Modas de macho Moda masculina é um assunto tão empolgante quanto complicado. Na última década, vimos os homens se libertarem de certas amarras fashion e ousarem mais no guarda-roupa. Calça skinny e camiseta rosa não são mais nenhum bicho-de-sete-cabeças. Ainda assim, sabemos que a moda masculina continua sendo um assunto periférico, principalmente se levarmos em conta a atenção dada à moda para mulheres. É por isso que nesta Edição de Luxo #3 (com mais páginas!) deixamos as mocinhas um pouco de lado e resolvemos falar para os meninos, com colaboradores que entendem muito do assunto. Os problemas da moda masculina já começam na nomenclatura: afinal, porque moda masculina não é apenas Moda? Essa é uma das questões levantadas pelo jornalista Vitor Angelo, que nos concedeu uma entrevista bem esclarecedora sobre o tema. Para abordar a situação brasileira, convidamos o jornalista Sylvain Justum, que faz um breve panorama do momento que estamos vivendo. Rogério Barros, do blog Cotelgramps, analisa os gêneros a partir dos movimentos culturais. Para fechar esta Edição de Luxo com chave de ouro, o macho exemplar Xico Sá nos presenteia com uma bela história a respeito de uma nova categoria de homens: os “brechossexuais”. Tudo isso e muito mais nas próximas páginas, porque moda é coisa de macho, sim senhor!
Aline Botelho & Thiago Felix Editores
BBBBBBBBBBB Mãos à obra A moda masculina brasileira tem tudo para repetir o sucesso europeu da última década. Falta aparar algumas arestas e azeitar a engrenagem Por Sylvain Justum “O homem é a nova mulher”. Talvez você tenha escutado essa frase ultimamente e, tirada de contexto, ela pode ter te levado a imaginar significados sexualmente pervertidos. Nada disso. O sentido aí é dos mais fashion e dá aos machões cada vez mais interessados nas direções tomadas pela moda global o alento de que boa coisa ainda está por vir. Explica-se. Tudo já foi testado e experimentado na moda feminina, que vive de releituras já há algum tempo, enquanto o segmento masculino conhece um boom criativo sem precedentes de dez anos para cá. No Brasil, naturalmente, a marola respinga com atraso e, por conta disso, ainda não atingimos totalmente a temperatura de ebulição. Existem avanços, sim, mas que dependem da combinação de alguns fatores para consolidar-se. E a nossa luta é para que isso ocorra, sempre com o objetivo de acrescentar pitadas de elegância e estilo ao homem brasileiro. Claro que não dá para cobrar a mesma cultura, a mesma cabeça aberta e naturalidade com que o europeu encara a moda. Estamos no Brasil, afinal, diriam os mais céticos. E, se mesmo no Velho Continente, cheio de história e tradição, os holofotes só se acenderam de verdade no início dos anos 2000 com o tsunami Hedi Slimane – à época
diretor criativo da Dior Homme -, tudo bem então estarmos “atrasados”, certo? Bem, sim e não. Quando a coisa aconteceu por lá, havia um cenário pronto esperando, aquele consumidor do início do parágrafo estava de braços bem abertos para receber as boas novas. Mas, mais do que isso, mídia e indústria entraram na engrenagem. ►
Por isso o slim pegou tão facilmente nas ruas de Paris, por isso o combo bermuda e blazer virou uniforme de gente interessante nos verões de Nova York e também por isso as cores invadiram de vez o closet dos milaneses. Cores, taí uma coisa que - pelo menos no discurso - nunca foi problema para os brasileiros, não é? De sangue latino como os italianos, somos efusivos, de personalidade extrovertida, portanto colorida. Mas, até pouco tempo atrás, rosa não podia. Era coisa de viado, de mulherzinha. Ai de quem se atrevesse a aparecer com uma pólo do tom da pantera, era excluído e apontado na rua como “o esquisito”. Felizmente, passamos desse estágio, os homens hoje adoram o rosa, viram que faz sucesso com as mulheres, mas ainda temos muito a fazer. Que tal se as revistas começassem a dar informação de moda de fato a seus leitores? Sim, porque o arroz-com-feijão, o costume com gravata ou o jeans e camiseta eles já veem na vida real todo santo dia. Podiam abandonar certos preconceitos também. Os homens enrosaram, mas “na capa da minha revista não entra!”. Ou “vamos usar modelos com cara de homem, que esse aí parece uma menina”. Que tal também se as grandes grifes que dominam o segmento saíssem da zona de conforto e pusessem em suas prateleiras algo além do trivial, de sucesso comercial garantido? Se a ideia assusta (“ah, mas meu cliente não vai comprar, vai espantar a freguesia”), então uma saída seria apoiar novos talentos, o que funcionaria como bom marketing inclusive. E que tal se a publicidade parasse de posar de moderna e pelo menos assumisse sua caretice, já que também recua diante do menor sinal
