A palavra do Domingo

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Álvaro Ginel - Mari Patxi Ayerra

A palavra do Domingo Ano A

Comentário e oração

Edições Salesianas


Ficha técnica © 2004 Mari Patxi Ayerra / Álvaro Ginel © 2004 EDITORIAL CCS, Alcalá 166 / 28028 MADRID © 2007 EDIÇÕES SALESIANAS Rua Dr. Alves da Veiga, 124 4022-071 PORTO Tel. 225365750 Fax. 225365800 www.edisal.salesianos.pt edisal@edisal.salesianos.pt Tradução: Antero Ferreira Paginação: rAP Capa: Paulo Santos Impressão: Edições Salesianas Encadernação e acabamentos: Humbertipo ISBN: 978-972-690-560-8 DL: 266533/07


APRESENTAÇÃO Uma intuição como ponto de partida: necessidade de perceber a Palavra, de se alimentar dela e de rezar a Palavra. Não foi pensá-lo e começar logo a escrever. Primeiro escrevíamos o comentário breve centrado de modo quase exclusivo no texto evangélico. Seguia-se um momento de silêncio e de composição da oração. Pensávamos em grupos de pessoas adultas que animamos, cada um por sua conta. Elas eram os destinatá­ rios prioritários que tínhamos ao escrever. Há muitos outros que estão nas mesmas condições. Também nos dirigimos a esses. E a muitos mais. Sentimos que o povo cristão tem necessidade de ler a Palavra, meditar a Palavra, rezar a Palavra. Centrarmo-nos mais na Palavra será o nosso futuro de comunidade, nova e renovada, de seguidores de Jesus. Fizemos o esforço de passar tudo pela cabeça e pelo coração. A cabeça e o coração tinham os pés assentes na terra: temos que ser muito terrenos, insistia Mari Patxi. E saiu esta obra que te apresentamos. Quer ela ajudar a entrar na Palavra dos domingos e das festas do Ano Litúrgico. Sim, entrar na Palavra. A Palavra é um universo em que havemos de ousar entrar. É verdade que seria melhor dizer que havemos de ousar aproximar-nos dela para que seja a própria Palavra a entrar em nós. Confessamos um receio: que alguns, ao ler e rezar a Palavra que está escrita, pensem que já tudo está feito. Ninguém reza em vez de ninguém. Ante a Palavra, a única coisa possível é partilhar. Eu li a Palavra antes de ti, e olha aonde ela me levou. Eu li a Palavra antes de ti para que também tu te animes a fazer o mesmo e ela te leve a horizontes que nunca imaginaste. Tu não és eu. Tu és tu: tens a tua história pessoal, a tua situação e coordenadas, a tua trajectória de obediência a Deus… Tu és único perante Deus. Nessa corrente de encontro e escuta de Deus que não começa agora, a Palavra aproxima-se


de ti para te levar mais ao próprio coração de Deus. Ao teu lado, outros crentes como tu, também estamos empenhados em escutar a Deus que não está calado e que tem desejo de ser nosso interlocutor Desejamos-te um encontro com a Palavra e, através dela, com Deus, que tem palavras especiais, guardadas para ti.

Mari Patxi AYERRA, autora das orações Álvaro GINEL, autor dos comentários bíblicos e litúrgicos


Advento


Primeiro domingo do Advento Isaías 2, 1-5 Romanos 13, 11-14 Mateus 24, 37-44

À hora que menos pensais, virá o Filho do Homem

Ler e compreender Começamos o ano litúrgico pela mão do evangelista S. Mateus. Começamos, além disso, o tempo litúrgico do Advento para nos abrirmos à realidade de um Deus de que confessamos no “Credo”: De novo há-de vir em Sua glória, para julgar os vivos e os mortos, e o Seu reino não terá fim. Uma manifestação dessa vinda serão as celebrações do mistério do Natal ou Encarnação do filho de Deus. No início do ano litúrgico e do tempo de Advento, S. Mateus fala-nos do fim: Quando vier o Filho do Homem. Porquê? As pessoas têm tendência a ficar descansadas, a deixar tudo para o fim, a deixar passar o tempo sem viver em cheio cada momento do tempo (Ui! Isso está tudo muito longe! Dar tempo ao tempo!) Temos tantas coisas para fazer, que parece que nos deram corda; e fazemo-las porque temos de as fazer. Gastamos a vida a fazer coisas, mas não vive­ mos a vida no que fazemos, porque nos invade a rotina… O evangelista alerta a primeira comunidade e alerta-nos a nós hoje: Estai alerta! A hora de Deus é qualquer hora, quando menos o pensardes. Ouvimos lamentos: Ai que pena! Tocou-lhe a ele, mas podia ter‑me tocado a mim… Se tivesse sabido! Ser sábios é viver conscientemente cada dia como “o dia da vinda do Senhor”, como o dia de “recebermos o Senhor nas nossas vidas”. Estar preparados não é fazer coisas estranhas, mas fazer o vulgar, descobrindo nos outros o Jesus que vem. Não é difícil: um copo de água dado como Deus manda, é um copo de água dado ao Senhor que vem. Viver esperando, viver acreditando que virá, viver abertos a Alguém, acaba por mudar tudo. Como nos faz mudar tudo, até a casa e os horários, o estar à espera de alguém. Não esperar nada, não esperar por ninguém, faz que tudo seja uma rotina, uma apatia, onde nada tem interesse… Esperar alguém é ter razões para viver.


