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ELOGIO DO POLÍTICO
Silvana Ramos Professora do departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo
Certos acontecimentos históricos do século xx parecem ter levado o homem à descrença na força da mobilização coletiva. A reclusão ao âmbito privado e a consequente valorização do individualismo demarcam um afastamento da busca pelo bem comum no espaço público da cidade e indicam que o político foi relegado ao esquecimento. Na contramão desse cenário sombrio, o filósofo francês Vincent Peillon procura retomar neste Elogio do político o sentido da filosofia política na vida contemporânea, restabelecendo as relações entre filosofia, política e cidade e indicando que não é a partir de uma verdade absoluta e fundamentada no passado que será possível mediar os conflitos que atravessam a experiência democrática e legitimam o caráter do político.
VINCENT PEILLON
morte de Deus e a morte do homem –, a fim de explicar como essa experiência reverbera no âmbito da política. Trata-se da retomada de um mote tradicional do pensar sobre a democracia e sua aliança com o pensamento filosófico desde a Antiguidade, com o intuito de indicar que a vida na cidade livre sempre comporta um excesso. Peillon defende que, como na democracia antiga, não há na cidade contemporânea coincidência entre fato e direito, de modo que, nesse lugar de não coincidência, é possível encontrar um espaço público para produzir um pensamento crítico da cidade sobre si mesma. Eis o lugar da filosofia política, lugar de busca da verdade e de compromisso político com essa busca. Maquiavel fornece uma compreensão pertinente da política ao falar do conflito como categoria central para o entendimento da cidade. O conflito não se mede ou institui por um contrato nem pretende uma reconciliação absoluta: ele atravessa a cidade, é presença contínua que paradoxalmente reúne os cidadãos por meio da instituição de leis e formas aceitáveis de convívio. O conflito humaniza as relações sociais sem idealizá-las e mantém a cidade aberta à busca de sua própria verdade. O elogio do político exige o abandono de um princípio moral que daria sentido à alternativa entre esperança e desespero. A virtude da política reside na sua capacidade de lidar com os conflitos que atravessam a experiência democrática, o que exige uma reflexão sobre o poder e o acesso dos sem poder às instâncias deste. Tal reflexão precisa ser aberta, uma vez que se apresenta como incerteza e busca, que configuram novas formas de luta política na atualidade. É tal abertura, de forma pertinente e inovadora, que este livro oferece.
ELOGIO DO POLÍTICO
UMA INTRODUÇÃO AO SÉCULO XXI
VINCENT PEILLON
Com a intenção de recuperar o sentido da filosofia política na vida contemporânea, Vincent Peillon aponta as relações entre a filosofia e a cidade, tendo em vista os principais acontecimentos que marcaram o século XX e suas reverberações no início do século XXI. Ao colocar em xeque valores e utopias tradicionais e mobilizar a ação política no século XX, tais acontecimentos parecem ter condenado o homem contemporâneo à desesperança e à descrença na força das ações coletivas. A vida ficou restrita à esfera privada, fonte de satisfação para os anseios individuais. Esse recolhimento indica o esfacelamento da experiência política e a dificuldade de o homem contemporâneo enxergar vínculos entre seus desejos e o que a vida pública, a vida na cidade, poderia oferecer. Esse diagnóstico traz profundas consequências, pois, se correto, a contemporaneidade é o tempo da morte da política e, assim, a reflexão sobre esta só pode se dar a partir de uma motivação nostálgica. Entretanto, a abordagem deste Elogio do político não se rende a essa visão. Na contracorrente de pensadores como Gilles Lipovetsky (autor de A era do vazio, uma visão triunfante do individualismo, marca inelutável da experiência das democracias contemporâneas), Peillon mostra como a tradição do pensamento francês – com Merleau-Ponty, Claude Lefort e Cornelius Castoriadis – é capaz de ajudar a ler a experiência do século XXI sem ter de abandonar o horizonte da política. O “elogio do político” não é, portanto, nostálgico: trata-se de retomar uma linha de pensamento que nunca esteve presa às esperanças propagadas pelo século XX, como o progresso ou a revolução, e que, por isso, nos ajuda a pensar e a agir no momento histórico em que vivemos, ou seja, sobre as ruínas dessas esperanças. Valendo-se de uma linguagem clara e de um discurso ágil e cativante, o autor aborda conceitos usados para descrever a experiência da modernidade – como a
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