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Apresentação
Sumário
Olá! Nesta edição pós-Halloween da Revista
Crônica: Você tem medo de que?
Real, serão apresentados contos e crônicas de
4
horror e suspense. Também será falado sobre o
O Fascínio do Medo
fascínio do medo.
7
Agradeço a todos que se voluntariaram e acreditaram nesse projeto. Aos leitores,
Conto: Um encontro renovador 11
espero que gostem do conteúdo e divulguem o
Conto: A sombra
nosso trabalho.
14
E você que deseja colaborar com a revista nas próximas edições, entre em contato
Conto: Os abismos da loucura 18
conosco!
Recomendações
27 www.revistareal.weebly.com
Parceiros 29
Davilan Vilela Diretor
Revista Real Em nome da nobre literatura nacional
DIRETOR Davilan Vilela REVISÃO Gabriel Carramenha Peev Marina Ridente Herrador Natali de Lima Sorrentino
COLABORADORES Artemise Galeno Carina Pilar Renata Mohr Rhuan Rousseau Zoraya Cesar IMAGENS / ILUSTRAÇÃO Imagens de domínio público ENVIO DE CONTEÚDO contatoedicoes@gmail.com
A responsabilidade pelo conteúdo dos artigos assinados, vincula-se integralmente a seus autores.
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Artemise Galeno fb.com/galeno50 Crônica Você tem medo de que?
Enquanto todos dormem, tremo de pavor. As luzes apagadas dão-me sensação
de
estar
perdida,
sem
direção. O medo impera e eu viajo além da imaginação.
Acordo em sobressalto. Minhas mãos suam, minhas pernas tornam-se
Os passos estão mais fortes.
fracas. Não consigo parar de tremer e
Meu coração acelera, parece que quer
vagarosamente consigo apalpar o
sair do meu peito. Alguém empurrou a
colchão para me certificar se tem
porta e entrou no meu quarto.
alguém ao meu lado. Respiro aliviada. Mesmo assim meu coração acelera. Ouço
passos
vindos
em
minha
direção. Não quero olhar, cubro-me com meu lençol, temo ver qualquer coisa que eu não desejaria ver.
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Fecho os olhos fortemente. Aperto meus lábios. Minha respiração está ofegante, sinto alguém puxando meu lençol. Não quero ver, mas algo mais forte faz-me eu abrir os olhos então me deparo com o rostinho da minha mãe que ligara a luz e cobria meu corpo, como ela faz quase todas as noites. E você já passou por uma situação destas? De que devemos ter medo e não temos? Medo do escuro? Das maldições? Do grito que vem do nada? Ou do ser humano quando tem ódio no coração?
Daquele que é hipócrita e finge estar tudo bem? Desses... Tenho medo.
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Renata Mohr fb.com/ravenata O Fascínio do Medo
Via de regra, sentimos medo
algo ruim está para acontecer?) ou
quando nossas vidas se encontram de
daquilo que sabemos não ser uma
algum
Por
ameaça real a nossas vidas (já se
desencadear reações instintivas de
perguntou por que temos tanto medo
preservação da vida, como a de luta e
de baratas, por exemplo?).
modo
ameaçadas.
fuga, o medo está relacionado a uma série
de
reações
fisiológicas
desagradáveis, como a aceleração dos batimentos
cardíacos,
a
hiperventilação e o aumento da sudorese — em resumo, tudo aquilo que permite ao organismo uma maior disponibilidade
de
energia
para
enfrentar o perigo ou dele correr.
Mas, seja o medo ocasionado por um perigo iminente, como um estranho a invadir nossas casas, ou apenas percebido, como no caso das fobias,
as
mesmas
desencadeadas.
E,
reações
são
convenhamos,
tanto a entrada de um ladrão quanto a de um bando de pássaros em nossas salas de estar são pratos cheios para a Algumas
vezes,
porém,
sentimos
medo daquilo que não podemos definir (já teve aquela sensação de que
ficção de terror, seja na literatura ou no cinema.
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Então vamos lá: se o medo nos
Nos artigos de O
causa tantas reações desagradáveis,
zen e a arte da es-
por que ativamente procuramos por
crita, Ray Bradbu-
ele na ficção?
ry nos conta um
Uma das respostas possíveis
pouco sobre seu processo
uma espécie de aprendizado vicário,
remexia na minha mente buscando
onde, através de situações hipotéticas,
palavras que pudessem descrever os
aos poucos nos preparamos para as
meus pesadelos pessoais, os medos
situações reais. Aqui entra o velho
noturnos e da minha infância, e
ditado:
mata,
moldava histórias com base neles‖. O
nos
autor tinha o hábito de escrever listas
―o
fortalece‖
que —
não nesse
nos caso,
de
criação:
―Primeiro,
está no enfrentamento do medo e em
fortalecemos psicologicamente e, em
de
substantivos
e,
em
seguida,
teoria, nos tornamos mais aptos a lidar
transformar tais palavras em contos
com os estressores do mundo real.