de fuga do convencional quando o assunto é moda e figurino? Apesar das barreiras culturais, do atraso da indústria – é notória a falta de mão-de-obra especializada, a alta carga de impostos e baixa qualidade de muita matéria-prima por aí – e da falta de visão dos formadores de opinião, acredito na moda masculina brasileira. O fato de tudo ser muito novo é extremamente positivo. Significa que há toda uma estrada a ser construída – e não remendada. Um bom começo é não subestimar o cliente, afinal ele já é responsável por 30% do movimento das clínicas estéticas. Moda, para ele, portanto, é fichinha. Estamos com a faca e o queijo na mão. Quem corta?
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Don Draper is the Man Por Aline Botelho
Quem é Don Draper? Essa é a pergunta feita no início da quarta temporada da série Mad Men (do canal a cabo americano AMC, transmitida no Brasil pela HBO) e é também a questão crucial para que possamos entender porque um personagem de TV se tornou uma figura masculina tão influente dentro da nossa cultura. Mad Men se passa na Nova Iorque da década de 60 e sua trama gira em torno do dia-a-dia da agência de publicidade Sterling Cooper, na Madison Avenue (“Mad Men” era o nome dado aos publicitários que trabalhavam nessa avenida). O show é centrado em Donald Draper (interpretado por Jon Hamm), o gênio criativo da empresa e a imagem perfeita do que os norte-americanos costumam chamar de self-made man, conceito ancorado na ideia do sonho americano de que qualquer pessoa, através de muito trabalho, tem condições de “subir na vida”.
Draper é um personagem bastante controverso. Seu nome na verdade é Dick Whitman, mas na tentativa de fugir de seu passado – especialmente de sua infância pobre e humilhante, na qual sofria abusos de seu padrasto alcóolatra – rouba a identidade de um tenente na guerra da Coreia, chamado Donald Draper, que morre em uma explosão. Daí para frente, acontece sua escalada para o sucesso. Absurdamente bonito, charmoso e bem vestido, ele é o estereótipo do homem branco americano de classe média da pós segunda guerra mundial. Regado a muito álcool e cigarros, transforma-se no que o escritor Tom Wolfe chama de “Master of the Universe”, um homem sem limites, que pode ter tudo o quiser, na hora que quiser, de mulheres a artigos de luxo.
Draper é tudo que um homem naquela época gostaria de ser, no entanto, se o personagem vivesse nos dias de hoje, seu comportamento seria repudiável. Infiel, é capaz de ser rude, preconceituoso e até de agredir mulheres. Apesar dessas características nada lisonjeiras, ele foi eleito o homem mais influente de 2009 pela Ask Men, na frente de “homens reais”, como o presidente Barack Obama e Steve Jobs. O motivo para isso? Segundo o próprio artigo da Askmen.com, a imagem de Don Draper é a representação de um ideal de masculinidade que não existe mais, um homem bem sucedido, provedor da família e que quer reconciliar seus conflitos morais e seus desejos. Ele ilustra não só antigos valores, mas também as dificuldades do homem moderno, com suas falhas e sua busca pelo equilíbrio. Talvez as mudanças na imagem masculina nas últimas décadas tenham sido muito bruscas para o homem médio. Don Draper, com seu terno e gravata e sua imagem de macho alfa, transformou-se em um porto seguro, em um ideário de masculinidade em que os homens de hoje podem se apegar. Interessante observar que, enquanto os homens têm se identificado com o personagem, as mulheres se sentem atraídas pela figura imponente de Draper. O personagem é o sonho das mulheres que dizem, “Não se faz mais homens como antigamente”.
