Frans Krajcberg: a natureza como cultura

Page 1


JOÃO MEIRELLES

FRANS KRAJCBERG

A NATUREZA COMO CULTURA

Em meio à efervescência da arte brasileira contemporânea, um artista polonês encontrou seu lar e sua paixão: Frans Krajcberg, sobrevivente do Holocausto na Segunda Guerra Mundial, redescobriu a vida no Brasil e transformou sua dor em arte como um grito de alerta contra a destruição da natureza.

Esta biografia, fruto de décadas de pesquisa e amizade do biógrafo João Meirelles com o artista, revela, com fotos exclusivas e depoimentos inéditos, a trajetória de um homem que fez da arte sua trincheira na luta pela preservação ambiental. O livro apresenta a vida e a obra de Krajcberg, desde sua infância e juventude na Polônia até sua consagração como um dos maiores artistas brasileiros.

Edições Sesc São Paulo

O ativista socioambiental e escritor João Meirelles conquista o leitor já nas primeiras linhas deste livro, quando explica a decisão de escrevê-lo. Registra dúvidas sobre algumas informações prestadas, em vida, pelo biografado. Aponta, com grande leveza e sem excessos de censura, esse traço na personalidade de Frans Krajcberg.

Para Meirelles, intelectual experiente, não deve ter sido grande novidade o comportamento mitômano de um homem que foi escultor, pintor e fotógrafo, e cuja sensibilidade manifestava-se de forma tão criativa que, às vezes, atropelava a verdade. Nesta obra, magnificamente escrita, o tríplice artista age e reage com todos os contornos de um personagem ficcional.

Cabe destacar a corajosa honestidade intelectual do biógrafo ao comentar informações que lhe foram dadas pelo biografado e que checagens posteriores não confirmaram. O polonês por vezes parecia um Jay Gatsby da vida real, inventando um passado para si como forma de aplacar aflições antigas e incômodas.

Essas ressalvas do biógrafo aparecem numa prosa que, em seu conjunto, engrandece o artista Frans Krajcberg, minimizando todas as dúvidas. Lembro-me agora de que o próprio Meirelles já dissera que a presença de Frans mudou sua vida – o que explica o fato de escolher, como projeto existencial, a defesa da natureza.

João Meirelles consegue, neste livro, decifrar Frans Krajcberg e mostrá-lo sem retoques. A fusão do homem e do artista é feita com o distanciamento de um psicólogo ou de outro dedicado estudioso da natureza humana.

Embora seja nitidamente admirador da arte de Krajcberg e demonstre algum fascínio por sua personalidade mutante, Meirelles não passa do ponto. O autor se mantém invariavelmente sóbrio e contenta-se em repartir com os leitores opiniões que colheu durante a pesquisa longeva, cuidadosa e objetiva.

A narrativa que acabo de comentar deixa, aqui e ali, pistas sobre a vida também significativa do próprio autor. Quando Rodrigo Mesquita foi eleito vice-presidente da SOS Mata Atlântica, convidou João, seu amigo, a militar voluntariamente naquela organização. Convite aceito e novas descobertas. A esses antecedentes somaram-se palavras ditas por Frans Krajcberg quando respondeu a uma pergunta de Meirelles: “E aos jovens, Frans, o que você tem a dizer a eles?”. Depois de um longo suspiro, o ermitão do sítio Natura respondeu: “Primeiro, que eles prestem mais atenção à natureza brasileira e a vejam com mais vagar e amor. [...] É preciso trabalhar, e muito, não parar um instante, a vida é muito curta, cada pequeno espaço do tempo deve ser preenchido com o enriquecimento e embelezamento da vida”.

O ativista, iluminado pelas palavras candentes de Krajcberg, descobriu um projeto de vida que revigora, permanentemente, suas ideias sobre a Amazônia. E, nas pausas de uma faina construtiva e solidária, escreve livros como este, que enriquecem a literatura biográfica do Brasil e do mundo.

JACQUES MARCOVITCH

Professor emérito da Universidade de São Paulo, da qual foi reitor.

FRANS KRAJCBERG

A NATUREZA COMO CULTURA

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente do Conselho Regional

Abram Szajman

Diretor Regional

Luiz Deoclecio Massaro Galina

Conselho Editorial

Carla Bertucci Barbieri

Jackson Andrade de Matos

Marta Raquel Colabone

Ricardo Gentil

Rosana Paulo da Cunha

Edições Sesc São Paulo

Gerente Iã Paulo Ribeiro

Gerente Adjunto Francis Manzoni

Editorial Clívia Ramiro

Assistente: Antonio Carlos Vilela

Produção Gráfica Fabio Pinotti

Assistente: Ricardo Kawazu

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior

Vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Diretor-presidente Sergio Miceli Pessôa de Barros

COMISSÃO EDITORIAL

Presidente Rubens Ricupero

Vice-presidente Clodoaldo Grotta Ragazzo

José Tavares Correia de Lira

Laura Janina Hosiasson

Merari de Fátima Ramires Ferrari

Miguel Soares Palmeira

Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior

Suplentes Chao Yun Irene Yan

Flávio Ulhoa Coelho

Pablo Ortellado

Editora-assistente Carla Fernanda Fontana

Chefe Div. Editorial Cristiane Silvestrin

JOÃO MEIRELLES FRANS KRAJCBERG

A NATUREZA COMO CULTURA

© João Meirelles, 2024

© Edições Sesc São Paulo, 2024

Todos os direitos reservados

Tradução do prefácio Mariana Echalar

Preparação André Albert

Revisão Edgar Costa Silva, Elba Elisa

Projeto gráfico, capa Raquel Matsushita

Diagramação Juliana Freitas | Entrelinha Design

Capa a partir da obra: Composição em vermelho, 1965

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M4783fMeirelles, João

Frans Krajcberg: a natureza como cultura / João Meirelles. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2024.

376 p. il.

Bibliografia

ISBN:978-85-9493-299-0 (Edições Sesc São Paulo) 978-65-5785-200-2 (Edusp)

1. Frans Krajcberg. 2. Biografia. 3. Artista. 4. Ambientalista. 5. Arte. 6. Arte contemporânea. 7. Escultura. 8. Fotografia. 9. Arte engajada. 10. Cultura. 11. Natureza. 12. Proteção ambiental. I. Título. II. Frans Krajcberg.

CDD 930

Elaborada por Maria Delcina Feitosa CRB/8-6187

Edições Sesc São Paulo

Rua Serra da Bocaina, 570 – 11º andar 03174-000 – São Paulo SP Brasil

Tel.: 55 11 2607-9400 edicoes@sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp

Edusp – Editora da Universidade de São Paulo

Rua da Praça do Relógio, 109-A, Cidade Universitária 05508-050 – São Paulo – SP – Brasil

Divisão Comercial: tel. (11) 3091-4008 / 3091-4150

edusp@usp.br www.edusp.com.br /edusp.oficial

A Maria Isabel Meirelles (Belita), para quem artes e artistas muito importam.

Para Bené Fonteles, Frans é um artista planetário: “Não separar a vida da arte era um ofício do Krajcberg. O que a geração de Krajcberg pensou humanisticamente, artisticamente… Ele representa uma tomada de posição em relação à vida, ao planeta! Ele reflete toda uma preocupação de uma geração –Drummond, Jobim… Devemos a eles!” (depoimento ao autor, 2019). Frans Krajcberg em 1990. Col. IPAC.

Esta obra só faz sentido se falar da minha luta!

FRANS KRAJCBERG, ABRIL DE 2011

O homem atinge sua verdadeira personalidade ao procurar se unir, o mais que possível, à natureza. 1

TEILHARD DE CHARDIN

Frans Krajcberg e João Meirelles em Juruena, MT, 1984.

"Em 1985, Frans pediu-me que gravasse seus relatos e preparasse sua biografia", João Meirelles. Foto do artista durante depoimento em Nova Viçosa, BA, 1986.

SUMÁRIO

Nota dos editores

Prefácio – Jacques Leenhardt

Introdução v

Q UEIMADA – AFRENTEDEBATALHA

C OUROEPAPELÃO

O TEMPOVISCERAL

T INTAETELA

S EMENTE – ORENASCIMENTO

B ARRO , SAMAMBAIA , PINHEIRO

L ÍRICASABSTRAÇÕESDAVEGETAÇÃOBRASILEIRA

V IVENDOANOSTALGIAEUROPEIA

É ANATUREZAQUETRABALHAVAPARAELE

B ONÍSSIMOECOMPLICADÍSSIMO ...

A TERRAÉCOLORIDA

I NFORMAISEBRASILEIROS

M EUATELIÊPARECEUMAFLORESTA

M ANGUEEAREIA

M ARÉ

O ARTISTA - VIAJANTE

A VIAGEM - MANIFESTO

B ALAIOS

A DÉCADADOFOGO

A VIAGEMTRANSFORMADORA

A PAIXÃOPELAFOTOGRAFIA

O AMBIENTALISTA

E XPONDOEVENDENDOCOMONUNCA

C INZAS

A NATUREZACOMOCULTURA

E UNÃOTENHOFAMÍLIA

F RANSNÃOÉÁRVORE , ÉUMAFLORESTA

O PATRIMÔNIOMATERIAL

A DOAÇÃODOPATRIMÔNIO

S EM F RANS

F RANSEOMUNDODASARTES

E MBUSCADAEXPRESSÃOBRASILEIRA

S OBRE F RANS , “ UMCATALISADORDEAÇÃOEMEMÓRIA ”

O FUGITIVOVIROUÁRVORE

v

O bras selecionadas

Anexo – Os manifestos

Referências

Notas

Agradecimentos

Créditos das imagens

Sobre o autor

NOTA DOS EDITORES

João Meirelles escreveu esta robusta biografia de Frans Krajcberg a pedido do próprio biografado, com quem conviveu durante três décadas. Produziu um trabalho sólido, apoiado em extensa pesquisa, registros documentais, seus diários de campo e entrevistas com pessoas próximas a Krajcberg. Apesar da amizade com o artista plástico, Meirelles conseguiu manter o distanciamento emocional necessário para produzir uma obra equilibrada, sem julgamentos nem louvores infundados.

