Frechal, quilombo pioneiro no Brasil
FRECHAL quilombo pioneiro no Brasil Da escravidão ao reconhecimento de uma comunidade afrodescendente Versão revista e ampliada
C hristine L eidgens
A terra não nos foi deixada por nossos pais; ela nos é emprestada por nossos filhos.
Chri sti ne Lei dgens
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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Conselho Editorial Ivan Giannini Joel Naimayer Padula Luiz Deoclécio Massaro Galina Sérgio José Battistelli Edições Sesc São Paulo Gerente Marcos Lepiscopo Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre Coordenação editorial Cristianne Lameirinha, Clívia Ramiro, Francis Manzoni Produção editorial Bruno Salerno Rodrigues Coordenação gráfica Katia Verissimo Produção gráfica Fabio Pinotti Coordenação de comunicação Bruna Zarnoviec Daniel
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Frechal, quilombo pioneiro no Brasil Da escravidĂŁo ao reconhecimento de uma comunidade afrodescendente VersĂŁo revista e ampliada
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Título original: Frechal, terre africaine au Brésil © Christine Leidgens, 2014 © Edition Husson, 2014 © Edições Sesc São Paulo, 2018 Todos os direitos reservados Tradução do francês Yolanda Bettencourt (textos de Christian Caujolle, François Houtart e Henry Panhuys) Revisão da tradução e preparação André Albert Revisão Silvia Almeida, Sílvia Balderama Desenho cartográfico de Frechal Guilherme Mendes Ferreira Mapas Sonia Vaz Projeto gráfico e capa Negrito Produção Editorial Diagramação Negrito Produção Editorial Tratamentos das imagens Raymond Delhaye
Leidgens, Christine Frechal, quilombo pioneiro no Brasil: da escravidão ao reconhecimento de uma comunidade afrodescendente / Christine Leidgens. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018. 256 p. il. ISBN 978-85-9493-079-8 1. História. 2. Brasil. 3. Quilombos. 4. Frechal. 5. Comunidade afrodescendente. I. Título. CDD 981 L532f
Edições Sesc São Paulo Rua Cantagalo, 74 – 13º/14º andar 03319-000 – São Paulo SP Brasil Tel. 55 11 2227-6500 edicoes@edicoes.sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp
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Sumário
Apresentação – Danilo Santos de Miranda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 P r e fác i o s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Kabengele Munanga. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 François Houtart. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Henry Panhuys . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Sergio Ferretti. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1 . Da t e r r a s e rv i l à t erra liberta: mapas e marcos c ro n o l ó g i c o s. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Mapa: tráfico negreiro e comércio colonial do século XVI ao século XIX. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Mapa: localização de Frechal no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Notas sobre a história do Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Mapa: terras quilombolas tituladas e em processo no Incra. . . . . . . . . 40 Marcos cronológicos da história de Frechal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 2 . A t e r r a : fato r d e d is criminação na história do n e g ro n o B r as i l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
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3 . Fre chal , “terra de preto”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Desenho cartográfico: povoado de Frechal – Guilherme Mendes Ferreira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 4 . Memória oral dos habitant es de Frechal . . . . . . . . . . . . 61 Na época da escravidão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Após a abolição da escravidão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 No tempo de Zé Coelho (+1894). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 No tempo de Artur Coelho (+1922) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 No tempo de Mundoca (+1956) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 No tempo de Thomaz (1974-92). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 No tempo dos frechalenses (1992-2013). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 5 . Fre chal : reserva extrativista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93 Formas tradicionais de sobrevivência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Roca e criações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Pesca artesanal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 Caça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 Extrativismo vegetal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 A religiosidade popular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Costumes e tradições. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Crenças e medicina tradicional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 6 . Fre chal no present e . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 Frechal, protagonista de sua própria história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 Fr e c h al , p ioneiro da luta quilombola no Brasil – Ilka Boaventura Leite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