Orar a Palavra Apanhas-nos de surpresa Não sabemos o dia nem a hora do nosso encontro conTigo. Curiosamente, a morte apanha-nos sempre de surpresa; não a esperamos, é inoportuna, desinstala-nos… Não entendemos, Senhor, que Tu és o final da caminhada e o princípio do melhor. Preferimos viver como se esta vida humana fosse a única. Gostamos mais de pensar que estamos aqui para sempre; isso mantém-nos distraídos com mil ninharias quotidianas, em vez de nos ocuparmos nas grandes verdades que nos alegram o coração. Temos necessidade de viver conTigo, cheios da Tua presença, e conscientes de que todas as nossas aflições, buscas e anelos, pressas e aventuras, não são mais que o anseio por Ti, pelo Teu Amor, pela Tua presença e pelo Teu abraço. Fizeste-nos para Ti, Senhor, para nos encontrarmos conTigo, para Te gozar, meter-Te na nossa vida e saber que somos morada Tua. Deste-nos mil capacidades de ser felizes e de viver uma vida com interesse; capacidades para construir este mundo com uma vida harmoniosa e plena… Mas esquecemos-Te, fazemos tudo sós, não Te incluímos na nossa agenda. Vivemos como órfãos, tendo-Te como Pai…! Esquecemo-nos de Te procurar para que nos dês tranquilidade. Não nos lembramos de que no fim do caminho estás à nossa espera, e tens preparado, nessa mesa familiar, um lugar para cada um de nós: aí a morte não será o fim, mas o princípio do melhor, do grande… do Amor!


Segundo domingo do Advento Isaías 11, 1-10 Romanos 15, 4-9 Mateus 3, 1-12

Preparai o caminho do Senhor, aplanai Suas veredas

Ler e compreender S. Mateus relata a actividade de João Baptista para preparar a vinda do Messias. O relato situa primeiro o profeta: está no deserto, prega a conversão porque está perto o Reino. Esta notícia que é anunciada não é nova; entronca com a profecia de Isaías. A atitude do Baptista não é coisa espontânea. É cumprimento de uma promessa que vem de longe; a sua raiz está na tradição profética. Depois descreve a maneira de vestir e de viver de João. A vida que se vive tem de estar em consonância com a palavra que se proclama. A conclusão da descrição: Toda a gente acorria a ele. Depois o evangelista destaca o que dizia a um determinado grupo de pessoas – fariseus e saduceus. A estes explicita-lhes a conversão e a mudança que lhes é pedida para acolher o Messias. Em primeiro lugar dá-lhes nome; são “raça de víboras” (estão fechados no mal), porque se justificam, excluem-se da conversão, dão “boas razões” para se considerarem “os bons”, “os que não precisam de nada”, “os filhos de Abraão que estão na verdade e excluem os demais”. João anuncia que, perante o juízo da palavra de Deus, nenhuma palavra humana resiste; e, sobretudo, ficam desclassificados os que se arrogam o monopólio da palavra e da sua verdade tornada “a verdade”. O Messias vem para “remover tudo”, mesmo o que é tido por verdade intocável. O Messias destrói todas as seguranças inventadas. Daqui em diante nada nos dará segurança a não ser um nome: Jesus. Daqui em diante, quem quiser estar seguro, terá que aceitar a única segurança que Deus dá: estar pendurados d’Ele, porque Ele está em acção, Ele está a lembrar-Se do Seu povo, Ele está a fazer salvação. A proclamação do anúncio da proximidade do Reino não se faz em Jerusalém. “Os da capital” têm de sair do seu privilégio e ir como toda a gente ao deserto, ao êxodo. Há lugares onde estamos, ou que se conquistam, em que não é possível converter-se se não através do abaixar-se a ser simples e ir aonde vão os que em verdade procuram, não os que pensam que já sabem tudo. 10


