Revista Real – Edição n. 6 – Fevereiro/2016
REVISTA REAL EDIÇÃO Nº 6 FEVEREIRO DE 2016
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Revista Real – Edição n. 6 – Fevereiro/2016
Apresentação Olá!
Sumário Depois do Pecado
Esta é a primeira edição da Revista
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Real no ano de 2016, serão apresentados
Inutilia Truncat
diversos textos, entrevista com o ficcionista
5
R. F. Lucchetti e uma nova série sobre a
Série: Quinhentismo
literatura brasileira. Confira o sumário ao lado.
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Agradeço a todos que se voluntariaram e acreditaram nesse projeto. Aos leitores, espero que gostem do conteúdo e divulguem o nosso trabalho. E você que deseja colaborar com a revista nas próximas edições, entre em contato
Morte 12 Entrevista: R.F. Lucchetti 19 Os caçadores 28
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Revista Real Em nome da nobre literatura nacional
DIRETOR Davilan Vilela REVISÃO Gabriel Carramenha Peev Marina Ridente Herrador Natali de Lima Sorrentino
COLABORADORES Artemise Galeno Carina Pilar Renata Mohr Rhuan Rousseau Zoraya Cesar
A responsabilidade pelo conteúdo dos artigos assinados, vincula-se integralmente a seus autores.
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Depois do pecado Por Artemise Galeno fb.com/galeno50 O que significa esta dor que
minha única opção de escolha e mais
destrói a alma e entristece o meu
uma vez caio nas armadilhas das
coração? Afastei-me de Deus quando
trevas... Depois do pecado meu pobre
resolvi negligenciar sua lei? A dor que
coração tenta mais uma vez se
se tem no coração é compartilhada
regenerar, tenta limpar a minha alma e
com
seguir
o
Senhor
Jesus
quando
outra
direção.
Mas
sou
cometemos erros, falhas, contrariamos
conduzido pelas lembranças de um
a sua eterna vontade, pisamos em seus
exagerado
sentimentos
guerra
devastado pelas ondas dos beijos e
oficialmente ao Pai que está acima de
carícias daquela em que tanto amei.
tudo e de todos. Após o pecado, o
Fugi de mim mesmo quando dissipei
mísero coração se atropela e acaba
todas as formas dela ser feliz... Eu já
toda
de
não agüentava vê-la tão linda... Mas
discernimento. Seu poderio tem fim.
tão fútil e tão bela... Mas tão amarga e
Quisera que meu lastimável coração
sem sentimentos. Por causa do meu
tragado pelo prazer de pecar se
pecado fui vítima das minhas próprias
arrependesse
e
façanhas. Caí na armadilha daquela
voltasse á comunhão com o meu
que falava mentiras de amor... E eu
Senhor... Mas estou sem forças.
louco de paixão... Acabei com a vida
sua
e
declaramos
potencialidade
dos
seus
delitos
O poder das trevas devasta com
e
louco
ciúme,
sou
daquela que usou de traição!
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Texto originalmente publicado em: Wattpad.com/user/ravenata
Inutilia Truncat – “Corte o inútil” Por Renata Mohr fb.com/ravenata Faz pouco mais de dois anos
certeza não abro mão: se aquela
que não ponho os pés fora de casa.
senhora, queixando-se da dor nos
Também não atendo o telefone; sei
joelhos, nas costas, nos dedos e em
que
tudo mais, vem sempre entregar meus
somente
os
de telemarketing estão
operadores à
minha
pacotes, é porque sou a única que
procura. Minha família se afastou aos
ainda a escuta. O que temos, ela e eu,
poucos, já os amigos aguardaram bem
é mera reciprocidade entre pessoas
menos para desatar os laços (ou
solitárias; não há altruísmo algum em
seriam nós?). Atualmente, a única
nossa relação. Há, na realidade, certos
pessoa com quem mantenho contato é
inconvenientes.
minha vizinha, Dona Ângela, uma
como quando me pergunta se pode
viúva na casa dos 60 anos. E, sendo
―dar um jeitinho na casa‖, ―só uma
honesta, se com ela me relaciono é
varridinha‖,
por necessidade, visto que me traz a
aqueles potes horrendos com sobras
correspondência e recebe minhas
de comida, porque andou remexendo
encomendas. Já mando entregá-las em
as compras do mercado e desaprova o
seu endereço.
modo como me alimento.
Críticas
veladas,
ou quando me traz
Dona Ângela aparenta ser uma
Se vivo solitária, é porque fiz
boa pessoa. Talvez boas pessoas
uma escolha. A solidão de Dona
existam — vá saber. Mas de uma
Ângela é dela própria. Não tenho
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culpa se foi criada para cuidar de uma
Não possuo telefone celular,
casa grande, de um marido já morto,
não utilizo redes sociais. Forço-me, no
de filhos que jamais vi visitá-la e de
entanto, a reconhecer a utilidade da
quem ouço somente histórias antigas.
internet no que tange às encomendas,
Tenho mais com que me preocupar do
e como não assisto à televisão (quem
que com a poeira se acumulando nos
precisa
móveis e formando ninhos pelo chão.
tragédias ou ser tratado como imbecil
Tenho horas de sono a cumprir, tetos
pela publicidade?), vez ou outra
e
olhar,
―baixo‖ um filme ou seriado. Não é
lembranças a remoer, mágoas a
sempre que estou com ânimo para a
trabalhar... E, de vez em quando, rimo
leitura, e quando assim acontece,
para me distrair. As rimas me ajudam
permito que as pessoas de mentira me
a pagar as contas — algo que trouxe
contem de forma bem mastigada as
comigo
histórias de mentira. Além disso,
paredes
onde
da
vida
fixar
o
anterior,
de
compositora perambulante. Se não revelo a idade, ao menos
saber
das
mais
recentes
ouvir as vozes dos atores e atrizes, seus
sons,
afasta
um
pouco
a
afirmo que escolhi viver em um
amargura do isolamento. Estranho
passado não muito distante. E que
constatar, mas funciona melhor que a
pouco me importa o mundo atual, ou
música.
as pessoas que nele habitam —
Não é simples ocupar as horas.
hamsters a correr incessantemente em
Também jogo no computador.
suas rodinhas.