Frans Krajcberg nasceu numa comunidade judaica na Polônia, em 1921. Quando os nazistas invadiram seu país, dando início à Segunda Guerra Mundial, ele tinha 18 anos, idade suficiente para que os horrores da guerra e do Holocausto ficassem impressos em sua alma. Foi escravizado pelos nazistas e passou um tempo num campo de trabalhos forçados, de onde conseguiu fugir. Foi lutar como guerrilheiro ao lado do Exército Popular da Polônia (ligado à União Soviética). Assim, testemunhou, também como combatente, a destruição causada pela guerra. Ao fim do conflito, foi parar num campo de refugiados em Stuttgart e acabou migrando para o Brasil, onde foi acolhido pela família de um tio. Mas não conseguiu sossegar. Os traumas de sua juventude o fizeram desgostar da convivência com as pessoas.

Krajcberg afirmou que junto à natureza se sentia mais verdadeiro, mais inteiro. Visitou diferentes regiões do Brasil, como as florestas de araucária no Paraná e os campos rupestres em Itabirito (MG). Depois de um tempo, fixou-se em Nova Viçosa (BA), em seu Sítio Natura.

Tinha 63 anos quando João Meirelles, um jovem de 24, o conheceu. Juntos, foram de caminhonete de Nova Viçosa a Juruena, no Mato Grosso, descobrindo a natureza brasileira no caminho de mais de 3 mil quilômetros. Descobriram, também, a natureza queimada, destruída. As grandes árvores calcinadas devem ter evocado memórias da guerra em Krajcberg, que começou a gritar, e continuou gritando até o mundo escutar sua voz contra as queimadas e a devastação, pela proteção dos biomas brasileiros. Meirelles lembra que seu ativismo ambiental foi inspirado por Krajcberg.

Escultor, fotógrafo e pintor, Frans Krajcberg foi premiado como melhor pintor brasileiro na 4ª Bienal de São Paulo, em 1957, e teve seus trabalhos expostos em diversas partes do mundo. Mas um dia declarou: “A arte pela arte acabou”. A partir desse momento, sua manifestação artística se transforma. Nas primeiras décadas de atividade, era inspirado pelo concretismo abstrato de Willi Baumeister.

Durante uma viagem pelo Rio Negro com o artista plástico Sepp Baendereck e o crítico francês Pierre Restany, assinou com os companheiros o “Manifesto do Rio Negro”, em que defende um “naturalismo integral”, uma forma de arte baseada na natureza brasileira – assim, não precisaríamos importar estilos da Europa ou de qualquer outro lugar.

Considerado um dos maiores artistas plásticos de seu tempo, Frans Krajcberg participou de mais de duzentas exposições coletivas e 92 individuais, sendo presença constante no circuito Sesc e fazendo parte do acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). Conquistou centenas de prêmios nacionais e internacionais e inspirou artistas e estudiosos num diálogo transnacional que criou sociedades de estudo e preservação de sua arte no Brasil e na Europa. Seu repertório pode ser considerado um manifesto: “Desde então, o que faço é denunciar a violência contra a vida. Esta casca de árvore queimada sou eu”, declarou em entrevista. Ao final de sua vida, doou seu acervo pessoal de obras e objetos, bem como seu sítio em Nova Viçosa, ao Governo do Estado da Bahia, responsável por seu legado.

As Edições Sesc São Paulo e a Edusp, coerentes com sua trajetória, e cumprindo sua missão de documentar e levar ao conhecimento público as manifestações culturais brasileiras, bem como a de apoiar ações em defesa da preservação do meio ambiente, trazem este importante registro de um grande artista plástico que escolheu ser brasileiro e defender nossa terra.

Edições Sesc São Paulo

Edusp – Editora da Universidade de São Paulo

PREFÁCIO

JACQUES LEENHARDT I

Inicio este prefácio em janeiro de 2023, no dia da posse do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi claramente anunciado ao mundo que o Brasil não precisava derrubar florestas para manter sua agricultura, no dia em que Sonia Guajajara fez seu primeiro discurso como ministra dos Povos Indígenas. Escrevo neste dia em que, no Brasil e no mundo, renasce a esperança de um desenvolvimento que respeite os homens e as florestas. Este dia é uma data simbolicamente importante para a luta que Frans Krajcberg travou durante décadas.

vA biografia de Frans Krajcberg por João Meirelles é sustentada por um enorme trabalho de documentação, mas também por uma longa amizade e convivência com o artista. Em geral, esses dois tipos de fontes – a proximidade entre amigos e testemunhos vindos de horizontes tão diferentes – não dão uma boa liga. Como encontrar o equilíbrio? O autor não parece ter tido essa dificuldade. Ele lida com os testemunhos mais críticos com a mesma naturalidade e simplicidade com que lida com os mais elogiosos. É como se empregasse essas dezenas de pontos de vista como as pinceladas que um pintor distribui numa tela para compor um retrato. Há contrastes entre um e outro, às vezes até contradições, mas todos juntos resgatam o Krajcberg que conhecemos – e digo isso como leitor. Isso se deve, sem dúvida, à escrita direta e voluntariamente sem floreios desta biografia. Ela desaparece por trás das informações, escapa tanto ao lirismo da homenagem como à vindita da acusação. O indivíduo Frans Krajcberg era duro, egocêntrico, e foram muitos os que conheceram esse seu lado. E, no entanto, todos concordam que isso não importa. Esta biografia demonstra à perfeição que todas as decepções que talvez tenham sido relatadas sobre a pessoa nunca impediram que fossem reconhecidas a beleza da obra e a grandeza da mensagem na qual Krajcberg transformou sua vida. Isso justifica plenamente a publicação desta biografia detalhada.

A pesquisa nos arquivos, as entrevistas com contemporâneos, as horas passadas com o artista, todo esse trabalho realizado por João Meirelles compõe o perfil de um destino extraordinário. Talvez tenha sido necessário o sofrimento insondável

I Diretor de pesquisas na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales [EHESS], Paris. Publicou recentemente Rever Debret: Colônia - Ateliê - Nação, São Paulo: Editora 34, 2023.

da guerra, do fogo e do sangue do Holocausto, ruminado na solidão do exílio, para produzir essa sensibilidade à flor da pele que encontrou nas florestas arrasadas do Brasil um objeto à altura de sua dor de ser. Há algo da figura emblemática do ser humano à mercê das circunstâncias trágicas do mundo no encontro de Krajcberg com o Brasil, esse país que ele tanto amou e tanto odiou. Se Frans tem as feições proféticas que Aleijadinho esculpiu no rosto de Ezequiel em Congonhas, é porque o século que o feriu tão profundamente exige reparação. Porque nele foi e sempre será impossível fazer totalmente a paz.

Da criança da Polônia ao profeta das desolações brasileiras, a violência do fogo atravessa as etapas de um percurso traumático. Para o sobrevivente que Krajcberg sempre foi para si mesmo, e com o qual ele alimentou a lenda, a violência destruidora provocada pelos seres humanos é um estigma indelével. A ponto de ele se sentir compelido a romper com todo o gênero humano, culpado da catástrofe nazista e também da que condena nosso planeta. Krajcberg nunca perdoou a ninguém essa dupla e trágica experiência.

vE, no entanto, Frans Krajcberg dedicou a primeira parte de sua vida de artista à busca de uma solução para esse destino trágico: a arte como o que poderia nos desviar do inferno da indústria; a arte como antídoto para a compulsão humana a produzir filhos e destruir a natureza para alimentá-los; a arte como poder de contemplação das belezas da natureza. Quando acabou a guerra, ainda num campo de refugiados em Stuttgart, Frans conheceu a arte abstrata e concreta de Willi Baumeister (1889-1955), cujos ensinamentos tiveram influência determinante sobre ele. Durante três décadas, próximo de diversos grupos e movimentos artísticos, mas sempre sozinho, Krajcberg desenvolveu suas competências entre a Europa e o Brasil. Seu trabalho é cada vez mais reconhecido: exposições, bienais, encomendas. Então, um belo dia, a concepção que ele tinha de seu papel como artista mudou, e diversas anotações desta biografia nos permitem compreender essa mudança.

Uma frase sempre se repete nas conversas com Krajcberg, como uma espécie de distanciamento em relação às formas tradicionais da arte: “A arte pela arte acabou”. O que essa afirmação simboliza?

É difícil descrever uma mudança de rumo na vida de um artista – ou de qualquer ser humano. Se a palavra “ruptura” implica um antes e um depois, quando examinamos o fenômeno de perto, ele revela os meandros de um processo progressivo, de um longo rio com muitos afluentes. Qual a fonte da insatisfação? Qual o impasse? Que perspectiva se impõe num dado momento como a mais importante?

A expressão “a arte pela arte” data do século XIX, quando os artistas sonhavam em contrapor uma prática livre – e, portanto, “artística” da arte – às exigências didáticas e decorativas de seus patrões e financiadores – e, portanto, dos poderes religiosos, econômicos e políticos que encomendavam suas obras.

No século XX, houve embates semelhantes em torno da noção de realismo: a arte tinha de estar a serviço de uma causa? Que causa e por que meios plásticos? Resta a pergunta: como o distanciamento em relação à “arte pela arte” se construiu em Krajcberg? Como a “arte” de Krajcberg se tornou para ele um manifesto, e não arte simplesmente?

