de um acordo. Caso o primeiro delate o segundo e o segundo permaneça em silêncio, o incriminador será condenado a apenas um ano de prisão, enquanto o que se calou será sentenciado a quatro anos. Se ambos cooperarem e não se delatarem receberão sentenças reduzidas de dois anos. Mas se os dois se incriminarem, terão sentenças de três anos. Como cada condenado é consultado separadamente, nenhum deles sabe se o parceiro ou parceira vai ou não delatar. Colocando os possíveis resultados numa chamada matriz de recompensas (ver quadro ao lado), pode-se observar que, do ponto de vista de cada um, a melhor aposta é delatar e incriminar o parceiro, evitando assim a possibilidade de receber a pena máxima de quatro anos. Mas, como os dois vão seguir a mesma linha de raciocínio e escolher a delação, os dois terão o terceiro melhor resultado (sentenças de três anos) em vez da sentença de dois anos que teriam se cooperassem. O Dilema do Prisioneiro me seduziu imediatamente com seu poder de provar a relação entre conflito e cooperação. Por fim, meu orientador de dou-
Deserta (confessa)
2 anos de prisão
4 anos de prisão
2 anos de prisão
1 ano de prisão
1 ano de prisão
3 anos de prisão
4 anos de prisão
3 anos de prisão
se alimentar diretamente de uma presa num dia, ele vai implorar aos seus pares saciados no abrigo. Se tiver sorte, um deles vai partilhar o alimento, regurgitando o sangue na HEMATÓFAGO boca do morcego faminto. Que se alimenta Os morcegos hematófagos de sangue vivem em grupos estáveis e retornam ao ninho toda noite depois da caçada, portanto os membros do grupo se encontram rotineiramente. Estudos mostram que os morcegos se lembram de quais membros do grupo os ajudaram em momentos de necessidade e, quando chega o dia em que o morcego generoso precisa de alimento, o membro do grupo que ele ajudou anteriormente provavelmente retribuirá o favor. O que tornou nossas simulações iniciais em computadores ainda mais interessantes foi a revelação de que há diferentes tipos de reciprocidade direta. Após 20 gerações a estratégia olho por olho deu lugar a uma estratégia mais generosa, em que os jogadores podem ainda cooperar mesmo se seus rivais desertarem. Além da reciprocidade direta identifiquei posteriormente outros quatro mecanismos para a evolução da cooperação. Nos muitos milhares de trabalhos que os cientistas publicaram sobre como os cooperadores podem prevalecer na evolução, todos os cenários descritos recaem em uma ou mais dessas cinco categorias. Um segundo meio pelo qual a cooperação pode encontrar apoio numa população é se cooperadores e desertores não estão distribuídos uniformemente no grupo – um mecanismo denominado seleção espacial. Vizinhos (ou amigos numa rede social) tendem a ajudar uns aos outros assim; numa população com parcelas de cooperadores, esses indivíduos solidários podem formar grupos com possibilidade de crescimento e então prevalecer na competição com os desertores. A seleção espacial também opera entre organismos mais simples. Entre células de fungos, os cooperadores produzem uma enzima usada para digerir açúcar. Eles fazem isso ao próprio custo. Os fungos desertores, en-
quanto isso, se beneficiam das enzimas coço as suas costas e alguém coçará as dos cooperadores, em vez de sintetiza- minhas”. Entre os macacos-japoneses, rem as suas. Estudos realizados por Jeff por exemplo, os animais de posições Gore, do Massachusetts Institute of mais baixas que fazem o asseio e tratam Technology e, de forma independente, de posições mais altas podem melhorar por Andrew Murray, da Harvard Uni- sua reputação – e assim serem objeto versity, mostraram que entre os fungos de melhor tratamento – simplesmente crescidos em populações bem mistas os por serem vistos com os de hierarquia desertores predominaram. Em popula- mais alta. Por fim, indivíduos podem agir ções com aglutinações de cooperadores e desertores, em contrapartida, os coo- com altruísmo para o bem maior e não para auxiliar um único par. Esse quinto peradores venceram. meio pelo qual a cooperaTalvez um dos mecaSELEÇÃO DE GRUPO nismos mais imediata- Também conhecida como ção pode ganhar raízes é mente intuitivos para a seleção de multiníveis, em conhecido como seleção de evolução do altruísmo es- que grupos de colabora- grupo. O reconhecimento dores são mais do que desse mecanismo remonteja ligado à cooperação outros grupos ta ao próprio Darwin, entre indivíduos genetique observou em seu livro camente relacionados, ou seleção de parentesco. Nessa situação, The descent of man (A descendência indivíduos fazem sacrifícios por seus do homem), de 1871, que “uma tribo parentes porque partilham seus genes. incluindo muitos membros que estão Dessa forma, embora possam estar re- sempre prontos a ajudar uns aos outros duzindo sua própria aptidão reprodu- e a se sacrificar pelo bem comum seria tiva direta ao ajudar um parente em vitoriosa contra a maioria das outras necessidade, eles estarão ainda apoian- tribos, e isso seria seleção natural”. do a disseminação dos genes que parti- Biólogos desde então debatem intensalham com os receptores. Como expôs mente a ideia de que a seleção natural o biólogo britânico do século passado pode favorecer a cooperação para meJ. B. S. Haldane, o primeiro a mencio- lhorar o potencial reprodutivo do grunar a ideia de seleção de parentesco: po. Modelos matemáticos de pesquisa“Eu vou pular no rio para salvar dois dores, incluindo os meus, no entanto, irmãos ou oito primos”, referindo-se nos ajudaram a mostrar que a seleção ao fato de que nossos irmãos parti- pode operar em múltiplos níveis, dos lham 50% de nosso DNA, enquanto genes individuais a grupos de indivínossos primos partilham 12,5%. (De duos aparentados até espécies inteiras. fato, calcular o benefício adaptativo Assim, os empregados de uma compada seleção de parentesco é uma tarefa nhia competem uns com os outros para bastante complexa que induziu muitos subir na escada corporativa, mas eles também cooperam para assegurar que pesquisadores ao erro.) O quarto mecanismo que estimula a empresa se saia bem na concorrência o aparecimento da cooperação é a re- com outras. ciprocidade indireta, bastante distinta da variedade direta que Sigmund e eu UM POR TODOS estudamos inicialmente. Na reciproci- Os cinco mecanismos que governam a dade indireta um indivíduo decide aju- manifestação da cooperação se aplicam dar a outro com base apenas na neces- a todas as formas de organismos, de sidade da reputação individual. Os que amebas a zebras (e mesmo, em alguns têm reputação de ajudar os outros em casos, a genes e outros componentes momentos difíceis podem bem contar das células). Essa universalidade sugere com a boa vontade de estranhos quan- que a cooperação tem sido uma força do sua sorte falhar. Assim, em vez da motora da evolução da vida na Terra mentalidade “eu coço as suas costas se desde o início. Além disso, há um gruvocê coçar as minhas”, o cooperador po em que os efeitos da cooperação se nesta situação pode estar pensando “eu mostraram especialmente profundos: o SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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dos humanos. Milhões de anos de evolução transformaram uma criatura lenta, indefesa, em uma das mais influentes criaturas do planeta, uma espécie capaz de inventar uma alucinante série de tecnologias que permitiu à espécie descer às profundezas do oceano, explorar o espaço e transmitir essas conquistas ao mundo em um instante. Fizemos essas conquistas monumentais ao trabalharmos juntos. De fato, os humanos são a espécie mais cooperativa – supercooperativa, pode-se dizer. Considerando que os cinco mecanismos de cooperação ocorrem na Natureza, a pergunta é: O que torna os humanos, em particular, os mais auxiliadores? Da forma como eu vejo isso, os humanos, mais do que quaisquer outras criaturas, oferecem ajuda com base na reciprocidade indireta, ou reputação. Por quê? Porque apenas os humanos dominam totalmente a linguagem – e, por extensão, os nomes dos demais –, o que nos permite dividir informação sobre todos, desde os membros próximos da família até completos estranhos do outro lado do mundo. Somos obcecados com quem faz o que para quem e por quê – temos de ser para nos posicionar 44 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
melhor na rede social ao nosso redor. Estudos mostraram que pessoas decidem sobre tudo, de quais instituições de caridade ajudar até quais empresas iniciantes financiar com base, em parte, na reputação. Minha colega de Harvard Rebecca Henderson, especialista em estratégia competitiva no mundo dos negócios, observa que a Toyota ganhou uma margem competitiva sobre outras fabricantes de veículos em parte por causa de sua reputação por tratar fornecedores de forma justa. A interação da linguagem e da reciprocidade indireta leva à rápida evolução cultural, condição central à nossa adaptabilidade como espécie. À medida que a população humana cresce e o clima muda, precisaremos fortalecer essa adaptabilidade e descobrir formas de trabalhar juntos para salvar o planeta e seus habitantes. Dado nosso atual histórico ambiental as chances de atingir esse objetivo não parecem grandes. Aqui, também, a teoria dos jogos oferece insights. Alguns dilemas cooperativos que envolvem mais de dois jogadores são chamados de jogos de bens públicos. Neste cenário, todos no grupo se beneficiam da minha cooperação, mas, tudo
o mais permanecendo igual, eu aumento minha recompensa ao mudar da cooperação para a deserção. Assim, embora eu queira que os outros cooperem, minha escolha “inteligente” é pela deserção. O problema é que todos no grupo pensam da mesma forma e o que começa como cooperação termina em deserção. No clássico jogo dos bens públicos conhecido como Tragédia dos Comuns, descrito em 1968 pelo falecido ecologista Garrett Hardin, um grupo de criadores de gado que partilham uma pastagem permite que seus animais explorem exageradamente o gramado comunitário, apesar de saberem que isso acabará por destruir o recurso de todos, incluindo o dele. As analogias com as questões do mundo real relacionadas aos recursos naturais – do petróleo à água potável – são óbvias. Se os cooperadores tendem a desertar no momento de arcar com os custos dos bens comunitários, como podemos querer preservar o capital ecológico do planeta? Felizmente, nem toda esperança está perdida. Uma série de experimentos computadorizados realizados por Manfred Milinski, do Instituto Max Planck de Biologia Evolutiva, de Plön, na Ale-
TIM FLACH GETTY IMAGES (formigas); GETTY IMAGES (células)
AJUDANDO: Formigas-cortadeiras trabalham juntas para carregar folhas ao ninho (1). Células regulam sua própria divisão para evitar câncer (2).