Nada online. Tentei um tempo atrás e descobri que, se o comportamento das pessoas na rua é deplorável, com o anonimato fica ainda pior. De
qualquer
modo,
acho
curioso compartilhar esse passatempo com os adolescentes, mas somente
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até certo ponto. Jogos não são muito
Inclusive,
diferentes de livros e filmes. São
veio a ser a cor que minha princesa
formas de experimentar uma realidade
favorita da Disney vestia. Acima
diversa daquela em que vivemos, e se
disso, porém, a posse daquele lápis
há algo de fortemente adolescente em
correspondia,
mim, é o profundo desgosto pela
experiência, ao título de ―pessoa
maneira como as coisas são.
muito importante‖ da sociedade da
Mas esse desgosto eu trago da infância. Uma de minhas lembranças
nada
coincidentemente,
em
nossa
infantil
escolinha. Com a posse, vinha a posição. E com a posição, todo o resto.
mais antigas é a de aprender na pré-
Esta
é
a
realidade
que
escola que o lápis de cor verde-água
compartilhamos, seja como adultos ou
vem somente na caixa com 36 cores
crianças, estejamos ou não cientes:
— a mais cara. A maioria das crianças
quem
tinha a caixa simples, com 12 cores,
dinheiro)
enquanto eu tinha a intermediária,
invejado por quem tem menos, e
com 24. Eu tinha 24 opções de cores
passamos cada momento de nossas
com que embelezar meus desenhos,
vidas competindo para ocupar o lado
mas com frequência pedia emprestado
privilegiado das relações humanas —
o lápis verde-água da amiguinha ao
que são, em última análise, relações
lado, que ia se tornando cada vez mais
de poder. Alguns apelam para a farsa,
orgulhosa e possessiva com sua caixa
outros
privilegiada. Veja bem, eu não era a
buscamos um caminho dentro do
única a pedir. Todas as meninas
molde estabelecido e assim persiste o
queriam experimentar o lápis verde-
mundo,
água, já que não podiam tê-lo. E por
reconstruído
quê? Bom, era uma cor bonita.
sólidos quanto a piscina de bolinhas
tem
mais é
para
(via
de regra,
respeitado,
a
temido,
violência;
sendo sobre
todos
construído
e
alicerces
tão
do parquinho...
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Onde tanto aconteceu, e tão
e, claro, dê de presente à criança um
cedo. Há tempos que palavras como
dos brinquedos da moda — algo de
amor
seus
que ela jamais se recordará, mas que
sentidos esvaziados pelas ações de
definirá logo cedo seu papel como
pessoas próximas a mim. Pessoas
―pessoa muito importante‖ na vida.
ou
empatia
tiveram
próximas de mim.
Ao me despedir de Dona
Não, não acredito que boas
Ângela, lembrei que tenho, antes de
pessoas existam. Não acredito em
mais nada, horas de sono a cumprir,
caridade
tetos e paredes onde fixar o olhar...
com
desapego,
ou
em
benevolência sem a expectativa de retribuição. Com muito esforço, aceito que
raras
pessoas
tomem
por
suficiente a satisfação interna que a filantropia lhes proporciona — em vez de
―vejam
como
sou
bom‖,
contentam-se com um ―sou bom‖ ressoando intimamente. Um pequeno truque que nem de longe compensa toda a maldade lá fora. Sendo assim, quero distância até mesmo dos seres humanos mais solícitos. Quando aqui esteve pela última vez, Dona Ângela me trouxe um recado:
Amanhã
é
o
primeiro
aniversário da sobrinha que eu nunca conheci. Minha família, que deixou de me visitar, espera com todo o poder da negação que eu compareça à festa
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CAPA SÉRIE ESCOLAS LITERÁRIAS: QUINHENTISMO
Por Davilan Vilela
O quinhentismo foi o período literário
que
abrange
todas
as
Literatura informativa
manifestações literárias produzidas
Podemos dizer que a Carta a
no Brasil durante o século XVI, época
El-rei
do descobrimento do Brasil. É uma
descobrimento do Brasil de Pero Vaz
literatura que denota a visão, as
de
ambições e as intenções do homem
acompanhou a armada de Pedro
europeu mercantilista em busca de
Álvares Cabral,
novas terras e riquezas, daí o fato de
chamamos de Literatura Informativa
ser
meramente
sobre o Brasil. Também conhecida
descritiva e de pouco valor literário.
como literatura dos viajantes ou
As manifestações literárias ocorridas
literatura dos cronistas, empenha-se
se
à
em fazer um levantamento da ―terra
descrição da terra e do índio, ou a
nova‖; sua fauna, flora, de seus
textos escritos pelos viajantes, jesuítas
habitantes e seus costumes.
uma
literatura
prenderam,
basicamente,
Dom
Manuel
Caminha,
sobre
escrivão
inaugura
o
que
o que
e missionários.
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Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, como consequência da Reforma
Católica
contrarreforma.