Após uma viagem pelo rio Negro com os dois artistas e amigos do Brasil, Frans Krajcberg e Sepp Baendereck, o crítico de arte francês Pierre Restany redigiu um texto que se intitularia “Manifesto do rio Negro”. Krajcberg nunca teve a intenção de produzir um discurso teórico sobre seu trabalho, tampouco Baendereck. Embora tenham assinado o texto, é pouco provável que as palavras que lemos nele correspondam à experiência deles. O texto é do punho do crítico francês, e a emoção diante da natureza foi suficiente para que eles coassinassem o manifesto, também chamado “Manifesto do naturalismo integral”.

Como revela João Meirelles, que testemunhou o diálogo, Frans e Sepp tinham pontos de vista divergentes sobre a Amazônia. Frans teria dito o seguinte a Sepp: “O teu assunto é gente, o meu é planta; eu não gosto de pessoas, você gosta de pessoas. Eu mostro plantas, você mostra o índio!”II. Na realidade, a diferença de perspectiva é mais profunda do que a frase dá a entender. João Meirelles conta a viagem que fez com os dois artistas a Juruena, Mato Grosso, em 1984, desta vez sem o crítico francês. Segundo ele: “Para Sepp, aquele inferno das queimadas deveria se resumir a uma breve visita. Frans, ao contrário, ficava horas ali, buscando o melhor ângulo para a foto, arrancando o cipó carcomido pelo fogo, serrando o tronco que lhe aprouvesse…”III. A fascinação de Krajcberg pelos restos fumegantes da floresta era tão profunda que ele decidiu criar um ponto de coleta em Juruena para reunir os pedaços de madeira carbonizada recolhidos por ele e depois enviá-los a seu ateliê em Nova Viçosa, Bahia. Essa decisão, que orientou seu trabalho posterior, mostra que o que importava para Krajcberg não era a Floresta Amazônica, densa, rica e poderosa, muito menos seus habitantes, mas o que sobra depois que tudo é queimado. Não a massa vegetal invasiva ou os indígenas que zelam por ela, mas o que renasce das cinzas ou, como diríamos hoje, a floresta resiliente. v

Desde que começou a se afastar do ofício convencional de artista para abraçar sua vocação de testemunha de acusação no grande processo contra a destruição da floresta, Krajcberg buscou uma linguagem plástica adequada à vocação de

II Ver, neste volume, p. 165.

III Ver, neste volume, p. 196.

manifesto que atribuía à sua obra. Diante das imensas queimadas de Juruena, Krajcberg compreendeu que elas ofereciam o que ele procurava: a vegetação queimada fundia a mensagem da qual ele se sentia investido com o objeto que transmitiria essa mensagem aos outros. Poderíamos dizer que ele encontrou na madeira carbonizada um símbolo icônico: a coalescência do objeto-suporte com a consciência ecológica.

O que despertava a ira de Krajcberg era a destruição, a negligência dos seres humanos com a natureza e o desprezo pela vida que isso implica. Contudo, nas conversas que tivemos, seja em Nova Viçosa, seja no Crestet Centre d’Art ou em outros lugares, jamais abordamos a questão das diferentes maneiras de conceber essa “natureza”, em sua infinita diversidade semântica e simbólica, na variedade de formas de habitá-la ou domesticá-la. Para Frans, a “natureza” é uma obviedade primordial e indiscutível, e tudo o que ataque essa força vital é absolutamente escandaloso. Ele dizia que nós somos “natureza” como poderia dizer que “estamos vivos”, recuperando o sentido original da noção de physis na filosofia grega. Essa obviedade primordial remete, sem dúvida, a sua experiência de sobrevivente, daquele que escapou da destruição do Holocausto. Para todo sobrevivente, a própria existência se torna objeto de reflexão. Por que eu? Como eu? Por isso, Krajcberg fará da luta contra o fogo que consome a vida o centro da sua obra e o eixo principal do seu engajamento.

A minha obra é um manifesto. Se pudesse pôr cinzas por toda parte, estaria mais perto daquilo que sinto.

IV

Esse retorno ao trauma histórico primigênio do sobrevivente sugere que talvez devamos prestar atenção às relações de Krajcberg com suas origens judaicas. Ele falava pouco de suas origens, mas elas podem ter certa importância em sua conversão à militância em favor da “natureza”. Krajcberg não se apresentava como judeu. Uma das contribuições da biografia de João Meirelles é precisamente a informação sobre a rede de relações que Krajcberg manteve desde a juventude com o movimento judaico na Polônia e suas ramificações posteriores em Israel. Mesmo que ele nunca tenha se sentido próximo da instituição religiosa – na verdade, desconfiava dela –, podemos pensar que a denúncia, que terá tanta importância em sua atividade, tem certa relação com a experiência comunitária do

IV Ver, neste volume, p. 172.

Holocausto, em associação com a dimensão profética da tradição judaica da qual ele se nutriu culturalmente. É como se a denúncia tivesse tomado o lugar da inútil busca pela beleza: “A arte pela arte acabou”. Visto que a expressão estética se submete à mensagem, o grito que Krajcberg reivindica para si é, ao mesmo tempo, a expressão de uma angústia e uma possibilidade ética de justificação.

É notória a frase de Adorno: “Escrever poesia depois de Auschwitz é barbárie”V. Ela gerou muita controvérsia na época. Diante das numerosas críticas, Adorno reformulou sua tese de diversas maneiras. Alguns anos depois, em Dialética negativa (1966), reconheceu que as dores sofridas “têm direito à expressão”, mas acrescentou: “Todavia, não é errada a questão menos cultural se, depois de Auschwitz, ainda é possível viver, se é plenamente legítimo aquele que se salvou e normalmente teria sido assassinado”VI.

Adorno pergunta: qual a legitimidade de, depois de Auschwitz, produzir obras de arte para aquele que se salvou? Essa reformulação levanta uma questão não mais estética, mas brutalmente ética, que envolve o sobrevivente e sua legitimidade, não como artista, mas como sobrevivente. Talvez essa dúvida tenha atormentado Krajcberg. Se foi o caso, é mais fácil compreender sua conversão à urgência do clamor como modo de expressão legítimo diante da catástrofe humana absoluta. A arte teve seu momento, resta o grito de horror.

Essas reflexões me levaram a uma comparação inesperada, embora outros a tenham feito antes de mim: não poderia a fascinação de Krajcberg pelas florestas queimadas ser comparada às paisagens de cinza que Anselm Kiefer pintou naquela época, àquelas grandes telas intituladas Besouro voa (1974) ou Nurembergue (1982)? Nelas também, tudo é desolação, resultado doloroso do húbris humano.

Essa comparação põe face a face as pinturas de Kiefer e as fotografias de Krajcberg, na medida em que suas esculturas fazem jus à beleza, portanto também à vida. Se levamos em consideração o fato de que a fotografia se tornou cada vez mais importante na obra de Krajcberg, então podemos pensar que o artista-testemunha encontrou nela uma forma de legitimidade. Há de fato uma coincidência temporal entre o momento em que Krajcberg se exprime no tom vibrante do grito e a importância que a fotografia adquire em sua obra. A mensagem desesperada que amplifica abre o caminho para a fotografia como conteúdo figurativo e testemunho da loucura humana mortífera.

V “Nach Auschwitz ein Gedicht zu schreiben, ist barbarisch” (Theodor W. Adorno, “Kulturkritik und Gesellschaft”, em Gesammelte Schriften, v. 10, Darmstadt: Suhrkamp, [1951] 1977). Ed. bras: “escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro” (“Crítica cultural e sociedade”, em Prismas, trad. Augustin Wernet e Jorge Mattos Brito de Almeida, São Paulo: Ática, 1998). Disponível em: <https://hugoribeiro.com.br/bibliotecadigital/Adorno-Critica_cultural_sociedade.pdf>.

VI “Nicht falsch aber ist die minder kulturelle Frage, ob nach Auschwitz noch sich leben lasse, ob vollends es dürfe, wer zufällig entrann und rechtens hätte umgebracht werden müssen”. Ed. bras.: Dialética negativa, trad. Marco Antonio Casanova, Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

Na época, estavam começando as chuvas ácidas na velha Europa, e os jornais só falavam nisso. Como o autor desta biografia oportunamente recorda, os anos 1970 viram acontecer, também no Brasil, a conscientização sobre a urgência de re gu lar o impacto da indústria humana sobre o planeta onde vivemos. Em Mato Grosso, Bené Fonteles e alguns jovens artistas criaram um grupo em torno da ideia da “ecologia do ser”; Sepp Baendereck, Rubem Valentim e Iberê Camargo participavam do Movimento Artístico pela Natureza (MAPN). Recordando esses fatos , Meirelles – que conhece essa história melhor do que ninguém, pois é a história dele também – ressuscita o contexto no qual também se deve pensar na conversão de Krajcberg. Na França, em 1969, René Dumont foi o primeiro ambientalista a sair candidato à Presidência da República. Claro, essa efervescência ainda era marginal, mas rodeava os artistas que buscavam formas de expressar sua angústia ante a cegueira geral. Na Europa, as imagens das esqueléticas florestas alemãs e polonesas, reduzidas a troncos mirrados e cinzentos, começavam a produzir impacto sobre a opinião pública, e, em 1986, foi realizada na Sorbonne a “Silva” (Conferência Internacional sobre a Árvore e a Floresta), com a presença do chanceler alemão Helmut Kohl e do presidente francês François Mitterrand.

