Ser amado e amar

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David Teixeira

Ser amado e amar Um retiro com jovens

Ediçþes Salesianas


© Edições Salesianas 2011

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Autor: David Teixeira Paginação: Dg.Almeida Capa: Paulo Santos Impressão: Edições Salesianas ISBN: 978-972-690-637-7 D.L.: 324596/11


Introdução Este livro nasce da experiência, ou seja, antes de ser este livro que tens na mão, foi vivido com os jovens. Todos os anos, uns dias antes da Páscoa, os salesianos e as salesianas, propõem aos jovens com os quais têm mais ­convivência, uma actividade para lhes proporcionar uns dias de retiro e, portanto, de preparação para aquele acontecimento significativo, se não o mais significativo, para qualquer cristão. Corria o ano de 2006, quando o Superior Geral dos S­ alesianos nos pedia que, na nossa pastoral, ajudássemos os jovens a aprofundar na sua dimensão afectiva e sexual. E, partindo deste pedido, tive a ideia de organizar o retiro desse ano nesta perspectiva. Mas… falar de sexo numa altura em que nos preparamos para a Páscoa? Como juntar duas coisas que parecem, à primeira vista, incompatíveis? Sentia, no entanto, que devia aproveitar estes dias de retiro, que costumavam ser intensos, para viver esta experiência. Com algumas ajudas e criatividade lá consegui fazer o que, naquela altura, foi o embrião deste livro. Dessas ajudas quero destacar e agradecer ao Espírito de Deus que, sem dúvida, é quem nos inspira o que e como fazer e ao contributo de ­­alguns autores e seus respectivos livros1 que me proporcionaram AMADEO CENCINI, Virgindade e celibato hoje. Para uma sexualidade ­pascal, P­aulus, Lisboa 2008, pp. 224; ANSELM GRÜN, Habitar en la casa del amor, Sal Terrae, Santander 2005, pp. 133; CARLO MARIA MARTINI, O corpo, ­Paulinas, Lisboa 2003, pp. 90; DICASTERIO PARA LA PASTORAL JUVENIL DE LA ­CONGREGACIÓN SALESIANA, Educar para el amor, Editorial CCS, Madrid 1994, pp. 231; ELENA ANDRÉS, Educar na interioridade, Um lugar para a evangelização, Edições Salesianas, Porto 2010, pp. 180; EUGENIO ALBURQUERQUE FRUTOS, Moral de la vida y de la sexualidad, Editorial CCS, Madrid 1998, pp. 291. 1

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­ aterial para a elaboração de alguma ideia ou conteúdo que m está incluído neste livro. A recepção por parte dos jovens foi excelente, porque foi um tema arrojado. Os jovens estavam bastante agradecidos por terem tido a oportunidade de, primeiro, abordarem este ­assunto tão íntimo em grupos de fé e, depois, de ­tomarem consciência de uma proposta evangélica para a vivência da sua ­sexualidade. Onde antes havia um silêncio e receio, foi ­preenchido com ­alguma luz serena. Esta mesma recepção ­verificou-se nas ­outras duas vezes em que voltei a organizar este retiro. Aproveito para agradecer a outros salesianos e salesianas que comigo ­organizaram este retiro e que deixaram o seu contributo que está patente neste livro: da primeira vez foi com a Irmã Anabela Silva e o Pe. João Chaves, da segunda com a Irmã Alzira Sousa e desta última vez a Irmã Rosa Machado. Por causa desta boa recepção e animado pelo Pe. Rui ­ lberto, resolvi, não sem algum esforço, não atrasar mais a A partilha deste material com outros animadores e c­atequistas, na esperança que também eles possam ajudar os jovens a a­bordarem este assunto na perspectiva da nossa fé cristã e no contexto pascal. É verdade que sou o autor deste retiro e livro, mas, a partir de agora, cada um dos animadores e catequistas que aproveitar este livro, poderá ser também autor e reescrever esta proposta de retiro porque não há nenhuma razão para que seja levada à risca, muito pelo contrário, há razões de sobra para que seja ajustada: ao contexto social dos jovens, à sua caminhada­ ­espiritual, ao tempo disponível, etc.