Orar a Palavra Mandas profetas, Senhor Como fizeste com João Baptista, constantemente nos avisas como temos de viver. Vais-nos colocando pessoas que acompanham a nossa vida, como uma lição de austeridade, de profundidade e de coerência. Nós preferimos andar despistados, distraídos com o que chamamos as “coisas importantes da vida”, mas que sabemos muito bem que nada têm a ver com o essencial, que são rotinas nossas e nossos hábitos; mas que nem sempre são a forma de viver à Tua maneira nem de construir o Teu Reino. Mandas-nos profetas, empenhas-Te em nos lembrar, com o seu agir ou com a sua palavra, que talvez a nossa vida não seja de todo fecunda, que poderíamos dar mais fruto, que os outros não estão a beneficiar de todas as qualidades que temos, que não nos damos o suficiente na família, no trabalho, no nosso ambiente e na vida social, nesse mundo que necessita de nós para que o enchamos de justiça e partilha. E Tu, Pai, falas-nos ao coração, de viva voz na oração, e através de outros irmãos que gozam de uma comunicação mais intensa conTigo. Lembras-nos que não nos queres fariseus, convencidos, seguros; que nos queres frágeis e disponíveis, comprometidos e livres ao mesmo tempo, dispostos a viver à Tua amorosa maneira, construindo relações de igualdade, atentos a tudo o que ao outro acontece. E, sobretudo, convidas-nos a viver comprometidos em transformar este nosso mundo na terra nova, onde todos nos trataremos como irmãos. Continua a mandar-nos profetas, continua a despertar-nos o coração; não nos deixes passar a vida a dormir numa mediocridade que nada tem a ver conTigo. Segura o machado que está disposto a cortar a nossa árvore da vida porque não dá frutos e volta a dar-nos outra oportunidade, para viver uma vida mais fecunda, feliz e plena. Nós sós não podemos, não sabemos…, mas conTigo ao lado tudo nos é possível.

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Terceiro domingo do Advento Isaías 35, 1-6.10 Tiago 5, 7-10 Mateus 11, 2-11

És Tu o que há-de vir, ou temos que esperar outro?

Ler e compreender Mateus (4, 12) dá a notícia da prisão de João Baptista, mas não a comenta. Quando João desaparece, o que realmente fica é “o anunciado pelos profetas”. Na passagem deste domingo, Mateus apresenta o profeta que anunciava a vinda do Messias, fazendo ele mesmo perguntas sobre o Messias. Tudo mudou. Quem parecia ter toda a verdade, perante a novidade de Jesus, interroga-se também. Ontem tinha tudo claro; hoje duvida. O antigo já não vale. O que era de ontem não serve para toda a vida. João, como todos, precisa de se abrir ao que é novo. Na sua prisão, na sua “tumba”, João continua a ser profeta. A sua pergunta faz com que fale o profeta que é maior do que ele e a quem não é digno de desatar as sandálias. João pergunta por meio de outros; não tem possibilidade de chegar em directo ao Messias. Mas recebe uma resposta. Esta não é uma ficha técnica; é um convite a “ver as obras do Senhor”: os cegos vêem, os coxos andam, os surdos ouvem, os pobres recebem uma boa nova. É uma resposta na linha de João 1, 39: “vinde e vede”. Não é possível reconhecer a verdade do Messias por uma afirmação teórica, sem mais. O Messias é reconhecível porque “deixa marcas”: mudam as pessoas, abrem-se ao que antes se recusavam, começam uma vida diferente. Uma aceitação do Messias que não “deixe marcas”, não vale. O Messias passa deixando “sinais de vida”, “inaugurando novidade de existência”. Foi assim e é e será assim. É totalmente real a expressão: “Deus mudou a minha vida”. Quando um crente sente a necessidade de pronunciar essas palavras, o Messias entrou realmente nas suas entranhas, no coração da sua vida.

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Orar a Palavra Tu mudas as nossas vidas Contaram-nos e também o experimentámos. Como vamos escandalizar-nos de Ti se sempre nos enches de alegria? ConTigo deixamos de ser surdos, já não vivemos só para nós; Tu nos convertes em escutadores de outros. ConTigo curam-se todas as nossas doenças, e não por deixarem de existir, mas porque deixamos de nos sentir o centro do mundo. Passamos do viver obcecados com os nossos sintomas, para atender e cuidar o que sofre, quem vive ao nosso lado. Tu mudas as nossas vidas, Senhor, porque nos ressuscitas. Arrancas-nos da rotina, da vida mortiça, de repetir dia após dia as mesmas coisas, sem entusiasmo. Tu que és todo entusiasmo, novidade, fortaleza e ternura, dás-nos um abanão vital que nos rejuvenesce. Tu, mudas a nossa vida, ó Pai, porque és novidade. O que foi ontem, está diferente; não nos servem as mesmas coisas, mas envolves-nos na Tua compreensão e refreias-nos o gosto de julgar, de condenar o que é diferente, de recordar “que sempre se fez assim”, para nos ajudar a inventar novos caminhos e a ver em todos as obras do Teu amor. Tu sempre deixas marca, entras em nós com a tua salvação. Nós, umas vezes escolhemos escandalizar-nos, para justificar a nossa imobilidade, o continuar como sempre; e outras, ao invés, deixamos que nos mudes, que tomes de assalto a nossa vida, que nos enchas da Tua VIDA EM ABUNDÂNCIA.