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REBECCA YALE GETTY IMAGES (leões ); OSCAR TARNEBERG GETTY IMAGES (macacos)
Leoas criam seus filhotes de forma cooperativa (3). Macacos-japoneses limpam uns aos outros, polindo assim sua reputação no grupo social (4).
manha, e seus colegas revelou vários fatores que motivam as pessoas a serem boas gestoras das coisas comuns nos jogos dos bens públicos. Os pesquisadores deram a cada sujeito € 40 e os colocaram num jogo via computador em que o objetivo era usar o dinheiro para manter o clima da Terra sob controle. Os participantes foram informados de que a cada rodada do jogo teriam de doar parte de seu dinheiro para um fundo comum. Ao fim de dez rodadas, se houvesse € 120 ou mais no fundo comum, então o clima estaria a salvo e todos iriam para casa com o dinheiro que sobrou. Se houvesse menos de € 120, o clima entraria em colapso e todos perderiam. Embora, no fim, os jogadores não tivessem conseguido salvar o clima, ficando poucos euros abaixo do determinado, os pesquisadores observaram diferenças em seu comportamento de rodada a rodada que apontam para o que inspira a generosidade. Eles descobriram que os jogadores ficavam mais altruístas quando recebiam informação confiável sobre pesquisas do clima, indicando que as pessoas precisam ser convencidas de que há realmente um problema para fazer sacrifícios pelo
bem maior. Os jogadores também agiram mais generosamente quando se permitiu que as doações fossem feitas publicamente e não anonimamente – ou seja, quando sua reputação estava em jogo. Outro estudo de pesquisadores da Newcastle University, da Inglaterra, ressaltou a importância da reputação ao descobrir que as pessoas são mais generosas quando sentem que estão sendo observadas. Esses fatores entram em jogo todo mês, quando recebo minha conta de gás. A conta compara o consumo da minha residência com o consumo médio em meu bairro nas cercanias de Boston e com as residências mais eficientes. A comparação entre nosso uso e o de nossos vizinhos motiva minha família a usar menos gás; a cada inverno tentamos reduzir a temperatura na casa em 0,6 grau Celsius. Simulações evolucionistas indicam que a cooperação é intrinsecamente instável; períodos de prosperidade cooperativa inevitavelmente dão lugar à deserção destrutiva. Mesmo assim o espírito altruísta parece sempre se reconstituir; nossa bússola moral de alguma forma se reorienta. Ciclos de cooperação e
deserção são visíveis nos altos e baixos da história humana, nas oscilações dos sistemas político e financeiro. Não está claro onde nós, humanos, estamos neste ciclo agora, mas, certamente, poderíamos estar fazendo mais ao trabalharmos juntos para resolver os problemas mais prementes do mundo. A teoria dos jogos sugere um caminho. Os políticos deveriam observar a importância da informação e da reputação para manter desertores sob controle e explorar a capacidade desses fatores para fazer de nós melhores cooperadores na mãe de todos os jogos de bens públicos: a missão de 7 bilhões de pessoas de conservar os recursos em rápida diminuição no planeta Terra. n O AUTOR Martin A. Nowak é professor de biologia e matemática da Harvard University e diretor do Programa sobre Dinâmica Evolucionária. Sua pesquisa se concentra na sustentação matemática da evolução. PARA CONHECER MAIS Super cooperators: altruism, evolution, and why we need each other to succeed. Martin A. Nowak, com Roger Highfield. Free Press, 2012. Five rules for the evolution of cooperation. Martin A. Nowak, em Science, vol. 314, págs. 1560-1563, 8 de dezembro de 2006.
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Química
Á
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A
M O
ideia popular de que a química é, hoje, compreendida conceitualmente e de que tudo o que temos a fazer é usá-la é falsa. Claro, a maioria dos produtos que usamos diariamente só se tornou possível pela química moderna. Mas a mera produção de compostos úteis está distante do que os químicos fazem. A maior parte dos problemas da modernidade – da produção de limpadores de automóveis à alteração do destino de células vivas – são, na essência, problemas da química e exigirão químicos para resolvê-los. Da mesma forma que alguns dos mistérios mais profundos da ciência. Conheça dez questões que têm, todas, a química em seu núcleo e o surpreendente papel da sinalização química nas interações humanas. Esses casos mostram o quanto a química está presente em nosso cotidiano. – Os editores
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mistérios não resolvidos da química Várias das questões científicas mais profundas – e alguns dos problemas mais urgentes da humanidade – estão nos domínios da ciência dos átomos e moléculas
Por Philip Ball
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químicas da vida. A Nasa, por exemplo, insiste há muito tempo na ideia de que a água líquida é um prérequisito, mas agora os cientistas não estão tão certos disso. E a amônia líquida, formamida, além de solventes oleaginosos como metano líquido ou hidrogênio supercrítico em Júpiter? E por que a vida se restringiria apenas ao DNA, RNA e proteínas? E para finalizar, vários sistemas químicos artificiais construídos recentemente mostram um tipo de replicação de partes de seus componentes que não se baseia em ácidos nucleicos. Aparentemente, tudo de que necessitamos é um sistema molecular que possa servir de modelo para fazer uma cópia e depois destacá-la. Observando a vida na Terra, Steven Benner, químico da Fundação para Evolução Molecular Aplicada em Gainesville, Flórida, comenta: “Não temos como decidir se as semelhanças (como o uso de DNA e proteínas) refletem um ancestral comum ou as necessidades da vida universalmente”. Mas se as interpretarmos pensando em nos ater ao que sabemos, “então não tem nenhuma graça”.
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podem reagir espontaneamente para formar O momento em que os blocos de construção mais complexos de primeiros seres vivos se seres vivos, como os aminoácidos e formaram a partir da matéria nucleotídeos – as unidades básicas do DNA inanimada, há quase 4 bilhões de anos, e do RNA. Em 2009, um grupo liderado por ainda está envolto por mistério. Como John Sutherland, atualmente no laboratório moléculas relativamente simples da sopa MRC de Biologia Molecular em Cambridge, primordial deram origem a compostos cada Inglaterra, demonstrou a formação de vez mais complexos? E como alguns desses nucleotídeos a partir de moléculas que compostos começaram a processar energia provavelmente existiram na sopa e se replicar (duas características primordial. Outros pesquisadores fundamentais para a vida)? No nível concentraram-se na capacidade que molecular todos esses passos são, alguns filamentos de RNA têm de agir naturalmente, reações químicas como enzimas, fornecendo evidências que relacionadas à questão da origem da vida. reforçam a hipótese do “mundo do RNA”. O desafio para os químicos é não propor Esses passos levaram os cientistas a mais cenários hipotéticos, vagamente construir uma ponte entre a matéria plausíveis, como os que já existem. Os inanimada dos sistemas autorreplicantes e pesquisadores consideraram, por exemplo, autossustentados. minerais como a argila, POlÍMerOS Agora que os cientistas que funcionou como São macromoléculas formaconhecem melhor os ambientes catalisador na formação das pela repetição de uma exóticos e potencialmente férteis dos primeiros polímeros unidade molecular pequena, chamada monômero do Sistema Solar (eventuais autorreplicantes fluxos de água em Marte, mares (moléculas que, como o petroquímicos em Titã, as luas de Saturno, DNA ou proteínas, são formadas por longas e oceanos gelados que parecem se cadeias de pequenas unidades); esconder sob o gelo das luas de Júpiter, complexidades químicas alimentadas pela Europa e Ganimedes), a origem da vida energia de chaminés hidrotermais das profundezas oceânicas; e o “mundo do RNA” terrestre parece ser uma pequena parte de questões muito maiores: Em que onde essa estrutura (prima do DNA) – capaz circunstâncias a vida pode surgir? Como de agir como uma enzima e catalisar sua base química pode variar? Essas reações como as proteínas – teria precedido questões tornaram-se ainda mais o DNA e as proteínas. contundentes com a descoberta de mais de A dificuldade está em testar essas hipóteses em reações preparadas em tubos de ensaio. 500 planetas extrassolares. Essas descobertas obrigaram os químicos Os pesquisadores mostraram, por exemplo, a expandir suas ideias sobre as possíveis que certos componentes químicos simples
Como as moléculas se formaram?
Estruturas moleculares podem servir de motivação para as aulas de ciência do ensino médio, mas o quadro familiar de bolinhas e palitos representando os átomos e suas ligações é uma ficção convencional. O problema é que os cientistas não sabem exatamente como representar as moléculas de forma mais precisa. Nos anos 20 os físicos Walter Heitler e Fritz London mostraram como descrever as ligações químicas usando equações da emergente teoria quântica, e o famoso químico americano Linus Pauling 48 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
propôs que as ligações se formam quando orbitais eletrônicos de diferentes átomos se sobrepõem no espaço. Uma teoria concorrente formulada por Robert Mulliken e Friedrich Hund sugeria que as ligações resultavam da fusão de orbitais atômicos em “orbitais moleculares” que
ultrapassavam as fronteiras do átomo. A química teórica estava a ponto de se tornar um ramo da física.
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Como a vida começou?
iLuSTRaÇÃO De BROWN BiRD DeSiGN
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Como o ambiente influi em nossos genes?
