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Sufixo -ística: Algumas questões diacrônicas e sincrônicas Nilsa AREÁN-GARCÍA Mestre em Filologia e Língua Portuguesa Grupo de Morfologia Histórica do Português da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa Universidade de São Paulo – Brasil nilsa.arean@gmail.com

Resumo Sabe-se que -ístico, para muitos, não é considerado um sufixo, por ser diacronicamente a combinação dos sufixos -ista e -ico, cuja origem remonta ao grego. Assim, sabe-se que, por um lado, o sufixo -ista provém da terminação do grego clássico -ιςτθσ, que foi herdada pela língua latina como -istēs, e incorporada às línguas românicas, por exemplo: em francês como -iste; em italiano, catalão, castelhano, galego e português como -ista. Por outro lado, o sufixo adjetival -ico, é proveniente do sufixo -ικόσ, que por meio do latim -icus atingiu também as línguas românicas. Ainda assim, considerar -ístico, que já aparece em algumas palavras do grego, como a combinação dos dois sufixos é muito complexo e delicado, pois nem sempre se pode conceber a forma intermediaria unicamente derivada com -ista, ou seja, temos, por exemplo, as palavras sofista e sofístico, no entanto somente a palavra característico sem a forma intermediária, *caracterista, formada tão somente com o sufixo ista. De modo similar, também é complexo e controverso o caso referente a -ística, por ser proveniente de -ístico. Palavras-chave: Sincronia, diacronia, morfologia histórica, sufixação, sufixo –ística. Abstract It is known that -ístico, to many experts, is not considered a suffix, for it is a combination of the suffixes -ista and -ico, whose origin dates back to Greek. Thus, it is known that, on the one hand, the suffix -ista comes from the Ancient Greek ending -ιςτθσ, which was inherited by the Latin language as -istēs, and incorporated into the Romance languages, for example: into French as -iste; into Italian, Catalan, Castilian, Galician and Portuguese as -ista. On the other hand, the adjectival suffix -ico, comes from the suffix -ικόσ which, by means of the Latin -icus has also entered the Romance languages. Even so, to consider -ístico, which already figures in some words of Greek, as a combination of both suffixes is very complex and delicate, for not always can one conceive of an intermediate form derived only from ista, that is, there are, for example, the words sofista and sofístico, but only the word característico without the intermediate form *caracterista, formed only with the suffix -ista. Similarly, the case concerning -ística is also complex and controversial, for it comes from ístico. Keywords: Synchrony, diachrony, historical morphology, suffixation, suffix -ística.


Introdução

D

esenvolvida na Universidade de São Paulo, esta pesquisa, que visa a estudar algumas características de -ística e -ístico(a), surgiu no âmbito das pesquisas do Grupo de Morfologia Histórica do Português, GMHP (http://www.usp.br/gmhp), coordenado pelo Prof. Dr. Mário Eduardo Viaro, centradas no estudo dos sufixos na língua portuguesa. Destaca-se o apoio financeiro recebido da FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, sem o qual não se daria o desenvolvimento desta. Nesta linha, considera-se que a maior parte dos mecanismos de formação de palavras é de caráter morfológico e se refere às diferentes maneiras de como se combinam os morfemas lexicais, e, de acordo com Said Ali (1930, p. 15), na língua portuguesa, a sufixação mostra-se como o procedimento mais produtivo na formação de palavras, justificando o interesse do grupo no estudo do tema pelo viés também diacrônico, procurando, sempre que possível, analisar as trajetórias históricas dos sufixos do seu ponto de vista semântico-funcional. Assim, ao estudar -ística, depara-se com a trajetória histórica da proveniência de -ístico(a), cuja conceituação é, pelo menos, controversa quanto à sua categoria morfológica mencionada explicita ou implicitamente por obras de gramáticos e estudiosos da língua portuguesa, deixando nebulosas as bases de apoio para a sua definição.