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Está lançado o desafio para o homem moderno: tratar bem as mulheres e estar aberto para as novas expectativas de comportamento e vestuário, sem perder o “it” que faz de Don Draper a personificação da masculinidade.
Macho, moda e movimentos culturais Por Rogerio Barros Já há algum tempo, tem-se percebido uma movimentação reivindicatória no universo masculino: fazendo oposição aos metrossexuais, os retrossexuais fincaram bandeira no solo e exigiram o direito de ser homem. Recentemente, a Geil Magazine lançou uma campanha em que, na pauta, pedia-se: salvem os homens! Mas, o que é isso, companheiro?
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Diferente de pensar este pleito como o ressurgimento de um novo sexismo, é preciso analisá-lo como a necessidade de demarcação de fronteiras. Como em qualquer campo de batalha, ao final da guerra, territórios merecem ser nomeados pelo conquistador. O argumento que aqui vai se sustentar é o seguinte: macho e fêmea, no decorrer das décadas, ora foram surrupiados a partir de contestações de igualdade, ora demarcados, como necessidade urgente da existência de diferenças. Vamos à história?
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Década de 60-70: pleiteava-se que as representações monótonas do masculino e feminino caíssem ribanceira abaixo, demandando a universalização do guarda-roupa. A denúncia embutida era pelo fim do desmedido poder masculino que gera a guerra e a urgência que nova ordem se instalasse: a do amor plural. O avesso disso surge no final de 70 e início de 80, com a emergência do movimento anarco-punk. Quem vai dizer que o Johnny Rotten e o Sid Vicious não são machos?
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O começo dos anos 90 vem junto com a desilusão: sem oposição entre capitalistas e socialistas, paira no ar um tédio. O feminino aparece borrado e sem valor, e
o poder do machão destruidor punk cede lugar ao niilista nostálgico grunge. O casal Kurt Cobain e Courtney Love expressam como nenhum outro a cena indumentária da época: baby doll rasgado e camisa de lenhador por demais folgada para aquele homem pequeno. Já ao final da mesma década, prevalece o New Metal com o seu grunhido forte e a exarcebação masculina empoderada outra vez. E daí veio o Emo, as franjas em meninos e meninas, as calças skinny, o sofrimento masculino com ares feminilizados... Haja ciclos!
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O que se percebe é que a alteridade macho e fêmea está sempre em pauta: seja na horizontalidade em que todos, em comportamento ou vestimenta, têm direitos iguais, seja na verticalidade, em que ressaltam-se as demarcações que distinguem homens e mulheres. Para o tempo em que mulheres usam a calça boyfriend e homens se depilam – marca anatômica que distingue os sexos -, alguns respondem com um pedido: deixem os homens serem homens.
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Se o pensamento de Judith Butler, filósofa francesa, aponta que os gêneros homem e mulher são performances - sobretudo, no vestir e no comportar -, como ouvir esta nova demanda social? Talvez, traçar a igualdade dos gêneros não resulte em algo proveitoso, mas equivalê-los possa ser mais enriquecedor. Urge, na contemporaneidade, não o gosto pelo homem de outrora, enrijecido em sua representação, mas o desejo de um novo homem, flexível e seguro da ordem dos sexos: há diferenças!
Edição de Luxo entrevista: Vitor Angelo A moda masculina sempre nos suscitou muitos questionamentos envolvendo, principalmente, gênero e sexualidade. Para dar conta dessas e de outras inquietações nossas sobre o tema, nosso entrevistado da vez é o jornalista Vitor Angelo. Autor de um dos melhores e mais influentes blogs de moda do Brasil, o Dus Infernus (http://dusinfernus. wordpress.com), atualmente escreve para o Portal Vírgula e é colaborador da Folha de S. Paulo (onde já assinou a inovadora Coluna GLS, da revista da Folha, extinta em abril desse ano). Vitor também é autor de “Aurélia - A Dicionária da Língua Afiada”, onde reúne gírias gays.
