Os lírios do Campo (Livro)

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Pedrosa Ferreira

Os lĂ­rios do campo 150 contos cristĂŁos


© 2014 Edições Salesianas Rua Dr. Alves da Veiga, 124 Apartado 5281 4022-001 Porto www.edisal.salesianos.pt edisal@edisal.salesianos.pt Tel. 225 365 750 Fax. 225 365 800 Capa e Paginação: João Cerqueira Impressão: Edições Salesianas ISBN: 978-972-690-882-1 D.L.: 378458/14


Apresentação Uma vez, dois peregrinos iam a caminho de uma cidade distante. Um deles, cansado de tantos quilómetros percorrer, ­ ­pediu ao outro: – Não me podias encurtar um pouco a estrada? O companheiro, que não podia reduzir os quilómetros, lembrou-se então de lhe contar histórias interessantes. O outro escutou-as com muito prazer e foi fazendo comentários. Ficou muito admirado, porque assim a estrada pareceu-lhe mais curta. Chegou contente à meta. Na continuação de outros livros semelhantes, alguns deles ­esgotados, publicamos estes cento e cinquenta contos para irmos lendo ao longo da nossa caminhada pelos caminhos da vida. Estes 150 andam dispersos em livros e na Internet. Aparecem redigidos de diferentes maneiras. Fizemos uma compilação e redigimos cada conto num estilo directo e todos do mesmo tamanho, de forma a ficar um em cada página. No final, fazemos um breve comentário. Estes contos, belos como os lírios do campo, têm o perfume do Evangelho. Por isso, dizemos que são contos cristãos.

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Um dom para ti Numa lixeira abandonada cresceu um girassol que se fez ­amigo de um passarinho. A flor era triste pois gostaria de viver num jardim. Por isso se interrogava: “Para que é que eu sirvo?” Mas o passarinho contemplava o girassol e dizia: “Como és belo!” O girassol, ao ouvir este elogio, ganhava ânimo para crescer no meio do lixo e sempre voltado para o sol. Uma manhã, o passarinho não apareceu. Passados alguns dias, o girassol ouviu um pequeno gemido a seus pés. Inclinou-se e viu que o passarinho se arrastava com uma asa partida. Perguntou-lhe: – Meu amigo, o que é que te aconteceu? – Uma gaivota feriu-me e não tenho nada para comer. É o meu fim. – Não, não. Espera um momento! O girassol sacudiu com vigor a sua grande corola e uma chuva de sementes caiu no caminho. Depois disse: – Come-as, minha amiga. Irão restaurar as tuas forças. Passado algum tempo, a avezinha retomou o vigor e voltou a olhar para o girassol. Ficou muito surpreendido ao ver que ele tinha perdido toda a sua beleza. Muito triste, perguntou-lhe: – O que é que te aconteceu, linda flor dourada? – O meu tempo terminou. Mas desapareço feliz. Durante muito tempo, interroguei-me acerca das razões do meu viver. Agora percebi: fui um dom para ti, consegui que recuperasses as forças e continuasses a viver. E tu também foste um dom para mim, pois sempre me deste coragem. Come todas as sementes que quiseres, mas deixa algumas. Um dia, germinarão e certamente surgirá aqui um belo jardim.

O meu mandamento é este: amai-vos como Eu vos amei. Não existe maior amor do que dar a vida pelos amigos (Jo 15, 12). 4


A balança Uma mulher pobremente vestida entrou numa loja e perguntou ao dono: – Posso comprar e levar algumas coisas a crédito? Não tenho ­dinheiro. O meu marido está muito doente. Tenho seis crianças para a­ limentar. O dono respondeu: – Lamento muito, mas não posso vender a crédito. São normas da casa. Porém, a mulher insistiu: – Por favor! Pagar-lhe-ei logo que puder. Ao lado, estava um cliente que ouviu a conversa. Disse ao dono: – Eu encarrego-me de pagar aquilo de que ela necessita. O dono, que conhecia esse bondoso cliente, disse então à mulher: – Faça uma lista das compras. Ela assim fez. Em seguida, disse-lhe: – Ponha agora a lista num dos pratos da balança. O dono ficou assombrado, ao ver que o prato da balança ­desceu até ao mais baixo e assim ficou. Muito admirado, disse: – Não posso acreditar! A lista pesa assim tanto? O bondoso cliente observava e sorria. O dono, incrédulo, ­começou a pôr alimentos, cada vez em maior quantidade no outro prato, e a balança não se movia. Foi preciso colocar tudo aquilo de que necessitava a mulher, para equilibrar a balança. O generoso cliente pegou no papel e leu. Não era uma lista de compras, mas uma oração que dizia: “Senhor, conheceis as minhas necessidades. Em Vós confio”. A mulher de fé agradeceu e saiu. O cliente entregou ao dono, pasmado, todo o valor da compra e despediu-se, feliz pela sua boa acção. Deus está atento ao clamor dos pobres e escuta a sua oração. Para isso, serve-se de pessoas generosas. 5