que lidavam diretamente com seus
Mesmo quando a raiz do medo não é
medos mais profundos.
facilmente identificável no mundo
Tomando outro
(em outras palavras, quando lidamos
escritor
com
assim
exemplo, Edgar
certa
Allan Poe imor-
vitória sobre aquilo que nos oprime. A
talizou em suas
as
fobias),
experimentamos,
na
ainda ficção,
como
literatura nos proporciona, assim, uma válvula de escape para os medos
histórias
um
medo
bastante
irracionais, sejam eles da infância ou
disseminado na Inglaterra vitoriana: o
da vida adulta, em um sistema que
de ser enterrado ou emparedado vivo,
funciona tanto para leitores quanto
devido a uma condição denominada
para escritores.
catalepsia — algo que, hoje em dia, em pouco ou nada nos preocupa (em-
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bora a claustrofobia permaneça entre
das vezes, experimentamos momentos
as fobias mais comuns), mas que
de puro prazer em face do medo. Algo
reflete
semelhante
ocorre
radicais
em
muito
bem
os
aspectos
psicossociais da época de Poe.
e
nos
outros
esportes tipos
de
Outra possível explicação para
aventuras perigosas... e por que não na
nosso fascínio pelo medo na ficção
literatura, que nos permite vivenciar
reside no fato de que nossas reações
as experiências mais diversas sem
fisiológicas podem ser interpretadas
deixar o conforto de nosso lar? Sendo
de maneiras diversas. Em outras
assim, temos no terror uma fonte de
palavras, o famoso ―frio na barriga‖,
diversão
por ser resultado de uma descarga de
qualquer outro gênero literário — e
adrenalina, está presente tanto em
para os mais aventureiros entre nós,
situações de risco quanto de intensa
talvez ainda mais válida.
euforia. Se, diante de um perigo real,
tão
válida
quanto
em
Para finalizar...
é um tanto difícil interpretar este sinal do corpo como algo positivo, essa interpretação
se
torna
bastante
simples, digamos, quando aguardamos por um passeio em uma montanharussa.
Sim, o medo está lá, e por vezes pensamos em desistir, mas ele logo se transforma em excitação e, na maioria
Vou deixá-lo agora no topo da sua própria escada, leitor, meia hora depois da meia-noite, com um bloco de papel, uma caneta e uma lista a ser feita. Conjure os substantivos, desperte o self secreto, saboreie a escuridão. A sua própria Coisa está esperando no caminho das sombras do sótão. Se você falar com delicadeza e escrever toda palavra antiga que quiser fazer pular de seus nervos para a página... A Coisa no topo da escada em sua noite solitária... pode muito bem descer.¹ ¹ Corra, pare, ou a coisa no topo da escada, ou novos fantasmas de mentes antigas, Ray Bradbury,1986.
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Carina Pilar carina@carinapilar.com Conto Um encontro renovador O lugar é lindo, um parque em
próxima ao centro da cidade não
uma área verde grande e longe do
estavam indo bem. E meu melhor
centro da cidade. Calmo, com uma
amigo acabara de se mudar para um
variedade de belos pássaros, um
estado do outro lado do país. O que
pequeno
com
mais? Voltei a beber. Ultimamente
tartarugas e patos. Haviam trilhas em
estava tudo indo mal. Não tinha
todo o contorno do parque, com
vontade para fazer mais nada, não
bancos aconchegantes que serviam de
sentia mais prazer nas coisas.
lago
ao
fundo,
descanso para os atletas e calmaria para os casais românticos. Eu costumava frequentar aquele
Em um determinado dia acordei com uma forte sensação. Algo me dizia que deveria ir até aquele parque
lugar pela manhã, um pouco depois
novamente.
Levantei,
não
muito
que o sol surgia no horizonte. Quando
motivado e me sentindo cansado, a
o ar estava fresco, agradável e com
insônia me visitou naquela noite.
aquele cheirinho de um novo dia. O
Troquei de roupa, fui até a cozinha,
parque geralmente estava vazio e
peguei uma fruta e uma garrafinha de
quieto, excelente para meditar.
suco da geladeira e sai de casa em
Fazia tempo que não ia até
direção ao parque. Caminhei pela rua,
aquele lugar. As coisas não estavam
era cedo e parecia que não havia
indo bem. Poucas semanas atrás um
ninguém acordado. Senti a brisa
relacionamento de mais de cinco anos
fresca da manhã, fazia tempo que não
havia terminado de uma forma não
experimentava
amigável. Os negócios na minha loja
Mas aquela vontade de voltar para
aquele
sentimento.
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casa, voltar para cama e dormir ainda
muito a sua falta. Não acreditei no que
gritava lá dentro. Segui em frente e
estava vendo. Meu coração acelerou e
cheguei no meu destino. Escolhi um
o tempo pareceu parar. — Como isso é possível? –
banco próximo de uma árvore e com vista para o lago. Sentei ali e relaxei.