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Qual a importância da moda na diferenciação entre os gêneros masculino e feminino? Existe um movimento na moda que reforça os gêneros e outro que reforça a individualidade. O primeiro se encaminha em um terreno mais conservador (que utiliza a moda como instrumento para diferenciar classes, gêneros e sexualidades) e o outro mais progressista, que trouxe nos anos 60 o unissex – talvez um evento que a moda deu muito pouca importância, tamanha a sua verdadeira carga de potencialidades –, por exemplo, a camiseta é unissex e talvez o artigo mais democrático hoje em dia e o que pode gerar mais individualidades. O jeans perdeu esse caráter ao tentar ser um novo-rico da moda, com esse tal de jeans premium. Ao mesmo tempo em que diferencia, a moda é também capaz de assemelhar. Você acha que a eterna profecia da androginia vai se cumprir? Isso já está acontecendo? A androginia é um conceito da primeira linha
que disse acima – o movimento de moda que diferencia sexualidades, a que reforça os gêneros. Acredito mais em indivíduos acima de gêneros e sexualidades e nesse conceito a androginia, a calça boyfriend, o masculinofeminino é coisa obsoleta. Pensando historicamente, a gente fica com a impressão de que os homens sempre foram mais livres que as mulheres, mas você não acha que existe uma inversão quando o assunto é o guarda-roupa? Qual seria o motivo, ou pelo menos o motivo mais interessante para isso? O mundo é dos homens, então mesmo dentro desse primeiro movimento de moda, a que reforça gêneros, é muito saudável as mulheres invadirem os guarda-roupas masculinos para simbolicamente tomarem seu poder também. O que acontece com a moda ser o terreno das mulheres é porque do mesmo modo que o carnaval é um mecanismo de escape contra a opressão sexual, a moda é um mecanismo de escape contra a opressão do gênero masculino sobre o feminino. São brechas que os dominadores podem legitimar o seu poder. Uma observação: muitos historiadores da moda falam da moda como terreno da fantasia, talvez haja alguma ponte que explique sua correlação com o carnaval e o terreno da fantasia dessa manifestação. Na nossa cultura, a representação escancarada do corpo masculino como objeto de desejo é algo bastante novo. Ainda assim, na moda, essa exposição costuma se dar por um viés gay. Como você vê a erotização do corpo masculino e sua relação com o olhar feminino? Foram os gays e, portanto, os homens que liberaram o corpo masculino e o transformaram em objeto.
Você acha que - quando falamos de moda para homens - podemos falar de uma moda gay e outra hétero (sendo que a primeira é muito mais livre)? Como você acha que elas se relacionam? Bom, se pensarmos naquela primeira linha de movimento da moda, a que separa a roupa por gêneros, pode-se pensar em uma moda para gays, mas o detalhe é que com a individualização da moda, a cada dia essa tal “moda gay” vai ficando mais tênue. A cor rosa era código relacionado aos gays, hoje os héteros a usam, a camiseta justa era algo relacionada ao gays e hoje os héteros a usam, a musculação em massa que começa nos anos 80 foi difundida pelo gays e hoje os héteros a fazem, o uso de cremes era algo relacionado aos gays e hoje muito héteros usam. Enfim, como na moda o homem é menos livre que a mulher, ele assalta o “guarda-roupa” do “gay” (preconceituosamente relacionado ao lado fêmea) para ganhar mais liberdade. Apesar de que essa visão fará pouco sentido quando a moda que se cola no indivíduo preponderar. Quais são seus ícones de moda masculina? A moda de rua sempre, dos office boys, dos rappers, dos skatistas, dos roqueiros, do pessoal da música eletrônica, dos clubbers... O que você acha da idéia de Paulo Borges de concentrar os desfiles de moda exclusivamente masculina no Fashion Rio? O Paulo é uma pessoa com visão além do alcance, mas eu vendo agora, acho forçação de barra para justificar dois eventos que não têm razão de ser, já que a boa moda brasileira é difícil de encher um line up, imagina dois. Alcino Leite Neto constantemente critica a quase hegemonia de uma moda mascu-
lina adolescente no Brasil e a carência de marcas dispostas a criar moda para homens. Você concorda com isso? Concordo e a razão disso está em dois dispositivos: a falta de cultura de moda dos homens brasileiros e a nossa vocação sportwear. A América, portanto o Novo Mundo, é a negação do terno, das regras de conduta do bem vestir masculino – os homens do Brasil - em sua maioria - nem sabem quando um blazer está com caimento bom ou não se vendo no espelho vestindo um. A moda no Brasil é adolescente, podemos dizer que é uma moda informal, mas mesmo assim pode agradar também o adulto, aliás agrada. Acredito que seja uma razão de mercado e deriva da postura do brasileiro em relação ao informal, ao sportwear, de se sentir mais ligado com o casual do que com o formal. Tenho pra mim que João Pimenta está propondo uma grande mudança na concepção de moda masculina, com sua pesquisa da silhueta feminina dentro do guarda-roupa masculino. O que você acha do trabalho dele? Tenho uma grande admiração pelo João Pimenta, assim como também é importante ressaltar o trabalho do Victor e Rogério da Vrom no final dos anos 90 e começo dos 2000. Eles trouxeram novas idéias, brincando com o sartorial e o streetwear. Mas voltando ao João, eu escrevi sobre ele para o Uol depois de seu último desfile na Casa de Criadores. Fora de qualquer limite da realidade, como você gostaria que fosse a moda masculina? Queria que a moda masculina fosse apenas MODA.