Os saldos Um dia, espalhou-se a notícia de que o diabo iria fazer uma renovação total do inferno. Por isso, tinha posto à venda todas as ferramentas até então utilizadas, e que serviam para tentar as pessoas. Na noite da venda a saldo, lá estavam todas as ferramentas dispostas nas prateleiras: ódio, ciúme, infidelidade, soberba, ­ ­avareza, luxúria, ira, gula, inveja, preguiça, injustiça, egoísmo. ­Estas são as ferramentas do mal. O diabo queria vendê-las, a fim de fabricar ferramentas mais apropriadas para os tempos modernos. Precisava de material mais sofisticado, para apanhar muitas pessoas para o inferno. Numa prateleira ao lado estava um instrumento de forma ­inofensiva, já muito gasto, como se tivesse sido usado muitas vezes e cujo preço era, contudo, o mais elevado de todos. Alguém perguntou ao diabo: – Qual é o nome dessa ferramenta? Ele respondeu prontamente: – Chama-se “desânimo”. – E porquê um preço tão elevado? O diabo respondeu: – Porque este instrumento é mais útil que qualquer outro. ­Posso entrar na consciência de um ser humano, quando os outros ­falham. Depois de estar dentro dele, por meio do desânimo, a pessoa deixa de ter força para fazer o bem. É isso de que eu gosto: pessoas que andam de braços caídos, sem audácia para fazer algo de bom. É o pecado da omissão. Tenho o inferno quase cheio de gente de boas intenções mas sem ânimo para as realizar. O desânimo é uma atitude diabólica, que consiste em baixar os braços e não lutar pela vitória da paz e do bem. 6


A gota de água Era uma vez uma nuvem formada de muitas pequenas gotas de água, que dançava no céu numa manhã de Primavera. Uma gota de água disse à outra: – Queres saltar comigo lá para baixo? Ela respondeu: – Não tenho medo de saltar para a terra, mas hoje não quero. A gota de água explicou melhor: – Convidei-te, porque não quero ir sozinha. Sozinhas, não ­somos nada. Mas, todas juntas, conseguiremos uma boa ­chuva. Porém, a segunda gota replicou: – Que tolice, todas juntas! Eu posso lançar-me sozinha e ­brilhar formosa como o sol. E é já! A gota juntou as mãos e, sozinha, lançou-se de cabeça no ­vazio em direcção ao solo. A gota chegou à terra sequiosa e nem sequer conseguiu molhar a pétala de uma flor. Entretanto, lá do alto dos céus, as gotas d ­ isseram: – Nós iremos todas juntas. Uma, duas, três, agora! Saltaram todas juntas ao mesmo tempo. Que chuva tão ­benéfica! A terra ficou colorida de verde e as flores sorriram. Os camponeses ficaram felizes. As gotinhas procuraram depois a sua irmã, a que quis fazer a chuva sozinha, e não a encontraram. Perguntaram à terra se a tinham visto. Ela respondeu: – Vimos uma gotinha louca que caiu e morreu. Não serviu para nada. Pelo contrário, vós, todas juntas, tornastes possível a chuva tão aguardada, que trouxe imensa alegria a toda a gente. A Primavera pode continuar a florir. Sozinhos, não conseguiremos fazer nada. Todos juntos, ­teremos o mundo na mão e poderemos fazer maravilhas. 7