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Quarto domingo do Advento

Isaías 7, 10-14 Romanos 1, 1-7 Mateus 1, 18-24

O Filho que traz em Si vem do Espírito Santo

Ler e compreender Mateus não narra o nascimento de Jesus, se bem que o texto diga: “O nascimento de Jesus deu-se do seguinte modo” (v. 18). O evangelista enquadra o relato entre a genealogia de Jesus Cristo e a adoração dos Magos. Maria aceitou a erupção de Deus na Sua vida (Lc 1, 38). José tem de aguentar. Como um acto de fé, José deverá assumir a gravidez de Maria, sua esposa; algo que está para lá da lógica humana. As coisas de Deus são inexplicáveis sem a fé. As coisas de Deus são inex­plicáveis, sem que com isso nos fuja tudo da mão. As coisas de Deus são inexplicáveis sem entrega e confiança. As coisas de Deus são inexplicáveis sem aceitar que Deus tem projectos que não são os nossos projectos. As coisas de Deus são inexplicáveis sem confessar: Tu tens razão apesar do que diz a minha razão, e apesar das minhas razões. As coisas de Deus são sempre um desafio à razão e um repto à confiança e à fé sem li­ mites. Deus começa a fazer alguma coisa com aqueles e naqueles que se abrem à entrega confiada e sem limites. Deus é Deus onde deixamos que O seja, por renunciarmos a que seja como nós queremos que seja, e que faça o que nós queremos que Ele faça. Deus entra no nosso mundo saltando sempre por cima da lógica. Aceitar o Messias exige sempre algo novo, como exigiu a Maria e a José. O Espírito de Deus cria na Novidade anunciada desde tempos antigos. José, o justo, tem de vencer a “crise” de não saber que fazer diante do que os seus olhos vêem. Não tem dúvida do que vê. Tem dúvidas do que tem de fazer para não fazer mal a Maria. E o homem justo acaba acei­tando o projecto de Deus em que se sente implicado, sem o ter planeado de antemão. Deus mete sempre o crente em “histórias” incríveis, através das quais vai tecendo a “história da salvação” que Ele tem muito clara e de que é o principal protagonista. 14


Orar a Palavra Vieste a este mundo, Jesus E nós gostamos de contar o Teu nascimento através de figurinhas, de musgos e brinquedos de crianças, para não tomarmos demasiado a sério a Tua vinda. Chegaste a este mundo porque vivíamos sem Deus, vieste dizer-nos que assim não vale a pena continuar a viver, que estamos pouco satisfeitos, que gastamos demasiada vida nas ninharias domésticas, nos desencontros relacionais, em ter razão ou em arrazoar a nossa sem-razão. Preferimos ouvir canções de Natal, canções quase de berço, para não fazer o silêncio em que nos sussurras ao ouvido a Tua boa notícia. Para que não nos recordes que estamos salvos se vivemos amando-nos muito, muitíssimo, a nós mesmos, assim como Tu nos amas e tens um projecto grande para cada um. E não queremos escutar-Te a convidar-nos a amar os outros do mesmo modo, com todo o coração, com toda a nossa capacidade de entrega, de respeito, de empatia, de lhes facilitar o caminho da vida. Preferimos ver a Tua foto de família e mostrar-Te a nossa, para que não nos fales de outros irmãos, que estão muito longe, que têm uma vida demasiado complicada, que nos complicaria a nossa, se a entrelaçássemos com a deles… E nós já temos que nos chegue com a luta diária! Não queremos ouvir-Te que sentes mais a dor deles do que a nossa, que os Teus preferidos são os pobres, e que gostarias de nos enviar a eles, para que os acolhêssemos no coração, para que, juntos, mudássemos este nosso mundo que não funciona, num espaço comum em que todos vivamos bem. Vieste a este mundo, Jesus; não Te vás, a ver se conseguimos, de uma vez por todas, viver à Tua maneira.