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Sub-cultura dos anos 30 e 40: Zoot Suit Por Aline Botelho O conceito de antimoda costuma dizer respeito à moda de rua, principalmente da forma como ela surgiu nas décadas de 50 e 60 com as tribos jovens, como os mods, beatniks, hippies etc., que criavam um estilo que não seguia os moldes da passarela, mas sim os signos que cada grupo compartilhava. Porém, nas décadas de 30 e 40, existiu uma autêntica antimoda quando ainda nem se usava esse termo - eram os chamados zoot-suiters. Nos Estados Unidos, jovens negros e hispano-americanos do Harlem, em Nova Iorque, e de Los Angeles não sentiam que a
Jovem trajando um zoot suit
Segunda Guerra Mundial dizia respeito à realidade em que eles viviam. Nesse contexto de segregação racial e marginalização do final da década de 30, popularizou-se entre os jovens das minorias um estilo antipatriótico que se valia de uma grande quantidade de tecido, indo contra a austeridade e as regras de racionamento impostas pelo governo norte-americano durante a mobilização bélica do país. As jaquetas iam até os joelhos, os ombros eram enormes, as calças super largas tinham pregas e a cintura ia quase até o peito. De fato, era tudo o que as regulamentações contra o uso excessivo de tecido diziam para não fazer. Para combinar com o exagero das roupas, usava-se sapatos pontudos, longas gravatas, correntes penduradas e chapéus bem grandes. O estilo era visto como algo tão ofensivo que constantemente os zoot-suiters eram espancados por policiais, que os consideravam cidadãos fora da lei com seus ternos
Charge de Willard Mullin retrata um zoot-suiter
subversivos. Em Los Angeles, os confrontos de 1943 entre oficiais da marinha e zoot-suiters hispano-americanos ficaram conhecidos como Zoot Suit Riots.
chamados Teddy Boys adaptaram os zoot suits ao seu estilo edwardiano, adicionando lapelas de veludo, coletes e bootlace ties.
A influência zoot, associada ao jazz, não tardou em chegar à Europa. Em Paris, durante o regime Vichy da ocupação nazista, jovens rebeldes, afins ao swing jazz, ao bebop e ao estilo zoot, eram chamados de zazous. Os garotos usavam ombros bem grandes, jaquetas quadriculadas compridas e calças justas. As garotas vestiam meias listradas, mini-saias e casacos de pele. Tanto os homens quanto as mulheres usavam óculos escuros e carregavam guarda-chuvas. Na Inglaterra dos anos 50, os
Mais tarde, o zoot suit foi adotado por astros de Hollywood que curtiam fazer a linha bad boy, como Frank Sinatra e seus colegas do Rat Pack. Filmes de gangsters popularizaram e glamurizaram essa silhueta. Até hoje o estilo é associada a mafiosos e malandros nos filmes e no imaginário coletivo. Alguns exemplos notórios com referências zoot são os filmes Dick Tracy (1990), O Máscara (1994), Dália Negra (2006), e o figurino de Michael Jackson e seus capangas em Smooth Criminal para o filme Moonwalker (1988).