Concatenação de sufixos É sabido que o morfema resultante da concatenação de sufixos, geralmente não é reconhecido pelos gramáticos e estudiosos da língua como um sufixo, mas normalmente associado a sucessivos processos de derivação com cada um dos sufixos componentes deste. Por exemplo, em geral, considera-se -osamente e -icamente como morfemas provenientes da concatenação dos sufixos formadores de adjetivos, -oso e -ico (em sua formação no gênero feminino), com o sufixo -mente, formador de advérbios de modo; de maneira que o morfema é considerado como procedente de uma derivação adjetival seguida de uma segunda derivação, deadjetival, para a formação adverbial. Assim, seguindo o exemplo dado, as bases nas quais ocorre a sufixação com -mente serão os adjetivos provenientes da derivação prévia com -oso e -ico, para o gênero feminino. Em outras palavras, no exemplo, os morfemas -osamente e -icamente correspondem à concatenação derivativa das funções morfossemânticas dos dois sufixos componentes, ou seja, no primeiro caso -osamente corresponde à aplicação semântico-funcional da forma feminina do sufixo -oso, seguida da aplicação semântico-funcional do sufixo -mente; de maneira similar, no segundo caso, -icamente, corresponde à aplicação semântico-funcional da forma feminina do sufixo -ico, seguida da aplicação do sufixo -mente. Considera-se, então, que os morfemas resultantes destes processos sejam, grosso modo, tidos como a soma das aplicações semântico-funcionais dos sufixos componentes, isto é, -osamente = oso + -mente e -icamente = -ico + -mente. Desta forma, os morfemas podem ser decompostos e analisados separadamente, sufixo a sufixo, e, portanto, este tipo de concatenação sufixal dá lugar a morfemas que não são considerados pelos gramáticos e


estudiosos da língua como sufixos, pois tanto a forma quanto a aplicação semânticofuncional podem ser facilmente decompostas e analisadas separadamente. No entanto, nem sempre a concatenação de sufixos gera morfemas que podem ser decompostos e analisados separadamente, quanto à forma ou quanto à sua aplicação semântico-funcional. Nestes casos, costuma-se encontrar posições controversas referentes à categoria morfológica em que se enquadram tais morfemas, ou seja, para classificá-los como sufixos ou não. Alguns autores são explícitos e categóricos em suas classificações, outros, deixam suas posições implícitas nas entrelinhas de suas obras, porém também há os que simplesmente ignoram e se esquivam da questão.

Abordagens de -ístico(a) Foram consultadas as seguintes obras da língua portuguesa, nas quais nenhuma menção ao morfema -ístico(a) foi encontrada: Bluteau (1712-1728), António José dos Reis Lobato (1770), Silva (1883), Coruja (1888), João Ribeiro (1889), Ernesto Carneiro Ribeiro (1890), Julio Ribeiro (1911), Gomes (1913), Amaral (1920), Said Ali (1930), João Ribeiro (1933), Faria (1943), Nunes (1945), Machado (1952), Piel (1953), Lapa (1965), Celso Cunha (1970), Monteiro (1991), Rocha Lima (1992), Mattos e Silva (1993), Prieto (1995), Antonio Geraldo Cunha (1997), Maleval (1998) e Bechara (2001). No entanto, encontramos menções a -ico(a) com explícitos exemplos terminados em -ístico(a), em Mendes de Almeida (1978, p. 395) e Sandmann (1989, p. 39 e p. 45-46). Já, de acordo com o verbete do sufixo -ismo do Dicionário Houaiss (2001, p. 1655), -ístico(a), no português, é um formador de adjetivos por soma do sufixo -ista e do sufixo -ico(a). Notase, então, que não há um verbete próprio para -ístico(a), e no verbete de -ismo não está claro se -ístico(a) é considerado sufixo ou não na obra. Por outro lado, nas obras de outras línguas, como do galego, encontrou-se um verbete próprio para -ístico(a) em Diciopedia do Século 21 (2007, p. 1150), no qual o morfema é definido como “elemento sufixal” e não propriamente como sufixo. Para Rainer (2000, p. 4619), na língua castelhana, -ístico(a) é sincronicamente um sufixo autônomo, descartando por completo que seja a combinação entre -ista e -ico(a), em sua análise estritamente sincrônica. Na língua italiana entende-se que, para Tekavčid (1972, p. 104), embora sua menção esteja dentro da definição de -ico(a), o morfema -ístico(a) é definido como um sufixo “não-autônomo”, composto pela concatenação dos sufixos -ista e -ico(a) e que pode funcionar como “sufixo autônomo” quando se junta diretamente a uma base simples, ou seja, quando não existe a palavra intermediária formada com -ista, mas sim existem a palavra base e a palavra formada com -ístico(a). Em resumo, nota-se que nas gramáticas da língua portuguesa do século XIX e início do século XX, período no qual, segundo as datações do dicionário Houaiss (2001) evidenciam um aumento significativo dos vocábulos formados com o elemento em estudo, não se encontram menções a ele. Alguns gramáticos como Mendes de Almeida (1978) e Sandmann (1989), entre outros, parecem não o considerarem como um sufixo, pois sequer mencionam a sua forma: -ístico(a), mas supõe-se que o consideram como uma particularidade do sufixo -