Perguntei. — Seu coração me chamou, você tem sofrido muito. –Respondeu com um tom que fazia eu me emocionar. Ela estava linda, com uma aparência jovem e usando um lindo
Parecia que naquele lugar nada poderia problemas
me
atingir,
ficaram
todos
para
vestido branco que voava com aquela
os
leve
A
aproximou, sentou no banco ao meu
trás.
tristeza permanecia, mas lá no fundo, adormecida. Ouvi um barulho ao lado
brisa
da
manhã.
Ela
se
lado e segurou minhas mãos. — Meu filho, você tem que lembrar que essa vida é passageira e
da árvore e me virei. — Mãe? É você? – Falei,
você tem muito a aprender com ela.
sentindo uma lágrima escorrer pelo
Todos nós somos seres vibráteis e
meu rosto.
tudo que você sente e deseja vem até
— Oi filho, não tenha medo, vim aqui te reconfortar. – Falou ela. Minha mãe havia falecido há
você. – Explicou ela. — Como assim? – Questionei. —
Enquanto
você
pensar
mais de quinze anos, era uma das
somente no pior, você irá atrair
dores que me acompanhavam e
somente coisas ruins. Pode parecer
pareciam nunca curar. Éramos muito
complicado e difícil, mas vim aqui
próximos,
para te ajudar. – Continuou a dizer,
fazíamos
tudo
junto,
conversávamos o tempo todo. Sentia
enquanto minhas lágrimas escorriam.
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— Você deve direcionar seus pensamentos para coisas boas, pensar no que você deseja na sua vida e esquecer aquilo que você imagina estar fazendo falta. Pense positivo que as coisas começaram a aparecer no seu caminho. Acredite em mim. – Falou ela serenamente. — Eu acredito minha mãezinha. – Respondi. Ela me deu um beijo na testa, eu fechei os olhos e quando abri novamente ela tinha desaparecido. Uma tranquilidade tomou conta de todo o meu corpo. Enxuguei as lágrimas do rosto e me levantei, cheio de esperança e pronto para iniciar uma nova vida.
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Zoraya Cesar
Texto originalmente publicado em:
zoraya.cesar@gmail.com Conto
www.cronicadodia.com.br
A sombra Tudo começou poucos dias antes
do
casamento.
Durante
acordado dessa vez, por gritos altos e
a
estranhos, mais pareciam uivos. Ele
madrugada, violentas batidas na porta
nem se deu ao trabalho de chamar o
acordaram Cristiano, que, ao espiar
zelador; escancarou a porta, pronto
pelo olho mágico, nada viu que
para dar uma lição no engraçadinho,
pudesse provocar tamanho barulho
pronto para qualquer coisa, menos
nem fazer a porta tremer de maneira
para aquilo: à soleira, estava a enorme
tão forte. Intrigado, pediu para o
sombra de um homem, que, ao abrir a
porteiro subir e averiguar o que estava
boca vazia de dentes, exalou um odor
acontecendo, mas, estranhamente, o
tão
empregado nada viu nem ouviu.
desmaiou antes mesmo de fechar a
fétido,
que
Cristiano
quase
porta com um estrondo. Mais uma vez, nem porteiro nem vizinhos viram ou ouviram qualquer coisa, e as câmeras de segurança nada registraram. Trancado em casa, acendeu todas as luzes, Cristiano voltou para a cama convencido de que se tratava de alguma brincadeira dos amigos, uma espécie de despedida de solteiro, já que ele não quisera fazer nada. Mal pegou no sono, e foi novamente
aterrorizado. Estaria ficando louco? Logo agora que finalmente conseguira se dar bem na vida? Se a noite foi um tormento, o dia não foi melhor. Ele via a sombra segui-lo por todo lado, e seu cheiro
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pútrido
causava-lhe
náuseas
vorado. Não fazia a mínima idéia do
fingir
que estava acontecendo, mas sabia
seu
que tinha de casar com Laura dali a
comportamento estranho era excitação
dois dias ou estaria arruinado. Passara
pela
casamento,
dos 30 anos, não ficaria bonitão para
principalmente para enganar o patrão,
sempre - e envelhecer ou enfear
nada menos que o próprio pai da
podem ser fatais para um homem cujo
noiva.
principal talento consistia em seduzir,
insuportáveis.
O
pior
convincentemente
era que
proximidade
do
Ao chegar em casa, Cristiano tomou
imediatamente
calmantes
tarja
um
preta.
desses
Todas
as
adular, trapacear. Foi assim que subiu na empresa e conquistou patrão e filha.
Foi
assim
que convenceu
sombras do mundo podiam derrubar a
Viviane, tão mais velha e esperta que
porta, uivar como lobos enfurecidos,
ele, a sustentá-lo vários anos, só para
que ele não ouviria, tão profundo o
largá-la cheia de dívidas na primeira
sono causado pelo remédio.
oportunidade. Afinal – esse era o seu
Antes
não
dormisse.