Imagem: Carta a El-rei Dom Manuel sobre o descobrimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha
ibéricos
dezenas
marcaram
de
poesias
de
fundamentação religiosa e também de
Literatura Jesuítica expansão
Eles
também
presença através da produção literária, constituída
Na
ou
dos de
impérios religiosos
teatro
de
inspirado
caráter em
pedagógico,
passagens
bíblicas.
acompanhavam as expedições a fim
Também produziam documentos que
de converter os gentios. Assim surgiu
informavam aos superiores na Europa
a
o
Literatura
Jesuítica,
voltada
andamento
dos
trabalhos.
Os
principalmente para o trabalho de
principais jesuítas responsáveis pela
catequese. Os jesuítas são os membros
produção literária da época foram o
da
padre
Companhia
religiosa
de Jesus,
fundada
em
ordem
1534
por
estudantes da Universidade de Paris,
Manuel
da
Nóbrega,
o
missionário Fernão Cardim e o padre José de Anchieta.
liderados por Inácio de Loyola.
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Morte Por Rhuan Rousseau rhuanramone@hotmail.com Eles contam até três para te
jovem
seria
se
sobrevivesse.
encorajar a pular. Quanto mais alto se
Para família daquele jovem que
salta maior é a queda. Lentamente vai
se encontrava caído ao chão com
caindo dia a dia até em si chegar ao
todos rindo ao redor, todos em estado
fundo do poço.
de profundo torpor não entendendo,
E é ai que continuam cavando.
achando que aquele que seria o
Morte, dá algo que parece um
próximo para ir ao outro lado apenas
sorriso ao assistir tal queda. Talvez bilionésimo cheirado.
este
fosse
quilometro Todos
fazia graça. Era assim que as pessoas
em
o
seu
de
pó
sua
volta
morriam e ali não seria diferente. Sentir
os
cinco
sentidos
se
transformarem em quatro.
possuíam olhos brilhantes, todos riam
Três.
de piadas das quais em sã consciência
Dois.
ele não acharia graça, via-se a mistura
Um.
de homens e mulheres tão longe
Até ser abraçado pelo negro
quanto tão perto. Se Deus visse a cena
eterno da Morte. Esta, com o seu
deplorável
do qual tal garoto se
sorriso, que viera buscar aquela vida
encontrava, sufocando em próprio
tão pueril da maneira mais trágica, da
vomito, talvez não soubesse ao certo o
maneira mais ignóbil.
quão genial e cheio de sonhos tal
Todos os facebooks lamentaram
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a sua morte.
cair.
Não era religioso mas teve
Morte
lentamente,
observa tão
chegar
tão
profundamente
missa. Muitos depoimentos de o quão
naquele vasto oceano branco de nada
bom aquele jovem rapaz, que morrera
e vazio. Ela esperou o garoto se
sufocado no próprio vômito depois de
aproximar com toda a paciência que a
longas carreiras de pó, foram feitos e
eternidade dera a si. Seus olhos
foram
esbugalharam quando avistou aquela
lidos.
Seu
enterro
fora
realmente bonito. Umas cinquenta
figura
mítica
sem
uma
forma
pessoas contando com amigos de
descritível. Sentia ainda o resquício de
classe, familiares, pessoas da sua
medo que os homens sentem apesar
banda, e os que o viram morrer e
de não possuir mais a matéria que
esconderam isso de todos. Ninguém
faria o sentir tal medo. Ele apenas
poderia saber daquele grupinho cheio
lembrou-se como era ter medo. Morte,
de morte em suas veias, cheio de dor
assim como gostava de ser chamada
em seus pensamentos.
por aqueles que morrem, ergueu-se
O caixão descera tão rápido
imponente. Apontou ao franzino rapaz
quanto as lágrimas daquela mãe
seu dedo milenar. Sua voz rasgou o
abandonada pelo seu único. O pai não
silêncio imundo da fronteira:
acreditara que sua herança genética
- Aqui jaz tu!
morrera ali e estava voltando para
- Que lugar é este?! - o rapaz
terra. Assim acabaria a sua linhagem,
dissera, o medo acendia das entranhas
maldita
que já não mais possuía.
hora
que
fora
fazer
vasectomia.
- Eu que faço as perguntas,
Morte sentada sobre o corpo
verme - não espere complacência do
inerte observava aquele rapaz recém-
ser que nos acompanha e nos iguala.
chegado. Ele não entendera nada, as
Morte não gosta dos novos visitantes
pessoas quando morrem sem saber
quando os mesmos morreram de
que morreram demoram até a ficha
forma tão quão patética - agora
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responda-me se estas satisfeito?!
determinava como destino para a
- Não sei, o que aconteceu?! - o
eternidade seria a forma da sua morte
garoto
recém-chegado
perguntava
e se fora arauto da morte de outrem.
com o resto de voz que ainda podia
- Overdose - disse Morte um
sair da memória de sua garganta.
tanto quanto decepcionada - fizera do
- Você morreu, jovem. Está é a
teu corpo casa da dor e do desespero,
fronteira para os que se vão. Eu sou o
buscara a felicidade epicurista mais
juiz do seu carma e direi o que
além de tudo, fizera de si um
acontecerá com a sua eternidade. Aqui
receptáculo de desesperança e o
não existe o certo, não existe o errado.
alucinógeno que te trouxera a falsa
Nasci aqui e estou aqui para decidir o
felicidade também te trouxera a dor
que acontecera com o que é devolvido
real. Estas aqui pelo abuso do prazer,
a mim. Isso que vocês, tolos gostam
pelo desrespeito ao vaso do qual
de chamar de alma.
depositei tua alma que tanto amo,
Ela sabia que nunca estamos preparados para o seu discurso.
desrespeitara a carne que fora lhe concebida pra respirar.