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P e rc u rs o f oto g r á f i c o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 – Christian Caujolle. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 Olhar de si, olhar do outro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 R e m a n e s c e n t e s das c omunidades dos quil ombos: s onhar c o m o r e c o n h e c i mento, construir a cidadania – Petrônio Domingues. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 Crédito dos fotografados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 Crédito dos depoimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253 Sobre a autora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255
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Apresentação
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otografia e antropologia são dois campos cuja aproximação vem se intensificando. Tendo origem em universos distintos, seus caminhos entrecruzaram-se, estimulando a renovação de ambos. Para além de mera ilustração em apoio ao texto escrito, conferindo-lhe suposta autenticidade, a imagem fotográfica passou a ser percebida como dotada de contornos propriamente discursivos. Nesse sentido, o deslocamento proposto pelas ciências sociais desemboca no questionamento sobre aquilo que uma imagem enuncia, no lugar do que ela eventualmente revela. Tal deslocamento exige do leitor um papel menos passivo e, muitas vezes, diz do fotógrafo tanto quanto daquele que é fotografado. A imagem passou a ser analisada, assim, em chave dupla. No Brasil, as formas pelas quais a violência da escravidão operou perpassavam, também, o campo discursivo. Narrativas textuais e imagéticas amparavam as estruturas que a possibilitavam. Dado que a abolição não foi suficiente para conferir a ex-escravos e seus descendentes integração à sociedade em condições de igualdade, tendo, antes, aberto caminho para lutas de reparação e para a construção da memória, é tarefa contemporânea debruçar-se sobre o que se passou e suas implicações. Buscar olhares variados para a escravidão e seu avesso, isto é, para as histórias de resistência que
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proliferaram em suas frestas, é parte do trabalho de pesquisadores e artistas, que nos auxiliam a criar consciência sobre o passado e eleger símbolos para o presente, criando-se novas narrativas. Neste livro, a fotógrafa belga Christine Leidgens reúne a experiência de seis anos vividos na comunidade negra de Frechal, no Maranhão, e traça um panorama da história do quilombo desde o final do século XIX, logo após a abolição, até maio de 1992, quando foi transformado em reserva extrativista, tornando-se referência para o movimento de reconhecimento das terras ocupadas por remanescentes de quilombos no Brasil. A obra conta com a participação de importantes intelectuais, convidados a refletir sobre essa experiência antropológica e estética: Kabengele Munanga, François Houtart, Henry Panhuys, Sergio Ferretti, Ilka Boaventura Leite, Christian Caujolle e Petrônio Domingues. Ao recuperar, por meio de imagens e relatos de seus habitantes, a trajetória de Frechal e sua transformação em sujeito etnopolítico, o livro evidencia caminhos da luta por direitos e mobiliza afetos em torno da problemática, razões que motivam o Sesc a publicá-lo.
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A minha mãe. A minha amiga Yolanda.
Praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar humildemente ao lado de seu Deus, nada mais. Miqueias, 6, 8
Os povos não são problemas a resolver, mas mistérios a explorar. Não são vazios a preencher, mas plenitudes a descobrir. Robert Vachon
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Prefรกcios
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A
história do negro constitui um capítulo importante da história do Brasil. Uma história feita de acontecimentos que marcaram a humanidade: o tráfico negreiro e a escravização de milhões de africanos, deportados para as Américas entre os séculos XVI e XIX via oceano Atlântico. Em meio a essa tragédia, o Brasil foi beneficiado ao receber cerca de 40% de todos os africanos transportados para o continente americano. Esses africanos, cujos descendentes fazem parte da população brasileira de hoje (51% do total, de acordo com o Censo de 2010), contribuíram na construção da economia do Brasil colonial ao produzir riquezas materiais na condição de escravizados. Seu trabalho não era remunerado: eram considerados apenas força animal de trabalho, sem cidadania nem direito humano – mercadoria para os traficantes e propriedade privada para os senhores de terras. Esses africanos não apenas produziram riquezas materiais que beneficiaram a economia do Brasil colonial, mas também trouxeram culturas e criaram novas, no contexto das relações assimétricas então vigentes. Isso significa que resistiram culturalmente em defesa de sua liberdade e dignidade. Os elementos dessa resistência fazem parte da identidade brasileira de hoje, como se pode perceber nas religiões de matriz africana, na música, na dança, na culinária e em várias formas de artes materiais e imateriais.
Kabengele Munanga Professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, homenageado com o título de cidadão baiano em outubro de 2016 e com o Prêmio USP de Direitos Humanos em junho de 2017.