“O que você é depende dos genes que carrega.” Agora está claro que outra questão igualmente importante é “que genes você utiliza?”. Como tudo em biologia, a química está no bojo dessa questão. As células do embrião recém-formado podem transformarse em qualquer tipo de tecido. Mas, à medida que o embrião cresce, passam a desempenhar papéis específicos que são transmitidos para sua progênie. A formação do corpo humano depende basicamente da modificação química dos cromossomos das células-tronco de forma a alterar a disposição dos genes que são ativados e desativados. Uma das descobertas mais revolucionárias na pesquisa sobre clonagem e células-tronco é que essa modificação é reversível e pode ser influenciada pelas experiências do corpo. As células não desabilitam os genes permanentemente durante a diferenciação, mantendo apenas as necessárias num estado “prontas para trabalhar”. Ao contrário, os genes que são desativados conservam a capacidade latente de trabalho – para criar as proteínas que codificam – e podem ser reativados, por exemplo, por exposição a certos componentes químicos do ambiente. Para os químicos é particularmente estimulante e desafiador o fato de o controle da atividade gênica envolver eventos químicos que ocorrem em escala maior que a dos átomos e moléculas – na chamada mesoescala – com a interação de grupos e arranjos moleculares maiores. A cromatina, uma mistura de DNA e proteínas que forma
Quase 100 anos depois, o cenário dos orbitais moleculares tinha se popularizado, mas ainda não havia consenso entre os químicos de que essa fosse a melhor forma de “visualizar” as moléculas. O problema é que esse modelo, e todos os demais, baseiam-se em suposições simples e por isso oferecem apenas descrições parciais. Na verdade, uma molécula pode ser representada por um cacho de núcleos atômicos numa nuvem de elétrons, com forças eletrostáticas opostas disputando entre si um contínuo cabo de guerra, e todos os componentes constantemente
os cromossomos, tem uma estrutura hierárquica. A dupla hélice é enrolada em torno de partículas cilíndricas formadas por proteínas chamadas histonas, e essas fileiras de contas são então empacotadas em estruturas mais complexas (ver ilustração ao lado). As células exercem controle sobre esse empacotamento: o estado ativado ou desativado de um gene depende de como e onde foi empacotado na cromatina. As células contêm enzimas especializadas para remodelar a estrutura de cromatina, e essas enzimas desempenham papel central na diferenciação celular. Em células-tronco embrionárias a cromatina parece ter uma estrutura mais solta e aberta: à medida que alguns genes se tornam inativos, a cromatina fica cada vez mais granulosa e organizada. “A cromatina parece fixar e reter ou estabilizar o estado da célula”, explica o patologista Bradley Bernstein, do Hospital Geral de Massachusetts. Além disso, essa modelagem da cromatina é acompanhada por modificações químicas tanto do DNA como das histonas. Pequenas moléculas presas a eles funcionam como rótulos que avisam o maquinário celular para silenciar os genes ou, ao contrário, liberá-los para entrar em ação. Essa rotulação é chamada de “epigenética” porque não altera a informação transportada pelos próprios genes. A determinação de até que ponto as células maduras podem voltar a ser pluripotenciais – se elas são tão boas quanto as verdadeiras células-tronco, que é uma questão vital para sua aplicação em medicina regenerativa – depende basicamente de até que distância a
se movimentando e se rearranjando. Alguns modelos moleculares tentam cristalizar essas entidades dinâmicas em estruturas estáticas e, nesse caso, podem ressaltar algumas propriedades proeminentes, mas descartam outras. A teoria quântica é incapaz de fornecer uma definição única das ligações que concorde com a intuição dos químicos, cuja tarefa diária é formá-las e rompê-las. Atualmente existem várias formas de descrever as moléculas como átomos unidos por ligações. Simulações atuais feitas por computador permitem calcular e visualizar estruturas e
rotulação epigenética pode ser restaurada. Já não há dúvidas de que além do código genético, que decifra muitas das instruções celulares importantes, as células se comunicam numa linguagem química completamente separada da genética – a epigenética. “As pessoas podem apresentar predisposição genética para várias doenças, incluindo câncer, mas se a doença se manifestará ou não quase sempre depende de fatores ambientais que agem por meio desses trajetos epigenéticos”, observa o geneticista Bryan Turner, da University of Birmingham na Inglaterra.
DNA
Marcador epigenético
Complexo de proteínas histona
Marcador epigenético
Cromossomo
propriedades das moléculas a partir dos princípios quânticos com precisão – desde que o número de elétrons seja relativamente pequeno. “A química computacional pode ser levada aos mais altos níveis de realismo e complexidade”, considera Dominik Marx, da Universidade do Ruhr. Como resultado, cálculos computacionais podem se parecer, cada vez mais, com um experimento virtual que prevê o desenrolar de uma reação. Mas, se a reação simulada envolver mais de algumas dezenas de elétrons, os cálculos começam a sobrecarregar rapidamente até os supercomputadores mais poderosos. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
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O cérebro é um computador químico. As interações entre os neurônios que formam seus circuitos são mediadas por moléculas: particularmente os neurotransmissores que atravessam as sinapses – pontos de contato entre uma célula neural e outra. A química da mente tem sua manifestação talvez mais impressionante no funcionamento da memória, onde princípios e conceitos abstratos –, por exemplo, um número de telefone ou uma associação emocional – são impressos em estados de rede neural por sinais químicos que são mantidos. Como a química cria uma memória persistente e dinâmica capaz de invocar, revisar e esquecer? Hoje sabemos parte da resposta. Uma cascata de processos bioquímicos, que altera as quantidades de moléculas neurotransmissoras nas sinapses, desencadeia a aprendizagem de reflexos habituais. Mas até esse aspecto simples de aprendizagem depende de estágios de curto e longo prazos. Enquanto isso a chamada memória declarativa (de pessoas, lugares etc.) mais complexa age e se localiza em pontos diferentes do cérebro, envolvendo a
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ativação de uma proteína – chamada receptor NMDA – em certos neurônios. Nossa memória declarativa é codificada por um processo chamado potencialização de longo prazo, que envolve receptores NMDA e é acompanhado por uma ampliação da região neural que forma uma sinapse. À medida que a sinapse aumenta, também cresce a “força” de sua conexão com os neurônios vizinhos – a tensão elétrica induzida na junção sináptica pela chegada de impulsos nervosos. A bioquímica desse processo envolve a formação de filamentos da proteína actina no interior do neurônio. Essa proteína é responsável por parte da estrutura básica da célula e pelo material que determina sua forma e dimensões. Mas esse processo pode ser revertido momentaneamente antes de a mudança se consolidar, se agentes bioquímicos impedirem os filamentos de se estabilizar. Uma vez codificada, a memória de longo prazo para a aprendizagem simples e complexa é efetivamente mantida pelo acionamento de genes que dão origem a proteínas específicas. Acredita-se que esse processo possa envolver um tipo de molécula chamada príon – proteína que pode ser
CATALISADOR Substância que aumenta a velocidade da reação química sem ser consumida na transformação. As enzimas são proteínas que atuam como catalisadores aumentando a velocidade de reações biológicas, promovendo rapidamente todas as reações intra e extracelulares do organismo
comutada entre duas configurações diferentes. Uma das configurações é solúvel, ao contrário da outra, e funciona como um catalisador para comutar moléculas semelhantes para o estado insolúvel, o que leva essas moléculas a se agregar. Os príons foram descobertos graças ao papel que desempenham em doenças neurodegenerativas como a da vaca louca. Os príons também realizam funções benéficas: a formação de um agregado seleciona uma determinada sinapse para reter uma lembrança. Ainda existem grandes lacunas na teoria sobre o funcionamento da memória, muitas delas provavelmente serão preenchidas com detalhes químicos. Um exemplo: uma vez armazenada, como a memória é invocada? “Essa é uma questão profunda cuja análise está apenas começando”, revela o neurocientista e vencedor do Prêmio Nobel Eric Kandel, da Columbia University.
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Como o cérebro pensa e como forma a memória?
Quantos elementos existem?
base em experimentos cientistas A tabela periódica que enfeita investigaram algumas das propriedades as paredes das salas de aula num conjunto de átomos esquivos de deve ser constantemente revisada, porque o seabórgio e hássio durante breves instantes número de elementos continua crescendo. antes de colapsarem. Usando aceleradores de partículas para Esses estudos mostram não só os limites produzir colisões entre núcleos atômicos, físicos, mas também os limites conceituais da cientistas podem criar elementos tabela periódica: os elementos superpesados “superpesados”, que contêm mais prótons e continuariam a apresentar as mesmas nêutrons no núcleo que os mais de 90 tendências e irregularidades no elementos encontrados na Natureza. Esses comportamento químico que apresentaram núcleos bombardeados são muito instáveis – na primeira tabela periódica? A decaem DECAIMENTO RADIOATIVO resposta é: alguns continuam, outros radioativamente, Desintegração nuclear que não. Em particular, esses núcleos geralmente dentro ocorre quando um núcleo insde uma diminuta tável emite radiação e partícu- massivos prendem-se aos elétrons fração de segundo. las, transformando-se em mais internos dos átomos tão outro núcleo, estável ou não. fortemente que os elétrons deslocamMas enquanto se com velocidade próxima à da luz. sobrevivem, os novos elementos sintéticos como o seabórgio Então os efeitos da relatividade especial provocam o aumento da massa dos elétrons (elemento 106) e o hássio (elemento 108) que podem desestabilizar os estados de são como qualquer outro, uma vez que têm energia quântica dos quais depende sua propriedades químicas bem definidas. Com
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química e, assim, a periodicidade da tabela. Como se acredita que os núcleos são estabilizados por “números mágicos” específicos de prótons e nêutrons, alguns pesquisadores esperam desvendar o que chamam de ilhas de estabilidade – uma região pouco além das atuais capacidades de síntese do elemento onde os superpesados conseguem sobreviver mais tempo. Existe algum limite básico para essas dimensões? Um cálculo simples sugere que a relatividade proíbe elétrons de se ligarem a núcleos com mais de 137 prótons. Cálculos mais sofisticados desafiam esse limite. “O sistema periódico não termina em 137; na verdade, nunca termina”, insiste o físico nuclear Walter Greiner, da Universidade Johann Wolfgang Goethe em Frankfurt, Alemanha.
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É possível construir computadores de carbono?
Chips de computador feitos de grafeno – uma rede de átomos de carbono – potencialmente seriam mais rápidos e mais potentes que os de silício. A descoberta do grafeno foi premiada com o Nobel de Física em 2010, mas o sucesso dessa e de outras formas de nanotecnologia do carbono pode depender, em última instância, da capacidade dos químicos de criar estruturas com precisão atômica. A descoberta das buckyballs – moléculas ocas, em forma de gaiolas esféricas, totalmente formadas por átomos de carbono – em 1985 foi o início de algo literalmente muito maior. Seis anos depois, tubos de átomos de carbono distribuídos na forma de tela de galinheiro – com padrões hexagonais como os das folhas de carbono do grafite – estrearam espetacularmente. Sendo ocos, extremamente resistentes, fortes, e eletricamente condutores, os nanotubos de carbono prometiam aplicações que variavam de compostos de carbono de alta resistência a fios e dispositivos eletrônicos, cápsulas moleculares miniaturizadas e membranas para filtragem de água. Apesar de todas essas promessas os nanotubos de carbono não resultaram em grandes aplicações comerciais. Os pesquisadores não conseguiram, por
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Nuvem eletrônica
exemplo, resolver o problema de conexão dos tubos em circuitos eletrônicos complexos. “O grafeno pode ser modelado, o que resolve o problema da conexão e colocação dos nanotubos de carbono”, segundo o especialista em carbono Walt de Heer, do Instituto de Tecnologia da Geórgia. Mas métodos como estampagem são muito grosseiros para modelar esses circuitos até o nível atômico, alerta De Heer. Para ele, a tecnologia do grafeno talvez esteja produzindo mais publicidade que ciência de verdade. Mas usar técnicas da química orgânica pode viabilizar circuitos de grafeno de baixo para cima – juntando moléculas poliaromáticas com vários anéis de carbono hexagonal, como pequenos fragmentos de uma folha de grafeno – e abrir novos horizontes para o futuro da eletrônica do grafeno.
Ligações moleculares são fundamentais em toda a química, mas, surpreendentemente, sua natureza não está totalmente compreendida. Simulações por computador, no entanto, tornaram-se suficientemente poderosas para fornecer predições razoavelmente precisas. Pesquisadores descobriram – e verificaram experimentalmente – que duas buckyballs podem comportar-se como átomos gigantes, formando ligações pelo compartilhamento de elétrons como fazem dois átomos de hidrogênio.
Como extrair mais energia do Sol?