ico(a) nos processos cuja base é uma palavra já derivada com o sufixo -ista, uma vez que apresentam entre os exemplos de formações com -ico(a), palavras em -ístico(a). Não obstante, há outros gramáticos que evitam explicitar sua opinião recorrendo a subterfúgios da escrita, tais como a omissão ou mesmo a utilização de designações alternativas que se esquivam da palavra “sufixo”, por exemplo: “elemento sufixal”, “autônomo” etc. É notório, ainda, que o dicionário Houaiss (2001) não apresente um verbete próprio para -ístico(a) (tampouco para -ista), acredita-se que seja por considerá-lo pouco produtivo, quiçá por associá-lo ao sufixo -ismo, ou ainda por considerá-lo como uma forma proveniente dos sufixos -ista + -ico(a).

Origem de -ístico(a) Em termos de origem, na língua castelhana, para Pharies (2002, p. 360) -ístico(a) é considerado como um sufixo formador de adjetivos que expressam pertinência a uma base substantiva, ainda que etimologicamente, segundo o autor, o morfema seja o reflexo do grego -ιςτικόσ, cujos constituintes são -ιςτθσ, que expresa nomina agentis e -ικόσ, sufixo que indica pertinência. Segundo Casevitz (1985, p. 69), a terminação grega -ιςτθσ, que deu origem ao sufixo -ista, era usada para formar nomes de agentes a partir de verbos com objetos/complementos e terminados em -ίζω no dialeto jônico-ático, tendo sido incorporada à koiné a partir do século III a.C. Portanto, originariamente, -ιςτθσ não é um sufixo, mas uma terminação associada ao sufixo grego nomina agentis -τθσ. Posteriormente, esta terminação passou a se associar também à terminação grega -ιςμόσ, denotando os agentes para a mesma base. Com essa conotação semântica foi importada no latim sob a forma não muito produtiva -istēs, em palavras cultas de origem grega; e, com o processo de expansão do Império Romano, foi incorporada às línguas românicas. Convém notar ainda que, originariamente, -ιςτθσ é uma terminação nomina agentis deverbal, no entanto, desde sua assimilação como sufixo sob a forma -ista na língua portuguesa, dentre outras línguas, tornou-se majoritariamente denominal. Sabe-se que a terminação grega -ιςτθσ atuava em verbos constituídos com objetos e/ou complementos, nos quais figura além da idéia de uma ação também a de um ou mais objetos a ela associados, por exemplo, βαπτίζω (batizar) significa “aspergir com água” e βαπτιςτθσ (batista) significa “aquele que asperge com água”; έξορκίζω (exorcizar) significa “prestar juramento” e έξορκιςτθσ (exorcista) significa “aquele que presta juramento”; analogamente ψαλμίζω significa “cantar poesia sagrada tocando instrumento de cordas” (cantar salmos) e ψαλμιςτθσ (salmista) significa “aquele que canta poesia sagrada tocando instrumento de cordas” (cantor de salmos). No próprio grego, a terminação -ιςτθσ, dada a sua produtividade, tornou-se mais abrangente passando a atuar também em verbos não terminados em -ίζω como nomina agentis, por exemplo, εύαγγελίζομαι (evangelizar) significa “trazer boas mensagens” e εύαγγελιςτθσ (evangelista) significa “aquele que traz boas mensagens”. Acredita-se, então, que a abrangência e a transposição de -ιςτθσ para línguas nas quais as palavras que denotam ações normalmente estão separadas das palavras que denotam objetos, propiciariam tal mudança.