Ninguém gosta de saber que está
E
morto, ninguém nunca gostou e
E assim sentira-se realmente
aquele pequeno não faria diferente. Morte
poderia
um
desavisado.
temera
o
garoto.
morto.
sorrir
internamente todas as vezes que conseguia
assim
Ela
observou bem a vida do rapaz, ela viu
E assim lembrou-se do sufocar, da dor. E assim lembrou-se da visão turva, da respiração.
pelo seus olhos tudo que havia feito,
E assim findou-se.
sentiu pela sua língua tudo que havia
- ... - tentou inerte responder
dito e pelo seus ouvidos tudo que
algo, mas sem a carne já não possuía
assim escutou. Para Morte não existia
mais o dom da palavra - ...
pecado ou religião. O que
O julgamento de Morte era
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injusto. Morte apenas fazia-se juiz e
Devolverei-a para teu corpo morto.
não permitia testemunha nem defesa.
Sentira novamente seus pés, pernas,
Era sua alegria punir.
braços,
- Não aceito a devolução de
dedos,
novamente
rosto.
raiva, medo,
Sentira
amor, dor,
paixão,
alma tão impura! Não sujarei meus
angústia,
membros a limpar tantas destruições
Ressuscitara em seu corpo morto.
que fizera a ti. Não perderei um
Verás, sentirás, provarás, olharás e
minuto da minha eternidade para
ouvirás meus filhos rastejantes, as
limpar a corrupção de teu espírito!
criaturas
criadas
e
pra
fúria.
limpar
a
- ... - o garoto desesperou-se
destruição que os homens fazem, tais
mas a voz não saía. Era um vento
vermes que tudo comem. Sentirá eles
inexistente que lhe transpassava o
comerem a carne que fora sentida a ti
peito, garganta, rosto. Notara que não
lentamente
possuía mais nada disto e também
Sentira cada verme em cada orifício
havia se transformado em uma massa
que teu receptáculo possuía durante
indescritível
uma
dias, meses, anos até que serás osso,
consciência pesarosa e flutuante que
serás pó, serás nada! Sentirá a dor que
encarava Morte frente a frente com
cada verme, cada inseto, cada micro
resquícios do medo.
ser causará em alimentar-se de teu
e
indecifrável,
corpo.
durante
Sentira
vastos
todo
e
dias.
qualquer
sentimento dado a você da pior forma que possa sentir - assim Morte observa pela última vez aquela sua criação, a massa almática desesperada diante de si. Com um gesto tal - A pena para quem desrespeita a própria carne e desaparecer com a carne. Não quero mais tua alma.
desaparece. Ele
estava
lá.
O
único
movimento dado para o seu corpo
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morto fora o de abrir os olhos. Fora
poucos metros sob quilos de terra
feito isso de mais pura ardilosidade da
como a sensação de ser um naco de
Morte já que como punição todos os
carne morta e sem movimento.
sentidos sentiriam o que é ser
Movimentar
unicamente
os
consumido pelo tempo. Nada podia
olhos trazia em si um desespero
mover,
era
perturbador, não podia prender a
observar os detalhes internos daquele
respiração e morrer pois já estava
caixão e se perguntar o porque
morto.
sua
única
diversão
puseram um travesseiro. Não sabia
Um crepitar.
quanto tempo estava ali, apenas o
Seus olhos assustados correram
silêncio tomava conta do ambiente.
todas as extremidades. Eram quatro
Seus pulmões não funcionavam, seu
pontos naquele retângulo. Quatro
coração não batia, seus membros não
pontos escuros. Não sabia quanto
se mexiam. Só conseguia mover os
tempo estava ali, sensação de tempo
olhos e sentir o frio da madeira nas
era uma obscuridade tão grande para
suas costas. Era um ser consciente
si como para qualquer outro. Sentira a
aprisionado em um corpo morto.
umidade
nas
costas,
algo
tão
Olhava a terra que cobria o
incômodo quanto a coceira que subia
caixão, aquele marrom grosseiro que
a sua perna. Buscava com os olhos
estava
acima.
todos os pontos o que acontecera. Era
Conseguia mover os olhos para baixo,
um medo com um pavor na mistura de
mas a escuridão não permitia que
seu interior. Lá estava indefesso o
enxergasse muita coisa. As pupilas
banquete
como únicos utensílios vivos naquele
subjugamos. Os vermes eram o topo
corpo
a
da cadeia alimentar, nós somos sua
escuridão e a silhueta de tudo viera a
ração. Sentira nas costas movimentos
tona. A sensação claustrofóbica tanto
tão pequenos e tão incômodos, nas
de estar fechado em uma caixa de
suas mãos formigas caminhavam de
a
inerte
sete
palmos
acostumara
com
dos
seres
que
nós
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um lado para o outro como soldados,
conhecidos. A dor que tomou conta de
operários ou outra comparação. Ele as
si quando a primeira arrancou um
via tomar campo e começar a subir
mínimo pedaço de um dos seus olhos
pelo seu corpo. Sentia o incômodo da
tornando-o débil e sem movimento
coceira, mas seu corpo inerte não
fora lancinante.
respondia. Contorcia-se inutilmente,
Sentira o primeiro verme em
apenas como pensamento de um corpo
sua fria carne deslizar como uma
que se tornara apenas um receptáculo
gosma gélida, seu corpo asqueroso
de dor. As que passavam pelos seus
que ia e voltava subindo com toda a
olhos causavam o incômodo maior
paciência do mundo trouxe horror.
trazendo-lhe angústia.