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Natal e Epifania

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Natal do Senhor (Missa do Galo) Isaías 9, 1-3.5-6 Tito 2, 11-14 Lucas 2, 1-14

Hoje nasceu-vos um Salvador, o Messias, o Senhor

Ler e compreender A primeira parte do texto evangélico proclamado, situa o acontecimento do nascimento de Jesus na história do povo romano, o povo de referência porque era o “Império”. De qualquer maneira não conseguimos saber muito bem a que recenseamento se refere, pois houve muitos. O importante é que o evangelista situa Jesus em Belém (Casa do pão), no mesmo contexto pastoril em que nasceu David, o rei ungido por Deus. Nestas coordenadas de tempo e espaço (história), Maria dá à luz o seu primogénito, o filho que, segundo a Lei, era propriedade particular de Deus e pelo qual tinham de “pagar um resgate” ao Templo (Ex 13, 12-13; 34, 19-20). A seguir, S. Lucas põe a teofania, ou aparição do Senhor, servindo-se de um anjo. O temor que mostram é a verificação de que estão na presença de Deus. Os pastores recebem o anúncio. É-lhes manifestada a identidade do menino: o Messias, o Salvador. Não lhes é dito onde está exactamente. São-lhes dados sinais. Terão de o procurar, de o descobrir, de se aproximar e de se encaminhar para o lugar. A presença de Deus feito próximo não nos poupa “o trabalho” de o procurar através de pistas ou sinais. Todas levam a um lugar simples, a uma realidade humilde, a um exercício de “abaixamento”, como o mesmo Deus fez. O acontecimento dá-se na noite, no mistério, no encanto dos que velam e não dormem, dos que não podem dormir porque procuram ou porque o coração está vazio e anseia por outra coisa, ou está cheio e transborda. Os pastores dão-se conta de que na sua tarefa de procura não estão sós: uma legião do exército celeste louva Aquele que procuram: Glória a Deus… Costuma acontecer: pomo-nos a caminho para o encontro com o Senhor e descobrimos que não somos os únicos. Pelo caminho em que caminhamos, há muitos que avançam sem barulho. 18


Orar a Palavra Trago-vos uma boa notícia Chegaste à terra para nos trazer uma grande alegria, como diz o anjo. E Maria foi a primeira que Te deixou agir, que Te deixou actuar nela, sem opor nenhuma resistência, sem perder tempo a pensar na sua fragilidade, disposta somente a dizer-Te que se fizesse nela o que tinhas planeado. A sua simplicidade escandaliza-nos…Temos medo do que não podemos, do que não sabemos, do que não alcançamos…! E não sabemos, como ela, deixar-nos moldar por Ti, simplesmente, sabendo que és Tu que tens o sonho, o projecto do Reino, e que só precisas de nós para Te deixarmos moldar-nos. Ela envolveu-Te em fraldas e deitou-Te… o mesmo que fazem todos os pais com os filhos; e, a partir daí, foi deixando que a vida corresse, que cada dia trouxesse o seu próprio peso, e que as etapas se sucedessem. Soube estar ao Teu lado e com a sua gente, sem acelerar nada, sem viver preocupada, deixando brotar o amor que se ia fazendo em Ti. Maria, contagia-nos com a sua disponibilidade para aceitar os planos de Deus, incondicionalidade para não lhe opor tantas resistências, simplicidade para não questionar tudo e todos, e generosidade para nos darmos de todo em cada momento, comprometendo-nos totalmente em cada situação. Não sabemos o que acontecerá amanhã; só temos o momento presente; mas este está cheio da Tua presença. És Deus, que, como o anjo disse, vens tranquilizar-nos porque nos trazes a boa notícia, que será grande alegria para todo o povo... se acreditamos de verdade que dentro de nós, entre nós e junto de nós estás Tu, Senhor.

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Natal do Senhor (Missa do dia) Isaías 52, 7-10 Hebreus 1, 1-6 João 1, 1-18

A Palavra fez-se carne e acampou entre nós

Ler e compreender O evangelho de hoje é o hino ao Verbo encarnado. É dentro desta lógica que temos de nos aproximar do relato do Verbo encarnado que S. João nos oferece. A narração dá passagem ao canto. O sublime torna-se poema. Verbo, Palavra: é o grito do Espírito que entra na história e se semeia nos corações de quem sabe ouvir. Porque Deus é grito e Palavra e Verbo, a fecundidade do crente depende da sua capacidade de escuta. Tudo depende da Palavra. Tudo depende da escuta. A Palavra tudo precede; também precede a escuta. A Palavra solicita a escuta. A Palavra modela a escuta. No princípio era a Palavra. Os que a recebem, fazem-se Palavra, fazem-se filhos, fazem-se “de raça divina”, “nascidos de Deus”. Para contemplar a Deus tem que se passar pela contemplação do homem. Deus viu algo no homem e fez-Se homem. Tudo o que não seja Jesus não pode ser Deus para nós. Deus fez-Se homem.