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Finalmente, não podia deixar de agradecer à minha ­Província Salesiana, sobretudo na pessoa do Pe. Alfredo ­Juvandes, nosso anterior delegado Nacional para a Pastoral Juvenil, por quem me senti desafiado e apoiado na realização destes retiros.

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Apontamentos para animadores / catequistas

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1. A ter em conta: ––

neste campo, como em todos, os jovens não obedecem, ­imitam: educa-se mais com atitudes e coerência que com conhecimentos;

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não utilizar termos inapropriados e confusos e, ­sobretudo, sermos sinceros, nada de mentiras: se não sabemos, dizemos que não sabemos, até porque devemos reconhecer que não dominamos a verdade toda;

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saber transmitir, de acordo com cada idade e necessidade, respostas e atitudes claras, precisas e pontuais, sem ­tabus nem banalidades, sem impor, mas com algum humor, ­flexibilidade e paciência, e sempre desde o amor;

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não ver a sexualidade como algo vergonhoso, mau, pecaminoso, proibido e a silenciar;

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ser consciente das dimensões ricas e plurais que apresenta a vivência da sexualidade (biológica, social, antropológica, ética, religiosa);

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ser consciente de que cada jovem é diferente e que deve ser ele mesmo: tem a sua história afectivo-sexual vivida em solitário, na família e na sociedade; o seu desenvolvimento afectivo-sexual é diferente; e tem a sua personalidade que devemos respeitar;

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no entanto, não ter medo de oferecer a dimensão ­é­tico-religiosa da sexualidade, desde os valores cristãos que

Estes apontamentos - que não são senão isso: apontamentos! -, são breves ideias, não ordenadas. Muito mais se poderia dizer, mas o que se pretende aqui é, antes do retiro, os animadores prepararem o seu terreno para ‘enfrentar’ com os jovens este tema da sexualidade desde a nossa fé cristã. Se esta preparação for feita por grupo de ­animadores, será uma boa ocasião para consolidar e debater ideias. 1

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acreditamos e desde um conceito de amor que ­desemboca no ágape (amor de entrega), mais que a filia (amizade) e o eros (paixão): neste sentido, ajudar a discernir a nossa ­vocação para o amor; ––

os jovens não são tábua rasa e, portanto, educar com ­realismo, assumindo e ajudando a integrar ‘o já vivido’ por eles e o que eles sabem (ao nível de imagens, palavras e ­factos);

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sensibilizar os jovens para a unidade entre: genitalidade, sexualidade e pessoa; sexualidade, afectividade e amor; e responsabilidade pessoal e social;

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colocar-nos no seu lugar para compreender o que pensam sobre a sexualidade e quais os seus problemas. Não temos de aceitar as suas opiniões, mas devemos respeitar. Não devemos condenar, mas também não devemos tirar-lhe i­mportância. Ao tentar compreender, evitar interrogatórios curiosos... Se não os escutamos quando têm algo a dizer sobre a sexualidade, não nos escutarão quando quisermos dizer algo sobre a sexualidade. E permitir que falem da s­exualidade é incrementar confiança em si e nos outros.

2. Perante a nossa sociedade Numa sociedade onde predomina o relativismo não só é necessário educar nos valores do pluralismo, da ­tolerância e do diálogo, como também nos da riqueza que supõe a ­liberdade de escolha, do respeito por toda a pessoa humana e do c­ompromisso. Numa sociedade onde se vive tanto o presente, é necessário educar não só nos valores do quotidiano, do aqui e agora, mas no valor do ontem e no valor do amanhã que contrarie o só 9


viver, de modo repetitivo e intenso, as sensações imediatas e prazenteiras, especialmente as sexuais e as ‘sem limite’, que ­podem levar à autodestruição e a não valorizar os vínculos ou laços permanentes. Por último, é necessário educar para superar o s­ubjectivismo. Simultaneamente devemos ajudar a superar a influência do ­hedonismo, do narcisismo, do culto ao corpo, com a sua c­omercialização, sobretudo, sexual. Em síntese, a proposta educacional que fazemos no c­ampo da sexualidade, perante esta nossa sociedade de hoje, é a de uma educação integral da sexualidade onde se conjuga o e­sforço e o prazer, passado-presente-futuro, o sexual e o amor, o q­uotidiano e o permanente, a liberdade e a responsabilidade, o cuidado do corpo e a auto-estima, a tolerância e a ­pluralidade, o pessoal e o social, o gratuito e a reciprocidade.