Esse contexto sugere um quadro histórico para o abandono da “arte pela arte”. A mentalidade de sobrevivente de Krajcberg levava-o a declarar-se sem família: era uma maneira de manifestar seu mal-estar por viver entre os homens. E, no entanto, como recorda João Meirelles, foram muitos os que formaram uma “família” em torno dele: irmã e os parentes dela, tio e primos que o acolheram no Brasil; mais tarde, as pessoas que se associaram a seu trabalho de artista; por fim, os que se tornaram companheiros de luta pela preservação das florestas, entre os quais me incluo. Apesar disso, Frans sempre se sentiu numa solidão que nenhum ser humano podia povoar. A ponto de muitos acreditarem que somente a natureza, em seu esforço vital sempre renovado – a natureza germinativa, de certo modo pré-humana –, era capaz de lhe oferecer repouso. Podemos sentir a força simbólica desse último recurso observando aquelas fotos de florestas carbonizadas em plano geral, nas quais Krajcberg capta, com uma delicadeza sutil, um broto verde-claro despontando de um tronco queimado. Toda a esperança de Krajcberg está ali, dando as costas para os seres humanos.

Durante muito tempo, a arte com que ele embelezava os restos carbonizados levados de caminhão das queimadas de Mato Grosso criou a beleza. Com pigmentos que ia buscar em Minas Gerais, Krajcberg valorizava a natureza que a civilização havia destruído. O cuidado que ele dedicava às árvores queimadas e aos cipós retorcidos pelo fogo era a celebração dessa vida vegetal que foi sua verdadeira família. O trabalho de Krajcberg enobrecia, embelezava, restaurava. Mais

profundamente plantada nele, porém, parece ter sido a preocupação com a vida em si, que ele buscava sob as cinzas, emergente.

A fotossíntese que transforma a matéria orgânica em brotos e flores é o verdadeiro segredo da vida. Quanto mais Krajcberg mergulhava no mundo vegetal, mais afirmava o papel fundamental da fotografia como verdade indiciativa da luz vital, como testemunho da natureza. Como se a energia da fotossíntese fosse a única muralha contra as atividades mortais dos seres humanos.

Isso nos remete às origens de nossas mitologias: segundo o Gênesis, no princípio as trevas cobriam o caos universal. Então, sobre essa terra mergulhada na escuridão, Deus disse: “Que se faça a luz”, e o mundo apareceu vivo diante dos olhos dos viventes. As fotografias de Krajcberg mostram, sob as cinzas, a germinação vegetal ainda frágil, mas que dará sentido a seu trabalho, porque é vida.

Nos anos 1950 e 1960, Krajcberg trocou a produção de figuras pela coleta de formas em moldes: da areia ondulada pelo mar, das folhas nervuradas para resistir ao vento. A natureza fornecia tudo de que ele necessitava e, em vez de tentar competir com essa fonte infinita de beleza, ele quis registrá-la tal qual. Esse lado objetal fascinava Pierre Restany e o levou a incluir Krajcberg na categoria dos novos realistas. Isso foi antes do fim da “arte pela arte”. Das queimadas de Mato Grosso, Krajcberg retirou pedaços de madeira retorcidos pelo fogo, cujo sofrimento era sublimado pelo trabalho artístico que ele lhes dedicava. Com o aprofundamento da crise ambiental no século XXI, as pesquisas estéticas de Krajcberg foram sendo substituídas cada vez mais pela urgência da luta pela preservação da habitabilidade do planeta. Nessa luta, a fotografia veio para apoiar, pela força de seu testemunho e impacto emocional, o trabalho propriamente plástico que prevalecia na época. A biografia escrita por João Meirelles nos ajuda a compreender essa evolução e como, a partir de uma existência violentamente maltratada pela história, Frans Krajcberg soube construir um projeto coerente, cujos fundamentos são a estética e a ética da sobrevivência e cujo testemunho é hoje, para muitos, um chamamento à ação.

INTRODUÇÃO

Após conviver com Frans Krajcberg por mais de três décadas, tomei a decisão de revelar sua biografia, evitando ao máximo julgamentos a respeito dele. O fato é que Frans foi bastante criativo ao relatar a própria vida, e as estórias em que se enredou (e nas quais envolveu outras pessoas) perpetuam-se pela simples falta de uma verificação acurada. Isso reforçou a necessidade de muitas entrevistas e pesquisas em diferentes fontes bibliográficas, verificando in extremis a veracidade do que ele dizia. Mesmo assim, é provável que eu tenha falhado, principalmente porque diversos participantes de sua vida faleceram antes que eu pudesse entrevistá-los. Assim, antecipadamente peço desculpas se fui incorreto em relação a alguém, vivo ou falecido. Caso tenha cometido alguma impropriedade, seria bom conhecê-la para ajustar o texto e reconhecer o erro.

A pandemia da covid-19 complicou a conclusão da obra, impedindo-me de viajar e acessar arquivos documentais no Brasil e na França, mas não me deteve em chegar a um ponto final na biografia. Importante comentar – em especial para quem, como eu, é pouco versado no tema – sobre os centros de informação da comunidade judaica, especialmente aqueles dedicados ao Holocausto (Shoá, em hebraico). O pesquisador Fernando Frochtengarten observa que “o termo hebraico Shoá pode ser traduzido como ‘desabamento’ ou ‘desastre’, termos também aplicados à tradução do grego katastrophé, que, literalmente, tem como sentido uma virada para baixo”. Também há versões em que o termo shoá – ou churben ou hurban, em iídiche – significa destruição. Destaco como valiosas fontes o JewishGen; o Yad Vashem (Memorial do Holocausto), instituição oficial de Israel; a Enciclopédia Yivo de Judeus na Europa Oriental; e o Arquivo Arolsen, do Centro Internacional de Perseguidos pelo Nazismo (antes, Serviço de Busca Internacional). Este último é o maior acervo sobre as vítimas e os sobreviventes do nazifascismo e congrega os documentos que os Aliados resgataram durante e após a Segunda Guerra Mundial. Há informações sobre os campos de trabalho forçado e oscampos de extermínio (em língua portuguesa, usualmente agrupados como “campos de concentração”), bem como registros pós-guerra de refugiados. Os documentos foram confiscados dos campos de concentração e extermínio ou recebidos das corporações alemãs que empregavam trabalhadores forçados (escravizados) ou, mesmo, de registros juntados pelos Aliados no processo de acolhimento aos refugiados. Nos arquivos nazifascistas, os trabalhadores forçados eram denominados “trabalhadores civis” ou “trabalhadores do leste” (referindo-se à Europa Oriental).

POR QUE A BIOGRAFIA?

Assim registro em meu diário, de Nova Viçosa, Bahia, em 31 de junho de 1985:

Anote tudo, Joãozinho! É preciso disciplina, todo dia. Ao fim da tarde, sente-se e procure se lembrar de tudo que você considera importante. […] Eu sempre quis fazer a história da minha vida e de minha obra. Tem muita coisa… Temos muito trabalho, João! […] Eu estou ficando velho e daqui a pouco não vou conseguir fazer estas viagens. Até alguns já se propuseram a fazer o livro, mas não encontrava diálogo. Eu, sozinho, até já tentei ligar o gravador, mas não sai nada, sai esta voz com som de estrangeiro e logo me acho um chato e desligo…

Dias depois, partimos para Juruena, no extremo noroeste de Mato Grosso, e, novamente, o meu diário me recorda: “Krajcberg, meu amigo, você hoje me propôs um grande desafio: escrever a obra de sua vida. […] De repente, me senti muitíssimo feliz com tal convite profissional, o mais importante até hoje de minha vida”. Passaram-se 39 anos do momento em que assumi esse compromisso com Frans até aquele em que a obra veio a público. Sempre acreditei que a melhor maneira de retribuir-lhe pelo aprendizado seria escrever a obra que ele e eu queríamos ver pronta. Nossa história comum poderia ser dividida em três tempos. O primeiro, de intensa convivência, entre 1984 e 1988, tão relevante para forjar a minha carreira como ativista ambiental; o segundo seria um longo hiato de quase duas décadas, em que cada um tomou veredas distintas que, em pontos esparsos, se cruzavam. E, finalmente, o terceiro tempo, a partir de 2011, quando Frans comemorou seus 90 anos de idade, até a sua morte, em 2017. A biografia foi escrita principalmente neste último período e seguiu até o presente momento.

vEm 1985, dias depois daqueles apontamentos no diário, vencemos 3 mil quilômetros de estrada, batendo lata na velha e brava camionete de Frans, de Nova Viçosa às barrancas do rio Juruena. No caminho, Frans abria-me os olhos para a destruição da Mata Atlântica do sul da Bahia e do leste de Minas Gerais e comentava sobre a acelerada ruína do Cerrado de Goiás e de Mato Grosso. De tempos em tempos, exclamava: “Para já, para o carro! Eu quero correr!”. Ele descia, eu voltava ao volante e ele seguia, em ritmo acelerado, até uns cinco ou seis quilômetros adiante. Chegava ofegante, a cara vermelha, alegre. Ele, 64 anos, e eu, 25.

No último trecho do percurso, nas estradas de terra do projeto de colonização Juruena, iniciativa de meu pai, a poeira e a monotonia da floresta esfacelada se repetiam do lado de lá da janela aberta, e ele me olhava, severo, diante da banalização do extermínio da natureza. Ao mero sinal dos novos migrantes – os colonos

vindos do sul do Brasil e as suas derrubadas –, Frans sinalizava com um gesto de mão para que seguíssemos adiante, para onde houvesse mata. Então, ele abandonava a sua ranzinzice, e seu rosto se alumiava.

Três mil quilômetros para que os galhos da grande floresta surrassem os vidros do carro, exalando aquele cheiro gostoso de mato… A pista, cada vez mais estreita, mal deixava passar um carro, e, aqui e ali, o facão e o machado mostravam a que vieram. As pontes apressadas sobre os córregos, a permanente aventura: se passarmos agora, retornaríamos? Apenas alguns troncos disformes, jogados sobre as cabeceiras de terra fofa, como a dizer que não suportariam a próxima chuva.