Os
pesadelos começaram leves: num, a
lema -, ele não seria jovem para sempre.
sombra o sufocava; noutro, arrancava seu
coração
depois,
Cristiano não saiu de casa, e quando a
amarrava Cristiano de cabeça para
noite chegou, trazendo o medo junto
baixo e assava-o... e daí para pior. Ele
com ela, Cristiano acendeu todas a
urrava em seu sono, de puro terror,
luzes, ligou a televisão e o rádio ao
mas não conseguia acordar, por causa
mesmo tempo e tomou litros de café,
do sonífero.
álcool
Quando
pela
o
boca;
O dia anterior ao casamento,
efeito
passou,
e
acordado
energético e
evitar
para os
ficar
horrendos
Cristiano despertou, arrasado. Sua
pesadelos de novo. No entanto, à
cama estava imunda de suor, urina e
medida que o tempo passava, sem
fezes, e ele jamais se sentiu tão apa-
pesadelos, aparições, sombras, odores
P á g i n a | 16
putrefatos, nada, Cristiano foi se
feridas vermelhas tinham se espalhado
acalmando. Depois de casar com a
pelas mãos e rosto, não mais tão
chata da Laura, pensou, eu procuro
pequenas, e, agora abertas, deixavam
um psiquiatra.
escorrer livremente o líquido - já mais
Sem dormir, sem comer e cheio
escuro e fedido -, dando a Cristiano
de estimulante nas veias, Cristiano
uma aparência de morto em estado de
amanheceu
putrefação.
arrasado,
mas
feliz.
Convencera-se de que tudo não
Casamento
desfeito,
sem
passara de fruto de sua imaginação,
amigos, sem emprego, sem nada, sem
exaltada com o desenlace promissor
a aparência sedutora, que tanto lhe
de todos os seus planos e artimanhas.
valera todos aqueles anos. Nada mais
Foi durante o banho que ele reparou em sua pele, toda marcada por pequenas
feridas
lhe restara, nem mesmo Viviane, que sumira sem deixar vestígios.
vermelhas,
Enquanto o mundo de Cristiano
pontinhos que exsudavam um líquido
ruía, uma mulher, vestida de roxo e
claro e um tanto viscoso. Deve ser
amargor,
reação àquela química toda que tomei
afastada de tudo e de todos, costurava
ontem,
um
um boneco de pano, cujo corpo estava
dermatologista depois do casamento.
todo perfurado por alfinetes e em cuja
E seguiu para a cerimônia civil.
cabeça estava colada uma foto de
pensou,
vou
marcar
Os convidados não esconderam
escondida
num
galpão,
Cristiano. De vez em quando, ela
o espanto, o pai de Laura não deixou
sussurrava
estranhas
palavras
e
que ele se aproximasse e a noiva
passava o boneco pela chama de uma
começou a chorar, histericamente.
vela. Viviane não
Todos se afastaram, enojados. Sem
era mulher de ser
nada entender, Cristiano olhou em
passada para trás
volta e gritou, ao ver sua imagem num
e deixar por isso
dos espelhos do salão. As pequenas
mesmo.
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Rhuan Rousseau rhuanramone@hotmail.com Conto Os abismos da loucura - Como ele está Doutor? – Sua voz
outros profissionais e tenta dar a notícia da
doce e delicada estava solitária naquela ala
melhor maneira possível. A doença, a morte
do hospital. Esperou por horas até que uma
ou a dor não são coisas tão fáceis de digerir,
notícia de seu irmão chegasse a seus
diferente do que a literatura diz.
ouvidos. O silêncio abrangente era um como
Ou não.
um rosto triste de uma criança no natal. As
Sentado no silêncio da sua sala o
paredes brancas e limpas, a foto daquela
Doutor meditou. Entrara no profundo da
enfermeira
silêncio.
madrugada em seu plantão. Seu silêncio se
Precisava ter silêncio naquele ambiente,
misturava a dor daquela mulher, seu último
aquele ambiente precisava ser limpo de
paciente, havia algo de especial, havia algo
qualquer sujeira mundana para que as almas
de diferente naquele corpo irreconhecível.
pudessem descansar em paz. Era disto que
Tentou filosofar sobre algo, mas sua mente
era feito o hospital. Quando aquela mulher,
não encaixou nenhuma peça. A idade já
do alto dos seus 32, 33 ou 34 anos,
pesava em seus ombros. Os anos até a
perguntou ―como ele está, Doutor?‖ ela
aposentadoria se arrastariam, o seu sonho de
sabia; não seria uma boa resposta vindo da
ser médico e salvar as pessoas se tornara sua
tragédia que se sucedera.
tragédia. Queria sair dali, queria estar em
fazendo
sinal
de
- As notícias não são boas – até ai,
sua casa com seus filhos, sua esposa...
nenhuma surpresa – 80% do seu corpo foi
Que esposa? Que filhos? Afundou-se
queimado. Queimaduras de segundo e
na profissão até renegar a própria vida
terceiro
completamente
social. Que esposa? Que filhos? Não
comprometido. É um milagre que ainda
deixaria herdeiros, não deixaria lembranças.
esteja vivo. Não durará por muito tempo.
Seria esquecido pela próxima geração de
grau,
pulmão
Aquela mulher começa a chorar.
enfermeiras.