Por outro lado, -ικόσ é o sufixo grego formador de adjetivos que indicam pertinência, que remete ao indo-europeu -iqos, de mesma função. Analogamente a outros morfemas, também foi incorporado ao latim, no qual se tornou bastante produtivo nesta função adjetiva de pertinência sob a forma -icus, atuando em bases totalmente latinas. Desse modo e com esta função, foi posteriormente incorporado às atuais línguas românicas. Por exemplo, no português foi incorporado sob a forma cognata -ico(a). Segundo Pharies (2002, p. 310), é um sufixo facilmente dado às concatenações. Notamos que geralmente o sufixo ico(a) se une a elementos cultos e também de origem grega, concebendo morfemas compostos, tais como: -gráfico(a), -métrico(a), -lógico(a), -zóico(a), -êmico(a), -aico(a), ático(a), -ítico(a), -ástico(a), -ístico(a), dentre outros. Estas concatenações com o sufixo -ικόσ já ocorrem no próprio grego, no qual encontramos a terminação -ιςτικόσ em vários vocábulos, em alguns casos de maneira bastante independente e produtiva. Por exemplo, ςπογγιςτικόσ significa “relativo à pesca de esponjas” (ςπóγγoσ significa “esponja”), mas carece da forma em -ιςτθσ. Já, a associação entre -ístico(a) e -ismo, ainda que não concomitante, faz-se por meio de ista, pois, é bem conhecida a longeva associação entre -ista e -ismo, que se originou no grego. Conforme Casevitz (1985, p. 69), a terminação deverbal -ιςμόσ, que deu origem no português ao sufixo -ismo, era usada para formar nomes de sistemas e/ou processos a partir de verbos com objetos/complementos e terminados em -ίζω, tendo se associado à terminação -ιςτθσ, na indicação dos agentes para a mesma base. Posteriormente, as duas terminações tornaram-se mais abrangentes, atuando em outros verbos. Analogamente à ιςτθσ, a terminação -ιςμόσ ao ser assimilada como sufixo sob a forma -ismo na língua portuguesa, dentre outras línguas, tornou-se majoritariamente denominal. Grosso modo, semanticamente, para uma determinada base, a derivação com -ismo indica o sistema e/ou processo feito com ou a partir dela; a derivação com -ista, indica o agente de tal sistema/processo, e a derivação com ístico(a) o adjetivo de pertinência ao sistema/processo. Assim, de fato, etimologicamente, -ístico(a) é um cultismo proveniente da concatenação da terminação grega nomina agentis -ιςτθσ e do sufixo grego -ικόσ.

O sufixo -ístico(a) Se por um lado é sabido que em palavras como “característico(a)”, datada do século XVIII segundo o Dicionário Houaiss (2001), nas quais inexiste a forma intermediária em -ista (*caracterista), o morfema -ístico(a) mostra-se claramente um sufixo, segundo Tekavčid (1972). Por outro lado, seguindo a consideração de Rainer (2000), -ístico(a) é sincronicamente um sufixo, pois mesmo quando da associação entre os sufixos -ista e -ismo, considera-se como a base da sufixação para -ístico(a), a mesma base usada pelos dois sufixos ao qual se associa. Por exemplo, em: “humanismo”, “humanista” e “humanístico(a)” a base considerada é “humano(a)”. Porém, além disso, diacronicamente também o consideramos como um sufixo, primeiramente devido a casos em que a base é opaca, por exemplo, “dístico” e “trístico”; também há casos em que existem as formas em -ismo e/ou -ista, mas não estão associadas semântica e diretamente à forma em -ístico(a), por exemplo, “mecanismo” e


“mecanístico(a)”; e finalmente porque a análise é feita de forma sincrônica em cada período definido na língua portuguesa, ainda que, o sufixo -ístico(a) seja etimologicamente proveniente da concatenação dos elementos gregos -ιςτθσ e -ικόσ.

-ística É sabido que -ística é a forma feminina do sufixo -ístico na derivação de adjetivos. Não obstante, ao consultar as palavras formadas com -ística no Dicionário Houaiss (2001), nos deparamos com substantivos, pelo menos sessenta e duas palavras estão categorizadas como tal pela obra lexicográfica. Também podemos nos deparar com vários substantivos formados com -ística, ainda não dicionarizados pelo Houaiss (2001), mas com ampla divulgação nos meios de comunicação, por exemplo, “dentística”, dentre outros. Convém notar que, se por um lado encontraram-se poucas menções feitas a -ístico(a) na língua portuguesa, por outro, nenhuma menção foi encontrada sobre -ística. Outrossim, na língua galega, encontra-se uma menção a -ística dentro do verbete destinado a -ístico(a) em Diciopedia do Século 21 (2007, p. 1150); de modo análogo, encontramos umas poucas palavras sobre -ística, na língua espanhola, inseridas no verbete designativo de -ístico(a) em Pharies (2002, p. 361). De acordo com estudo nosso, utilizando como corpus os substantivos formados com -ística encontrados no Dicionário Houaiss (2001), observou-se que estes apresentam um forte traço de conjunto, ao passo que, também podem indicar, na maioria dos casos, um conjunto especializado, seja uma técnica, uma arte ou ciência. Notou-se, ainda, que a classificação semântica para os substantivos formados com o morfema, pode ser disposta em quatro grandes categorias, conforme o detalhado a seguir: 1) Nomes substantivos que indicam uma “ciência ou estudo especializado”. Neste caso as paráfrases associadas às formações são: “ciência que estuda X”, “estudo de X”. Por exemplo: “casuística” (estudo de “casos”) e “missilística” (ciência que estuda os “mísseis”). 2) Nomes substantivos que indicam a “arte de fazer algo”. Neste caso as paráfrases associadas às formações são: “a arte de fazer X”, “a arte de V X”, no qual V indica um verbo. Por exemplo: “pianística” (a arte de tocar “piano”) e “esferística” (a arte de jogar a “esfera”). 3) Nomes substantivos que indicam uma “técnica especializada”. Neste caso, as formações podem estar associadas ao sufixo -ista e considera-se como paráfrase: “técnica usada por Xistas”. Por exemplo: “harmonística” (técnica usada pelos “harmonistas”) e “sofística” (técnica usada pelos “sofistas”). 4) Nomes substantivos que indicam “conjunto”. Neste caso a paráfrase associada às formações é: “conjunto de X”. Por exemplo: “característica” (conjunto de “caracteres”) e “fabulística” (conjunto de “fábulas”).