Se antes a mata era parte do horizonte, agora, as grandes castanheiras-do-brasil e figueiras-brancas pulsavam a nosso lado! Desfilavam como dançarinas, os braços para cima, agitados, volúveis, majestosas, nuas em pleno verão amazônico. Se, como ele dizia, “diante das pedras, as árvores são bailarinas”, Frans dançava jubiloso, pulava qual um menino sapeca – esse era o seu mundo!

Para admirar os gigantes vegetais, encostávamos o carro, forçando a cabeça para cima. Era como analisar um edifício muito alto. Ele se apoiava em meu ombro para fotografar e suspirava, feliz e cansado. Ao lado desse homem de poucas e afiadas palavras, de olhar vivo e atento, eu me esforçava, como discípulo, a sorver cada grãozinho de pensamento. Passávamos o dia percorrendo estradas, perambulando sem rumo, conversando muito, caçando cipós travessos, troncos híspidos e raízes assustadas… Eu me enchia de contentamento com aquela expedição de descoberta, fotografando, percorrendo as matas escuras, anotando, conversando com as árvores…

Naquela manhã de calor, ele finalmente decidiu vencer o ciclope de uma grande queimada. Estancou a camionete e saiu correndo em direção às chamas. O fogo consumia os troncos, que choravam e chiavam, exaustos… Frans, revoltado, discursou para as grandes castanheiras que testemunhavam tudo, em pé, desoladas de dor. Gritava, gritava até enrouquecer. As árvores agonizavam, tabocais estalavam como tiros de misericórdia – Bam! Bam! Bam!

A vida desabava.

Furioso, Frans levantava os braços, desacorçoado com o que via. Alcancei-o. Ele tomou a máquina fotográfica de minhas mãos, como se fosse uma arma poderosa e, pisando firme no chão quente e fumegante, invadiu o cenário de guerra, a sua guerra, a guerra permanente em que transformara sua vida. Agora era a nossa guerra, não havia retorno, era a guerra insana que se travava contra aqueles que queriam derrubar a floresta, abrir alas à tal da “civilização”. Frans vociferava em seu português atabalhoado, economizando artigos e preposições: “Brasil, Brasil, Brasil, país nome de árvore, deveria chamar Queimada!”.

Aquele susto enorme provocou em mim sentimentos ambíguos de raiva e contentamento – ali estava a chave da minha vida! Frans penetrava o teatro de guerra da minha alma: um campo minado, os inimigos nas trincheiras, e seus

companheiros de luta, mortos, as árvores para sempre destruídas! As chamas da inconsequência, a devastação; cobras, sapos, os bichos estorricados…

À medida que marchávamos em retirada, o chão amolecia, os pés afundavam na cinza quente, os olhos ardiam, os pelos dos braços retorciam-se. As solas de borracha de nossas botas derretiam, havia a fumaça, o calor estrondoso, o ar irrespirável… Frans lacrimejava, gesticulando vigorosamente, o lenço úmido no rosto. Eu não o compreendia, talvez ele falasse em uma outra língua, uma língua muito antiga. Seria seu iídiche da juventude?

E eu, que sonhava lhe apresentar as possantes sapucaias, o ipê em flor, as cascas flamejantes da cerejeira, as florestas abertas… Nada disso! Estávamos ali, sozinhos em meio à batalha para sempre perdida – “a queimada!”. A fronteira avançando, inclemente. Diante da imensa castanheira que ardia em pé, solitária e suplicante, jorrando fumaça qual uma chaminé, ele gaguejou, engolindo o soluço: “a guerra, Polônia, Alemanha…”.

Eu observava nosso Exército de Brancaleone, impotente diante de hordas de fogo, hilárias motosserras e truculentos caminhões. Será que foi para isso que percorremos 3 mil quilômetros? O que fazíamos ali? O que havia de tão interessante nessa guerra? A pele queimando, os mosquitos, a fumaça, o risco de um acidente ou de um confronto com algum proprietário armado, a esbravejar: “Esta é a minha queimada, a minha terra, o meu desmatamento, a minha madeira!”.

Naquele instante, como num giro de 180 graus, minha visão sobre a Amazônia mudou radicalmente. Rastejando entre as cinzas, embuziando-me para aprender o olhar de meu mestre, buscando o melhor ângulo para fotografar a árvore ardente, percebi a pequenez de minha mente colonizadora. Aquela foi a maior lição de minha vida, apontando um norte para o futuro ativista. Os verdadeiros gigantes da floresta, os monumentos da glória da vida, eram abatidos para virar cabo de vassoura ou, simplesmente, para abrir mais espaço de pasto para o gado. Na floresta, obstáculo à “modernidade”, não havia lugar para as grandes árvores: eram como os mamutes em seu último suspiro.

Daí em diante, a queimada foi o elemento central da obra de Frans. E eu, marcado a fogo, tomei um caminho bastante distinto do que se augurava a um filho de fazendeiro e colonizador. De hino ao progresso, o berro do boi se demudou em réquiem à floresta, à natureza. A partir das cinzas, e com as inequívocas contradições, iniciava ali a militância do escritor ambientalista. Aos 25 anos, descobria a verdadeira Amazônia e, ao mesmo tempo, assumia o compromisso de contar a história desse homem – a nossa história.

Aquele soldado transtornado, quarenta anos mais velho que eu, digladiava-se com os cipós queimados, que lhe pediam salvação. Ele se abraçava aos troncos obtusos para convencê-los de que a morte pelo fogo não seria em vão, de que ele os arrebataria daquele estado de pirangados. Cumpriu religiosamente essa promessa e transfigurou as achas de pau calcinadas, agarradas às suas sombras, em obras de

arte, troféus da insanidade da tal “civilização”. Essa era a sua natureza, a natureza inventada, a natureza como cultura.

O mantra de Frans não poderia ser outro: “Nós somos a natureza!”. No campo de batalha, infatigável, simbolizava como ninguém a história do Brasil em uma única e solitária palavra: “Queimada!”. Desvelava os quinhentos e tantos anos de Brasil-queimado – o Brasil-inzoneiro, o Brasil-braseiro – em seus brados secos pela fumaça e repetidos até o fim da ida:“Sou um homem queimado! Sou um homem revoltado! João, você precisa gritar, gritar mais forte! O Brasil é um país queimado!”.

Quem é esse homem de discurso apaixonado, que caminhava decidido pelas florestas e queimadas, fotografando tudo e oferecendo-nos uma visão singular da Natureza? Por que gritava tão alto em defesa do meio ambiente, encolerizado diante de qualquer um que se pusesse em seu caminho?

Quem é esse brasileiro por adoção e adoração, que viveu 69 de seus 96 anos no Brasil e se irritava profundamente quando o chamavam de polonês, de gringo?

Por diversas vezes insisti para retomarmos a biografia, e ele, apenas com as mãos, sinalizava, como a me dizer: “Mais para a frente, mais para a frente…”. Estava mais preocupado com a próxima exposição, queria terminar aquela escultura sobre a bancada. Olhava-me com ternura, e eu acedia. Em 2011, autorizou-me a completar o trabalho. Timidamente, voltou a comentar sobre essa e aquela pessoa, as passagens de sua vida… Mostrava-me fotos, comentava sobre objetos, tudo a conta-gotas. No mesmo ano, pediu-me para que redigisse seu manifesto, o manifesto ambientalista, pela Amazônia e pelas florestas. Ele ditava, eu ajustava o texto, lia-lhe em voz alta, corrigia a qualquer sinal seu, relia… Era o ativista em movimento! A pedido de Frans, telefonei ao nosso amigo comum, Thiago de Mello, que garantiu poesia e equilíbrio ao manifesto, reproduzido ao final deste livro.

Apesar de sua crescente debilidade física, estava radiante, queria visitar Thiago em seu Amazonas do Paraná do Ramos, para a leitura do manifesto, planejava fotografar as grandes árvores e avisou-me: “Vou ficar quanto tempo eu quiser em frente da árvore! Ninguém vai me impedir!”.

Seus olhos cintilavam quando tratava dessa próxima expedição, mas a saúde não lhe assentiu. Em dezembro de 2017, atravessou o rio Jordão2.

Como queria Thiago de Mello: “É o pacto do amor do Homem com a Floresta!”.

QUEIMADA – A FRENTE DE BATALHA

A única coisa é que não tem centenas de mortos no campo, mas é igual.

de

O BRASIL QUEIMADO

Da primeira viagem a Juruena, em 1984, com seu grande amigo, o também artista Sepp Baendereck, até o fim de sua vida, Frans viverá o “Brasil Queimado”.

A devastação ininterrupta e insensata, a destruição pela destruição, avançando sobre a Amazônia e o Cerrado, não tem precedentes, seja por sua escala, seja pelo curto espaço de tempo ou, principalmente, por sua violência.

Frans tomou para si essa tocha que nunca se apaga e, com suas palavras ferozes, incendeia-nos a todos, oferecendo-nos seu discurso inflamado. “A queimada” é a marca que forja o Brasil, a ferida aberta que nos expõe, que não cura nem cicatriza – “Brasil, um país queimado!”. A marca que explicaria a história da colonização, tal qual o ferro em brasas, a marca sobre o couro do gado, a marca na pele dos escravizados: “Esse tem dono!”.

Frans Krajcberg e João Meirelles no barco Purunga, rio Juruena, Mato Grosso, 1984.

Frans atazanava quem estivesse próximo, perguntando por que nós, brasileiros, não amamos a nossa terra, por que cercamos tudo – “Brasil-de-arame-farpado. O Brasil é um país cercado, um campo de concentração, na cidade, na estrada, tudo proibido!” . Ele reclamava que esse era um país muito rico e, ao mesmo tempo, miserável, que queimava toda a sua riqueza. Esse mantra incansável me obrigou a compreender como banalizamos “A queimada” – nosso método de imolação e extermínio por excelência. A proposta de Frans para curar essa doença do brasileiro – de queimar tudo e sempre, para depois ver como fica – é simples demais, óbvia demais: a fotografia-protesto, a escultura-protesto. Sua forma de manifesto é um “soco no estômago” – em suas palavras, “é a revolta contra o inconformismo!”.