A teia de aranha Uma vez, um homem estava a ser perseguido por inimigos, que o queriam matar. Foi então esconder-se numa gruta escavada nas montanhas. Os inimigos começaram a procurá-lo nas proximidades, a ver se o encontravam. O pobre homem estava tão desesperado, que se ajoelhou e fez a Deus a seguinte oração: – Deus todo-poderoso, envia os teus anjos para que desçam à terra e fechem a entrada desta gruta. Mostra o teu amor. Nesse momento, viu aparecer uma aranha à entrada da gruta. Esta começou a tecer lentamente uma teia. O homem, ­angustiado, rezou de novo: – Senhor, eu pedi que enviasses anjos e não uma aranha. Por favor, com a tua mão poderosa, coloca um muro forte à entrada, para que os meus inimigos não possam entrar e eu salve a vida. Esperou que a sua oração fosse escutada, mas viu apenas que a aranha continuava a tecer a sua teia. Os inimigos já se aproximavam da gruta e este resignou-se a esperar pela morte. Quando os inimigos chegaram à entrada da gruta, já a aranha tinha tecido uma grande teia que cobria toda a entrada. Lá dentro, o homem ouviu um dos seus inimigos a dizer: – Vamos, entremos nesta gruta! Um outro, que devia ser o chefe, disse: – Não vês que tem uma teia de aranha? Ninguém entrou aqui dentro. Sigamos adiante. O homem, feliz, fez então uma oração de agradecimento a Deus que, de uma forma simples, o livrou da morte. Percebeu que Deus se tinha servido de uma forma desconcertante para o salvar da mão dos inimigos. Na dificuldade, o crente fala com Deus de amigo para amigo, na certeza de que ele escutará a sua oração. 8


Os sapatos Era um dia frio de Inverno numa grande cidade. Uma c­ riança de 10 anos parou diante de uma sapataria. Estava descalça e o ­ lhava para a montra, tremendo de frio. Uma bondosa senhora aproximou-se dele e perguntou-lhe: – Como te chamas? – Sou o Jaime. A mulher, impressionada por o ver descalço, continuou: – Meu amigo, por que é que estás a olhar com tanta atenção para a montra? – Estava a pedir a Deus que me desse um par de sapatos. A senhora pegou-lhe pela mão, e entraram na loja. Ela disse ao dono: – Esta criança é minha amiga. Precisa de um par de sapatos ao seu gosto. Vieram os sapatos mais variados em caixas, que se foram abrindo. A mulher pediu ao dono: – Antes dela começar a calçá-los, pode trazer-me uma bacia com água e uma toalha. A bondosa mulher, num lugar reservado, lavou os pés à ­criança, e enxugou-os com a toalha. Tendo a criança os pés limpos, a ­senhora ajudou-a a experimentar o melhor par de sapatos. No final, acariciando-a, exclamou: – Jaime, sem dúvida que te sentes melhor com estes sapatos! Enquanto se despediam, a criança, com lágrimas de alegria nos olhos por tão belo gesto de amor dessa desconhecida, perguntou-lhe: – A senhora é a esposa de Deus?

Deus é Amor. Ele torna-se visível em todas as pessoas de bom coração, que amam os pobres e abandonados. 9


As sementes Era uma vez um rei que tinha três filhos. Quando chegou o momento de escolher o seu sucessor, chamou-os à sua presença e entregou a cada um pequeno saco de sementes. E disse-lhes: – Vou partir para uma longa viagem. Não sei quanto tempo estarei ausente. Cada um de vós faça das sementes que vos entrego aquilo que achar melhor. No final, escolherei quem será o meu sucessor. O rei despediu-se deles e partiu para longe. O primeiro filho fechou as sementes num cofre a sete chaves, esperando devolver ao pai as sementes tal como as tinha recebido. O segundo filho pensou: “Se eu guardar as sementes, elas ­podem apodrecer. O melhor é eu ir à feira vendê-las e guardar o dinheiro. Quando o meu pai regressar, irei comprar sementes ­novas, que serão melhores que as primeiras”. E assim fez. O terceiro filho semeou todas as sementes no jardim. Delas nasceram lindas plantas, que se cobriram de flores. Quando o rei regressou, foi ter com os filhos. O primeiro abriu o cofre. Dentro estavam as sementes apodrecidas. O pai repreendeu-o, dizendo: – Estas sementes não servem para nada. O segundo filho correu para o mercado e trouxe novas sementes. O pai disse-lhe: – Perdeste tempo, pois não as semeaste no momento oportuno. O terceiro filho levou-o ao jardim e mostrou-lhe toda a beleza das plantas floridas e de suave aroma. O pai, felicitando-o, disse-lhe: – Tu serás o meu sucessor. Cada pessoa, ao longo da vida, deve fazer frutificar as suas qualidades, deixando no final o mundo mais bonito. 10


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