3. A sexualidade hoje... ✔✔Como sexo É um facto que a nossa sociedade se sexualizou. Desde é­ pocas não demasiado distantes de repressão do sexo, até à a­ctual comercialização do mesmo, experimentámos certamente, e em muito pouco tempo, uma mudança notável na concepção e na vivência da sexualidade. Esta passagem da clandestinidade à publicidade deu à s­ exualidade um maior clima de espontaneidade, mas também lhe fez perder qualidade e profundidade humanas. Se sexualidade e amor aparecem tradicionalmente unidos, hoje assistimos à dissociação de ambos, ficando reduzida a sexualidade apenas a sexo. O importante já não é a e­xpressão 10


amorosa que implica a sexualidade. Esta fica reduzida a ­genitalidade, na procura constante de novas sensações, cada vez – como é lógico – mais difíceis de conseguir. Portanto, a sexualidade é hoje sexo-consumo ou ­s­exo-mercadoria, sintoma de regressões a etapas infantis da sexualidade, ou até, inclusivamente, um sintoma doentio. Dito por outras palavras, a sexualidade é hoje, em muitos casos, não um meio de realização pessoal e de edificação da pessoa, mas sim um instrumento de evasão e de alienação. ✔✔Os jovens Onde mais claramente se constata tudo isto é no mundo juvenil. O desconcerto, a indefinição de valores em que se ­afundam muitos jovens, têm no terreno da sexualidade, o seu escaparate mais apetitoso. Será precisamente neles que o sexo, ­entendido em chave de consumo, adquirirá os seus traços mais ­salientes: êxito sexual, entendido em chave de prestígio, ao mesmo ­nível que o êxito social ou económico; redução da ­sexualidade à ­genitalidade; dissociação radical entre a sexualidade e a ­fecundidade; aceitação da situação e da estatística como ­critérios morais. Os jovens de hoje querem viver na crista da onda,­ e­ xperimentar tudo, provar tudo. Ter todo o tipo de ­experiências, e entre elas, com um lugar destacado, as ­eróticas. É o fruto do contexto de permissividade social em que os ­jovens se ­movimentam, contexto permissivo do qual, diga-se de ­passagem, eles não são os únicos responsáveis.

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Instalados na ética do vale tudo, a postura dos jovens ­perante a sexualidade está marcada por um subjectivismo ­radical, uma privatização absoluta que rejeita toda a ­possível interferência exterior e um ocupar-se apenas do momento p ­ resente. Não é difícil explicar a partir daqui o choque frontal dos jovens com as normas e critérios morais da Igreja. Talvez o retrato esboçado seja muito pessimista. É certo que não faltam aspectos positivos e valores muito importantes na vivência actual da sexualidade. Entre outros, o ter ­enterrado tabus ancestrais que ocasionavam uma vivência ­angustiada e culpabilizada, neurótica às vezes, do mundo afectivo. Não o­bstante isso, o panorama actual requer uma educação a­dequada da sexualidade que ajude os jovens a descobrir e a assumir as dimensões profundas do amor humano. ✔✔Dois critérios de uma ética sexual Neste panorama necessitamos de critérios morais básicos, capazes de nos orientar na nossa acção educativa, sem nos i­nclinar para nenhuma das tentações possíveis: um rigorismo intransigente ou um relativismo permissivo. • A importância da pessoa O primeiro critério que é preciso evidenciar numa ética s­ exual é o da pessoa. É o mistério da pessoa que deve estar na base de toda a moral sexual. A sexualidade, portanto, deve o­rientar-se para a realização integral da pessoa. Devemos ­rejeitar como imorais todas as formas de viver a sexualidade que reduzam a pessoa humana à categoria de objecto.