DESAFIOS

Nas últimas quatro décadas, a Amazônia passou por uma marcha de destruição, sob o argumento de “dominar a selva”, apenas comparável ao genocídio provocado pela chegada de europeus às Américas. Todos os argumentos racionais que desautorizariam tal avanço sobre seus povos e a floresta, como bem comentava Thiago de Mello, parecem insuficientes para sustar a destruição.

O calor amazônico e das queimadas ainda fumegantes; os insetos, em especial o minúsculo mosquito pium (Simulium pertinax), equivalente ao borrachudo, em ataque incessante durante o dia; as longas distâncias e a precariedade das estradas; o peso dos cipós, dos troncos da areca paxiúba (Socratea exorrhiza); o desconforto da velha camionete; a alimentação irregular e de baixa qualidade; a precariedade dos pousos e o trabalho em uma vila onde tudo era improvisado… Nada disso enervava Frans, concentrado em sua labuta frenética.

O que o tirava do sério era a apatia e, na maioria das vezes, a animosidade dos novos migrantes – colonos, fazendeiros, garimpeiros – que afluíam a essa fronteira pioneira na esperança de encontrar a riqueza material. Seu projeto artístico e seu propósito ambientalista eram recebidos como as maluquices de “um doido manso”. Quem poderia conceber aquele gringo mal-humorado e solitário, de fala enrolada, procurando pau torto roído no meio dos escombros de uma queimada? Seu carro cheio de cipós e pedaços de pau chamuscados só causava curiosidade. Naquele ambiente hostil, pôde se movimentar sem percalços por ser um convidado da empresa colonizadora de meu pai, que ali o protegia.

De sua parte, Frans nada fazia para afastar essa imagem de “gringo doido”. Não tinha paciência para explicar seus propósitos e desvelar sua arte: bastava-lhe acreditar que seu intento era nobre. Simplificava as coisas ao tratar todos, ou quase todos, como inimigos da Natureza – ou seja, como seus inimigos. Frans pouco se relacionava com as pessoas, fossem ribeirinhos ou os novos colonos, tampouco se interessava por seus sofrimentos e alegrias, suas histórias. Sua ideia fixa era a forma vegetal, natural ou destruída, a paisagem, as formas e as cores. Em verdade, o Frans que

queria ser reconhecido era esse – um novo Quixote, a enfrentar a fúria dos homens que destruíam irracionalmente tudo a sua volta. É esse embate monumental contra os moinhos da incompreensão que ele tencionava legar como mensagem.

Aquela Amazônia da fronteira pioneira do norte de Mato Grosso não era a mesma que Frans conhecera na década de 1970, em sua navegação blasé pelo lento rio Negro. Esta, com raras feridas, se revelava disfarçadamente idílica e bucólica a um viajante desavisado como ele. Já o que se via no norte de Mato Grosso e em Rondônia, sangrando pelo Acre até adentrar o Peru e a Bolívia, eram estradas-tentáculos que dilaceravam as almas – humanas, vegetais e animais. Com sua língua de fogo, expulsavam os povos e comunidades tradicionais, calcinavam a paisagem, abrindo cicatrizes enormes com o desmatamento para a pecuária.

Diferentemente daquele ingênuo espectador das viagens fluviais, em Juruena ele assume o protagonismo. Age, decide, penetra na mata, no campo minado da queimada, serra os cipós, desfere golpes contra as cascas das árvores, caça escombros na vegetação torrada, fotografa. Mais que a escultura como objeto, é o ritual que lhe importa, a luta corporal contra a queimada, arrancando-lhe cipós ainda com vida, sua barba chamuscada na refrega, a pele ardendo… As filmagens de Walter Carvalho para a direção de Walter Salles captam esse acontecimento – a arte na performance. Apesar de negar, Frans aí se aproxima de Joseph Beuys. Sua performance é lambuzar-se das cinzas ingratas, engalfinhar-se com o Brasil chamuscado – “eu sou um homem queimado!”.

Daí em diante, esse será seu tema principal. Está pronto a derramar o verbo sobre plateias de artistas, ambientalistas, colecionadores, amantes da arte e socialites. Agora o “Manifesto do rio Negro”, de Restany, parece um jogo intelectual vago; Frans é, ele próprio, o manifesto. Seu batismo será nas cinzas e não nas águas de sua cultura ancestral.

Na melhor tradição artística, retomou a temática do holandês Frans Post, que viera na comitiva do conde Mauricio de Nassau. Em uma das primeiras obras de pintura europeia no Brasil – a Vista da ilha de Itamaracá (Gezicht op het Eiland Itamaracá) –, exposta no museu que leva o nome do conde, o outro Frans, quase quatrocentos anos antes do nosso Frans, retratou o desmatamento em uma encosta litorânea da Mata Atlântica de Pernambuco. A floresta está em ruínas, e uma imensa voçoroca erode a paisagem – a erosão europeia.

A VIAGEM DE 1985

Em 1985, Frans decidiu ir sozinho a Juruena. Não queria Sepp por perto. Acreditava que Sepp o atrasaria, tornaria tudo complicado, e ele se perderia em querelas com o amigo. Assim, um ano depois de conhecer Juruena, lá fomos Frans, seu jovem ajudante, José Novo Costa (Zé), e eu.

Em meu diário, registro nosso primeiro dia na fazenda Purunga, a 18 quilômetros da cidade de Juruena e na beira do rio homônimo, onde Frans preferia ficar e isolar-se:

4 de agosto de 1985, acordamos às 6 horas e, preparados os equipamentos, aceleramos o carro rumo à cidade. O objetivo seria reconhecer as matas da Purunga. Ao lado da pista deixamos o carro e nos embrenhamos na mata. Frans vibrou com as árvores. E começamos logo a trabalhar a serra, o machado e o facão. Cortamos palmeiras de tucum que para ele servirão de paus para escultura. Eu cheguei a chorar de alegria, de me ver, ali, suando, junto à floresta […]. Frans, agitadíssimo, andava para lá e para cá, olhava muito, pensava, gastou filmes com alguns pequenos detalhes e se satisfez imenso. Zé trabalhava sem parar, derrubando pequenas palmeiras que Frans escolhia. Eu também trabalhava na derrubada e corte das palmeiras. Encontramos cipós, não os excepcionais como quer Frans, mas belos exemplares. […] com o suor o mosquito pium também trabalhou incessantemente. Hoje introduzíramos as luvas no nosso vestuário. […] Fiquei com o rosto deformado de tantas picadas. […] Saímos do mato às 5 horas e fomos ao porto. Belo anoitecer! Jantar e gravações. Frans, entusiasmado, falou por meia-hora sobre a viagem. A principal mensagem: – o Brasil está em decadência, tudo está sendo destruído, cercado, queimado!

No dia seguinte, fomos a Aripuanã, a 120 quilômetros de Juruena. Frans me pediu que registrasse sua fala no gravador cassete: “É preciso muito sacrifício para fazer arte. Brâncusi foi a pé da Romênia a Paris, por falta de recursos; o outro comprava galinha para pintar e depois a comia, quase podre”. Bem, não se sabe se em 1904 o escultor romeno Constantin Brâncusi chegou a Paris a pé. Caso tenha mesmo caminhado, foi de Munique, onde estudava, a Paris, por mais de 830 quilômetros, e, mesmo assim, especula-se que teria caminhado apenas parte desse trajeto.

E prossegui, questionando: “[…] o artista que fica na cidade, só defronte da prancheta, é capaz de criar algo decente? Como se poderia criar a expressão brasileira? A arte brasileira de hoje? Num país que só se destrói? Por que os artistas estão omissos? Por que não percebem esta destruição?”.

Noutro trecho, apontei:

sete de agosto, […] adentramos o pasto queimado para tirar uma grande destas palmeiras barrigudas. […] Fotografamos queimada e detalhes de plantas. No caminho reparamos em cipós que começamos a tirar. Eles estavam pendurados lá em cima. O Zé subiu 10 metros e triscou a serra. Alguns pedaços de cipó eram tão pesados que necessitavam de três pessoas para carregar. E, em outro fragmento: deparei-me com um belo cipó-verdadeiro. Frans abriu o sorriso e disse: – Que descoberta! Que maravilha de cipó! E, só deste nós tiramos bem uns 10 pedaços para trabalhar. Mas o que Frans está interessado é nas paxiúbas e nas sete-pernas 3. […] E quanto aos sete-pernas ele quer pintar: – Quero cores, cores vivas, fortes, muitas, cores brutas, quero ocupar com vinte, trinta delas. É hoje que a gente encontrou coisa bonita. […] Mas, o mosquito era demais, chegou uma hora que não aguentei mais, foi preciso voltar.

À noite, exaustos e inchados das picadas, mas felizes, e celebrando mais esse dia glorioso de caçadas a cipós, tal qual sucedera um século e meio antes aos na-

turalistas ingleses Alfred Russel Wallace e Henry Bates, em busca de borboletas e da exuberância tropical, Frans resumiu: “A natureza é a minha cultura. É ela que me dá o desejo de viver. Muitas vezes o diálogo é mais rico com a natureza que com os homens. Um pedaço de pau no meio do mato chega a me dizer mais que algumas pessoas”.

A ARTE DE ANDAR NO MATO

Acompanhar Frans na mata era, ao mesmo tempo, uma aula de meditação, uma lição de estética e uma prova de vigor físico. Ele carregava um facão e três pesadas máquinas analógicas – uma para slides, outra com filme branco e preto e uma terceira para fotos em cores. Vira e mexe, puxava um cipó para aferir sua resistência. O que incorporei desses momentos é a profunda e permanente transformação do olhar. Na década anterior, ainda que percorresse dezenas de vezes as florestas de Juruena, nada disso me chamava a atenção. Em poucas horas, Frans me revelou sua Natureza – a Natureza inventada –, mais rica que a paisagem natural, de uma jovialidade e juventude permanentes, vibrantes e emocionantes, algo que eu jamais concebera, sua natureza como cultura.

