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Memória do Design

Isabela Capeto fala rápido, gesticulando, e transmite uma vibração contagiante quando revela seu processo criativo, nada convencional. A paisagem e as construções típicas do Cariri, no Ceará, os personagens das ruas do Rio, a paisagem estonteante da Baía de Guanabara emoldurada na janela e, acima de tudo, as artes plásticas são referências frequentes em suas coleções, que, assim como ela, não seguem moda ou tendência. São peças carregadas de brasilidade, de uma profunda pesquisa estética e da valorização do artesanal, do bordado, das estampas exclusivas. “Sigo na contramão da linguagem sexy. Minha praia é a mulher romântica, mas nem por isso menos sensual”, avisa ela.

“Não paro. Entro de cabeça em tudo o que me envolvo”, admite. Essa não-acomodação a levou longe: desde o curso de moda, em Florença, Itália, nos anos 1990, até as prateleiras de dezenas de lojas badaladas mundo afora. Hoje, depois de vender e recomprar sua marca (do grupo InBrands), abrir e fechar lojas no Rio de Janeiro e em São Paulo e ter enfrentado um incêndio de grandes proporções no antigo ateliê, ela se diz mais madura, feliz de conquistar a independência criativa, mas sem perder o frescor e a energia de antigamente. “Sou fascinada pelo processo de me reinventar. Isso traz um prazer enorme, como um desafio que sacode a vida e não deixa nada no lugar”, diz ela, que atualmente atende clientes e desenvolve suas coleções em um showroom em Botafogo, na capital fluminense, e comercializa as peças em multimarcas (Pinga Store) e online para todo o Brasil. “Ainda não voltei para o mercado internacional desde que recuperei a marca, em 2011, mas aguardem. Vai chegar a hora”, pontua.

Quase tudo que cerca Isabela reflete esse seu estilo irreverente e inquieto de ser. A começar pela arrumação de sua casa, cujos móveis e objetos ganham sempre novas roupagens e cores fortes.

Parte desse seu interesse pelo universo de decoração deságua nas parcerias que desenvolve com várias marcas. Recentemente, ela criou padronagens para uma coleção de porcelanatos da Ceusa – são três linhas e em todas o mix de tons vibrantes se destaca. “A inspiração veio de imagens que eu trouxe de uma viagem recente ao Cariri, no Ceará. Pesquisei também antigos desenhos de azulejos hidráulicos e acrescentei recordações de ambientes da minha infância, permeadas de memória afetiva”, explica ela, admitindo que produzir em collabs é um exercício que a desafia. “Sou adepta do design democrático

Decoradora buscou inspiração em viagem ao Ceará e em recordações de sua infância para produzir coleção de porcelanato para a Ceusa

e acessível. A pessoa pode não comprar uma roupa Isabela Capeto, mas consegue uma sandália de plástico assinada por mim ou até uma sacola de supermercado estampada com o meu traço. Essa versatilidade de universos me encanta”, revela.

O mesmo dom da criação e a paixão pela moda, Isabela transmitiu para a filha de 23 anos, Francisca, a Chica Capeto, formada em design. Em sintonia, mãe e filha apostam no artesanal, no bordado, nas estampas exclusivas, na irreverência com pitadas de romantismo. “Brinco que, para usar uma roupa da Isabela Capeto, tem que ter atitude. São criações que não somem na multidão. Minha última coleção foi inspirada nas PANCs, plantas comestíveis, com muitos modelos e uma paleta bem colorida. Agora estou desenvolvendo a que traz estampas que revelam o que chamo de Meu Rio, com personagens e paisagens marcantes da cidade em que vivo e amo”, conta ela.

Em geral, Isabela lança novidades para sua marca apenas uma vez por ano porque o envolvimento e o processo são intensos. “A sorte é que minhas roupas são atemporais, não perdem o frescor”, comemora a estilista, que acaba de completar meio século de vida com um recado: “Não virei careta. Sinto uma força e uma potência que me posicionam no mundo. E a liberdade de fazer o que eu bem entender”.

Porcelanato da Ceusa com mix de cores vibrantes desenvolvido por Isabela.