Sua boca com milhares de micro
Tentava gritar de pavor, mas
dentes sugava a carne horrenda que se
nada lhe respondia, elas começaram a
desfazia. Outros milhões de vermes
entrar pela sua boca, narina, ouvidos.
tomavam conta de seu corpo que
Sentia elas descendo pelos canais
começava a liquefazer.
internos do corpo. A primeira mordida
Debatia-se em dor, era uma dor
fora um choque que cruzara por toda
que sentia angústia, medo, pavor,
sua extremidade. Logo vieram outros.
nojo. O verme que transpassava seus
Cada migalha que fora do seu corpo
intestinos, tanto fora quanto dentro e
do qual cultivou através de surf e
os fazia de alimentos. Os pedaços que
exercícios se separava, virava o
tomavam conta de agora milhares de
alimento de uma centena de formigas.
formigas. As baratas que roíam seus
A dor começou a se tornar cada vez
olhos e eles viam tão bem, aquele
mais insuportável. A dor começou a
milhões
tornar a pior tortura. Sendo devorado
devoradores de carniça. Várias delas
por
em
entravam e saíam de sua boca. Várias
microscópicos pedaços. Elas entravam
delas corriam pelas suas pernas e ele
e saiam por todos os buracos
sentia cada uma. A única coisa viva
dentro
e
por
fora,
de
micro-dentinhos
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eram seus sentidos. Os olhos se tornavam duas massas mastigadas e destruídas. Seu corpo se liquefazia em vermes,
insetos,
larvas,
e
decomposição.
Pouco a pouco os ossos foram tornando-se visíveis. Pouco a pouco os vermes iam embora Pouco a pouco nada mais
Minuto a minuto, hora a hora,
sobrara além da fétida ossada. Aquela
dia a dia, mês a mês, ano a ano o
que apenas figura o que fora uma vida
serviço da natureza era feito. Lá fora,
e agora é a crônica da Morte.
na superfície, sua lembrança morria
Restara em si, apenas os ossos.
com os menos chegados, e com os mais chegados havia carinho. A sua família seguiu, adotaram outra alma para cuidar. Os amigos seguiram, a namorada seguiu. Algum do grupinho que o trouxera aquela dor hoje compartilhavam o mesmo castigo. Sentir os vermes que comem a sua carne.
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ENTREVISTA COM:
R. F. LUCCHETTI
BIOGRAFIA Rubens Francisco Lucchetti – desenhista, teorizador e novelista policial. Escreveu seriados e peças radiofônicas. Organizou eventos culturais/cinematográficos. Fez cinema experimental, roteiros para histórias em quadrinhos, fotonovelas, televisão e cinema. É autodidata, freqüentou até o quarto ano primário do Grupo Escolar ―Tomas Galhardo‖, de Vila Romana, na capital paulista. A par de sua intensa atividade literária e artística, Lucchetti exerceu as mais variadas profissões: desde almoxarife a gerente de cinema, desde chefe de escritório a editor. A seguir, vamos conhecer um pouco da TRAJETÓRIA DE LUCCHETTI (ESCRITO PELO CINEASTA IVAN CARDOSO): R.F.LUCCHETTI – como é conhecido – tem cerca de 31 livros e mais de 200 textos entre contos, novelas e folhetins publicados, desde os anos 40 até o final dos 70, em praticamente todos os magazines pulps brasileiros: X-9, Detective, Policial em Revista, Meia-Noite, Suspense (de Alfred Hitchcock), Emoção, Contos de Mistério, etc. Com o desaparecimento
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dessas publicações, criou suas próprias revistas: Série Negra, Aventura e Mistério e Mistérios, nas quais redigia todos os textos, assinando-os com os mais diferentes nomes para dar a impressão de que eram escritos por vários autores. Por absoluta falta de infra-estrutura dos editores para manterem lançamentos mensais, nenhuma delas foi além do segundo ou terceiro número. No ano de 2007 completou sessenta e cinco anos como autor, perseguindo sempre os gêneros: Detetive, Mistério & Horror, caso único no Brasil. Seu primeiro trabalho, o conto ―A Única Testemunha‖, foi publicado no jornal ‗O Lapiano‘ do bairro de Vila Romana, onde sua família residia. Mas sua produção raramente está assinada com o seu próprio nome, tendo adotado os mais variados pseudônimos e alguns heterônimos, porém, foram sugeridos pelos próprios editores, que não acreditavam num nome latino assinando textos de Mistério & Horror. Foi a partir de 1942, mesmo ano da publicação de ―A Única Testemunha‖, que começou a escrever argumentos que eram radiofonizados por Octavio Gabus Mendes. A partir de janeiro de 1948, com a publicação do seu artigo ―Viagem à Lua‖ no ‗Diário da Manhã‘, de Ribeirão Preto, onde seu primo Luciano Lepera era o redator-chefe, iniciou sua intensa atividade jornalística, publicando quase diariamente um artigo em um dos jornais daquela cidade. [...] Nos anos 1956/58, atendendo a um pedido de Aloysio Sila Araújo (outro famoso homem da radiofonia brasileira que, juntamente com Manoel de Nóbrega, teve um dos mais populares programas de rádio, ―Cadeira de Barbeiro‖), na época diretor de broad-casting da PRA-7 Rádio Clube de Ribeirão Preto, criou ‗O Grande Teatro de Aventuras‘, apresentado diariamente nos finais da tarde; ‗O Grande Teatro A7‘, levado ao ar aos domingos à noite com peças de quase duas horas e que uma vez por mês era substituído pelo ‗Grande Teatro do
Mistério‘,
com
scripts
originais
ou
adaptados
dos
clássicos
do
gênero.
Em 1961, com a inauguração da TV-Tupy de Ribeirão Preto, que ficava no ar das 18:00 às 20:00h quando começava a gerar imagem de São Paulo, passou a integrar o cast da emissora, escrevendo e apresentando uma vez por semana uma série policial-enigma, ‗Quem Foi?‘. O programa era produzido ao vivo com uma só câmera e com a participação do telespectador que, por telefone, tinha que esclarecer o mistério proposto. [...] Em 1956, ganhou como Melhor Novelista, no Concurso dos Melhores do Rádio do 1º Centenário de Ribeirão Preto (promovido pela Prefeitura e jornal ‗A Cidade‘). O dia em que se escrever a história do rádio e da televisão de Ribeirão Preto, certamente Lucchetti merecerá um capitulo especial.