Aprendi a observar a luz incidindo sobre a folha, as ranhuras do inseto no chão, as ondas dos cipós que se encurvavam, dançando com o vento… Cada detalhe passou a merecer atenção, respeito e celebração. Frans me ensinou a investigar com paciência, buscar as mensagens impressas nos troncos, nas raízes, na luz, a aguardar até se familiarizar com o lugar para poder ouvir as árvores arranjando suas sinfonias de cipós, os sopros, a percussão e as vozes, quantas vozes!

1985.

Frans Krajcberg em uma queimada, Juruena, MT,

A partir daí, passei a compreender meu papel como escritor da vida de Frans – a necessidade de registrar seu movimento na mata, a arte de seu olhar, seu protesto diante da queimada, a solenidade com que se dirigia a uma castanheira centenária… Eu precisava buscar novas palavras para representar essa celebração, o embate entre o despotismo da queimada e do desmatamento e a arte como salvação. Perguntava-me como seguir outros caminhos que não o do utilitarismo, no qual fui treinado a medir árvores em metros cúbicos para serrar, as arrobas sacolejando num boi a abater. Seria possível uma via amorosa, instigante e abrangente, que permitisse renortear nosso papel no planeta?

Desarmado de motosserras e tratores de esteira, agora pedia licença para me embre nhar na floresta tropical, essa grande catedral viva, a obra-prima da biocom plexidade planetária, encarando-a como fonte inesgotável de cultura e como chave para a sobrevivência da espécie humana. Anos depois, fui encontrar lastro para essas indagações nas palavras de meus amigos Zysman Neiman e Rita Mendonça: “Quando entramos em uma área natural, quase sempre nos sentimos bem, percebemos que alguma coisa muda. Quanto mais nos aprofundamos nessa relação, nessa intimidade com os elementos naturais, mais percebemos que ali há uma grande escola que nos proporciona uma das raras oportunidades que temos para realmente evoluir”. Zysman e Rita se questionavam sobre o papel da floresta: “O que seria de nós se não a tivéssemos perto ou longe, para nos dar a esperança de um dia nos tornarmos dignos de nossa rica experiência humana? A floresta simboliza o próprio processo de aprendizado da vida. Ela dá sentido às atividades humanas. Ou melhor, ela nos faz questionar o sentido do que fazemos”.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Fernanda Martins, minha esposa, pela paciência em acompanhar-me na busca da verdade sobre Frans. Como pesquisadora, por mais de dois anos a dra. Fernanda também me assistiu, mal-remunerada, no esclarecimento de passagens da vida do biografado. Um especial reconhecimento a meu pai, João Carlos de Souza Meirelles, pelo apoio inconteste, especialmente nos anos 1980, tendo oferecido imprescindível suporte a minhas viagens com Frans a Juruena, no norte de Mato Grosso.

Ninguém foi tão essencial a esta biografia como Z é do Mato (Jos é Alves). A cada contato, pacientemente, ele me explicava o que sabia, apontando inúmeras inconsistências nas informaçõ es de que eu dispunha, além de me franquear o acesso a diferentes documentos e fotografias. Marcia Barrozo do Amaral, por sua vez, acreditou em meu trabalho e me cedeu importantes registros iconográficos e inúmeras entrevistas, não poupando esforços em compartilhar seus conhecimentos e contatos.

Foram mais de setenta pessoas entrevistadas e uma centena de conversas, além dos milhares de comunicados por escrito e mensagens. Especialmente para a biografia, percorri diferentes cidades – Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Vitória, Nova Viçosa e Salvador, no Brasil; e Paris e Angers, na França.

Da Bahia, o reconhecimento ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), na pessoa de seus presidentes João Carlos Cruz Oliveira, até o fim de 2022, e Luciana Mandelli, a partir daí. Em Nova Viçosa, contei com a atenção de Marlene Figueredo, secretária de Frans até a morte dele, que me acudiu com relatos e informações; do Baixinho (Oraldo do Nascimento Novo Costa), assistente direto de Frans nos últimos anos; de Magalhães (Carlos Roberto Magalhães Monteiro), policial militar que acompanhou Frans em seus últimos anos; e de Lu Araújo (Lucenilde Maria da Silva Prado Araújo), da Pousada Cheiro de Mar. Em Posto da Mata, colaborou Ernani Grifo Ribeiro, que lhe prestou serviços advocatícios desde o ano 2000 e foi seu testamenteiro. De Teixeira de Freitas, agradeço a Athylla Borborema, pela menção no livro Frans Krajcberg: o poeta da árvore, e ainda a Ranulfo Bocayuva, Patrício Santana e Renata Rocha.

Em Curitiba, Paraná, retomei o contato com Vilma Slomp e Orlando Azevedo, fotógrafos e amigos de Frans. Agradeço particularmente a Vilma pela cessão de fotos. O galerista José Eduardo Ribas auxiliou-me a compreender a produção de azulejos, cerâ micas e outras obras do período paranaense. Entrevistei o entusiasmado José (Z é) Elias, de Telêmaco Borba, e contei com o auxílio do Centro de Memória da Klabin, nas figuras de Luiz Peixeiro e Lisiane Mirita.

No Rio de Janeiro, singulares foram as entrevistas cedidas por dois grandes amigos de Frans, Anna Letycia e Rossini Perez, com quem estive pouco antes de seus falecimentos. Agradeço, ainda, ao artista Carlos Vergara e a seu filho João, que me receberam em sua casa e cederam imagens; a Israel Klabin, que abriu suas portas; ao grande crítico Frederico Morais, que me concedeu importante entrevista em sua casa e me apresentou seu acervo;

aos primos de Frans, Jacques Graicer e Mario Pineles, que elucidaram questões familiares.

Agradeço à colaboração de Viviane Aguiar Galdeano, assistente de Marcia Barrozo do Amaral, bem como às entrevistas e recomendações do editor Leonel Kaz, do cineasta e fotógrafo Walter Carvalho e da grande amiga de Frans, Maria José Bourgeois (Zez é Bourgeois). Agradeço ao apoio no envio de imagens de Ruth Freihof, que editorou com Marcia diversos livros de Frans. Obrigado, Gisela Mac Laren, Mauro Fainguelernt, Susane Worcman, André Bourgeois, além de: Walter Salles Júnior, pelas informações e imagem sobre Frans; Marcio Doctors e Noni Geiger, filha de Anna Bella Geiger e Luiz Garrido, pela atenção; bem como Max Perlingeiro, da Pinakotheke Cultural, pela cessão de imagens, com fotos de Jaime Acioli. Tamb ém destaco a acolhida de Edna e Guilherme Cunha Lima em sua casa durante as pesquisas.

De São Paulo, reconheço o empenho do editor Ronaldo Graça Couto, com quem realizei conjuntamente quatro livros para o selo Metalivros e que comigo tentou por anos viabilizar a presente obra. Especial agradecimento a Luiz Fernando Almeida, do Instituto Pedra. Menciono ainda a atenção de: Beatriz Maria Bettanin Doria (Bia Doria); Fernando e Tônia Frochtengarten; Flávia Vidal, conservadora-chefe, e Flavia Velloso, diretora do Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE); Jaime Cupertino; Jasmin Franchini, neta de meu amigo Sepp Baendereck e que valorosamente cuida de seu acervo e compartilhou imagens e textos de Sepp; Ladi Biezus; Lisbeth Rebollo Gonçalves; da artista plástica Maria Bonomi; Marcelo Ferraz, pelas informações sobre a obra para Berlim; Michel Freller e Tania Plapler Tarandach, pela revisão; Minka Bojadsen; do jornalista e meu grande amigo Moises Rabinovici, pelas orientações; Paulo Kuczynski, por me receber em sua galeria; Regina Jeha, amiga e cineasta; Rodrigo Lara Mesquita; Ricardo Ribenboim, da Base 7, pelas orientações, entrevistas e documentação; Sergio Caribé , da Galeria Carib é; Manoel Valença, pela contribuição sobre a viagem ao Solimões e a cessão de suas imagens; e do fotógrafo Marcus Vinícius de Arruda Camargo, que igualmente cedeu imagens de obras de Frans. Destaco a entrevista com o artista paraense Bené Fonteles, que me recebeu em Campinas. O Núcleo de Assistência ao Pesquisador, do Arquivo Público do Estado de São Paulo, foi fundamental para encontrar o registro de entrada de Frans no Brasil.

De grande distinção foi a atenção de Jonathan e Lizz Glass, atualmente na França, sobre as questões relacionadas ao judaísmo e ao Holocausto, assim como a generosa revisão de Roney Cytrynowicz, profundo conhecedor dessa matéria, para o capítulo sobre a Polônia. Agradeço pela autorização de citação de textos de Agnaldo Farias, Márcio Seligmann-Silva, Sheila Leirner, Márcia Helena Piva, Rita Mendonça e Zysman Neiman.

De Minas Gerais, não posso deixar de falar da atenção da família Carneiro de Mendonça, residente em Belo Horizonte, especialmente Sandra e Amélia, e do apoio de Alessandra e Patrícia. Agradeço a Synval Filgueiras de Moraes Júnior pela entrevista. Menciono a atenção do professor Fabrício José Fernandino, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), bem como a do professor de História Carlos Alberto do Carmo, atualmente na Prefeitura Municipal de Itabirito. De Itabirito devo reconhecer, ainda, o apoio de Julio Celso Neves Ferreira e Roninho (Roney de Almeida), da Mercearia Paraopeba; de Ouro Preto, o do fotógrafo Eduardo Tropia. Do

Espírito Santo, a atenção do arquiteto Zanine Filho (José Zanine Caldas Filho) e suas entrevistas esclarecedoras, bem como a gentileza de Uillian Oliveira e de Maria Marta Tomé. De Montenegro, no Rio Grande do Sul, o escultor Itelvino Jahn e, de Florianópolis, Santa Catarina, o amigo e paisagista José Tabacow.