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Assim, diremos que um comportamento sexual é bom, moralmente falando, se nos ajudar a ser mais pessoa, se nos personalizar. Seremos ‘mais pessoa’ se vivermos voltados para a pessoa do outro. Nessa abertura aos outros joga um papel essencial a s­ exualidade. Quando nos relacionamos com outra pessoa, fazemo-lo a partir do nosso ser pessoa sexuada, como homem ou mulher. Entretanto, para que nos faça crescer e amadurecer, esta relação tem de ser uma relação de amor, não unicamente arrastada pelo desejo biológico, ou, o que seria ainda pior, pelo egoísmo pessoal. Sexualidade e amor não podem dissociar-se, mas têm de caminhar inseparavelmente unidos. E porque a sexualidade é vivida desde o amor, exige: renúncia pessoal; doação e entrega; escuta e respeito pelo outro (que passa pela capacidade de ver o outro como outro e reconhecê-lo como tal); responsabilidade e compromisso pelo outro. Para concluir este ponto, uma chamada de atenção. Se dizemos que a sexualidade é doação e abertura, não podemos cair numa espécie de individualismo a dois; o comportamento sexual deve abrir-se ao “nós” social. O amor e a sexualidade não podem fechar-se no âmbito da inter-subjectividade, mas têm de se abrir ao social. • Em vista do amadurecimento pessoal Como pessoas, somos seres sexuados. O nosso modo de sentir, de nos relacionarmos, de nos exprimirmos, está ­marcado pela nossa condição de homem ou mulher. A ­sexualidade tem, portanto, uma dimensão de globalidade que a­fecta toda a ­existência humana. Por isso não podemos ceder às 13


agressões redutoras que encaram a sexualidade como o­bjecto de ­consumo, capricho ou mero passatempo. A s­exualidade tem de ser uma f­orça vivida pelo sujeito como dinamismo de ­amadurecimento, ou seja, como força construtiva do eu. Daí que não possamos deixar no esquecimento o carácter p­rogressivo do ­amadurecimento sexual, o qual, por sua vez, tem de se­­integrar no amadurecimento global da pessoa. Partindo daqui, podemos deduzir outro critério ético ­importante: é uma limitação no comportamento sexual tudo o que impede este processo evolutivo. De que modo é que um ­determinado comportamento sexual bloqueia este a­madurecimento? É o que os psicólogos chamam de ­fixações (­estabelecer-se rigidamente numa etapa evolutiva, tipo ­complexo de Peter Pan) e regressões (responder à situação ­actual com critérios de etapas evolutivas anteriores). Já dissemos que a relação sexual é ‘oblatividade’, ­entrega, abertura ao ‘tu’ do outro. Não existe autêntica sexualidade a não ser na abertura de um ‘eu’ a um ‘tu’, num e­ncontro ­amadurecedor e plenificador para ambos. Por isso, todo o ­comportamento que contrarie esta referência ao outro, à a­lteridade, não pode considerar-se autenticamente sexual. Voltamos a afirmar: a sexualidade é expressão de amor. Este é o grande critério ético. Na medida em que um gesto sexual exprima esta realidade, e tudo aquilo que ela significa, poderá receber o qualificativo de eticamente aceitável. E o amor é a grande força personalizada e personalizante com que o ser humano pode contar. Daí que seja urgente ­valorizar os comportamentos sexuais neste esquema.

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4. Proposta cristã e orientação pastoral2 A fé não afasta o ser humano de si mesmo, pelo c­ontrário, torna-o mais livre e humano. Liberta-o de tal modo que pode ­desenvolver a sua própria personalidade e o­rientar-se para a plenitude do humano. Isto também no campo da­­sexualidade. A fé deve libertar o ser humano para acolher a sexualidade como dom e tarefa de humanização e para desenvolver a c­apacidade de amar. Ser cristão significa, antes de tudo, ser homem e mulher. Toda a ética cristã dirige-se para a realização da pessoa como sujeito responsável e solidário, e para a construção de uma ­sociedade justa. E este processo é impulsionado e enriquecido pela fé. A fé nem recorta as possibilidades de p­ersonalização nem reprime ou limita a vivência humana e gozosa da s­exualidade. Hoje, depois do triunfo dos valores individualistas,­ ­vivemos na dispersão dos critérios morais, na fragmentação, na ­permissividade, no viver como nos apetece. No meio desta ­espécie de reivindicação de uma ‘ética feita por cada um’, é­ ­urgente precisar os critérios e as exigências de uma ­autêntica ética ­sexual cristã para superar de um duplo desafio: a ­acomodação e o conformismo com o ambiente, e o moralismo rigorista. O importante, no entanto, não é o juízo e valorização de determinados comportamentos mas o anúncio do projecto de Deus sobre a sexualidade humana. É necessário, pois, ­superar a tentação do moralismo, a atitude legalista, a obsessão pelo É verdade que, no Novo Testamento, apenas encontramos dois conteúdos relacionados com a moral sexual: a condenação da fornicação e do adultério e o ensinamento da indissolubilidade do matrimónio como ideal de vida. No entanto, a ausência de conteúdos precisos e concretos não equivale a um vazio moral, porque existe toda uma radicalidade evangélica com as suas exigências. 2