Assim, podemos concluir que -ística é um morfema produtivo nos nomes substantivos da língua portuguesa, com a designação semântica dada nas quatro classes detalhadas anteriormente.

Origem de -ística Conforme já foi visto, -ística é a forma feminina do sufixo -ístico na derivação de adjetivos, no entanto destaca-se como morfema na formação de substantivos. Por outro lado, conforme já visto, no grego há o sufixo -ικóσ que designa adjetivos que podem ser usados em concordância com substantivos femininos, tais como: τέχνη (arte, ciência, prática, competência, saber etc), assim, por exemplo, μαιηματικά τέχνη (ciência matemática) e ρητορικθ τέχνη (arte retórica). No próprio grego já se encontra o uso destes tipos de adjetivos como substantivos, é o caso de μαιηματικά (matemática). Sabe-se, ainda, que -ικóσ foi incorporado ao latim sob a forma -icus para designar adjetivos, como também o seu uso em concordância com substantivos femininos, tais como, ars,artis (arte, engenho, habilidade, saber, prática, ciência etc), por exemplo, mathematìca ars e grammatìca ars. Analogamente, ao que já ocorria no grego, no latim também pode ser encontrado o uso destes adjetivos femininos como substantivos. No século XVII, já está totalmente consolidada a conversão de adjetivos em substantivos no latim técnico-científico, e -ica passa a designar semanticamente “ciência”, “a arte de” e “técnica de”. A partir de então, o morfema é incorporado a varias outras línguas, principalmente européias, por meio de traduções do latim científico. De maneira análoga a -ica, -ística, a partir do século XVIII, também se consolida, por meio do latim técnico-científico, como um morfema que designa “ciência”, “a arte de” e “técnica de”, devido à sua constante conversão de adjetivos em substantivos. Em resumo, -ística é um formador de substantivos femininos, que designam semanticamente “ciência”, “a arte de” e “técnica de”; por meio da conversão de adjetivos. Assim, -ística é na sua origem a forma feminina de -ístico na criação de adjetivos que se substantivaram e, desta maneira, é etimologicamente, como -ístico(a), proveniente da concatenação dos morfemas gregos -ιςτθσ e -ικόσ.

Considerações finais Ainda que -ística, por ser a forma feminina de -ístico, seja etimologicamente a concatenação dos elementos gregos -ιςτθσ e -ικόσ, consideramos que o morfema é um sufixo, pois atualmente sua função nestes casos é a formação de substantivos, e não mais de adjetivos, tendo como a principal designação semântica “ciência”, “a arte de” e “técnica de”. Corrobora para tal, o aumento da produtividade do morfema na língua portuguesa, notadamente no século XX, acentuando-se no incipiente século XXI.


Neste senso, espera-se que as obras lexicográficas, ao apresentarem verbetes de sufixos também o façam com relação a -ística e -ístico(a), bem como que gramáticos e estudiosos da língua não ignorem as suas singularidades, mas que sinalizem os seus aspectos produtivos e semânticos que foram se diferenciando desde os primeiros usos de seus étimos gregos, por meio de vários processos transformando-se em sufixos, do mesmo modo que ocorreu com outros morfemas gregos que hoje indiscutivelmente são classificados como tal. Pôde-se constatar, deste modo, que não apenas as palavras se alteram em relação à suas funções e/ou designações semânticas, mas também, os morfemas que as compõem se modificam na língua de acordo com as conceptualizações de uma época e de um povo, tornando-se produtivos e refletindo este processo na formação de novas palavras com o uso de novos sufixos.

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