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Durante dos anos de 1960/63, juntamente com Bassano Vaccarini, cenógrafo e artista plástico, um dos fundadores do Teatro Brasileiro de Comédia, criou o Centro Experimental de Cinema de Ribeirão Preto, produzindo 14 filmes, muitos dos quais premiados no Brasil e no exterior. A dupla é pioneira em filme abstrato (desenhado diretamente na película). No mesmo período, idealizou, organizou e realizou sob suas expensas, vários festivais culturais-cinematográficos, como a Semana Chapliniana, Festival de Introdução ao Cinema Francês, Festival do Cinema de Animação (no Museu de Arte de São Paulo), Chaplin-Show, Festival Sherlock Holmes e I Festival Internacional de Cinema de Animação (na VIIIº Bienal de São Paulo), que somadas à produção do Centro Experimental, levou sua loja de autopeças à falência. De um certo modo, isso foi uma benção para ele, obrigando-o a mudar-se para São Paulo, cheio de dividas e começar vida nova. Foi ainda a partir de 1960 que começa a colaborar esporadicamente na imprensa paulistana: ‗Diário de S.Paulo‘, ‗Folha de S.Paulo‘, ‗Última Hora‘, ‗O Estado de S.Paulo‘ e ‗Shopping News‘. Essa atividade tornou-se mais assídua na imprensa portuguesa, escrevendo para ‗República‘, ‗Diário de Lisboa‘, alguns jornais provincianos e nas revistas ‗Celulóide‘ e ‗Platéia‘ e no Brasil, na RCC (Revista de Cultura Cinematográfica) e ‗Revista de Cinema‘, ambas de Belo Horizonte. De 1963 à 1985 marca presença em quase todas as revistas de histórias em quadrinhos de Terror & Horror, formando dupla com a maioria dos desenhistas brasileiros ou aqui radicados. Mas foi com o italiano Nico Rosso que mais se identificou, criando uma série de revistas que inovaram o gênero: ‗A Cripta‘, ‗O Estranho Mundo de Zé do Caixão‘, ‗Zé do Caixão no Reino do Terror‘, ‗Coleção A Cripta‘ e ‗Fantastikon‘. Durante os anos de 1967/68, trabalhou na TV-Bandeirantes e TV-Tupy de São Paulo, escrevendo os scripts dos programas: ‗Além, Muito Além do Além‘ e ‗O Estranho Mundo de Zé do Caixão‘, apresentados por José Mojica Marins e dirigidos, o primeiro por Antonio Seabra e Mário Pomponet e o segundo por Antonio Abujamra. Entre 1968 e 1971 escreveu roteiros de fotonovelas para revistas femininas e de Terro, muitas das quais chegou a dirigir. Nesse período, foi diretor de redação da ‗Projeção‘, uma revista dirigida aos exibidores cinematográficos; e o coordenador da ‗Melodias‘, especializado em rádio, música, TV e cinema. Foi a partir de 1967 que Lucchetti começou a sua carreira como roteirista de José Mojica Marins, sendo o responsável por seus treze filmes de terror, entre os quais, o premiadíssimo ‗O Estranho Mundo de Zé do Caixão‘ e ‗O Despertar da Besta‘ (Prêmio de
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Melhor Roteiro no IIº Rio-Cine Festival, 1986). Eu tive o prazer de ter Lucchetti como roteirista dos meus quatro longas metragens: ‗O Segredo da Múmia‘ (Prêmio Melhor Roteiro no Xº Festival de Gramado, 1982), ‗As 7 Vampiras‘, ‗O Escorpião de Escarlate‘ e ‗Um Lobisomem na Amazônia‘ (2005). No inicio de 1972, Lucchetti transferiu-se para o Rio de Janeiro, para ocupar o cargo de editor de publicações especiais da Editorial Bruguera, que mais tarde mudaria seu nome para Cedibra. Ao aposentar-se em 1982 retorna a Ribeirão Preto e incrementa a sua produção de livros sob encomenda e, quando lhe sobra tempo dedica-se aos seus próprios projetos, que vão abarrotando gavetas, uma vez que lhe falta disposição para ficar correndo atrás de editores. As paredes de seu gabinete estão cobertas por mapas de Nova York, Londres, Paris e outras cidades e um arquivo sobre os assuntos os mais banais aos mais extraordinários. Escreve humor, romances, vidas romanceadas e se necessário for não duvido que escreva até bulas de remédios ou prefácios para máquinas agrícolas. Peça-lhe o que quiser e ele recorre a seu fabuloso arquivo e numa semana o livro estará pronto. R.F.Lucchetti é, no fundo, um autodidata, movido mais pela intuição e pela sensibilidade que orientado por normas cientificas. É um bom exemplo da expressão low profile, que em inglês se aplica a pessoas discretas que não fazem alarde, demais. Jamais fez questão de ser best-sellers. Sempre procurou ser the-gost-writer. E é. Leiam-no. É um convite para a diversão.
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Revista Real: Como surgiu seu
Eu nem sabia quem era Edgar Allan
interesse pela escrita?
Poe, nessa época, 1942. Porém, ele se
R. F. Lucchetti: Meu interesse pela
distinguia de tudo o que eu havia lido
escrita surgiu a partir da leitura que eu
até então; e sob o impacto da leitura
fazia de algumas revistas que meu pai
desses dois contos, escrevi ―A Única
comprava e dos números da revista
Testemunha‖, que foi publicada no
Fon Fon! que uma vizinha nossa me
número de 31 de outubro de 1942 de
emprestava.