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Orar a Palavra Veio a sua casa… e não o receberam Hoje vens de novo até nós, em forma de palavra, de luz, de notícia; e hoje queremos receber-Te. Criar-Te um espaço no nosso coração para que entres bem dentro. Existias desde o princípio e enchias a terra, mas tens de voltar de novo a recordar-nos que estás, que chegaste, que és luz para as nossas vidas. Queremos receber-Te porque Te conhecemos. Falaram-nos de Ti desde crianças; a nossa história entrelaçou-se com a Tua, mas esquecemo-la, distraímo-nos das Tuas coisas, e tirámos-Te importância. Mas nasce hoje de novo nos nossos corações. Fica para sempre, porque estamos dispostos a ser dos Teus e a receber-Te para sempre. Vais-nos enviando testemunhas da Tua luz. Vais-nos dando pistas sobre como viver. Continuas a abrir-nos caminhos e nós fugimos à Tua Palavra. Hoje queremos abrir os ouvidos, encher-nos da Tua mensagem, abraçar a Tua maneira de estar no mundo e comprometer-nos conTigo a construir o Teu Reino, a mudar as estruturas, a dar-Te lugar nesta nossa sociedade que parece que não quer receber-Te onde já não cabes, porque incomodas, porque nos questionas. Tantos anos já celebrámos a Tua vinda, e o Teu nascimento; faz, Senhor, que este ano seja o do acolhimento definitivo, inunda-nos da Tua Palavra dinamizadora, arranca-nos das trevas da rotina, lança-nos a iluminar o caminho dos outros, a acolher-Te dentro, bem dentro, para que nada nem ninguém te possa tirar. Porque somos os Teus e, hoje, SIM, QUEREMOS RECEBER-TE.

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Sagrada Família Eclesiástico 3, 2-6.12-14 Colossenses 3, 12-21 Mateus 2, 13-15.19-23

Toma o Menino e Sua mãe e foge para o Egipto

Ler e compreender O texto está cheio de referências ao Antigo Testamento. São elas que lhe dão sentido. O Egipto é, ao mesmo tempo, lugar de exílio e lugar donde se sai para viver em paz. Do Egipto saiu o povo eleito para a liberdade. Herodes faz-nos lembrar o Faraó que manda exterminar os meninos como o faz ele mesmo com os Inocentes. Jesus, como Moisés, é salvo da matança de maneira milagrosa. A Sagrada Família é considerada por Mateus como “um resto” em que Deus Se faz presente e de que refaz o novo povo de Deus. Há que sublinhar que a primeira festa que a Igreja nos propõe depois do Natal é a Sagrada Família. O Deus que decide fazer-Se homem tem de passar pela experiência de ser filho, de ter uma família de referência. Chegará um dia em que, como adulto, anunciará a superação da referência da família carnal e proporá uma referência superior: sentir-se familiares de Deus. A nova família, a dos filhos de Deus, é uma família cujos pilares são a obediência e a escuta da Palavra de Deus. Obediência e escuta é o que Jesus vive e aprende na família carnal. Seus pais, obedientes a Deus, fazem e desfazem caminhos para Lhe serem fiéis. O retrato da família de Jesus, traçado por S. Mateus, não tem nada de idílico e sim muito de prosa. A defesa do filho, constantemente ameaçado de morte, sacode a vida da família. Nesse movimento de idas e vindas, a vida faz-se história e a história familiar entende-se dentro de um contexto amplo da história de salvação do povo de Deus que arranca do Egipto. A escuta do Senhor é que dá a José e Maria o sentido do que têm que fazer, e das decisões que têm de tomar. Ter como filho o Filho de Deus não é desculpa para que a vida seja caminho de rosas… Mais ainda: por ter como filho o Filho de Deus, José e Maria têm de enfrentar situações muito especiais. Cada um, para responder aos sussurros de Deus, terá de empreender caminhos nunca imaginados. 22


