Peterson fernandes

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Edição 1 - Dezembro/2015


encharquei-me Se poesia fosse matéria então seria água, o corpo na água, o movimento do corpo na água, o tempo fadigante que desaprendeu a correr dentro da água, o brilho da luz que distorce a forma, mas não a alma. A água se fosse arte seria uma estrofe, corre desenfreada mas mantém uma única e organizada maneira, assim como a poesia, a água tem o poder de mover pedras, lapidar barros e desmanchar reflexologias. A água não se rende a silhueta, pois ela só se contenta com cores, a sombra não lhe convém, somente a poesia das primárias e secundárias, encharquei-me.


Índice Tu que um dia foi Inverno Viva Ilusório Imune

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tu que um dia foi


Texto de AMANDA STEIN

Perdoa as interrogações que surgem dentro da minha cabeça vez em quando. Não consigo parar de ouvir tua voz, teu cheiro não sai de mim e me pego obrigada a manter algo que dói. A razão preparou o sentimento em todos os meus (a)casos, mas se não te amo mais é, (in)felizmente, por limitação humana. A bagunça no armário, na gaveta e algumas coisas que deixei para trás. Teu cigarro sempre me incomodou e foi por isso que voltei a fumar. Quando tua presença tornou-se ausência, me obrigaste a olhar e não enxergar. Nada, absolutamente nada. O maço que tanto me incomodava havia sumido e não entendo minha derrota interna. Quero de volta: tudo. Mas preciso tomar cuidado e aprender a conviver com aquele que se parar de amar, não foi por vontade própria: meu coração. Preciso aprender que coração não ama, antes de tudo. Projetei-te tão imperfeito que quando enfim teu imperfeito surgiu, a projeção tornou-se perfeita e lembrei-me que sou apenas alguém que faz projeções. Tentei me esconder: entreguei-me à literatura, à música, aos futuros que não pude evitar. Vivi coisas doces, mas teu gosto azedo nunca saiu de mim. As palavras que soltei nunca soaram tão estúpidas como agora (quando me encontrei, porque para me encontrar, tive que te perder). Tenho vomitado um dicionário tentando explicar-te que foi a coisa mais difícil pela qual já passei, sei ainda que não preciso explicar-me para te fazer entender - você sempre me conheceu mais que todos. Peço-te perdão novamente pela falta de tentativas, pelo afeto que deixei escapar por medo de me entregar. Estive disposta a construir um mundo que desse certo para nós dois, mas toda vez que penso em dividir algo que mal tenho, canso. Invento dor no estômago, tédio ou catapora. Gasto meu tempo transformando o mundo em um inferno só para ver se consigo igualar ao que sinto internamente. Me prendi em ti quando precisava ser livre e quando consegui sorrir sem sentir algo rasgar, minha lembrança trouxe teu medo, tua mania de não ser inteiro, tua prisão. Lembrei-me novamente que fui feliz quando fui minha, e que consegui, apesar de muito esforço, dormir sem sentir dor. Pensei então que estava certa e fui, mas só eu sei o quanto me obrigo a não olhar para trás. Um coração que não foi quebrado jamais conseguiria entender o meu, que jamais conseguira viver inteiro. Só desejo ir em frente. Não feliz, mas me permitindo. Esquecendo teu azedo aos poucos, com um leve sorriso nos lábios e um maço de cigarros sempre à mão.

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inverno

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Era inverno, meados de julho, se não me engano. Acordei com o rosto virado para o chão da sala. Me lembro que a TV estava ligada em algum noticiário matinal qualquer. A âncora do programa falava sobre uma tempestade que se aproximava. Ao sentar ao chão senti uma dor aguda em minha nuca, levei a mão, relutante, até a fonte da dor, e meus dedos voltaram vermelhos, melecados de sangue. Se eu fizer um pouco de esforço ainda posso sentir o ardor do ferimento. Passei os olhos pelo cômodo e vi um copo quebrado no chão do carpete, ainda com a mancha de cor roxa meio avermelhada do vinho que provavelmente eu estava degustando antes de apagar. Apesar de muito me esforçar não conseguia me lembrar onde ou com o que poderia ter rachado a cabeça. Poderia ser esse o motivo de eu acordar no chão da sala? Porém, não me lembro de ver sangue no carpete, só a mancha de vinho, que ainda se encontra lá, intacta, no mesmo lugar. As vezes me pego parado só olhando para ela, me traz algum sentimento, uma angústia inexplicável. Lembro ainda de ir até o banheiro naquela manhã e fazer meu curativo sozinho, com muita dificuldade, claro. Depois de limpar a sugeira do chão, retirar os cacos de vidro e estupidamente me cortar, para não perder o costume, decidi trabalhar um pouco.