O Lapiano, um tabloide que era lançado aos sábados. Depois, a partir de
1948,
tornei-me
um
escritor
profissional.
R.R.: Quais são as suas inspirações? E quais são seus livros favoritos?
R.F.L.: Eu costumo me inspirar muito em ilustrações e fotografias em que
A Fon Fon! era uma revista destinada principalmente ao público feminino, mas publicava contos e folhetins. E foi a partir da leitura de dois contos de Edgar
Allan
Revelador‖
e
Poe,
―O
Coração
―O
Gato
Preto‖,
publicados em um de seus números, que comecei efetivamente a escrever.
predominam
ambientes
nostálgicos,
paisagens
desérticas,
pântanos,
charcos,
charnecas,
cemitérios, lagos, bosques enevoados, aldeias, becos... Não canso de repetir: “Eu não vivo no mundo real. Habito um universo povoado por múmias, vampiros,
lobisomens,
monstros
vindos de regiões abissais ou do além, fantasmas, damas fatais, detetives particulares, mulheres misteriosas. Em meu mundo, sempre é noite e as
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ruas são becos escuros e encobertos
de é como dar início a uma história. E
por um eterno nevoeiro. Em meu
a segunda dificuldade é parar, porque,
mundo, cada esquina esconde um
depois que tenho o início da história,
mistério.”
muito
vem um fluxo interminável de ideias.
enraizado em mim, é como se eu
E tenho de partir de um título. Tenho
tivesse vivido nesses lugares; e eu
de criar um título, que seja bem
apenas transporto esse meu mundo
chamativo. Se eu não partir de um
para o papel.
título, não consigo escrever. E não sei
Isso
Alguns
tudo
meus
livros
escrever rascunhos. A história vai
publicados
pela
saindo direto. E todos os dias eu tenho
Editorial Corvo, na Coleção R. F.
de escrever alguma coisa, nem que
Lucchetti. Serão quinze títulos e já
seja um pensamento ou uma carta. É
foram lançados os dois primeiros: As
um hábito que cultivo desde que ―A
Máscaras do Pavor e O Museu dos
Única Testemunha‖ foi publicada.
preferidos
dos
está
serão
Horrores. São histórias bem visuais, ou seja, quem as lê parece que está
R.R.: Qual sua opinião sobre o fato
assistindo a um filme.
dos autores nacionais não serem tão reconhecidos no próprio país? O que o senhor acha que deve ser feito para que os brasileiros leiam mais os nacionais? R.F.L.: Uma das razões de nossos autores de histórias de Horror/Terror não serem reconhecidos pelo público é por culpa dos editores, que preferem
R.R.:
O
senhor
tem
alguma
publicar livros estrangeiros, que já
dificuldade ao escrever? Se sim,
vêm com uma propaganda feita em
qual(is)?
seus países de origem. Não investem
R.F.L.: Tenho. A principal dificulda -
no escritor nacional, e hoje o Brasil já 24
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conta com bons autores no gênero,
aqueles que assinei com meu nome,
que não ficam devendo nada aos
eu destaco: Rosas Vermelhas para
escritores norte-americanos e ingleses.
uma Dama Triste (foi publicado
A segunda parte da sua pergunta já
originalmente
praticamente respondi: os editores
títulos: A Morte da Querida Clara e
devem criar vergonha na cara e
Confissões de uma Morta). É um
investirem mais no escritor brasileiro.
romance de Detetive & Mistério que
com
os
seguintes
será publicado pela Editorial Corvo. R.R.: Quais são as dicas para se fazer uma boa história de terror? R.F.L: A principal dica é que você tem
de
surpreender
o
leitor.
Explicando melhor: no Horror/Terror, você lida o tempo todo com clichês; então, ao escrever uma história, você tem de subverter esses clichês, ou seja, o leitor pensa que a seguir vai acontecer algo e o que acontece é justamente o contrário.
R.R.:
Aos
autores
que
estão
iniciando na escrita, que conselhos R.R.: Apesar de ter escrito mais de
você daria?
1500 obras. Tem como escolher
R.F.L.: Primeiramente, é saber que
uma obra favorita, a que te marcou
gênero a pessoa se sente mais atraída
mais?
para escrever. Agora, se ela optar por
R.F.L: Grande parte dos l.547 que
escrever histórias de Detetive &
escrevi foi escrito por encomenda. Foi
Mistério, não pode deixar nada sem
um trabalho mercenário, que assinei
uma
com diversos heterônimos. Dentre
explicações não podem ser simplórias.
explicação
lógica.
E
as
E tem de deixar pistas, no decorrer da 25
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história, para o leitor, ou seja, não pode enganar o leitor. Já no Horror e no Fantástico, cabe tudo. Entretanto, a dificuldade está em surpreender o leitor. Não podem ser histórias piegas e devem ser evitados os lugares-
REDES DO AUTOR
comuns.
SITE: R.R.:
Agradecemos
a
sua
www.rflucchetti.com.br
participação. Que recado você deixa para seus fãs e admiradores do gênero horror? R.F.L.:
Eu
FACEBOOK: facebook.com/
quero
agradecer
a
profile.php?id=100004795548524
oportunidade de responder às suas perguntas – perguntas essas muito inteligentes – e estendo esse meu agradecimento a todos os meus leitores e admiradores, já que sem eles eu não poderia continuar escrevendo. E estou admirado em ter um grande número de leitores, sobretudo num país que não tem uma grande tradição nesses gêneros a que me dedico.