Orar a Palavra A família de Deus Maria, José e Jesus, vós que vivestes as mesmas agitações de qualquer família; que tivestes bons e maus momentos, alegrias e dificuldades, pressas e risos... queremos pôr em Vossas mãos a grande família humana, que geme dores de parto, que dá luz a tantas novas coisas... Pomos em tuas mãos, Maria, todos os nossos filhos; os filhos a quem damos muitas coisas, sentindo-nos culpados de não ter tempo para eles... Sugere-nos a melhor forma de ser pais, de lhes dar amor e segurança no escasso tempo que passamos com eles. Pomos em tuas mãos, José, todas as dificuldades da vida em casal. Tu que não tiveste as coisas nada fáceis e a quem admiramos pela tua paciência, ajuda-nos a cuidar a nossa relação, a superar as crises, a aguentar as dúvidas. Dá-nos uma ajuda para manter vivo o entusiasmo, para sermos o apoio um do outro, para que juntos nos ajudemos a realizar-nos, como tu fizeste com Maria e com Jesus. Pomos em Tuas mãos, Jesus, todos os jovens. Os que têm vida difícil, os que recebem da vida todas as facilidades, para caminhar por atalhos de liberdades opressoras, de amores fáceis, de eternos desejos e caprichos, de prazeres vazios… Ajuda-nos a apresentar-lhes o amor verdadeiro, o entusiasmo por transformar o mundo, a dor da injustiça, a preferência pelos pobres, o valor do que é pequeno. Convida-os Tu à Vida em Abundância, recorda-lhes o projecto vital e dá-lhes sonhos de liberdade e fraternidade. Pomos em Tuas mãos, Pai, os nossos corações raquíticos, que tanto se aferram à sua pequena família. Dá-nos um coração universal; que nos sintamos irmãos de toda a gente e não descansemos enquanto não construirmos a grande família humana, a que Tu sonhas para nós e hoje é o nosso sonho e compromisso conTigo. Sós não o conseguimos, mas conTigo abrem-se todas as portas ao nosso coração. Obrigado, Senhor, por me fazeres sentir da Tua família.

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Santa Maria, Mãe de Deus (1 de Janeiro) Números 6, 22-27 Gálatas 4, 4-7 Lucas 2, 16-21

Maria conservava todas estas coisas, meditando-as em seu coração

Ler e compreender Este evangelho é um momento importante na narração do nascimento de Jesus, que S. Lucas nos oferece (2, 1-20). Convém recordar que não se trata de narrar uns factos tal como aconteceram, mas de os ver como crentes. Maria é apresentada como uma crente que não vê tudo claro. Demasiadas coisas lhe passam ao lado, para que possa “ver tudo claro”. Para ti está tudo claro? Tu vês claro? É talvez uma tendência que temos e que a racionalidade nos pede. Maria aparece não como a que “entende tudo”, mas antes como a que guarda tudo e o medita. A claridade da fé nada tem que ver com a claridade da demonstração científica. O crente tem as coisas claras, não porque as entende, mas porque se fia em Deus e sabe em quem se fia. A atitude dos pastores que procuram a Jesus está reflectida na palavra correndo. É como a atitude de Maria, a modelo de fé, ao visitar a sua prima Isabel, Maria vai apressada. Os pastores encontram primeiro a Maria e a José, depois ao menino, numa manjedoura, tal como o anjo lhes tinha anunciado. Uma manjedoura não é um lugar normal para colocar um recém-nascido, nem mesmo em situações de falta de casa própria. Se aqui se fala de uma manjedoura trata-se de uma redacção que nos indica uma intencionalidade. Mais à frente, o lugar da fé no Senhor ressuscitado será também uma espécie de manjedoura: um sepulcro. De facto, a espiritualidade plasmada em ícones associou e pintou o presépio como um sepulcro. No nascimento está a anunciar-se a ressurreição, a nova vida inaugurada no sepulcro vazio. Quando os pastores reconhecem o menino anunciado, começam a contar o que o anjo lhes disse dele. Até os íntimos, Maria e José, estão a aprender o significado do filho que lhes foi dado, ouvindo os outros, a comunidade, ouvindo narrar o que os outros receberam e eles não. Maria 24


e José aprendem desde o princípio que a verdade sobre o seu Filho é algo que não poderão conseguir só com as suas forças e conhecimentos. Terão necessidade do saber que o Espírito de Deus reparte pelos crentes. Dentro da comunidade haverá pastores que terão como serviço dizer palavras especiais. Maria, nesta história, é protagonista do que acontece na sua presença pela atitude de acolhimento, de meditação e de positiva disponibilidade para entrar no mistério com silêncio sagrado. A Deus chega-se apres­ sadamente ou correndo. Mas depois, sempre, sempre será necessário tempo e silêncio para meditar e guardar tudo no coração e acreditá-lo.