Ainda sim um choro muito educado. O
- O quadro não progrediu – disse o
Doutor já esta acostumado com estas cenas,
Doutor à mulher. Ela parecia melhor, porém
ele ainda tenta se manter diferente dos
um tanto quanto abatida.
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- Eu não entendo o que aconteceu. Eu
achei
que
tivesse
acontecido um
causar danos às outras pessoas, danos irreparáveis.
Tenho
medo.
O
maldito
acidente. Meu irmão tinha o péssimo hábito
telefone continua tocando. Ele não para de
de fumar antes de dormir.
Achei que
tocar. Não sei quem quer falar comigo, mas
pudesse ter acontecido algo do tipo. Ele
nada neste mundo me fará levantar desta
morava na casa que foi de nossa avó, era
cama. Não hoje.
uma casa muito antiga. Eu encontrei uns
Eu sinto sua falta. Solidão.
pedaços do diário dele. São folhas soltas. Eu
Sonhei com você de novo meu amor.
não consigo compreender. Eu não entendo
Você estava tão linda naquele vestido que te
Doutor. Sei que o senhor não é psicólogo,
dei no nosso aniversário. Era uma festa onde
mas te peço, por favor, me ajuda.
todos nós nos divertíamos. Sua família
- Eu deveria ajudar no que? – ele se sentiu o pai dela.
estava lá, minha irmã também. Minha irmã sente tanta sua falta, eu gostava muito da
- Eu tentei ler, não entendi. Estou
amizade de vocês duas. Sonho com você
muito confusa – ela larga os papeis no chão
todas as noites, por isso eu não quero
e corre. O som daquele monte de papel
levantar. Por isso aquele telefone irá tocar
chamuscado quebra o silêncio daqueles
por toda eternidade, eu não sairei daqui, eu
corredores malditos. Como uma sombra
nunca
negra pairando na infinidade branca. Ela
mais Queria
ter
sairei
daqui.
adotado
aquele
correu, ela fugiu. O doutor apanha os papeis,
cachorrinho. Qual era o nome que você
os olha com desconfiança e leva ao
queria dar para ele? Eu sou péssimo com
escritório.
nomes, acho que herdei este mal de família.
12 de Novembro
Minha mãe era péssima com nomes, por isso
Solidão.
eu e minha irmã temos nomes tão estranhos.
Meu telefone tocou durante a noite
Maldito telefone que não para de tocar. Eu
toda, mas eu não quis levantar. Eu fiquei
vou tentar dormir de novo meu amor. Quero
deitado na cama durante muito tempo. Acho
tentar
sonhar
novamente
com
você.
que agora devem ser umas quatro ou cinco
9 de Outubro
da tarde. Solidão. Existem coisas tão
Eu sempre achei que esta coisa de
impertinentes na vida que me incomodam
diário fosse de menininha. Bem, de fato, é
profundamente. Eu estou aqui deitado
mesmo coisa de menininha mimada que
escrevendo esta nota a lápis, tenho medo de
escreve que merda aconteceu no seu dia. A
cometer erros na minha vida, tenho medo de
evolução do diário é o blog, onde as pessoas
P á g i n a | 20
escrevem as porcarias que acontecem com
diferente dela, eu me sentia muito bem na
elas. Tenho que escrever tudo o que eu
presença de minha avó. Ela tinha uma mão
penso e levar para minha terapeuta toda
muito boa para pintura. Todos os quadros
quarta-feira. Ela quer diagnosticar se eu
que enfeitam a casa foi ela mesma quem
estou com estresse pós-traumático depois
pintou. Invejo que tem algum talento
que a minha noiva morreu.
artístico. Minha noiva era uma excelente
Eu tenho estado normal. Claro que eu não sou um muro feito de pedra. Passei algum
tempo
bem
deprimido.
Chorei
bastante. Pretendo me mudar da casa da minha avó o quanto antes. Esta casa grande
violinista. Ela
estava
indo para
uma
apresentação na Europa quando aconteceu. 29 de Novembro Não aguento mais o barulho. Faça parar pelo amor deu Deus!
e silenciosa não me faz bem. Acho que vou
Não
morar com minha irmã na capital, ou então,
Estou escrevendo esta nota com as
tentar mudar de área, procurar algo novo
mãos ensanguentadas. Desculpe Terapeuta
para estudar. Não sei, a morte muda muita
pela letra tremida e pelas páginas sujas de
coisa. O fato de estarmos com o casamento
sangue. Não sei se você vai conseguir
programado, o fato de pensarmos em tantas
entender o que está escrito, mas eu também
coisas, fazermos tantos planos me incomoda
não consigo entender o que está dentro de
bastante. Não sei se serei capaz de sentir por
mim. Tem um bicho, tem um bicho no
outra mulher o que eu senti por ela.
assoalho. Ele não me deixa dormir, logo eu
Realmente, eu sinto um certo asco, uma
não posso sonhar com ela. Eu arranquei
sensação ruim quando vou ao nosso quarto.
todas as tábuas do assoalho, eu puxei cada
Não consegui me livrar das coisas dela,
tábua, demorou horas para eu arrancar todo
ainda não. Minha terapeuta vai adorar ler
o assoalho de madeira. Acho que quebrei um
isto aqui.
dos dedos da mão, a dor está me percorrendo
10 de Outubro
aguento
mais
o
barulho.
o corpo inteiro.