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acto concreto, para chegar a uma orientação da vida no amor e ­li­berdade, acolhendo o projecto de salvação de Deus, a ­fidelidade do seu amor e o dinamismo da conversão contínua, e insistindo na dignidade da pessoa e no valor humano da ­sexualidade. ✔✔Como propor? • Com a força da humildade A resposta de fé às situações conflituosas que vivem os ­ omens do nosso tempo tem de ser uma resposta humilde; não h desde a força, a autoridade ou a arrogância de possuir toda a verdade, mas desde a proximidade, o respeito e a humildade. Esta atitude pastoral básica dar-nos-ia maior sensibilidade para captar e compreender o homem, maior confiança na ­liberdade e consciência pessoal, maior acolhimento e misericórdia ­evangélicas. No Evangelho, o decisivo é o amor. Quem pronunciaria hoje aquelas palavras: ‘as prostitutas hão-de preceder-vos no reino dos céus?’ (cf. Mt. 21, 31). Nalgumas circunstâncias, o silêncio, quando é de ­respeito, acolhimento e confiança, é mais eloquente que as mesmas ­palavras. O Papa Paulo VI disse, num outro contexto, mas que podemos apropriar: ‘frente a situações tão diversas é-nos difícil pronunciar uma palavra única’ (Carta Apostólica ‘­Octogesima Adveniens’, 1971, n. 4). • Através da personalização Pronunciar uma palavra única significa esquecer que por detrás de comportamentos idênticos há indivíduos ­diferentes. 16


Neste campo, mais que em qualquer outro, não se pode c­onformar com formular e expor a norma objectiva e ­absoluta. As normas morais devem ser confrontadas sempre com as ­possibilidades reais das pessoas e com o próprio ritmo de c­rescimento e de maturidade. Efectivamente, a norma moral, mais que um limite, ­aponta uma orientação e direcção que podemos empreender. O ­verdadeiro limite do bem e do mal está dentro de cada situação concreta. O importante, pastoralmente, será saber situar-se e a­ companhar a pessoa nas distintas etapas deste caminho de maturidade. O amor é fruto de um crescimento e de uma integração progressiva de todo o dinamismo da sexualidade. Realiza-se e conquista-se gradualmente. Trata-se, pois, de personalizar, de chegar à realidade da vida concreta dos jovens, de compreender a força do impulso sexual, o seu dinamismo e as etapas do seu desenvolvimento, de reconhecer os condicionamentos ­psicológicos. E trata-se também de aceitar uma p­edagogia da gradualidade (JOÃO PAULO II, Exortação A­postólica ­‘Fami­liaris ­Consortio’, 1981, n. 9) que, em d­efinitivo, é a ­pedagogia que Deus tem aplicado ao longo da história da s­alvação para conduzir os homens ao encontro de Cristo. ✔✔O que propor? • Relação com o outro A fé cristã ensina que o homem e a mulher são imagem de Deus (cf. Gn. 1, 27). A pessoa, como ser finito e ­necessitado de complementaridade, é um ser relacional tal como Deus é 17


