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A Encantadora de Corpos

MARIANA PALMA A ARTISTA QUE CRIA REALIDADES

Em busca de excessos, Mariana Palma usa camadas para gerar novas imagens.

POR: ELIANA CASTRO

O estilo barroco sempre esteve presente nas obras de Mariana Palma. No entanto, ela confessa não saber explicar exatamente o porquê. “Talvez seja mais um impulso. Eu me identifico com o drama, o excesso. Ou talvez porque meu trabalho seja uma colagem, em que somos referências. Acrescento camadas, uma a uma”, diz a artista plástica.

Atualmente, Mariana está trabalhando em uma nova série, ainda sem título, que entrou na fase do bordado. São fotos de naturezas-mortas – bastante presentes em suas obras – sobre gelo triturado, impressas em cetins de 2 m e, depois, bordadas com pedraria e linhas, que encobrem as imagens, gerando certa confusão visual.

No ano passado, a artista já havia apresentado um grupo de trabalhos, sem título, na SP Arte, em que sobrepunha camadas de fotografias impressas sobre voal, que depois recebiam pontos de linha largos, os alinhavos.

A ideia é, ainda este ano, montar uma instalação em um parque com essas obras interagindo com o jardim. Algo que ela havia tentado fazer na SP Arte, mas não conseguiu em função da burocracia com a Prefeitura. “Apesar disso, as enormes janelas de vidro de certa forma permitiram a interação com a paisagem externa do pavilhão”, diz, conformada. “Se der certo apresentar em um parque, vai ser ainda melhor”, diz.

O tecido, bem como flores, folhas, coquinhos e conchas, se mantém na obra da artista, que, quando mais jovem, sonhava em ser cenógrafa. Essa tendência teatral aparece nas obras, especialmente nas mais recentes, apresentadas, em janeiro deste ano, na instalação "A_Fluir", na Casa de Ópera, de Ouro Preto (MG), que ela também pretende trazer, ainda este ano, para um espaço em São Paulo.

Muito do que vem produzindo tem como maior fonte de referência o Instagram. “Pesquiso bastante e noto que estamos acostumados a imagens feitas pelos celulares, que muitas vezes parecem ser mais reais do que os registros de qualidade”, acredita. “No meu trabalho, venho somando, por meio de camadas de tecido, realidades da própria realidade. São imagens que se somam e se desfazem. Minha ideia é criar uma imagem flutuante, porque não se configura real e é feita de filtros. Busco, pelo excesso, criar essa confusão, com muitos significados”, afirma Mariana.

Natureza morta sobre gelo, nova obra de Palma, em fase de produção. Abaixo, sua mostra na SP Arte

Mariana Palma conta sobre sua arte.

© FOTOS: DIVULGAÇÃO

A ENCANTADORA DE CORPOS

Coreógrafa Lia Rodrigues exibe pelo mundo a potência de sua companhia sediada na Favela da Maré, no Rio

POR SIMONE RAITZIK

No início são fagulhas – cenas e fragmentos do dia a dia, das ruas, de obras de arte ou das páginas de um livro – que disparam o longo e intenso processo criativo da coreógrafa paulista Lia Rodrigues, radicada no Rio. Depois vem a gestação, coletiva, com os bailarinos e a equipe, desenhando um bordado de ideias que vão se avolumando sem roteiro definido e acabam costuradas por Lia, artista das mais renomadas no universo da dança contemporânea – no Brasil e no mundo. Sua carreira, de mais de dez anos à frente da Escola de Dança Livre da Maré, soma-se a mais de uma década dirigindo o Panorama, um festival que criou em 1992 (e do qual esteve no comando até 2005) e acontece até hoje como uma referência de programação de qualidade e excelência. Como criadora, Lia é pura vanguarda.

Muitos de seus espetáculos não têm som, mas repercutem como um grito agudo num silêncio ensurdecedor. Cada nova coreografia – atualmente está em cartaz com Encantado, em turnê até setembro na Europa, quando volta para temporada no Rio, no galpão onde fica sediada a companhia, na comunidade da Maré – tem relação com o universo em que vivemos, com o que nos aflige e com o que nos move. De uma forma profunda e intensa.

A seguir, você confere o processo de criação de Lia.

& DESIGN: Em geral, você leva de dez meses a um ano para elaborar um novo espetáculo e há um hiato de dois a três anos entre eles, com turnês pelo Brasil e pelo mundo. Como funciona essa rotina? LIA RODRIGUES: Nunca paro de pensar sobre o trabalho, sobre o que acontece no mundo e sobre a realidade da sede da minha companhia, que fica na Favela da Maré. Isso é muito marcante em todo o meu processo criativo. O ponto de partida é uma sequela do projeto anterior, e daí começo a montar uma bibliografia com temas que me interessam e falam do que pretendo abordar na montagem. Vou colecionando palavras que me tocam e formo com elas um dossiê. Guardo também imagens que garimpo na internet, cenas cotidianas publicadas na mídia, reproduções de obras de arte que me impactam. E vou apresentando esse material para a companhia e, juntos, tecemos um fio condutor. Com isso, os bailarinos vão propondo movimentos, cenas, e eu vou costurando as ideias. A minha autoria está justamente quando finalizo esse arsenal, desenvolvido em grupo.

&D: Conte como foi especificamente o processo do Encantado, seu espetáculo atual, que fala da crise com o desmantelamento da cultura no Brasil e traz corpos “mágicos”, que dançam como viventes, enrolados em cobertores. LR: Para esse espetáculo, li muito. De Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, a Ciclos Selvagens, de Ailton Krenak, passando por O Corpo Encantado das Ruas, de Luiz Antonio Simas, autores que muito me inspiraram. Há um enorme investimento intelectual, um mergulho profundo. Mas a imagem que marcou o início do processo foi a de uma pessoa enrolada em um cobertor, na rua, como um embrulho. Estando sediada no Centro de Artes da Maré, o espaço também contribuiu para dar forma a esses seres “encantados”, uma constelação de vozes muitas vezes invisíveis à sociedade, mas que precisam ser ouvidas, ganhando assim corpo e rosto. Em resumo, Encantado reúne 11 bailarinos e 140 cobertores e repercute um comprometimento com a democratização da arte em um país tão carente de incentivo.

Dançarinos em cena de espetáculo Encantado, em turnê na Europa.

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