Cada vez que vemos o sol nascer nos lembramos de que atualmente aproveitamos uma fração mínima de sua enorme energia. O principal problema, neste caso, é o alto custo dos painéis fotovoltaicos convencionais à base de silício. Além da vida na Terra, praticamente tudo que é alimentado pela FOtOSSÍNteSe energia solar por Processo pelo qual as fotossíntese indica plantas usam gás carbônico, água e energia para que as células fabricar açúcares, com solares não liberação de oxigênio precisam ser extremamente eficientes se, como as folhas das árvores,
puderem ser abundantes e baratas. “Um dos esforços da pesquisa em energia solar é aproveitar a luz solar para produzir combustíveis”, comenta Devens Gust, da Arizona State University. A forma mais fácil de produzir combustível a partir da energia solar é quebrar a molécula de água para produzir hidrogênio e oxigênio. Nathan S. Lewis e seus colaboradores do California Institute of Technology (Caltech) estão desenvolvendo uma folha artificial que fará exatamente isso (ver ilustração na pág. oposta) com uso de nanofios de silício. No início deste ano, Daniel Nocera, do MIT, e seus
colaboradores descobriram uma membrana à base de silício em que um fotocalisador de cobalto provoca a quebra das moléculas de água. Nocera estima que 3,8 litros de água seriam suficientes para fornecer energia para uma casa durante 24 horas, em países em desenvolvimento. Quebrar a molécula de água com catalisadores ainda é difícil. “Catalisadores de cobalto como o que Nocera utiliza e catalisadores recémdescobertos baseados em outros metais comuns são promissores”, avalia Gust, mas ninguém descobriu ainda um catalisador ideal barato. Gust observa SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
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Oxigênio
Hidrogênio Elétron Gás oxigênio
Íon de hidrogênio
Gás hidrogênio
Ao se inspirar nos vegetais os químicos estão conseguindo desenvolver novos catalisadores e materiais para captar energia solar e armazená-la na forma de gás hidrogênio. Aqui, nanofios expostos à luz do sol dividem as moléculas de água em íons de hidrogênio, átomos de oxigênio e elétrons. Os íons e os elétrons deslocam-se para o outro lado da membrana. Em seguida, os nanofios catalisam a formação do gás hidrogênio a partir dos elétrons e íons.
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Qual a melhor maneira de produzir biocombustíveis?
Em vez de produzir combustíveis coletando raios solares, uma alternativa é deixar as plantas armazenarem a energia do Sol para nós. Biocombustíveis BIODIESEL como o etanol feito É um biocombustível, ou seja, resulta da de milho e de canade-açúcar e biodiesel biomassa renovável. É obtido pela reação de sementes já se do metanol ou etanol consagraram nos com óleo vegetal, que mercados de produz uma mistura de ésteres e a glicerienergia, mas na como subproduto. ameaçam desalojar lavouras de alimentos, principalmente em países em desenvolvimento onde exportar biocombustíveis pode ser mais lucrativo que alimentar a população. Os números são assustadores: para atender à demanda atual de petróleo seria necessário requisitar enormes áreas de terras agricultáveis. Transformar alimento em energia pode então não ser a melhor abordagem. Neste caso, formas menos vitais de biomassa podem ser uma alternativa. Os Estados Unidos produzem resíduos agrícola e florestal suficientes para suprir quase um terço do consumo anual de gasolina e diesel que utilizam em transporte. Para converter essa biomassa de baixo valor em combustível é preciso quebrar moléculas resistentes como a lignina e a celulose – os principais blocos de construção dos vegetais. Os químicos já sabem como fazer isso, mas os métodos disponíveis ainda são caros, ineficientes ou difíceis de ampliar proporcionalmente para atender às enormes quantidades de combustível de que a economia necessita. Um dos desafios para quebrar a lignina – romper diretamente as ligações carbonooxigênio que unem os anéis aromáticos ou benzênicos formados pelos átomos de carbono – foi recentemente resolvido por John Hartwig e Alexey Sergeev, ambos da University of Illinois. Eles descobriram um catalisador à base de níquel capaz de fazer isso. Hartwig adverte que se a biomassa tiver de suprir a matéria-prima química dos combustíveis não fósseis
ILUSTRAÇÕES DE BROWN BIRD DESIGN
ainda: “Não sabemos se o catalisador fotossintético, baseado em quatro átomos de manganês e um de cálcio, funciona”. Gust e seus colegas vêm discutindo a possibilidade de construir estruturas moleculares para obter fotossíntese artificial que reproduza perfeitamente seu modelo biológico, e o grupo vem tentando sintetizar alguns elementos que poderiam ser usados no interior dessa estrutura. Mas muito trabalho ainda deve ser feito. Moléculas orgânicas, como as usadas pela Natureza, tendem a se romper rapidamente. Enquanto os vegetais estão continuamente produzindo novas proteínas para substituir as que se romperam, as folhas artificiais (ainda) não dispõem de um sistema completo para promover a quimiossíntese de uma célula viva.
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bem como dos combustíveis, os químicos também terão de extrair dela os compostos aromáticos (aqueles com uma coluna vertebral de anéis aromáticos). A lignina é a única grande fonte potencial desses compostos aromáticos na biomassa. Na prática, essa conversão energética utiliza biomassa praticamente sólida que precisa ser convertida em combustível líquido para ser facilmente transportado por oleodutos. A liquefação teria de ser feita no local da colheita. Uma das dificuldades para a conversão catalítica é a extrema impureza da matéria bruta – a síntese química clássica geralmente não utiliza materiais sujos como a madeira. “Não há um consenso sobre como gerenciar todo esse processo”, avalia Hartwig. O que é certo é que boa parte de qualquer solução depende basicamente da química, principalmente quando se trata de descobrir o catalisador certo.
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Podemos vislumbrar novas formas de produzir medicamentos?
A principal atribuição da química é prática e criativa: criar moléculas, matéria-prima para desenvolver tudo, de novos materiais a novos antibióticos capazes de combater surtos de bactérias resistentes. Nos anos 90 uma grande esperança foi a química combinatória, em que milhares de novas moléculas são construídas por uma montagem aleatória de blocos de construção e, em seguida, examinadas e identificadas aquelas capazes de realizar bem uma determinada tarefa. Apesar de
aclamada como o futuro da química médica, a química combinatória acabou esquecida porque não produzia nada de proveitoso. Mas ela poderia passar por uma recuperação brilhante. Talvez funcionasse se fosse possível criar uma gama de moléculas suficientemente ampla e descobrir boas formas de selecionar quantidades mínimas entre as bemsucedidas. A biotecnologia poderia ajudar – por exemplo, cada molécula poderia estar ligada a um “código de barras” baseado em SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta
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DNA que tanto a identificasse como auxiliasse na sua extração. Ou então, os pesquisadores poderiam gradativamente aprimorar a biblioteca de moléculas candidatas usando um tipo de evolução darwiniana no tubo de ensaio. Eles codificariam potenciais moléculas de drogas baseadas em proteínas no DNA e então usariam replicação sujeita a erro para gerar novas variantes entre as bemsucedidas, produzindo moléculas melhores em cada rodada de replicação e seleção. Outra técnica nova inspirada na superioridade da Natureza reúne fragmentos moleculares em arranjos predeterminados. Proteínas, por exemplo, apresentam uma sequência precisa de aminoácidos porque essa sequência é decifrada por genes que codificam as proteínas. Usando esse modelo os futuros químicos poderão programar moléculas para montá-las automaticamente. A abordagem tem a vantagem de ser “verde”, pois reduz os subprodutos indesejáveis típicos da manufatura tradicional de produtos químicos e o desperdício associado de energia e material. David Liu, da Harvard University, e seus colaboradores estão trabalhando nessa abordagem. Eles rotulam os blocos de
construção com filamentos curtos de DNA que programam a estrutura da ligação. Eles criaram uma molécula que caminha pelo DNA, lendo seus códigos e prendendo sequencialmente pequenas moléculas aos blocos de construção para formar a ligação – um processo análogo à síntese proteica em células. O método proposto por Liu pode ser útil na engenharia de novos medicamentos. “Especialistas em vida molecular acreditam que macromoléculas desempenharão um papel cada vez mais importante, se não dominante, no futuro da terapêutica," avalia Liu.
Podemos monitorar nossa própria química?
Cada vez mais os químicos tendem a não só criar novas moléculas mas também comunicarse com elas: tornar a química uma tecnologia de informação que servirá de interface com qualquer outra coisa, de células vivas a computadores convencionais e telecomunicações por fibra óptica. Em parte, esta é uma ideia antiga: biossensores cujas reações químicas são usadas para medir concentrações de glicose no sangue datam dos anos 60, embora só recentemente o uso de equipamento portátil para monitorar diabetes tenha se difundido amplamente e barateado seu custo. Utilizar a química como sensor pode ter inúmeras aplicações – para detectar contaminantes em alimentos e água em concentrações muito baixas, ou
de efeitos colaterais e monitorar poluentes e traços de possibilitando o uso de algumas gases presentes na atmosfera. drogas hoje proibidas por serem Mais rápida, barata, precisa e fácil de encontrar, a sensibilidade perigosas a uma minoria genética. Alguns químicos preveem o química poderia produzir monitoramento contínuo e não avanços em todas essas áreas. ostensivo de todos os Mas seria na MarCaDOr tipos de marcador biomedicina que biOQuÍMiCO bioquímico para esses novos tipos de Substância que pode sensores químicos ser detectada no monitorar condições teriam sua maior organismo e servir de saúde e de doença, como indicador de provavelmente aplicação. Alguns doença ou outra anor- fornecendo dos produtos de malidade. informação em tempo genes de câncer, por real durante cirurgias exemplo, circulam ou a sistemas automatizados pela corrente sanguínea muito para liberar drogas durante o antes de a doença ser detectada tratamento. Essa visão futurista em exames clínicos de rotina. A depende do desenvolvimento de detecção precoce desses métodos químicos capazes de compostos químicos poderia detectar seletivamente fornecer um prognóstico imediato determinadas substâncias e e preciso. A determinação rápida alertar sobre sua presença, do perfil genômico permitiria que mesmo quando os alvos certos medicamentos fossem ocorrerem em concentrações prescritos especificamente para muito baixas. cada paciente, reduzindo os riscos
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O AuTOR Philip ball é doutor em física pela University of Bristol, na Inglaterra. Foi editor da Nature por mais de 20 anos. É autor premiado de 15 livros, incluindo The music instinct: how music works, and why we can’t do without it (O instinto da música: como a música funciona e por que não podemos viver sem ela).
PARA CONHECER MAIS Let’s get practical. George M. Whitesides e John Deutch, em Nature, vol. 469, págs. 21-22, 6 de janeiro 2011. beyond the bond. Philip Ball, em Nature, vol. 469, págs. 26-028, 6 de janeiro de 2011. beyond the molecular frontier: challenges for chemistry and chemical engineering. National Research Council. National Academies Press, 2003.