r­ elação, comunicação, amor e respeito pelo outro. A ­sexualidade ­humana participa plenamente desta imagem. Além disso, Jesus de Nazaré, modelo de pessoa para todo o cristão, é o homem que, com toda a verdade, se pode definir como o ser-para-os-outros. Assim, a sexualidade implica um modo de ser, de ­ anifestar-se, de comunicar-se com os outros, de sentir, m e­xpressar e viver o amor humano. Ela compreende-se, ­portanto, como um valor em si mesma, um valor que se abre ao desejo do outro, ao encontro, ao intercâmbio de dons, ao prazer. Este sentido relacional converte-se, assim, num critério ético para o discernimento do comportamento sexual. • Amor e liberdade Os grandes valores dos quais a sexualidade humana é ­ ortadora e que incidem de maneira especial no processo p do desenvolvimento e maturidade da pessoa, são o amor e a ­liberdade. Estes são, portanto, outros dois critérios éticos na valorização do comportamento sexual. Contra uma cultura que tende a separar o sexo e o amor, reduzindo a sexualidade a uma função puramente ­fisiológica, a moral cristã propõe uma norma e um ­compromisso: amar e ser autêntico no amor. A vida cristã consiste em seguir Jesus, especialmente, na sua e­ntrega e no seu amor desinteressado. No mandamento do amor c­ulmina o seu ensinamento moral: “amarás ao teu ­próximo como a ti mesmo” (Mt. 22, 39). O amor é o resumo de todos os ­mandamentos e de toda a lei (cf. Rm. 13, 10).­­Portanto, o amor é o princípio ­inspirador e a referência obrigatória da actividade sexual e de toda a relação 18


­ umana. O ­discípulo de Cristo está chamado a viver desde o amor h ao próximo, ­testemunhando em todas as realidades e ­actividades ­humanas o amor com que é amado, um amor que procede de Deus. Mas no evangelho não existe apenas uma ética do amor, existe também toda uma teologia da ternura, com beijos, ­carícias, perfumes, intimidade, comida em comum. Todo o evangelho proclama, definitivamente, que não são as leis ­civis nem as normas canónicas que salvam, mas o amor mais ­terno e preocupado que cuida dos mais necessitados, que abraça com carinho ou que se dedica humildemente a lavar pés. Todo o evangelho é um testemunho de como amar, como viver a ­relação com os outros, abrindo espaços de intimidade, de ­ternura, de ­compaixão, como cuidar os outros, como escutar os seus lamentos ou atender os desejos do seu coração, como caminhar no amor até ao Amor. E tudo isto, em liberdade. Devemos amar ‘segundo o ­ spírito’ e não ‘segundo as apetências da carne’ (cf. Gl. 5, 17), E porque ‘as obras da carne’ , sob a aparência da liberdade, ­arrastam à escravidão. A liberdade de Cristo não consiste na licença para fazer o que se quer, mas no poder amar de verdade e no poder realizar as obras do amor sem entraves. • Corpo, sexo e prazer Na vivência da sexualidade tem uma importância ­especial a compreensão do corpo. Por detrás de uma moral ­sexual ­rigorista e obsessiva com o sexo está a desvalorização e o d­esprezo pelo corpo, que arranca de uma antropologia d­ualista que, em contraposição à alma, o considera como lugar do pecado e das paixões, fonte do mal. Mas cuidado em não cair no outro extremo: do culto do corpo. Devemos simplesmente 19


procurar respeitar todos os direitos do corpo: saúde, bem-estar, desejos, prazer, desenvolvimento físico. Nada de manipular o corpo e de o drogar por causa desse culto... O prazer é ambíguo: proporciona satisfação, sentimentos de alegria e plenitude, e pode ser também causa de ­alienação e ­manipulação. Devemos evitar duas tentações: rejeitar e ­absolutizar. Não se integra o prazer negando-o ou ­r­eprimindo-o, nem buscando a acumulação obsessiva de prazeres para encher as faltas de sentido e de identidade. Devemos recusar uma visão puramente consumista, ­ arcisista e hedonista que cresce na cultura pós-moderna. n Há que evitar o perigo de converter o corpo num ídolo ou num ­absoluto. Não podemos cair na aprovação ­incondicional e ­acrítica. Mas, simultaneamente, a moral cristã tem que ­recuperar a fé no prazer, no desejo, no sexo e no corpo. Porque só assim se manifesta a fé no amor, na comunhão e no ser ­humano. Este amor tem lugar na corporeidade humana. Há que ­reconhecer o valor positivo do corpo sexuado e da sua ­dignidade, superar todo o dualismo corpo-alma. O mesmo ser que pensa, compreende, ama e deseja é o mesmo que sente fome, dor ou prazer. O ser humano não tem um corpo, não tem sexo. É um ser corpóreo e sexuado, espírito encarnado que se manifesta em todas as suas expressões somáticas. O corpo é a janela por onde a pessoa se assoma ao exterior, o caminho para o encontro com o outro. É, pois, epifania do interior pessoal, capaz, então, de tornar presente o que de outra forma não seria possível. O corpo é, portanto, palavra não dita que pronuncio com um gesto, atitude, conduta, olhar, sorriso, interrogação, t­risteza, abertura, proximidade ou distância. Temos de reaprender a 20