Era para eu estar mais preparado para lidar com a morte. Eu estive nos últimos momentos com minha avó, ela era uma senhora tão doce e delicada. Seus sorrisos, suas fantasias, suas músicas. Eu amava de verdade estar com ela. Minha irmã sempre me perguntava como eu aguentava, mas
Eu preciso gritar, mas não tem ninguém aqui. O telefone, por que minha
P á g i n a | 21
irmã não me liga?
um tempo em casa. Me ligaram lá do
O bicho passou a noite inteira
escritório para saber como estou mas pedi
riscando o assoalho, eu sentia o riscar das
que me deixassem em paz, se quisessem me
patas no chão, aquele barulho de ratos. Não
demitir, que ficassem a vontade. Droga, eu
são ratos, são vermes. Mas quais vermes?
tenho sonhado com ela. Tenho sonhado com
Acho que são os vermes da carne dela, os
nossos planos. Eu espero que a terapeuta não
vermes que saíram do corpo dela. O resto de
me ache maluco, mas eu tenho certeza ter
corpo. Oh amor, você tinha o rosto tão
ouvido o seu violino. Não acredito em
bonito e agora está todo desfigurado. Eu me
fantasmas, acho que para tudo existe uma
senti tão mal quando tive que te reconhecer.
explicação muito lógica. Todos os fatos
―É
ela‖,
eu
disse
e
chorei.
estão interligados e você pode ler sobre uma
Eu chorei, meu pai disse que eu não
pessoa aqui e estarem escrevendo sobre
devia chorar nunca. Eu não devia chorar.
outra em outro lugar. Para tudo tem uma
Maldito barulho. Bicho maldito, não
conexão lógica. Eu acredito profundamente
tem mais assoalho e ainda escuto o seu barulho.
nisto. Mas eu tenho certeza que ouvi aquele
25 de Outubro
violino. Preciso sair mais, acho que vou
Não consigo assistir a televisão.
passar o final de semana na casa da minha
Ainda estão falando sobre o acidente.
irmã. E fazendo uma anotação: preciso
Minha irmã me disse que eu estava
comprar veneno para ratos. Estou ouvindo
me culpando muito. Que não tinha como eu
alguns ruídos de madrugada.
intervir dela ir. Que estas coisas acontecem,
2 de Novembro
que tudo faz parte, que Deus está no
Tem alguém ligando para cá. Eu
controle. Eu não acredito mais em Deus.
atendo e a linha fica muda. Toda vez, de
Sinceramente, crianças morreram, idosos
madrugada. O telefone fica no primeiro
morreram, pais de família morreram. Um
andar, eu saio correndo tropeçando nas
maluco decidiu que a vida dele estava uma
escadas, o barulho do telefone quebra todo o
droga e terminou com tudo. Não foi só a
silêncio daquele casarão. Eu atendo e
vida daqueles passageiros que ele tirou. As
ninguém fala. Escuto uma respiração leve,
vidas de todos os familiares foram junto.
baixa, suave. Eu acho muito estranho
Está todo mundo morto.
quando alguém liga para você e não fala
Não fui à terapeuta na última semana. Não estava me sentindo bem, fiquei
nada. Você fica dizendo a esmo
―alô‖,
―alô‖, e ninguém responde. Como se só
P á g i n a | 22
quisesse ouvir sua voz, como se quisesse
arranhado.
apenas checar se você está em casa para
3 de Novembro
depois entrarem e cortarem sua garganta
Esqueci tudo.
fora. O telefone é daqueles estilos antigos,
16 de Novembro
preto com disco. Muita gente da nova
Preciso escrever. Preciso escrever.
geração nunca viu um telefone destes. Ela
Mas a ideia não vem. Não sei o que
fazia questão de mantê-lo, dizia que quando
escrever.
saísse daquela casa iria levá-lo consigo. Não
Sinto que tem moscas voando no
vejo nada demais neste telefone, ele é um
ambiente, eu sinto o cheiro de podre no ar.
pouco maior do que os normais, preto bem
Eu sinto o cheiro de podre no ar. Eu vi uma
escuro com alguns pedaços da tinta já bem
coisa, eu vi uma coisa andando na cozinha.
gastos.