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PARA O Matemática Física Geografia Biologia Química
ROTEIROS ELABORADOS POR PROFESSORES ESPECIALISTAS COM SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA SALA DE AULA
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PARA O PROFESSOR MATEMÁTICA
Duas formas de encarar a ciência PROPOSTAS PEDAGÓGICAS
“Não há ramo da matemática, por abstrato que seja, que não possa um dia vir a ser aplicado aos fenômenos do mundo real.” Lobatchevsky (matemático russo)
CONTEXTUALIZAÇÃO
N
o dia a dia escolar, o debate entre descoberta e criação matemática se estabelece em duas práticas: a da evocação e a da problematização. Na primeira, o professor considera que o aluno traz inata uma ideia que deve ser “revelada” mediante a visualização, por exemplo, dos algarismos e das formas geométricas. Após a visualização o professor dá o nome ao objeto e suas propriedades, na certeza de que essa evocação é o caminho da aprendizagem do conceito. Ao fim, é comum uma lista de exercícios que promovam a fixação do conceito como algo objetivo. Na “prática da problematização”, o professor propõe uma situação-problema que mobiliza a atenção do estudante e faz com que este crie hipóteses, teste-as e valide-as na solução do problema e de outros de mesma estrutura, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM n Competência de área 1 H4 – Avaliar a razoabilidade de um resultado numérico na construção de argumentos sobre afirmações quantitativas. n Competência de área 6 H24 – Utilizar informações expressas em gráficos ou tabelas para fazer inferências. H25 – Resolver problema com dados apresentados em tabelas ou gráficos. H26 – Analisar informações expressas em gráficos ou tabelas como recurso para a construção de argumentos. n Competência de área 7 H28 – Resolver situação-problema que envolva conhecimentos de estatística e probabilidade. H29 – Utilizar conhecimentos de estatística e probabilidade como recurso para a construção de argumentação. H30 - Avaliar propostas de intervenção na realidade utilizando conhecimentos de estatística e probabilidade.
56 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
combinando-a com a discussão entre os estudantes da sala. Esse debate não é novo nem na história da ciência ou do pensamento nem na educação. O prefácio do livro Conceitos fundamentais da matemática, de Bento de Jesus Caraça, resume essas duas formas de encarar a ciência: “Ou se olha para ela tal como vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada, e o aspecto é o de um todo harmonioso, em que os capítulos se encadeiam em ordem, sem contradição. Ou se pro-
cura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneira como foi elaborada, e o aspecto é totalmente diferente – descobrem-se hesitações, dúvidas, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para logo surgirem outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições.” A atualidade dessa discussão entre o platonismo e o formalismo na ciência e na educação tornam o artigo e os argumentos do astrofísico Mario Livio bastante oportuno para ser explorado com a classe.
PROPOSTAS DE ATIVIDADES Temas para discussão
O
bservamos no artigo que os vários exemplos de que a matemática tem momentos de criação e de descoberta não são acessíveis aos alunos da educação básica. Uma maneira de explorar o texto refere-se ao que Mario Livio chamou de eficácia passiva e ativa. Nesse sentido, a abordagem histórica, combinada com a resolução de problema, explora a matemática nessas duas perspectivas, afinal na etimologia da palavra “matemática” encontramos a arte e a técnica de aprender: a arte na concepção da criação e do não determinado e a técnica, como reprodução e aplicação de algoritmos. No ensino médio, o estudo da probabilidade pode sugerir uma caracterização dessas eficácias. Uma discussão inicial pode se estabelecer com a pergunta aos alunos: “Vocês sabem como e onde se produz matemática?? No debate, argumente que na Renascença a matemática era uma atividade de
profissionais de diversos ramos: Luca Pacioli (1445-1510) era monge e Jerônimo Cardano (1501 - 1576), professor de medicina. Já o suíço Leonhard Euler (17071783) foi um matemático com fama de resolver qualquer problema. Comente que o estudo de situações que envolvem conceitos matemáticos de probabilidade surgiu, de maneira mais formal, das correspondências trocadas entre Blaise Pascal e Fermat, abordando problemas sugeridos pelo nobre Cavaleiro de Méré, que gastava parte de sua fortuna em apostas. Apresentar aos alunos esse contexto de produção matemática tem importante significado pedagógico na discussão do que pretendemos: afinal criar, ou descobrir ideias matemáticas são atividades excludentes? O historiador matemático Paul Karson, em seu livro A magia dos números, apre-
Esquema 1
senta “o berço” da probabilidade numa situação-problema, denominada de “jogo interrompido”, proposta por Meré aos matemáticos. Vamos abaixo sugerir um problema muito próximo ao apresentado por Méré: Dois cavalheiros jogam dados e cada um aposta 32 moedas de ouro. Ganha o jogo quem primeiro acertar três vezes mais jogadas que o outro – por exemplo, se um jogador acertar pela sexta vez quando o outro só acertou duas vezes, ou acertar pela terceira vez quando o outro só acertou uma. A partida se inicia e depois de certo tempo um jogador conseguiu acertar duas jogadas e o outro, apenas uma. Nesse momento, o jogo é interrompido por um motivo urgente. Como repartir as 64 moedas apostadas no início do jogo? Quando esse problema é proposto em sala de aula, surge logo uma hipótese por parte dos alunos: as 64 moedas devem ser repartidas proporcionalmente aos números de acertos de cada jogador: assim, o jogador que venceu duas vezes deve receber 2/3 do total de moedas e o outro, 1/3 desse total. Essa seria uma decisão baseada em uma visão, digamos, determinística – leva em conta apenas o ocorrido. Cabe problematizar com a turma como deveríamos proceder considerando todas as possibilidades futuras, se o jogo não fosse interrompido. Nesse caso, a resposta a esse problema alcança outra dimen-
são: a base do raciocínio probabilístico. Assim, se na jogada seguinte, o participante perdedor fizesse mais um acerto, o jogo ficaria empatado em 2 x 2, cabendo a cada um 32 moedas. O fato a ser considerado é: quais as possibilidades de vitória de cada um no início do jogo? Essa situação pode ser visualizada no seguinte diagrama do esquema 1, em que os jogadores são identificados pelas letras A e B.
Árvore de possibilidades dos jogadores A e B
A
O professor poderá sugerir outros exercícios equivalentes, como por exemplo: Dois times de basquete, cada um deles representando um clube disputarão um torneio. As regras do torneio são as seguintes: o primeiro que ganhar dois jogos seguidos ou um total de três jogos vence o torneio. Como exemplo vamos considerar os times dos clubes:
B
Aleatoriedade. J. Benneti. Martins Fontes, São Paulo, 2003. Alex no país dos números. Uma viagem ao mundo maravilhoso da matemática. Companhia das Letras, São Paulo, 2010. A magia dos números. A matemática ao alcance de todos. Paul Karlson. Globo, Porto Alegre, 1961 (esgotado). Conceitos fundamentais da matemática. Bento de Jesus Caraça. Livraria Sá da Costa. Biografia do autor e sinopse da obra disponível em http://www.epbjc-porto.net/ bjc/obra_conceitos.html.
• •
se A vence o primeiro e o segundo jogos, então A vence o torneio ou se B vence o primeiro; A, o segundo; B, o terceiro; A, o quarto, e B, o quinto jogo; então B vence o torneio.
Supondo não haver empates, e que o time do clube A venceu o primeiro jogo e B, o segundo, qual a probabilidade de B vencer o jogo?
A
B
A
AAABA
B
AAABB
A
AABAA
A
B
AABAB
B
A
AABBA
B
AABBB
A
ABAAA
A
B
ABAAB
B
A
ABABA
B
ABABB
B B
A
A
ABBAA
A
B
ABBAB
B
A
ABBBA
B
ABBBB
A
BAAAA
A
B
BAAAB
B
A
BAABA
B
BAABB
A B
A
BABAA
A
B
BABAB
B
A
BABBA
B
BABBB
B A
BBAAA
B
BBAAB
B
A B
B
A Vence A Vence A Vence A Vence A Vence A Vence A Vence B Vence A Vence A Vence A Vence B Vence A Vence B Vence B Vence B Vence A Vence A Vence A Vence B Vence A Vence A Vence A Vence B Vence
A Vence B Vence BBABA B Vence BBABB B Vence
A
A
B
A
BBBAA
A
B
BBBAB
B
A
BBBBA
B
BBBBB
B Vence B Vence B Vence B Vence
Esquema 2 Árvore de possibilidades considerando que A ganhou duas e B uma
AAB B
A
ABA B
A
BAA
Antes de resolvê-lo, é recomendável montar a árvore de probabilidades.
AAAAB
A
A
SUGESTÕES DE LEITURA
AAAAA
B
A
A situação da árvore de possibilidades no caso em que o jogador A venceu duas vezes e jogador B, uma, no momento da interrupção do jogo pode ser visualizada no esquema 2. Observando essa nova árvore, fica claro que A teria 9 em 12 chances de vencer, enquanto B teria 3 em 12 chances de vencer. Desse modo, concluíram Fermat e Pascal, caberá ao jogador A, 9/12=3/4 do total de moedas, isto é 48 moedas, e ao jogador B, 3/12 = ¼ do total de moedas, isto é, 16 moedas.
A
A
B
A Vence
A
AABAA
B
AABAA A Vence
A
AABBA
B
AABBB
B Vence
A
ABAAA
A Vence
B
ABAAB
A Vence
A
ABABA
A Vence
B
ABABB
B Vence
A
AABAA
A Vence
B
AABAA A Vence
A
AABBA
B
AABBB
A Vence
A Vence
B Vence
Roteiro elaborado por Roberto Perides Moisés, mestre em educação pela FEUSP e professor do ensino médio e EJA do Colégio Santa Cruz. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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PARA O PROFESSOR FÍSICA
A bússola interior PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO
D
esde 1600, quando William Gilbert publicou seu tratado sobre magnetismo, De magnete, entendemos empiricamente a orientação da bússola e algumas características do campo magnético terrestre. Gilbert levantou a hipótese de que a Terra se comporta como um grande ímã. A compreensão mais ampla da natureza magnética da matéria – com a eletricidade e as equações de Maxwell – transformou o conhecimento físico e permitiu grandes avanços tecnológicos, desde a geração de corrente alternada até a transmissão de informação por ondas eletromagnéticas. Compreender o desenvolvimento dessa ciência e o significado da possibilidade de seres vivos orientarem-se em campos magnéticos, incluindo o terrestre, é de fundamental importância para a formação de um cidadão que precisa atuar em uma sociedade repleta de ambiguidades (benefícios versus prejuízos) existentes no universo tecnológico
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 5 H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica. n Competência de área 6 H20 – Caracterizar causas ou efeitos dos movimentos de partículas, substâncias, objetos ou corpos celestes. H21 – Utilizar leis físicas e (ou) químicas para interpretar processos naturais ou tecnológicos inseridos no contexto da termodinâmica e (ou) do eletromagnetismo.