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Site www.revistareal.weebly.com
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Texto originalmente publicado em:
www.cronicadodia.com.br/
Os caçadores Por Zoraya Cesar zoraya.cesar@gmail.com O anúncio era bem simples,
interior, tímido demais até para
quase pobre: “Alugo casa em vila,
perguntar as horas (quanto mais morar
bairro nobre, rua **, preço abaixo do
numa
mercado. Procure o proprietário no
desconhecida);
local após as 19h”. O papel estava
aposentado, viúvo e sem filhos.
colado em um poste, igual àquelas
Pessoas
propagandas que prometem trazer o
despercebidas que o anúncio, que não
amor de volta em três dias. Não tinha
faziam falta a ninguém, e a quem a
desenhos, cores, qualquer tipo de
chance de morar numa vila, em
chamariz. Era mais um anúncio
condições tão vantajosas, não podia
grudado num poste, que, assim como
ser desperdiçada.
centenas de outros, passava totalmente despercebido.
Totalmente?
república
que
cheia um
de
gente
professor
passavam
mais
Não sabemos de outros, mas
Não.
estes, com certeza, procuraram o
Havia dois tipos de pessoa que, não
proprietário para fechar negócio. Uma
por acaso do Destino (que este senhor
vez instalados na vila, de lá não mais
não acredita
saíram.
em acasos),
lia
a
mensagem. Uma
Vamos ao segundo tipo de velha
senhora,
sem
pessoa que percebia aquele anúncio
parentes, sem amigos e sem cachorro;
em particular, em meio a tantos
um estudante de filosofia, vindo do
outros: Lucrécio Lucas quase não
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acreditava
em
sua
sorte.
Era
exatamente o que procurava há meses! Uma vila. Um aluguel barato. Um encontro após o anoitecer.
ficação da avó da Chapeuzinho Vermelho. A voz suave da avozinha convidou-o a entrar. A sala parecia ter
Ele não ficou exatamente feliz,
saído direto de um livro de contos de
mas excitado e apreensivo. Muito. A
fadas, e imediatamente ele se sentiu
situação exigia uma preparação severa
aconchegado,
e astuciosa. Se algo desse errado... era
sonolento.
melhor não pensar nisso. E Lucrécio
aconteceria.
relaxado, Como
sabia
quase que
Lucas – cujo nome fora dado pela avó em homenagem à amante do marido (mas isso é outra história) - estava no ramo há alguns anos, tinha uma certa experiência. E até então nunca fora pego. Mas não havia tempo a perder, por isso, na mesma noite, bateu no endereço anunciado. A porta abriu. E Lucrécio Lucas sobressaltou-se. O serviço seria mais difícil do que imaginara. Oxalá não fosse mais difícil do que se preparara. Ela era um camafeu, de tão
A doce velhinha serviu-lhe um chá, cujo inconfundível aroma de
branquinho,
papoula deixou Lucrécio em alerta.
branquinho – e agora o chavão se faz
Foi então que ela sorriu, e o coração
inevitável – como algodão fofo e
dele bateu mais forte. Dentes naturais,
muito, muito velhinha mesmo. Se
perfeitos, que contrastavam com a
colocasse uma touca, seria a personi -
decrepitude do resto do corpo.
delicada,
o
cabelo
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pela sala, mas a cabeça, mesmo separada
do
terríveis
maldições
macabras.
corpo,
Lucrécio
gorgolejava e
ameaças
Lucas
teve
ímpetos de chutá-la, mas era um Ele
saltou
para
a
frente,
desembainhando a curta cimitarra de prata que trazia escondida e tentou arrancar-lhe a cabeça. Numa rapidez surpreendente,
ela
desviou-se
e
imediatamente contra-atacou. O golpe cortou profundamente o rosto de
A situação tornara-se crítica: ele, ferido e envenenado pelas garras
cambaleou,
trôpego, até a porta, mas a velha correu
para
mortíferos e colocou-a num saco de veludo negro, cheio de sal grosso e eucalipto. A boca emudeceu. Andou pela casa, esperando encontrar alguma das vítimas ainda
irremediavelmente mortas. A velha vampira não guardava para comer depois.
da velha; ela, incólume. Lucas
cuidando de não ser pego pelos dentes
viva, mas, infelizmente, todas estavam
Lucrécio e atirou-o para longe.
Lucrécio
profissional. Segurou-a pelos cabelos,
impedir-lhe a
fuga,
colocando-se entre ele e a saída. Era o que Lucrécio queria. Endireitou o corpo e, num único golpe semicircular, decapitou-a. Já tonto, tirou do bolso uma ampola e dela bebeu um estranho e viscoso líquido verde, urgia cortar o efeito do veneno fatal. Não havia sangue escorrendo
Ele
ligou
para
um
dos
integrantes do Grupo. - Oi, sou eu. Encontrei aquela amiga de longa data que estávamos procurando. Estou bem, mas preciso de mais dois de nós aqui. E chame o Padre Tércio. Temos algumas Almas para encomendar e uma confissão para arrancar. Ele desligou e esperou, cansado. Sentiu pena das vítimas. Nessa luta não havia um dia da caça, outro do caçador. Os dias eram sempre dos caçadores.
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RECOMENDAÇÕES
Carol De Fernando Tanus
Carol, bissexual, está na casa de amigos. Acha todos ali superficiais e fúteis. No bairro vizinho, Gabriel leva o fora da mulher por quem é apaixonado. Enquanto isso, em uma festa, Bruna flagra seu namorado com outra. Nessa mesma noite, os três se encontram.
E
iniciam
um
triângulo
amoroso. Bruna se descobre gay e quer ficar somente com Carol. Mas Gabriel também se apaixonou por ela. Carol fica dividida entre os dois. E agora, o que fazer?
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