f­ alar com o nosso corpo e devolver-lhe a sua t­ransparência, veracidade e capacidade de comunicação. • Sexualidade: mistério e ideal Basta de condenar a sexualidade! Já é mais que tempo de apresentarmos a dignidade e bondade da sexualidade, porque criada por Deus. É verdade que a sexualidade aparece marcada por uma radical ambivalência: integra e desintegra. Pode ser ­factor ­admirável de realização, de comunhão íntima, de prazer ­gozoso e ­plenificante, mas também pode converter-se em força ­narcisista e exploradora. Pode conduzir ao amor e ao ódio, à vida e à morte. Não é uma realidade simples e rectilínea, mas complexa e conflituosa. Facilmente se torna impermeável à ­reflexão e inacessível ao controlo da vontade, porque é um enigma. A sexualidade não se compreende simplesmente ­desde uma visão biológica ou psicológica. Devemos chegar: a uma c­ompreensão integralmente humana; a organizar todas as f­orças: impulso, desejo, amor, decisão; a harmonizar os seus muitos frutos: prazer, ternura, encontro, comunicação, ­criatividade, procriação. A possibilidade de compreender e viver toda esta riqueza inscrita na sexualidade supera o limite das normas morais: situa-se no horizonte do ideal! • A castidade Desde a perspectiva cristã há que afirmar sem rodeios que, para que o valor da sexualidade alcance a sua plena r­ealização, 21


Índice Introdução........................................................................................5 Apontamentos para animadores / catequistas . .................................8 1. A ter em conta: .......................................................................8 2. Perante a nossa sociedade........................................................9 3. A sexualidade hoje.................................................................10 4. Proposta cristã e orientação pastoral . ...................................15 5. Alguns temas concretos de moral sexual................................23 Objectivos gerais.............................................................................28 Estrutura do retiro..........................................................................28 Manhã do primeiro dia...................................................................29 1. Acolhimento e alojamento.....................................................29 2. Breve reunião de animadores.................................................30 3. Oração...................................................................................30 4. Boas-vindas e avisos...............................................................32 5. Apresentação dos grupos de origem ......................................33 6. Apresentação do tema: O que entendemos por sexualidade? .33 7. Formação dos grupos.............................................................35 8. Apresentação dos elementos do grupo...................................46 9. Primeiro tema: A SEXUALIDADE MAL VIVIDA..................46 Tarde do primeiro dia.....................................................................55 1. Reunião de animadores..........................................................55 2. Recuperar e orientar..............................................................60

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3. Segundo tema: A SEXUALIDADE PARA O CRISTÃO DE HOJE...................................................................................60 4. Concurso da publicidade........................................................72 5. Orientar a segunda parte do tema da tarde............................72 6. Terceiro tema: O CORPO AMADO E ENTREGUE..................73 Noite do primeiro dia......................................................................80 1. Vigília de oração e reconciliação............................................80 2. Workshops.............................................................................92 3. Recomendações no final do dia............................................118 4. Reunião de animadores........................................................118 Manhã do segundo dia..................................................................120 1. Oração . ..............................................................................120 2. Orientar o tema da manhã...................................................125 3. Quarto tema: CAMINHO PARA O AMOR........................126 4. Eucaristia.............................................................................139 Tarde do segundo dia....................................................................140 1. Recuperar e orientar o último tema . ...................................140 2. Quinto tema: A SEXUALIDADE PASCAL OU O AMOR COM ESTIGMAS....................................................................140 3. Avaliação do retiro .............................................................150 4. Despedida e troca de recordações . ......................................154

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