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do século 21, pois permite-lhe assim distinguir a ciência da pseudociência. É muito importante esclarecer os estudantes a respeito dos esforços realizados por grupos multidisciplinares de cientistas – físicos, biólogos, engenheiros e médicos – para desvendar o magnetismo que envolve o corpo humano e outros seres vivos. Para tanto, é preciso que se façam conhecer dois ramos do magnetismo: o biomagnetismo e a magnetobiologia. O biomagnetismo estuda o campo magnético gerado no próprio corpo em diferentes órgãos, como cérebro, coração, pulmão etc. Essas medidas biomagnéticas são usadas para aumentar a precisão em exames diagnósticos. A magnetobiologia investiga os efeitos dos campos magnéticos, incluindo os de ondas eletromagnéticas, sobre os organismos. Hoje sabemos que a aplicação de um campo magnético de alta intensidade e devidamente controlado ao longo do corpo humano, como nos exames de ressonância magnética, permite mapear seu interior com detalhes. Campos magnéticos também encontram aplicação no tratamento de doenças, como depressões, por meio da estimulação magnética transcraniana, recentemente autorizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Mas, apesar de todos os esforços científicos para compreender a relação entre magnetismo e seres vivos, volta e meia somos surpreendidos pela divulgação na mídia de curas milagrosas usando o magnetismo. É a evocação da linguagem científica para justificar a aplicação de terapias que chamamos de pseudociência. Daí a importância do professor de física proporcionar atividades que permitam conhecer com detalhes como se dá
a geração de campos eletromagnéticos e como estes interagem com a matéria, e dessa forma propiciar ao estudante a capacidade de distinguir e argumentar sobre o que lhe é oferecido em seu dia a dia. O artigo “A bússola interior” traz como tema principal a discussão de métodos experimentais para verificar se seres vivos interagem com o campo magnético terrestre e se utilizam essa interação para se orientar. Para acompanhar e compreender o artigo, vamos sugerir algumas atividades.
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
1
Durante a leitura do texto, oriente os estudantes a selecionar trechos em que se aborde a orientação de bússolas e de partículas ou nanopartículas no campo magnético terrestre.
2
Se sua escola possuir sala de informática, divida os estudantes em pequenos grupos para usar o simulador que pode ser baixado no site http://phet.colorado. edu/en/simulation/faraday, na seção “Imã de Barra”, com a finalidade de descobrir como se comporta uma bússola num campo magnético produzido pelo ímã.
3
Use também a seção “Eletroímã” e aproveite para mostrar que campos magnéticos podem ser gerados por cargas elétricas em movimento. Peça que observem a bússola do simulador para investigar as características desse campo. Aproveite a oportunidade para abordar a origem do campo magnético terres-
tre, mostrando que a teoria mais aceita é a de que 90% do campo é gerado no núcleo do planeta, onde o ferro em estado líquido gira com a rotação da Terra e isso equivale a correntes elétricas criando um campo magnético.
4
No laboratório de física, ou mesmo em sala de aula, utilize ímãs, limalhas de ferro e bússolas para fazer demonstrações e esclarecer o trecho do artigo a seguir: “A inclinação do campo geomagnético varia continuamente de polo a polo... Uma bússola comum precisa equilibrar sua agulha horizontalmente e, assim, não pode medir a inclinação do campo, respondendo apenas à componente lateral “ Veja os exemplos a seguir: Figura 1
No exemplo só podemos ver a orientação horizontal do campo, mas, se observarmos a bússola de perfil (ver a figura 2), perceberemos que sua agulha apresenta uma inclinação em relação ao eixo vertical, e assim podemos visualizar a tridimensionalidade do campo magnético. Um bom exemplo com limalha de ferro é a fotografia no início do artigo: os pedacinhos de ferro exibem orientação tridimensional para formar o pássaro. Outro experimento simples que também possibilita a observação da declinação magnética abordada no texto pode ser realizado amarrando um barbante no ponto de equilíbrio de uma haste metálica (ferromagnética) e colocá-la sobre a influência de um campo magnético. Ao aproximar a haste em um dos polos magnéticos é possível perceber que sua inclinação acompanha as linhas de campo magnético. (ver a figura 3)
5
Retome o simulador e peça que os estudantes cliquem na aba Pickup Coil (Solenoide). Explore o trecho a seguir:
“Uma possível exceção é o sentido magnético das arraias e tubarões... Esses peixes têm canais microscópicos e eletricamente condutores na pele que são usados para detectar voltagens de até cinco bilionésimos de volt. Pelo fato de os campos magnéticos induzirem uma voltagem em condutores em movimento, um peixe poderia captar o campo geomagnético apenas movendo-se para a esquerda ou direita ao nadar.” Para que os estudantes visualizem o efeito descrito no artigo, sugira que fixem o ímã no centro da tela do computador e movimentem o solenoide de um lado para outro: uma corrente elétrica percorrerá o solenoide acendendo a lâmpada, caracterizando que houve a geração de voltagem. A pele dos peixes citados tem canais condutores equivalentes! A pele certamente não acende, mas a pequena corrente elétrica que a percorre fornece aos peixes uma informação sobre como se orientar! Figura 3
Figura 2
Figura 1: A agulha imantada da bússola gira para sudeste para orientar-se no campo magnético do ímã em forma de disco. Olhando a bússola por cima, vemos apenas a componente horizontal do campo magnético. Figura 2: Observando a mesma bússola de perfil, podemos ver que ela tende a se orientar com a componente vertical do campo magnético.
SUGESTÕES DE LEITURA Para conferir a história da interação do magnetismo com seres vivos, acesse: http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/v22_312.pdf Para saber mais sobre biomagnetismo e magnetobiologia, acesse: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/16687/16687_3.PDF ACESSE TAMBÉM Para entender a ressonância magnética use o simulador: http://phet.colorado.edu/en/simulation/mri E, para conferir a origem do campo magnético terrestre, assista ao vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=-qugl7IP94Q Roteiro elaborado por Cristiane R. C. Tavolaro, professora do Departamento de Física e Grupo de Pesquisa em Ensino de Física (GoPEF) da PUC/SP, e Elio Molisani F. Santos, mestrando em Ensino de Física pela UFRGS. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
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PARA O PROFESSOR GEOGRAFIA
Mudanças climáticas: faixa de chuvas em transição PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO
A
zona de convergência intertropical, perto da Linha do Equador, conhecida pelas fortes chuvas tropicais e pelo clima úmido, pode perder essas características que a tornaram particular. Estudos indicam que as chuvas tropicais estão a migrar para o norte do planeta, o que se relaciona, acredita-se, ao aquecimento da Terra, e que poderá motivar ainda mais a movimentação das chuvas tropicais.
superfície, notadamente da temperatura da superfície do mar (TSM) dos oceanos tropicais. Assim como a TSM, a posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) sobre os oceanos também varia lentamente. Essas variações são, em última análise, as responsáveis pelos vários regimes pluviométricos sobre o continente e que, conforme mencionado, variam lentamente em escala sazonal.
De acordo com os cientistas, o deslocamento para o norte aumenta 1,4 quilômetros por ano, assim ao final deste século as chuvas tropicais estariam localizadas 126 quilômetros mais ao norte.
Há ainda muita incerteza sobre as possíveis mudanças na precipitação pluviométrica e as modificações na frequência de extremos climáticos, como secas, inundações e geadas, entre outros. As evidências de que ocorrerão mudanças climáticas globais por causa do aumento da concentração de gases de efeito estufa (CO2, CH4 e N2O, além do próprio vapor d’água) mostram-se cada vez mais consistentes e têm sido aceitas pela comunidade científica internacional. Alguns autores defendem que já ocorreram mudanças climáticas globais bruscas e elas podem voltar a acontecer, antecipando os
Modelos computacionais de simulação das mudanças climáticas sugerem que o clima do planeta poderá alterar-se significativamente neste século se as emissões dos gases do efeito estufa continuarem a crescer. As flutuações climáticas nos trópicos estão fortemente ligadas às lentas variações das condições de contorno à
cenários previstos para o futuro. Esses cenários para os próximos 100 anos indicam a possibilidade de impactos climáticos significativos. Recentemente, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu um estudo sobre cenários de emissões (IPCC, 2000) e, com base neles e em resultados de 11 simulações com modelos climáticos globais, foram elaborados cenários de alterações climáticas para várias regiões do planeta. O nível de incerteza sobre a mudanças na frequência de ocorrência de extremos climáticos é ainda maior do que para a distribuição das precipitações pluviométricas. Espera-se, no entanto, que, devido ao aumento da temperatura nas camadas atmosféricas próximas à superfície, esta retenha mais vapor d’água, o que poderá provocar uma “aceleração” do ciclo hidrológico, possivelmente aumentando a ocorrência de extremos como tempestades severas. Entretanto, apesar da plausibilidade dessa hipótese sob o ponto de vista físico, ela necessita ainda ser comprovada.
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Ciências Humanas e suas Tecnologias n Competência de área 6 H26 – Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H27 – Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e(ou) geográficos. H28 – Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em diferentes contextos histórico-geográficos. H30 – Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas. 60 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 1 H3 – Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas. H4 – Avaliar propostas de intervenção no ambiente, considerando a qualidade da vida humana ou medidas de conservação, recuperação ou utilização sustentável da biodiversidade. n Competência de área 5 H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica.
H18 – Relacionar propriedades físicas, químicas ou biológicas de produtos, sistemas ou procedimentos tecnológicos às finalidades a que se destinam. Objetivos n Conhecer as diferentes teorias sobre alterações climáticas naturais (eras glacial e interglacial e o efeito estufa natural) e as intervenções humanas nos sistemas naturais. n Identificar as origens das alterações climáticas. n Discutir o impacto destas mudanças no planeta.
Para melhor entendimento desse estudo, é necessário compreender os conceitos de variabilidade, de anomalia e de mudança climática. É necessário lembrar que, no caso do clima, trabalha-se com intervalos de tempo de no mínimo 30 anos, que podem ser prolongadas a escalas tão grandes como a de eras geológicas. Define-se a variabilidade climática como uma variação das condições climáticas em torno da média climatológica. Já anomalia climática refere-se a uma flutuação extrema de um elemento em uma série climatológica, com desvios acentuados do padrão observado de variabilidade. A mudança climática é um termo que designa uma tendência de alteração da média no tempo.