Texto de CLEISON DARA

Era inverno, meados de julho, se não me engano. Acordei com o rosto virado para o chão da sala. Me lembro que a TV estava ligada em algum noticiário matinal qualquer. A âncora do programa falava sobre uma tempestade que se aproximava. Ao sentar ao chão senti uma dor aguda em minha nuca, levei a mão, relutante, até a fonte da dor, e meus dedos voltaram vermelhos, melecados de sangue. Se eu fizer um pouco de esforço ainda posso sentir o ardor do ferimento. Passei os olhos pelo cômodo e vi um copo quebrado no chão do carpete, ainda com a mancha de cor roxa meio avermelhada do vinho que provavelmente eu estava degustando antes de apagar. Apesar de muito me esforçar não conseguia me lembrar onde ou com o que poderia ter rachado a cabeça. Poderia ser esse o motivo de eu acordar no chão da sala? Porém, não me lembro de ver sangue no carpete, só a mancha de vinho, que ainda se encontra lá, intacta, no mesmo lugar. As vezes me pego parado só olhando para ela, me traz algum sentimento, uma angústia inexplicável. Lembro ainda de ir até o banheiro naquela manhã e fazer meu curativo sozinho, com muita dificuldade, claro. Depois de limpar a sugeira do chão, retirar os cacos de vidro e estupidamente me cortar, para não perder o costume, decidi trabalhar um pouco. Acho que esqueci de citar, mas escrevo nas horas vagas. Faz tanto tempo que também não me lembro o nome do romance em questão, mas lembro que era sobre um policial aposentado e sua luta contra o alcoolismo e todas aquelas baboseiras da depressão, comportamento violento e crises de meia idade. Minhas histórias eram realmente medíocres, mas me davam algum dinheiro, e um certo prazer em escreve-las, acredito. Não lembrar como ou porquê havia me machucado realmente me intrigava. Pudia eu ter sido espancado ou escorregado no banheiro, não saberia dizer.Tive então a brilhante, pra não dizer óbvia ideia de ver se nada havia sumido. Revirei a casa toda e estava tudo no lugar.

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viva Os outros nunca vão ser você. Eles não vão sentir o que você sente, não vão pensar como você. Ninguém nunca vai te entender por completo. A vida é uma grande dúvida, nunca se sabe o que esperar de hoje, amanhã ou depois. Vivemos em um tempo onde tudo é rápido demais. Vivemos amores rápidos, sentimos felicidade, infelicidade. Tudo junto e ao mesmo tempo. Vivemos em um tempo de intensidade. Tudo é demais, exagerado. Ninguém gosta de muito, mas ninguém gosta de pouco. Talvez nos falte equilíbrio. Mais daqui, menos dali. Talvez nos falte calma, pra deixar as coisas acontecerem no seu tempo e da sua maneira. Os simples momentos da vida, aqueles que passam despercebidos, são os que nos fazem ser gratos por tudo o que temos no final. É preciso viver. Viver cada segundo, como se não fosse existir o próximo. Viva, nem que seja rapidamente, nem que seja intensamente. Mas, por favor, não se esqueça de viver. Não seja apenas mais um peso no mundo, não seja só mais uma alma vazia. Pois como disse Oscar Wilde, “viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. Não espere ninguém te dizer o que fazer, não se importe com o que os outros vão pensar. Apenas faça. Apenas seja. Viva.

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Texto de GIOVANA QUANDT

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ilus贸rio

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Texto de ALEXSANDER ANZINI

Hoje, vivo um momento triste e ilusório, onde sei que sinto algo intenso e profundo por ti e não posso ao menos te tocar com uma forma de carinho. Parece que a cada movimento que eu faço para demostrar meu amor, tu esquivas. Como uma criança que está perdida em casa e corre para o colo da sua mãe, eu corro para os teus braços esperando ouvir uma palavra de afeto, mas só o que eu ouço são palavras para ajudar a resolver minha vida, não de forma menos útil, mas da forma que eu não queria. Quem me dera ao menos manter uma série de carinhos, nem que por amizade, mas, tenho medo de tudo que tu podes fazer com meus sentimentos. Eu já te provei que não me apaixonaria tão fácil e que não ia tomar nenhuma atitude que pudesse atrapalhar meus planos futuros. Jurei pra mim que não me deixaria levar pelo coração, me enganei. Lembro do dia em que te vi, por mais que depois tu não tenhas me dado atenção, vi um brilho dentro de ti, que de primeiro momento não iria vir a tona, mas que depois eu chamaria de amor, amor de uma forma que eu não sei explicar. Tu és complicada. Quando tu começas a falar um milhão de coisas ao mesmo tempo, eu acho que entendo, mesmo que o que eu mais gosto de fazer nesses momentos é observar o jeito que tu consegues ficar lindamente nervosa, tentando usar as palavras de uma forma adequada para que eu possa entender. Pateticamente linda seria a expressão correta para definir-te. Eu queria te conhecer melhor a partir do momento em que vi sua aura de alegria, misturada com uma parte sombria e misteriosa. Eu queria também fazer parte do livro da sua história, não como um amigo em comum, mas ser escrito em uma linha onde o meu nome esteja grifado, e esteja meio amassada de tanto tu voltares e leres a mesma história. Se por um instante tu me respondestes com um olhar de amor e não de desprezo… Tu pareces me evitar várias vezes e o motivo do teu olhar triste, mesmo que eu queira, não vai ser eu, porque não sei certamente o quão importante sou em tua vida.


imune


Texto de JÉSSICA REX

Parece que estou tão dopada de vacinas de envolvimentos afetivos, que meu coração se tornou imune, e não se deixa atingir facilmente. O vírus entra, mas o coração tenta expelir, com todas as forças - é o sistema imunológico. (Ele fica confuso, talvez seja o medo). Mas QUERO ser afetada, por um vírus diferente de tudo o que já tive, incontrolável a todas as vacinas que já tomei. E que seja transmissível, em mesmo grau, a quem me passou. Que pegue de jeito e não me abandone mais, que não tenha cura. Que se alimente da minha alma e me possua inteira. Que me deixe viciada em remédios de prazer. Mas que desde o contágio, essa doença nunca me cause dor. Agora, saindo do tema saúde (ou doença), caio na realidade: Nesta era de obsolescência programada, todo envolvimento já começa, sabendo-se que brevemente irá acabar, e ser substituído por um melhor. E aí, será que vale a pena o contágio?




Redação Pirata

redacaopirata.tumblr.com


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