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Índice Advento..................................................................................7 Primeiro domingo do Advento.................................................................8 Segundo domingo do Advento.............................................................. 10 Terceiro domingo do Advento............................................................... 12 Quarto domingo do Advento................................................................. 14

Natal e Epifania.....................................................................17 Natal do Senhor (Missa do Galo)..................................................... 18 Natal do Senhor (Missa do dia)............................................................ 20 Sagrada Família.......................................................................................... 22 Santa Maria, Mãe de Deus (1 de Janeiro)......................................... 24 Segundo domingo depois do Natal...................................................... 27 Epifania do Senhor (Domingo depois de 6 de Janeiro)................. 30 Baptismo de Jesus (Domingo depois da Epifania).......................... 32

Quaresma.............................................................................35 Quarta-feira de Cinzas............................................................................. 36 Primeiro domingo da Quaresma............................................................ 39 Segundo domingo da Quaresma............................................................ 42 Terceiro domingo da Quaresma............................................................. 44 Quarto domingo da Quaresma.............................................................. 47 Quinto domingo da Quaresma.............................................................. 50 Domingo de Ramos................................................................................. 53

Tríduo Pascal . .......................................................................55 Quinta-feira Santa (Missa da Ceia do Senhor).................................. 56 Sexta-feira Santa........................................................................................ 58 Sábado de silêncio..................................................................................... 60 Vigília Pascal.............................................................................................. 62

Tempo de Páscoa.....................................................................65 Domingo de Ressurreição (Missa do dia)........................................... 66 Segundo domingo da Páscoa.................................................................. 68 Terceiro domingo da Páscoa................................................................... 71

238


Quarto domingo da Páscoa.................................................................... 74 Quinto domingo da Páscoa.................................................................... 77 Sexto domingo da Páscoa........................................................................ 80 Ascensão do Senhor.................................................................................. 83 Domingo de Pentecostes (Missa do dia)............................................. 86

Tempo Comum....................................................................... 89 Santíssima Trindade (Domingo depois do Pentecostes)................... 90 Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo.................................................. 92 Segundo domingo Comum..................................................................... 95 Terceiro domingo Comum...................................................................... 97 Quarto domingo Comum.....................................................................101 Quinto domingo Comum.....................................................................104 Sexto domingo Comum.........................................................................107 Sétimo domingo Comum......................................................................110 Oitavo domingo Comum......................................................................113 Nono domingo Comum........................................................................116 Décimo domingo Comum....................................................................119 Décimo primeiro domingo Comum...................................................122 Décimo segundo domingo Comum....................................................125 Décimo terceiro domingo Comum.....................................................128 Décimo quarto domingo Comum.......................................................131 Décimo quinto domingo Comum.......................................................134 Décimo sexto domingo Comum..........................................................137 Décimo sétimo domingo Comum.......................................................140 Décimo oitavo domingo Comum........................................................143 Décimo nono domingo Comum.........................................................146 Vigésimo domingo Comum.................................................................149 Vigésimo primeiro domingo Comum.................................................152 Vigésimo segundo domingo Comum.................................................155 Vigésimo terceiro domingo Comum...................................................158 Vigésimo quarto domingo Comum....................................................161 Vigésimo quinto domingo Comum....................................................164 Vigésimo sexto domingo Comum.......................................................167 Vigésimo sétimo domingo Comum....................................................170 Vigésimo oitavo domingo Comum.....................................................173

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Vigésimo nono domingo Comum.......................................................176 Trigésimo domingo Comum................................................................179 Trigésimo primeiro domingo Comum...............................................182 Trigésimo segundo domingo Comum................................................185 Trigésimo terceiro domingo Comum.................................................188 Trigésimo quarto domingo Comum: Cristo Rei ............................191

Principais festas do ano...........................................................195 25 de Janeiro: Conversão de S. Paulo..................................................196 2 de Fevereiro: Apresentação do Senhor............................................198 19 de Março: S. José, esposo da Virgem Maria................................200 25 de Março: Anunciação do Senhor.................................................202 1 de Maio: S. José Operário.................................................................204 13 de Maio: Nossa Senhora de Fátima..............................................206 31 de Maio: Visitação da Virgem Maria............................................209 Sagrado Coração de Jesus......................................................................211 24 de Junho: Nascimento de S. João Baptista..................................213 29 de Junho: S. Pedro e S. Paulo.........................................................215 25 de Julho: S. Tiago, Apóstolo...........................................................217 6 de Agosto: Transfiguração do Senhor.............................................219 15 de Agosto: Assunção da Virgem Maria........................................221 8 de Setembro: Natividade de Nossa Senhora.................................224 14 de Setembro: Exaltação da Santa Cruz........................................226 15 de Setembro: Nossa Senhora das Dores......................................229 1 de Novembro: Todos os Santos........................................................232 8 de Dezembro: Imaculada Conceição de Maria.............................235

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