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
P
eça que os alunos leiam o artigo “Faixa de chuvas em transição” e verifique se os eles sabem qual é a diferença entre variabilidade climática, anomalia climática e mudança climática. Explique que a variação espacial e a flutuação temporal são características marcantes do tempo e do clima. Esta última é uma característica que deve ser discutida com maiores detalhes, pois o seu estudo nas mais diferentes escalas cronológicas permite compreender como era o clima terrestre no passado longínquo (paleoclima), no passado recente e no presente, além de permitir, com base em modelos, simular situações de clima no futuro.
Ressalte que, ao longo de vários séculos, as diferentes regiões da Terra passaram por variações naturais em suas temperaturas, que não foram necessariamente reflexo de mudanças climáticas. Para isso, peça o auxílio do professor de física para explicar as variações térmicas. Comece recordando que o movimento anual da Terra ao redor do Sol, associado à sua inclinação em relação ao eixo de rotação, origina diferentes incidências de raios nos dois hemisférios terrestres. O tema pode integrar também um projeto a ser desenvolvido em várias aulas (por exemplo, aula expositiva, análise de texto, debate, filme, confecção de mural, e assim por diante). As estratégias a seguir são sugestões para essas atividades:
1
Ler e comentar os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas).
2
Ler alguns textos sobre Aquecimento Global e Mudança Climática nos sites, em jornais e revistas de grande circulação, além das indicações dos professores envolvidos.
3
Assistir a filmes ou documentários que realcem a importância desses processos na vida no planeta, como Uma verdade inconveniente, documentário protagonizado pelo ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, e os quatro filmes A Era do Gelo.
4
Localizar em mapas as áreas onde as mudanças climáticas já se fazem sentir com maior intensidade, sobretudo por meio de eventos extremos (secas prolongadas, furacões e tornados mais intensos ou em novas áreas, ondas de calor, avanços do mar sobre ilhas e região costeira).
5
Realizar um debate sobre as mudanças climáticas e as relações internacionais, priorizando posturas antagônicas como a dos EUA, da Europa, Brasil e China.
7
Montar uma exposição com mapas, imagens, textos e frases sobre as consequências da mudança climática em curso. Finalize com a sugestão de uma pesquisa sobre as transformações sofridas na Terra ao longo do tempo geológico a fim de construir uma linha do tempo utilizando recursos da informática e da comunicação.
SUGESTÃO DE SITES Informações e análises para reflexão sobre mudanças climáticas estão disponíveis em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/77650.html www.mudancasclimaticas.andi.org.br/ http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/P94Q
Roteiro elaborado por Silvana Muniz, mestranda de Geografia pelo Instituto de Tecnologia de Pernambuco, e professora do Colégio Damas e do Centro Educacional Lubienska, em Recife (PE).
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PARA O PROFESSOR BIOLOGIA
Por que razão nos ajudamos? PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO A ORIGEM DA GENTILEZA
N
a ciência não existem unanimidades, mas consensos. Um desses consensos da biologia, a seleção natural, está abalado e volta a ser pauta de discussão entre evolucionistas. Não que sua existência esteja sendo negada, mas o que se debate é a unidade em que a
seleção ocorre: o gene, o indivíduo ou o grupo. O texto do renomado biomatemático de Harvard Martin Nowak traz muitos elementos a favor do argumento de que a seleção natural aja individualmente, mas há uma pressão seletiva do/ no grupo que também influi no caminho evolutivo das espécies.
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
A
peito, abaixo da resposta anterior sobre seleção natural.
Provoque a turma com uma questão inspirada no texto de Martin Nowak: a vida não é apenas uma luta pela sobrevivência, mas uma união pela sobrevivência. Será que os estudantes conseguem pensar em uma situação em que a cooperar seja mais vantajoso do que a competir? Peça que escrevam a res-
Promova, então, a simulação de uma situação em que a cooperação será colocada em jogo: o dilema do prisioneiro. Conte para a turma a história hipotética dos acusados de conspiração que serão julgados. Separe os alunos, aleatoriamente, em dois grupos. De costas um para o outro, integrantes dos dois grupos deverão se manifestar, sem que um saiba da resposta do outro. O professor – com a ajuda de um aluno – deve registrar as respostas dentro da matriz apresentada no texto do artigo. Depois, o mesmo exercício pode ser realizado com os alunos de frente um para o
nuncie o trabalho perguntando para a classe o que é seleção natural. Peça aos alunos que, antes de comentarem, escrevam uma breve explicação nos cadernos. Em seguida, solicite que alguns deles leiam suas respostas, e inicie a discussão. Seria a seleção natural a “mais severa luta pela vida”, como disse Charles Darwin?
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 1 H3 – Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas.
n Competência de área 4 H15 – Interpretar modelos e experimentos para explicar fenômenos ou processos biológicos em qualquer nível de organização dos sistemas biológicos. H16 – Compreender o papel da evolução na produção de padrões, processos biológicos ou na organização taxonômica dos seres vivos.
n Competência de área 8 H28 – Associar características adaptativas dos organismos com seu modo de vida ou com seus limites de distribuição em diferentes ambientes, em especial em ambientes brasileiros. 62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
outro, cientes da decisão de seu par. Em um terceiro momento, se refazem as decisões às cegas. As três matrizes de resposta serão diferentes, certamente. Mas o que se espera observar, segundo Nowak, é que teremos mais colaboradores com o decorrer das rodadas. Em seguida, apresente artigo de Martin Nowak. Na leitura os alunos deverão marcar os argumentos e exemplos favoráveis à seleção de grupo e também os pontos que, na opinião deles, podem gerar resistência ou fragilizam a teoria do autor. Mostre que essa teoria se opõe àquela em que o gene é a unidade da seleção natural, batizada de “gene egoísta” e disseminada por Richard Dawkins, pois defende que o altruísmo é uma maneira de preservarmos nosso acervo genético e tem na frase atribuída a J. B. S. Haldane seu exemplo mais claro. Haldane diz que não daria sua vida para salvar um irmão que se afogava no rio, mas o faria por dois irmãos ou oito primos. Faça as contas com a classe: já que irmãos (exceto os gêmeos idênticos...) partilham 50% dos genes, e primos partilham 12,5%, sacrificar-se por dois irmãos ou oito primos é, do pon-
to de vista dos genes, empatar o jogo e perpetuar os genes da família.
Mostre aos alunos o diagrama elaborado por Martin Nowak:
Conduza a classe no debate, que simula o que ocorre de tempos em tempos na ciência e a torna tão fascinante. Peça que organizem os cinco argumentos de Nowak, como o próprio autor faz no texto: reciprocidade direta, seleção espacial, seleção de parentesco, reciprocidade indireta e, finalmente, seleção de grupo.
Os cinco mecanismos podem ser divididos em duas grandes categorias
Em linhas gerais teremos:
1
Reciprocidade direta ou altruísmo recíproco. Generosidade recíproca entre indivíduos que se encontram constantemente, como uma matilha, um enxame ou familiares – “toma lá, dá cá”.
2
Seleção espacial ou reciprocidade em rede. Cooperadores tendem a ajudar uns aos outros formando uma rede que prevalece na competição com indivíduos desertores – “cooperadores se ajudam”.
3
Seleção de parentesco. Indivíduos cooperam com seus parentes genéticos. Envolve a ideia de aptidão inclusiva – ´coopero com minha família, para perpetuar nossos genes´
4
Reciprocidade Indireta. Decide-se ajudar com base na reputação que um colaborador ganha ao fazê-lo, na esperança de também receber ajuda quando precisar – ´eu te ajudo e alguém me ajudará´
5
Seleção de grupos ou de multiníveis. Um grupo de cooperadores pode ser mais bem sucedido do que um grupo de desertores – “competindo com um semelhante, colaboro para o crescimento do grupo”.
Reciprocidade em rede Seleção de grupos Seleção de parentescos Reciprocidade direta usa a própria experiência
Reciprocidade idireta
usa a também as
Cooperação incondicional pode triunfar Cooperação condicional pode triunfar
experiências dos outros
“As cinco regras básicas para a evolução da cooperação” – apresentação de Martin Nowak, disponível em http://www. hks.harvard.edu/netgov/files/talks/ docs/02_11_08_seminar_Nowak.pdf.
Esses cinco mecanismos, cada um com sua intensidade, transformam a matriz de recompensas do “dilema do prisioneiro”, levando – segundo Nowak – a um aumento no número de colaboradores, o que de certa forma justifica e dá razão à existência do altruísmo. Retome os exemplos dos alunos sobre a cooperação como uma atitude vantajosa e oriente-os a situa-los dentro de alguns desses mecanismos. Peça que registrem os resultados. Com o aquecimento da discussão, a turma estará preparada para sintetizar
as ideias, expor seus questionamentos e, eventualmente, se posicionar. Proponha que os estudantes, individualmente ou em duplas, escrevam artigos de divulgação científica, semelhantes ao de Nowak, ou elaborem uma história em quadrinhos, um vídeo ou qualquer produção que exponha o debate ocorrido em sala de aula. Exponha na lousa as seguintes provocações: “Quem tem razão na briga pela origem da gentileza? O egoísmo vence o altruísmo dentro de um grupo, mas grupos altruístas vencem grupos egoístas?”. Destaque também a frase de Edward Osborne Wilson, o pai da sociobiologia, defensor da justificativa genética para o altruísmo, recém-convertido para a seleção de grupos: “Vejo a natureza humana como suspensa no equilíbrio entre dois extremos. Se o nosso comportamento fosse totalmente motivado pela seleção de grupo, então nós seríamos cooperadores robóticos, como as formigas. Mas, se a seleção no nível individual fosse a única coisa importante, então seríamos totalmente egoístas. O que nos torna humanos é que a nossa história foi moldada por essas duas forças. Estamos presos entre elas”. Avalie as produções dos alunos, o envolvimento deles com a discussão e seus comportamentos durante o debate (construção da argumentação, respeito às opiniões contrárias, poder de convencimento etc.). Bom trabalho!
SUGESTÕES DE LEITURA E VÍDEOS O gene egoísta. Richard Dawkins, Companhia das Letras, 1976. As cinco regras básicas para a evolução da cooperação. Blog Evolucionismo. http://evolucionismo.org/profiles/blogs/as-cinco-regras-basicas-para-a Videos de Martin Nowak explicando suas teorias (em inglês) http://video.mit.edu/ search/?q=nowak&x=0&y=0 Teoria dos jogos evolucionários, Prof. Stephen Stearns, Yale University, EUA. http://www.veduca.com.br/play?v=5002&t=0&p=Evolu%E7%E3o
Atividade proposta por Luiz Caldeira Brant de Tolentino-Neto, biólogo e professor do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS).