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Pioneira no universo do design e da arquitetura de interiores no Brasil, a revista Design & Interiores marcou época com profissionais que usavam o design como ferramenta na criação da identidade de marca.

POR JOICE JOPPERT LEAL

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Muito antes do surgimento das redes sociais e dos influencers, e a consequente pulverização da informação em todas as áreas na atualidade, o design ganhou uma publicação pioneira: a revista Design & Interiores. O magazine surgiu em junho de 1987, como um suplemento mensal encartado na edição 100 da revista Projeto. O cenário brasileiro dessa época era marcado pelos 25 anos da fundação da Esdi (Escola Superior de Design Industrial), o novato Prêmio Museu da Casa Brasileira, que estava em sua segunda edição, e a atuação pioneira do Núcleo de Desenho Industrial (NDI), que, desde a criação pelo empresário José Mindlin, me convidou para ser curadora e, posteriormente, diretora executiva do então Departamento de Tecnologia da Fiesp, mantendo parcerias e convênios com instituições importantes que tinham como objetivo estimular e melhorar a qualidade do design nacional.

À frente da empreitada da D&I estava o jornalista Vicente Wissenbach, o precursor de publicações especializadas em arquitetura. Primeiro com o Jornal Arquiteto e depois com a revista Projeto, periódico que se mantém até hoje como um dos mais importantes na América Latina, ao se firmar como registro histórico e de divulgação da produção arquitetônica nacional. “Como jornalista, sempre tive um contato muito grande com o IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil). No início dos anos 1970, as entidades de classe expressavam o pensamento da sociedade civil e desempenharam um papel político muito importante na luta pela redemocratização do país. Defendiam também a maior participação dos arquitetos no planejamento urbano. Além disso, por ser cunhado do arquiteto Alfredo Paesani, sempre convivi com muitos arquitetos, entre os quais João Batista Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha”, lembra Wissenbach.

Com essa bagagem, o jornalista fundou a Design & Interiores: a primeira revista brasileira especializada em design de produto e arquitetura de interiores, seguindo o modelo americano e europeu. “Na época, pretendíamos mostrar o que se faz de melhor aqui e no exterior na área do design industrial. De maneira sempre atualizada, acompanhando os avanços tecnológicos, as novas tendências e com o propósito firme de valorizar os profissionais do setor, mostrando como o design ajuda as empresas a vender e vencer. E também revelando a contribuição do design para o bem-estar das pessoas, livrando-se do estigma de mera maquiagem e coisa de elite. A revista D&I apoiou o design na conquista de seu espaço definitivo na cultura brasileira”, recorda-se.

Wissenbach convidou o jornalista Júlio Moreno para o posto de editor-executivo. “Na época, dividia meu tempo entre as redações da revista e do Jornal da Tarde. Como editor da revista, tenho orgulho da entrevista que fiz, no Rio de Janeiro, com o designer Sergio Rodrigues. Estava acompanhado pela jornalista Lenita Outsuka, redatora da D&I. Mesmo experientes, mas sabendo da importância dele, estávamos receosos, com certo nervosismo. Ele foi fantástico com sua acolhida e logo nos conquistou”, conta o jornalista.

Depois que Júlio Moreno, a revista teve como editoras Lenita Outsuka e Adélia Borges, que ficou no cargo até 1994, quando a publicação foi descontinuada. Ao longo de sua trajetória de pioneirismo, a D&I contou com a colaboração de outros nomes importantes em sua redação, como João Carrascosa, Claudia Ribeiro Ferraz e Marili Brandão, além de colaboradores de peso, como Lêda Brandão de Oliveira, Alessandro Ventura, Güinter Parschalk, Alexandre Wolner e Luiz Cruz. Em suas páginas, os brasileiros descobriam nomes de designers surgidos no cenário nacional, como Fulvio Nanni, Carlos Motta, Osvaldo Mellone, Paulo Segal, Denise Milan, Márcio Colaferro, Adriana Adams, Gilberto Franco, Esther Stiller, Luciano Devià, Gilberto Pacheco, Ari Beraldin e Rodolfo Scarpa, entre outros talentos.

Joyce Joppert Leal fundadora e diretora executiva da Associação Objeto Brasil e do Instituto Brasil Criativo.

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