Caricatura de um típico zazou
Episódio dos Zoot Suit Riots
O século que levou os homens Por Thiago Felix É um pouco confuso lidar com o fato de que é imensamente mais fácil reconhecer que definir. Qualquer um de nós pode, por exemplo, identificar a letra “a”, mas quem poderia facilmente defini-la? É curioso ver como os gêneros têm um lugar especial entre essas coisas que evidenciam a constrangedora distância entre identificar e conceituar - porque qualquer criança pode diferenciar um homem de uma mulher. Nós percebemos - e julgamos - o que é um homem, ou o que seria masculino, mas essa facilidade não nos aproxima em nada da resolução do problema que é defini-lo.
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A utilidade de definir um dos gêneros é completamente discutível, mas sempre sobra o desafio de identificar este gênero que foi redefinido pelo século que passou. Se pensarmos sob o ponto de vista da intensidade das transformações, o século XX pode bem ser considerado uma era; uma era que foi difícil para a masculinidade: os homens foram os vilões da revolução de costumes que buscava a igualdade entre os sexos. Da mesma forma, em outros fenômenos que causaram profundas e irreversíveis mudanças de comportamento, como o rock’n’roll e o movimento hippie, a figura do adulto do sexo masculino como ela tinha se estabelecido foi, no mínimo, reprovada.
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Parece que a liberdade, das mulheres, de fazer sexo e de viver a juventude tirou do homem alguma coisa fundamental. Até certo
momento da nossa história, a liberdade era o destino dos que envelheciam, conquistavam autonomia financeira e maturidade para tomas suas próprias decisões; mas a partir do momento em que a liberdade passou a ser sinônimo de juventude, as pessoas precisaram cada vez mais se sentir rejuvenescidas, e os homens ficaram cada vez menos “senhores” ou “lordes”. Desde que isso aconteceu nunca mais se viu andando nas ruas um “homem clássico”.
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O rock foi uma das manifestações associadas à última grande atualização no guarda-roupa
12 e na postura masculinos, mas o rock trouxe também ambiguidade, agressividade e rebeldia demais, de modo que, ao atualizar a idéia do homem, ele também a distanciava da antiga idéia de masculinidade. O terno-e-gravata, que antes vestia distintos cavalheiros como o indefctível Atticus Finch (interpretado por Gregory Peck na adaptação para o cinema, de 1962, do romance O Sol É Para Todos de Harper Lee), passou a vestir os desinteressantíssimos yuppies, virou farda insossa de executivos, para terminar sendo multiplicado no cinema em milhares de agentes Smith - personagem muito apropriado para ilustrar descaracterização e perda de identidade.
O cinema é onde melhor podemos identificar a forma como a identidade masculina atravessou este difícil século. É pelas mãos de um autor notadamente homossexual que vimos a respeitabilidade e a polidez dos cavalheiros deixadas de lado para Marlon Brando encarnar (primeiro nos palcos, por escolha do próprio Tennessee Williams, e depois no cinema) a figura erotizada de Stanley Kowalski em Um Bonde Chamado Desejo (1951). A partir dali se inaugurava uma época diferente em que o charme e a elegância de Humphrey Bogart teriam que competir com a erotização do corpo masculino (não só por parte de gays, como das mulheres-livres). Mas não podemos esquecer da confusão que a figura rebolativa de Elvis Presley, do alto de sua instantânea majestade, deve ter causado. Até o cowboy, último grande ícone da macheza, vimos ser desmontado por ideias como a do Village People, antes mesmo de chegar ao cinema pelas mãos de Ang Lee, com Brokeback Mountain (2005), para se estabelecer de vez no ideário homossexual.
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Depois do século XX não existe mais no homem um lugar para o antigo homem, e é por isso que não existem mais galãs como os da era de ouro de Hollywood. As transformações que tornaram o mundo um lugar melhor também o tornaram impossível para o Herói masculino. Seja lá o que for, o que vier para definir o homem do futuro (ou do nosso tempo) não poderá mais estar tão longe da homossexualidade, da valorização da mulher, da inegável vulnerabilidade de cada ser humano e de todas as outras coisas que tornam o mundo tão difícil quanto fascinante.
