A. P. Quartim de Moraes
Pouco antes do ai-5, a cena teatral brasileira fervilhava com atores e produtores que fincaram as bases do teatro contemporâneo. Ruth Escobar, José Celso Martinez Corrêa, Augusto Boal e Antunes Filho, entre outros, desafiavam o status quo e resistiam nesse momento histórico desfavorável para a arte e a liberdade de expressão. Neste livro, o jornalista A. P. Quartim de Moraes traça um panorama, com ênfase no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, dos diversos grupos e movimentos que enfrentaram com garra e coragem o recrudescimento da violência instituída pelo Estado brasileiro em 1968.
Oswaldo Mendes Ator, autor e diretor de teatro. Escreveu, entre outros, as peças Voltaire – Deus me livre e guarde (Prêmio Mambembe de 1998) e Insubmissas – As mulheres na ciência (2015) e os livros Ademar Guerra, o teatro de um homem só (Senac, indicado ao prêmio Shell de 1998) e Bendito Maldito – Uma biografia de Plínio Marcos (Leya, Prêmio Jabuti e Prêmio apca de 2009).
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ISBN 978-85-9493-143-6
Anos de chumbo o teatro brasileiro na cena de 1968
Com o ai-5, todas as garantias constitucionais foram suspensas, e o cerco repressivo à sociedade se fechou como um torniquete a esmagar qualquer possibilidade de resistência. Mesmo assim, a gente de teatro que ficou no país tentou resistir o quanto podia. A metáfora virou arma de denúncia política e social, mas também ocorreu um movimento “para dentro”, reproduzindo uma tendência histórica. O Brasil que desperta daquele 13 de dezembro de 1968 é um país amordaçado, amedrontado, aprisionado. E os algozes da liberdade logo definiram seus dois alvos preferenciais: os palcos e as redações. Até então, e desde o golpe cívico-militar de 1964, cada um à sua maneira e muitas vezes como parceiros, eles resistiram à crescente repressão da ditadura que se desenhava com a progressiva supressão das liberdades públicas e individuais. O autor acerta ao enfatizar que só faz sentido pensar 1968 a partir dos anos que o antecederam e dos que se seguiram. Por ter sido ele mesmo personagem desse momento da história, testemunha e participante das lutas de resistência, seu olhar tem a necessária agudeza e o consciente envolvimento para reconhecer os pontos fundamentais da narrativa proposta.
A. P. Quartim de Moraes
H O TEATRO BRASILEIRO NA CENA DE 1968
á momentos emblemáticos na história do teatro por sintetizar rupturas que redirecionam os caminhos de várias gerações, as anteriores e as que estão em formação. Enquanto fenômeno cênico, e não gênero literário, o teatro conversa sempre com o presente, daí o seu óbvio caráter efêmero, transitório. Logo, está sempre em transformação se, como ensinam tantos teóricos, ele entender a natureza e a sociedade também em permanente transformação. Assim, quando A. P. Quartim de Moraes propõe a reflexão sobre o ano de 1968 no teatro brasileiro, ele reconhece as muitas convergências da sua empreitada. Se o artista de teatro é, na feliz definição de Plínio Marcos, repórter do seu tempo, como jornalista Quartim de Moraes tem as ferramentas de pesquisador ideais e necessárias para nos ajudar a entender o recorte que faz não só na história do palco, mas principalmente na história brasileira. De repente o homem brasileiro ganhou a cena, dos autos populares de Ariano Suassuna ao operário de fábrica de Gianfrancesco Guarnieri e às personagens incômodas de Plínio Marcos. As questões nacionais estavam presentes, e não somente na dramaturgia que se produziu. Os atores começaram a falar o português do Brasil em grandes textos do teatro universal, de Molière a Peter Weiss. Toda uma geração de diretores – como nenhuma outra, antes ou depois – construiu uma estética, um pensamento, um caminho próprio e original. Sem xenofobia, aberto para o mundo, o Brasil se reconhecia no palco. E o público, sobretudo o jovem, encontrava no teatro o espaço para suas inquietações e esperanças. Era, com certeza, um espaço de pensamento e reflexão perigoso, ameaçador para as autoridades, todas elas.
19/10/18 16:27