Era ela, está viva. Ela está com o rosto Eu
disse
―alô‖,
mas
ninguém
queimado e desfigurado, suas entranhas
respondeu. Sinto que não há ninguém do
estão escorrendo pelo chão, seus olhos são
outro lado da linha, sinto que pode ser um
buracos negros, mas eu senti que ela olhou
fantasma, alguém que ainda quer ouvir uma
para mim. Eu escutei, suas unhas estavam
voz humana, mas não pode falar, não pode
todas quebradas, ela riscava o chão. Ela
se expressar. Se sente muito bem em ouvir
queria sair. Eu a vi, ela, eu a, ela. Ela.
que ainda existe humanidade nas pessoas,
Eu tenho certeza. Minhas ideias não
mas a chama do ser humano está se
estão fluindo muito bem, preciso escrever a
apagando. Eu chamo por ele, eu grito por
noite toda senão eu vou acabar morrendo. Eu
ele, eu falo que para não ligar mais porque
pus o veneno para os ratos, mas eles
está me apavorando. Me sinto sozinho.
continuam riscando o chão. Eu sinto que
Eu odeio escrever este diário porque
eles vão sair e me devorar, devorar como os
sinto que minha terapeuta vai achar que sou
vermes devoram minha noiva, o resto da
louco. Eu odeio falar sobre mim, sobre meus
minha noiva. Eu identifiquei o corpo por
medos. Acho que o medo é algo que deve
causa daquela tatuagem, a clave de Sol. Seu
ficar dentro de nós. Dentro de nossa
rosto, seu rosto era tão lindo, mas estava
profunda alma. Tenho medo de estar
completamente
sozinho, eu tenho que sair desta casa o
quebrado,
quanto antes. Mesmo com o veneno que
extremidades
coloquei no canto, ainda escuto ruídos no
explosão.
assoalho. Como se alguém estivesse
as
desfigurado. entranhas tostadas
por
O
maxilar
abertas,
as
causa
da
Maldito copiloto. Maldito copiloto.
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Eu o mataria se ele estivesse vivo.
Eu tenho que voltar a tomar o meu
Estou só, se eu parar eu vou morrer. Estou
remédio.
só, se eu me sentir mais só.
antidepressivo, mas eu tenho esquecido de
Eu
li
sobre
pessoas
que
A
terapeuta
passou
um
são
tomar. Às vezes me vem um pensamento
enterradas vivas, o caixão, o caixão fica todo
estranho, uma vontade estranha de morrer.
arranhado, a parte de dentro está toda
Nunca tive isso, eu sinto como se a vida
arranhada.
fosse uma chama pronta para ser apagada e
Ela esta viva. Eu a vi andando pela
que só bastasse eu assoprar e pronto, tudo se
cozinha, não tinha os pés porque eles
tornaria trevas. Eu estou com medo de mim
queimaram a mil graus, suas mãos, o buraco
mesmo,
no
seu
os
ficar
nesta
casa.
Eu acho que estou ficando realmente
carbonizados. Eu a vi, eu tenho certeza, é
maluco. Vou falar com minha terapeuta que
ela.
preciso de um acompanhamento melhor, que
telefone
olhos
quero
derreteram,
O
rosto,
não
toca.
O
telefone.
Toca.
estou ouvindo coisas, que estou pensando 30 de Outubro
em coisas terríveis.
Tenho ouvido com mais frequência
31 de Outubro
o barulho de arranhar no assoalho. Acho que
Peguei um pedaço do veneno de rato
esta casa velha está infestada de ratos.
que tinha posto perto da parede, olhei para
Comprei um pouco de querosene para tentar
ele durante algum tempo. Me deu uma
queimar o possível ninho desta coisa. Estive
vontade louca de engoli-lo.
na sala novamente, o telefone tocou, eu
5 de Dezembro
atendi. Tenho certeza que ouvi alguém
Quatro meses que você morreu.
chorando no outro lado. Parecia uma mulher.
Eu te vejo ainda, seus olhos, o que
Meu coração parou por um minuto, parecia
houve com seus olhos?
tanto ela. Não
consigo
Estou sangrando meu amor, olha. escrever
seu
nome.
Todas as vezes que eu tentei escrever
Estou
escrevendo Terapeuta
isto
merda,
com vá
sangue. à
merda,
o nome minha mão travou, senti um frio,
terapeuta merda. Eu estou chegando meu
como se algo estivesse me impedindo de
amor, irei da mesma forma que você foi. Eu
escrever, algo estivesse aqui comigo. Eu
estou chegando, eu irei levar nossa aliança,
ouvi o violino mais de uma vez, era a
nossa aliança, vou me casar com você no
música que ela estava compondo para nosso
inferno, no inferno. Eu vou.
casamento.
A querosene está ardendo as minhas
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feridas, eu tive que me cortar todo, eu
chegando
precisava saber se você estava enterrada em
A querosene queima meu corpo, o
baixo da casa. Eu estava procurando por
cheiro forte está me deixando tonto. A
você meu amor, eu estava gritando por você
querosene... Estou chegando. Meu amor.
meu amor. Eu tive que cavar, cavei por horas, mas não encontrei nada meu amor. Não encontrei nada meu amor. Mas eu consigo te escutar meu amor, eu consigo te ver meu amor, você está em todos os lugares, você quer sorrir para mim, mas não consegue meu amor, você não tem mais maxilar, a explosão do avião arrancou ele da sua cara, mas eu ainda vejo sua tatuagem
♦♦♦
meu amor, eu vejo sua tatuagem meu amor,
- Doutor, Doutor? – O velho Doutor
eu vejo você meu amor, e está me chamando
toma um susto do qual não, nunca esperaria.
meu amor. Meu amor. Eu estou chegando.