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PARA O PROFESSOR QUÍMICA
10 mistérios não resolvidos da química PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO
O
artigo de Philip Ball trata de questões relacionadas com a química da vida, que evidenciam a importância e a necessidade de uma educação bioquímica, muitas vezes ausente no ensino médio, seja por falta de interação entre os professores de química e biologia, seja por carência de material didático adequado. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM
Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 5 H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas e biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica. H19 – Avaliar métodos, processos ou procedimentos das ciências naturais que contribuam para diagnosticar ou solucionar problemas de ordem social, econômica ou ambiental. n Competência de área 7 H24 – Utilizar códigos e nomenclatura da química para caracterizar materiais, substâncias ou transformações químicas. H26 – Avaliar implicações sociais, ambientais e/ou econômicas na produção ou no consumo de recursos energéticos ou minerais, identificando transformações químicas ou de energia envolvidas nesses processos. n Competência da área 8 H29 – Interpretar experimentos ou técnicas que utilizam seres vivos, analisando implicações para o ambiente, a saúde, a produção de alimentos, matérias primas ou produtos industriais. H30 – Avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam à preservação e a implementação da saúde individual.
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As questões apresentadas no artigo permitem a articulação dos conteúdos por meio de uma rede de significados, tendo como tema central as transformações químicas relacionadas com a origem e a manutenção da vida. A análise de muitos problemas do mundo moderno depende do nível de compreensão que temos da constituição da matéria viva, suas reações e a energia envolvida nessas transformações. A matéria formadora dos seres vivos consiste em moléculas resultantes da combinação de átomos de carbono, que gera cadeias carbônicas, com dezenas, centenas ou milhares de átomos, combinados com átomos de outros elementos químicos. As substâncias assim constituídas são conhecidas como orgânicas. A manutenção de um ser vivo depende de inúmeras reações químicas que acontecem ininterruptamente, catalisadas por proteínas conhecidas como enzimas. A construção do conhecimento sobre essas substâncias que estão presentes em nosso organismo ou no ambiente permite uma intervenção pedagógica de caráter interdisciplinar. A elaboração das atividades considera a abordagem de alguns processos que habitualmente são analisados apenas pelo olhar do professor de biologia, também sob a ótica da química.
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
A
s atividades sugeridas têm por objetivo verificar a compreensão de um texto científico – mediante a análise de questões propostas pelos alunos –, além de estimular a pesquisa e a construção de argumentos. Foram planejadas para alunos do terceiro ano do ensino médio.
1
Distribua cópias do artigo para os alunos, divididos em grupos de três ou quatro componentes. Faça um sorteio das questões entre os grupos. Oriente-os a destacar a ideia básica da questão sorteada para o seu grupo. Os alunos devem esquematizar uma forma de explicar o tema e fazer a apresentação das conclusões para o restante da classe.
2
Cada grupo retoma a questão que analisou inicialmente e elabora perguntas que atendam aos seguintes critérios: pergunta cuja resposta pode ser encontrada no texto; pergunta mais abrangente, cuja resposta pode ou não ser encontrada no texto, mas que auxiliaria a esclarecer o que foi lido; pergunta que extrapola o texto, mas mantém relação com o tema. Oriente-os a pesquisar as per-
guntas formuladas pelo seu grupo, em horário extraclasse, e a reunir material para a atividade 6.
Figura 1
Átomos e tabela periódica
3
Proponha um exercício de construção de uma rede temática que explicite a forma como as questões estão interligadas. A rede temática tem como objetivo identificar os conhecimentos prévios e os temas que precisam ser pesquisados. Exemplo de rede temática construída para o tema “Química da vida”(ver figura 1).
Energia
4
Aula expositiva dialogada sobre fontes alternativas de energia. Esse é um momento apropriado para o professor fazer uma avaliação dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema. Forneça alguns dados sobre custos e impacto ambiental e estimule-os a identificar vantagens e desvantagens relacionadas com a utilização dos recursos energéticos.
5
Aula expositiva dialogada sobre aminoácidos e proteínas. Inicie a aula pela análise de uma tabela que contenha o nome e a fórmula estrutural de 12 aminoácidos: glicina, alanina, valina, leucina, isoleucina, fenilalanina, triptofano, serina, treonina, tirosina, ácido aspártico e asparagina. Oriente os estudantes a reconhecer as fórmulas estruturais e o caráter anfótero dos aminoácidos. Comente que as diversas proteínas são formadas por uma variedade de sequências de aminoácidos que se polimerizam por condensação, com eliminação de água. Peça que eles equacionem a reação de obtenção da proteína e oriente-os a identificar a ligação peptídica e a caracterizar a proteína como uma poliamida.
6
No laboratório de informática, os alunos devem pesquisar as perguntas propostas pelo seu grupo, que po-
Produção de combustíveis
Origem da vida X Moléculas iniciais
Ligações químicas
Química da vida
Carbono
Biotecnologioa
dem ou não ter sido reformuladas durante a construção da rede temática. Exemplos de questões que podem ser pesquisadas: a experiência de Stanley Miller; limitações na representação de uma molécula; relação entre o número de prótons e nêutrons e a estabilidade dos átomos; síntese e importância das proteínas; aplicações dos nanotubos de carbono; fontes alternativas de energia; a importância do conhecimento da química do corpo humano na produção de novos medicamentos; desenvolvimento da biotecnologia; pesquisas relacionadas com manipulação genética, suas aplicações e questões éticas envolvidas.
7
Cada grupo deve elaborar um artigo, de no máximo 30 linhas, que contenha o posicionamento do grupo em relação às questões pesquisadas. Sugira a preparação de um jornal no
Macro moléculas
Manipulação genética
qual esses artigos sejam apresentados na forma de notícias, com gravuras e indicação de sites para distribuição aos demais alunos da escola. Outra alternativa para divulgação da produção da turma pode ser uma exposição em painel colocado em local adequado na escola ou a produção de um blog sobre a química da vida, contendo os artigos e permitindo comentários que possam suscitar outras curiosidades e possibilidades de pesquisa.
SUGESTÃO DE SITES Síntese de proteínas http://www.youtube.com/ watch?v=B2ReSRPdKj0 Bioquímica www.planetabio.com Portal de química www.soq.com.br
Roteiro elaborado por Rejane Rolim de Azambuja, professora do Colégio Militar de Porto Alegre e da Faculdade de Química da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação pela PUC-RS.
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MEU PERCURSO
Artur Avila
Jovem pesquisador brasileiro, internacionalmente premiado, fala sobre sua vocação para a matemática Por Luiz Marin
ARQUIVO PESSOAL
P
or indicação de um professor, quando eu ainda estava cursando a 7a série, no Rio de Janeiro, comecei a participar das Olimpíadas de Matemática. Esse envolvimento com as competições, que eram muito motivadoras, foi um acontecimento determinante na minha vida. Esse foi um período de desenvolvimento, em que viajei bastante e tive contato com muitos professores. [É preciso esclarecer que depois de várias medalhas de ouro recebidas em eventos nacionais, Artur teve igual premiação na Olimpíada Internacional de Matemática de 1995, no Canadá, quando tinha 16 anos]. Graças às Olimpíadas, tive a oportunidade de conhecer o Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro), e acabei me interessando em estudar nessa instituição. Isso aconteceu por volta dos meus 16 anos de idade. Eu me desinteressei pelas competições com o aprofundamento dos meus estudos no Impa, um processo que durou varios meses após a minha última participação em Olimpiadas. Nesse momento, ja estava fazendo cursos do mestrado do Impa, onde tinha bolsa desde que voltei da Olimpíada Internacional, alguns meses antes da última competição de que fiz parte. Conheci outros participantes das olimpíadas que acabaram ingressando no Impa, embora os jovens não precisem necessariamente seguir o mesmo caminho para estudar na instituição. Depois entrei formalmente na Universidade Federal do Rio de Janeiro para concluir o bacharelado e terminei 66 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA
meu doutorado no Impa sob a orientação do professor Welington de Melo em 2001. Terminado o doutorado, fui para a França, onde fiz o pós-doutorado no Collège de France. Em 2006, recebi uma bolsa do Clay Mathematics Institute, mas permaneci vinculado ao Impa. Hoje divido meu tempo entre o Impa e o CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), em Paris. Não dou aula, não tenho vocação para isso, trabalho apenas como pesquisador nas duas instituições, envolvido em estudos sobre sistemas dinâmicos e operadores de Schrödinger, entre outros temas. [Artur é diretor de pesquisa no CNRS e pesquisador extraordinário do Impa.] MATEMÁTICA NO BRASIL Eu não saberia assinalar centros brasileiros específicos de excelência em matemática. Há vários deles espalhados pelo país. Mas a matemática brasileira vem aparecendo com destaque crescente no mundo. Há matemáticos de alto nível que gozam de reconhecimento internacional. Diversos profissionais formados no Brasil estão trabalhando em instituições de prestígio no exterior. Por outro lado, muitos estrangeiros vêm ao país para pesquisar e trabalhar com matemática, num intercâmbio que ajuda no nosso desenvolvimento. O campo para pesquisas em matemática é vasto e acredito que para ter uma boa formação nessa disciplina é importante manter contato com grupos de pesquisa variados. Mesmo não se dedicando às pesquisas acadêmicas,
pessoas com formação em matemática têm hoje uma oferta de trabalho em empresas. Há uma procura por esses profissionais para trabalhar em instituições financeiras. Por causa da remuneração que oferecem, as empresas vêm levando talentos dos meios acadêmicos, o que acaba por empobrecer a pesquisa de matemática, tanto pura quanto aplicada. Trabalhos de fundo puramente matemáticos têm reconhecimento em outras disciplinas, como mostra o ultimo Prêmio Nobel de economia. Entre os trabalhos mais conhecidos de um dos agraciados, o matemático e economista americano Lloyd S. Shapley, encontra-se a solução do problema de casamentos estáveis. Por sinal, esse problema caiu numa prova das olimpíadas na década de 90 e aborda a questão de se encontrar em dois conjuntos de n elementos (masculino e feminino, respectivamente) a combinação de dois elementos de cada conjunto que formem uma união estável, levando em conta as preferências de cada elemento. [Shapley e o economista americano Alvin E. Roth dividiram o Prêmio Nobel de 2012 de economia em reconhecimento à teoria de alocações estáveis e ao modelo de mercado, que aborda a otimização da relação entre oferta e procura.] n Mais informações sobre as publicações, pesquisas e prêmios de Artur Avila Cordeiro de Melo estão disponíveis no site do Impa: www.impa.br
Roteiros temáticos para atividades em sala de aula
Aula Aberta
Matriz de referência do
O prazer de ensinar ciências
ENEM
BRASIL
ANO II - NO 13 - 2012 - R$ 6,90
GEOGRAFIA
Faixa de chuva migratória
BIOLOGIA
Altruísmo e egoísmo caminham juntos na evolução
QUÍMICA
A origem da vida e outros mistérios não resolvidos
MATEMÁTICA
Enigma: a matemática é invenção ou descoberta?
FÍSICA
Como funciona o sentido magnético animal
9 772176 163001
00013
ISSN 2176163-9
ameaça o clima global