A Thiago de Mello, que faleceu no decorrer de meu trabalho, presto minhas homenagens, por ser meu mestre das Amazônias, pela entrevista e, especialmente, por conceder-nos, a Frans e a mim, a honra de assinar conosco, a pedido de Frans, o “Manifesto pelo Ano Internacional da Amazônia”.

Na França, o agradecimento especial é para a Association des Amis de Frans Krajcberg, que cuida do Espace Frans Krajcberg – Centre d’Art Contemporain, Art & Nature, e os grandes amigos e apoiadores de Frans, principalmente ao seu grande amigo e, igualmente, biógrafo, Claude Mollard; a Sylvie Depondt, Jean Gautier, Éric Darmon e, em especial, ao professor e curador Jacques Leenhardt, que aceitou escrever o texto crítico presente neste livro, agradeço pela entrevista e por compartilhar documentos e textos. Contribuíram, ainda, para a seleção de imagens Capucine Boutte e Claudia Rudge. Menciono a atenção de C érès Franco, em conversa intermediada por seu biógrafo, Raphaël Koenig, o qual tamb ém entrevistei. C érès faleceu pouco tempo depois dessa entrevista. E, para as imagens, cito a colaboração de Patrícia Newcomer, companheira de Alé cio de Andrade.

Um dos grandes prazeres dessa pesquisa foi a amizade imediata com Dominique e Odile Rousseau , que me receberam de braços abertos em Angers. Lá conheci, ainda, o artista capixaba Nenna (Atílio Gomes Ferreira), tão importante para o presente livro, que me cedeu seus preciosos diários e fotografias. Dominique tamb ém me apresentou ao poeta franco-escocês Kenneth White, que me desvelou sua geopo ética e que muito tem a ver com Frans. Ainda da França, agradeço ao escultor de árvores e escultor de sons José Le Piez pelo depoimento.

Dos Estados Unidos, relembro a gentileza de Malcolm McNee em me enviar o capítulo de seu livro sobre Frans; da Polônia, a colaboração do colecionador de fotografias Michal Wosny e da pesquisadora Aleksandra Pluta, e os contatos de Monika Brauntsch e Dorota Kabala e da jornalista e radialista Anna Dudzinska; da Suíça, a participação de Jô Queiroz, responsável pelo projeto 100Krajcberg.

Agradeço a diferentes pessoas que realizaram trabalhos acadêmicos sobre Frans, como Carmen Palumbo e, especialmente, Luciana Benassi Perrotti, que compartilhou documentos e fontes de informação. Menciono as colaborações na tradução do francês, tanto de Barbara Szaniecki como de Mônica de Oliveira Martins. Registro a atenção de diferentes pessoas responsáveis por acervos, bibliotecas e centros de pesquisa que abriram suas portas a Fernanda Martins ou a mim, como foi o caso dos arquivos de Willi Baumeister, na Alemanha, na pessoa de Romana Wojtynek. E a todos que me autorizaram mencionar trechos de suas obras e entrevistas igualmente agradeço.

Por fim, agradeço a gentileza do professor Jacques Marcovitch e de Plinio Martins Filho, que incentivaram este trabalho desde o início, e dos editores, tanto da Edusp quanto das Edições Sesc, que aceitaram editá-lo.

CRÉDITOS DAS IMAGENS*

PÁGINA ACERVO/COLEÇÃO

3Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

6Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

8 Sepp Baendereck

9 João Meirelles

27 João Meirelles

31 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

35 Polona Digital Library/Biblioteca Nacional da Polônia

37 Archivum Panstwone w Radomiu.

48 United States Holocaust Memorial Museum, cortesia de Dave Williams

49 Michal Wozny (Polônia)

56 Arquivo pessoal de Efraim Krajcberg. ITS Digital Archive, Arolsen Archives.

67 Marcia Barrozo do Amaral

68 Arquivo Público do Estado de São Paulo. (Col. UAPE)

78 Centro de Memória Klabin.

79 Marcia Barrozo do Amaral

80 Centro de Memória Klabin

86 Marcia Barrozo do Amaral

87 Marcia Barrozo do Amaral

90 Marcia Barrozo do Amaral

94 Zé do Mato

FOTÓGRAFO

Frans Krajcberg

Não identificado

Sepp Baendereck

João Meirelles

Sepp Baendereck

Não identificado

Não identificado

Reprodução

Konrad Berge

Não identificado

Reprodução

Não identificado

Reprodução

Reprodução

Não identificado

Não identificado

Não identificado

Não identificado

Não identificado

Não identificado

101 Marcia Barrozo do Amaral Não identificado

113 Marcia Barrozo do Amaral Não identificado

136 Zé do Mato Não identificado

137 Marcia Barrozo do Amaral Frans Krajcberg

144 João Meirelles

149 João Meirelles

150 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

156.1 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

156.2 Vergara

157 João Meirelles

160.1 João Meirelles

160.2 Zé do Mato

161 Arquivo Thérèse Vian - Association des Amis de Frans Krajcberg

167.1 e 2 Sepp Baendereck

171 João Meirelles

174 Sepp Baendereck

180 Manoel Valença

181.1 e 2 Manoel Valença

João Meirelles

João Meirelles

Não identificado

Não identificado

Vergara

João Meirelles

João Meirelles

Não identificado

Não identificado

Não identificado

Reprodução

Sepp Baendereck

Manoel Valença

Manoel Valença

182 Manoel Valença Manoel Valença

184 Sepp Baendereck

185 Marcia Barrozo do Amaral

188 João Meirelles

Sepp Baendereck

Não identificado

João Meirelles

* Todos os esforços foram feitos para localizar fotógrafos ou proprietários das imagens deste livro. Caso algum crédito tenha sido atribuído erroneamente, solicitamos que os proprietários nos procurem para realizarmos as correções necessárias em futuras impressõ es.

190 Sepp Baendereck

193 João Meirelles

197.1 e 2 João Meirelles

201 João Meirelles

202 Walter Salles Jr.

203 João Meirelles

204.1, 2 e 3

João Meirelles

213 Jacques Leenhardt

215 Association des Amis de Frans Krajcberg

219 Nenna

231 Alban Lanore

233 Association des Amis du Chemin du Montparnasse

241 João Meirelles

258 João Meirelles

261 Vilma Slomp

262.1 João Meirelles

262.2 Alban Lanore

287 Leonel Kaz

289 Vilma Slomp

294 Dominique Rousseau

300 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

313 Marcia Barrozo do Amaral

314 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

315 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

316 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

317 Coleção Particular de Max Perlingeiro

318 Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris

Sepp Baendereck

João Meirelles

João Meirelles

Reprodução

Walter Salles Jr.

João Meirelles

João Meirelles

Jacques Leenhardt

Claudia Rudge

Nenna

Alban Lanore

Não identificado

João Meirelles

João Meirelles

Vilma Slomp

João Meirelles

Alban Lanore

Leonel Kaz

Vilma Slomp

Odile Rousseau

Não identificado

Frans Krajcberg

Não identificado

Marcus Vinicius

A. Camargo

Não identificado

Jaime Acioli

Não identificado

319 Marcia Barrozo do Amaral Frans Krajcberg

320 Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris

Não identificado

321 Marcia Barrozo do Amaral Frans Krajcberg

322 Marcia Barrozo do Amaral Frans Krajcberg

323 Marcia Barrozo do Amaral

324 Coleção particular, Paris.

325 Marcia Barrozo do Amaral

Não identificado

Não identificado

Não identificado

327 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) Não identificado

328 Paulo Kuczynski Alexandre dos Santos Silva

329 Marcia Barrozo do Amaral Frans Krajcberg

330 João Meirelles

331 João Meirelles

332 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg)

João Meirelles

João Meirelles

Não identificado

333 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) Frans Krajcberg

334 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) Não identificado

335 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) Frans Krajcberg

336 Vilma Slomp Vilma Slomp

337 Paulo Kuczynski Alexandre dos Santos Silva

338 Col. Citi de Obras de Arte Mônica Martins

339 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) Frans Krajcberg

340 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) João Meirelles

341 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) Frans Krajcberg

342 Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris

Ruth Freihof

343 Col. IPAC, Governo da Bahia (Col. Frans Krajcberg) Frans Krajcberg

344 Association des Amis de Frans Krajcberg, Paris

Não identificado

SOBRE O AUTOR

João Meirelles conheceu Frans Krajcberg na década de 1980, quando tinha 24 anos e Frans, 63. Este foi fundamental para que João definisse a sua vocação e, em uma viagem à Amazônia, Frans lhe pediu que preparasse a sua biografia, que agora se concretiza nesta obra. João é escritor e ativista socioambiental. Nascido em 1960, é paulistano e reside entre Belém (PA) e Ribeirão Preto (SP). Atua em organizações do terceiro setor há quatro décadas, principalmente à frente do Instituto Peabiru. É administrador de empresas (FGV-SP) e autor de 16 livros, metade sobre a Amazônia. Entre eles, o livro de contos O abridor de letras (Record, 2017, Prêmio Sesc de Literatura) e O livro de ouro da Amazônia (Ediouro, 2004), além de obras sobre viajantes na Amazônia. www.joaomeirelles.com

Impressão PifferPrint

Data Outubro de 2024

FSC

Fonte Sabon 11/13 pt
Papel Chambril Avena 80 g/m2
Supremo Alta Alvura 250 g/m2

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.