O susto fizera seus olhos arregalarem e sua
Sei que está me esperando nos portões do
pele empalidecer. Ele estava absorto nas
inferno, é para onde vamos quando tudo
páginas
termina mal, e tudo está terminado meu
diário, ele estava aprofundado na história
amor. Estou escrevendo esta carta com
daquele pobre rapaz carbonizado esperando
sangue para que o demônio que me buscar
a morte vir e buscá-lo. Ele temeu pela sua
saiba para onde eu tenho que ir, meu amor.
própria sanidade, as coisas, as loucuras que a
Estou chegando, quero ver seu
mente pode preparar para o homem. Sabia
sorriso, aquele sorriso antigo que me dava
ele no mais alto degrau de sua ciência que
tanta alegria.
aquilo tudo fora apenas um capricho da
chamuscadas
daquele
macabro
Você ainda sabe tocar violino, meu
mente cansada e traumatizada daquele pobre
amor? Você ainda sabe ser você meu amor?
rapaz que perdera a noiva de uma maneira
Os ratos, os ratos vão comer minha carne,
tão
igualzinho fizeram com você. O fogo vai
preocupada, em seu rosto um semblante de
derreter meus olhos, vai queimar minhas
tristeza e indiferença – O paciente do quarto
entranhas, vai queimar meu cabelo, vai me
302...
destruir, vai me transformar em cinzas, eu vou chegar até você meu amor, eu estou
trágica.
A
enfermeira
parecia
O Doutor caminhou por aqueles corredores sombrios, era alguma profundi -
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dade
da
madrugada.
A
noite
estava
o cabelo chamuscado saindo pelas frestas
consumada há tantas horas que ele nem
das ataduras, ele observa o corpo inerte e
sabia ao certo há quanto tempo estava
morto daquele rapaz do qual se tornara
absorto nas memórias do moribundo. Tanto
íntimo por alguns momentos. Por algumas
tenpo se passou desde então? ―Quanto
páginas incompletas e queimadas de uma
tempo eu estava lendo as loucuras daquele
loucura, uma profunda loucura. O que a dor
pobre homem‖ pensou o Doutor de maneira
e a solidão podem fazer com o homem? O
preocupada.
que a morte de alguém, o que a falta de fé no
Silêncio e morte. O quarto estava
futuro pode causar em uma mente que pouco
silencioso. Tomou o que restara do pulso do
a pouco foi se perturbando cada vez mais.
paciente, enegrecido pelas chamas. Olhou os
Não sabia ao certo o que era aquele
equipamentos.
sentimento medonho do jovem rapaz. Tudo
— Hora da morte, 03:23 da manhã –
que sentia era uma náusea incontida, sabia
disse sem muita emoção. Era parte de sua
muito bem o que era a solidão, sabia muito
doutrina profissional: não se importar.
bem o que era se manter distante de todos.
A enfermeira começou a retirar os equipamentos de monitoramento da vida do
Renegar os sorrisos, preferir os doentes e moribundos
defunto. Cada fiozinho, cada ponto que
a
Pensou na
ter
uma
loucura
família.
do homem,
estava dizendo se aquele que desejou morrer
pensou que poderia estar enlouquecendo. O
estava realmente morto. O Doutor senta-se
abismo da loucura estava lá e não escolhia
na cama do morto com um cuidado especial
quem iria cair, a morta que arranhava o
e pede para que a enfermeira saia por um
assoalho estava arranhando na sua mente há
momento. Aquela mulher acostumada a
tanto tempo que se acostumara ao barulho.
trabalhar com o pobre Doutor sem família e
O Doutor tremeu. Sabia que poderia
sem sentimentos estranha o pedido, larga o
ser o próximo a estar naquela cama, com
fio que fica balançando sem vida, amparado
memórias loucas e nefastas que outro
pela barra de ferro de sustentação da
médico leria.
máquina, e saí. O silêncio era fúnebre.
O Doutor tremeu. Sabia que poderia
O Doutor respirava calmamente tentando
ser o próximo a estar naquela cama, com
buscar em sua sanidade, o porquê de estar
memórias loucas e nefastas que outro
fazendo aquilo. Ele olha para o cadáver
médico leria. Sabia que não possuía a
queimado do pobre rapaz, ele observa as
mesma
faixas
deteriorando-se aos poucos. Já não lembrava
que
cobriam
os
ferimentos,
sanidade,
sabia
que
estava
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mais datas, já não lembrava mais aonde estacionara o carro, não lembrava muito menos o nome da enfermeira. Sabia que estava enlouquecendo, que estava pifando, pirando, ficando pinel.
O Doutor preferia o silêncio, pois já sabia que o barulho do assoalho sendo arranhado perseguindo.
pelo
invisível
estava
o
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PARCEIROS
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