Mistérios do brechossexual Por Xico Sá* Depois do metrossexual e do übersexual – que também se lambuza de creminhos, mas é mais homem, como o clichê George Clooney, sabe? – estamos diante do brechossexual, aquele que simplesmente se veste com roupas à moda antiga, sempre na estica de brechós. E o problema desse novo tipo de macho é exatamente esse: seu passado o condena.
Até que arranquei a desalmada veste, vupt, e joguei com força no chão. No que a camisa, vocês não acreditam, ganhou vôo próprio e dependurou-se sozinha lá no cabide ao longe. “Vôti”, balbuciei, e ali mesmo se foi o ser erétil que me habitava. Pelo vôo da camisa, ou o defunto era goleiro dos bons, à Mazurkievski, ou trapezista, e do Cirque du Soleil, no mínimo.
Ele não tem nem culpa, mas os trajes, roupas de desconhecidos e até de respeitáveis defuntos, acabam não deixando a clássica herança, à Brás Cubas, “que a terra lhe seja leve”. Muito pelo contrário, dizem os vermes que roerão o seu pobre cadáver.
E histórias do gênero não faltam. Um amigo comprou um sapato que sempre queria ir para o lado contrário. Ele queria “tomar uma” e o pisante desobedecia no rumo de casa. Devia ser de um religioso, um respeitável abstêmio, um evangélico de responsa, um monge tibetano...
O novo termo surgiu num banquete madrugador e nada platônico entre JR Terron, Ronaldo Bressane e este que vos sopra o cangote. Bressane, no caso, seria o legítimo representante da referida neobossa. Mas confesso que já vivi um tanto na pele de um brechossexual também. Até que me veio a hora do espanto. Minha linda camisa colorida, que cobria uma velha dor, começou a aprontar. Nesses tempos de vidas passadas em alta, pensei logo nas feições do morto que um dia a vestiu. O vento, numa noite em que nem uma folha se mexia, balançou logo as cortinas. Parecia conto G.K. Chesterton, escriba de malassombros tantos. Eu com uma bela afilhada de Balzac, serena e sábia no ritmo do desejo, e a camisa sem querer sair das minhas costelas. O diabo da estampa tinha vida própria e se agarrava ao meu esqueleto do semi-árido como em espinhos de cactus e mandacarus tantos.
As fêmeas também são vítimas de tais marmotas. Uma amiga aqui de São Paulo comprou um vestido que subia, com ou sem vento, na primeira esquina. Nas festas, então, algo soprava de baixo como na cena clássica de Marilyn Monroe. Teria pertencido,por acaso, a Del Fuego, à Rose de Primo no auge, à Marquesa de Santos? Ah, velho e bom Kardec, não apenas os corpos, mas também as vestes, carregam mistérios que os homens modernos desconhecem.
*Xico Sá é autor de “Chabadabadá – aventuras do macho perdido e da fêmea que se acha” (ed.Record,2010) e “Modos de macho & modinhas de fêmea”(Record,4ª edição,2009), entre outros livros.
Sobre os autores Aline Botelho e Thiago Felix se conheceram na faculdade de jornalismo, onde descobriram um interesse comum por moda e cultura pop. Separadamente, trabalharam em editorias de moda e cultura; juntos, cobriram a temporada Verão 2010 para o site Erika Palomino. Desde 2008, publicam seus escritos no blog Duo de Luxo (http://duodeluxo.wordpress.com), dedicado a explorar a moda enquanto fenômeno cultural. Cansados da mesmice da blogosfera, resolveram lançar uma publicação impressa, a Edição de Luxo.
Editoria e Redação Aline Botelho e Thiago Felix Projeto gráfico Diego Almeida (digiego@gmail.com) Colaboração de Texto Sylvain Justum (http://colunistas.ig.com.br/hypercool/) Xico Sá (http://carapuceiro.zip.net) Rogerio Barros (http://cotelgramps.blogspot.com) Sugestões, críticas, dúvidas, pedidos de envio, escreva para: duodeluxo@gmail.com Siga-nos no twitter: @edicoesdeluxo Acesse: http://edicaodeluxo.tumblr.com Encontre as Edições de Luxo em São Paulo nos locais: Acervo Aberto para Isabela Capeto, R. da Consolação, 3358 Galeria Vermelho, R. Minas Gerais, 350 Surface to Air, Al. Lorena, 1985
“Frankly, my dear,
I don’t give a damn”