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Mas os negros foram além da resistência cultural no espaço da hegemonia colonial. Em movimentos conhecidos como marronnage, organizaram fugas em massa e estabeleceram-se em territórios desocupados e de acesso difícil. Ali criaram novas formas de sociedade livre, os quilombos ou mocambos – palavras africanas, seguramente de origem banta. Esse fenômeno aconteceu em todos os territórios americanos: é o caso dos chimarrões em Cuba e Venezuela, dos palenques na Colômbia etc. Frechal do Maranhão, retratada no livro de Christine Leidgens, foi a primeira comunidade quilombola, das milhares hoje inventariadas em todo o território brasileiro, a ser reconhecida pela Fundação Cultural Palmares. Criada em 20 de maio de 1992 e confirmada em 1994, após resistência obstinada dos habitantes, a Reserva Extrativista (Resex) do Quilombo Frechal foi a referência fundamental para o movimento de ressemantização da noção de quilombo. Essa experiência levou à ampliação do conteúdo do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que regulariza a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos. Deslocar o sentido histórico do termo quilombo para um sentido social possibilita não só o reconhecimento oficial e a regularização das terras de milhares de comunidades afrodescendentes, mas também o reconhecimento dos direitos sociais dos quais os quilombolas haviam sido excluídos. Esse movimento reforçou, sem dúvida nenhuma, a identidade cultural quilombola das comunidades negras brasileiras rurais e até urbanas. A garantia do território de Frechal, porém, não ocorreu por meio da titulação coletiva, como previa o artigo 68 do ADCT da recém-promulgada Constituição de 1988. Enfrentando ameaças de um fazendeiro que desejava expropriá-los desde a década de 1970, os quilombolas de Frechal entenderam que aguardar a regulamentação do referido artigo poderia significar sua expulsão da terra. Nesse sentido, no início da década de 1990, a comunidade passou a reivindicar a criação de uma reserva extrativista como forma de garantir o território, já parte de uma área considerada como de relevante
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interesse ambiental. O decreto federal que instituiu a Reserva Extrativista do Quilombo Frechal inclui, além da comunidade de Frechal, as de Rumo e de Deserto. Apesar da generalização que se faz das comunidades denominadas remanescentes dos quilombos, é preciso dizer que cada uma tem origem e história próprias, que podem ser contadas por seus membros. Uma história ainda não registrada totalmente, mesmo com as dezenas de teses e dissertações sobre elas defendidas em várias universidades e centros de pesquisa do país. A construção de registros escritos dessas histórias exige novas narrativas emanadas das vozes dos próprios membros da comunidade, para as quais pesquisadoras e pesquisadores atuam apenas como auxiliares na transcrição. Eis a contribuição da etnóloga e fotógrafa belga Christine Leidgens, que passou anos de sua vida entre os frechalenses; partilhou seu cotidiano de luta e de resistência e descobriu graças a eles os valores escondidos na diversidade e nas diferenças. A identidade do Frechal transparece e fala nitidamente nas imagens colhidas por seu “olhar” através da câmara fotográfica. Poderia ser simplesmente um texto etnográfico, como muitos já o fizeram ou o fazem. Mas ela preferiu outra linguagem, a etnografia da imagem. Não teria sido possível se não fossem as qualidades humanas que facilitaram a “intrusão” e a aceitação entre os frechalenses da até então desconhecida etnógrafa e fotógrafa. O clima de confiança, amizade e identificação construído entre ela e seus hospedeiros permitiu a construção deste livro, que a autora dedica a eles e considera deles. A obra conta, em textos e imagens, a história das origens da comunidade negra Frechal, “terra de preto” transformada em reserva extrativista; sua luta pioneira de resistência e sobrevivência no presente; seu cotidiano e as marcas de sua identidade cultural em relação à sociedade maranhense. Nesta breve apresentação, lanço um vibrante convite para que todas as pessoas conscientes e solidárias com os problemas das sociedades humanas mergulhem nesta obra e descubram, por meio das imagens e textos de Christine Leidgens, os problemas e a realidade das chamadas comunidades
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quilombolas do Brasil. Creio que a autora, ao se lançar nessa “aventura”, não está em busca de reconhecimento ou fama, e sim da sensibilização e conscientização a respeito do patrimônio cultural dos afrodescendentes, que precisam da solidariedade da sociedade brasileira.
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emoção não substitui a análise, mas uma análise sem emoção só expressa uma falsa racionalidade. A obra de Christine Leidgens mostra como, por meio de testemunhos e da fotografia, uma realidade social se expressa de maneira mais instigante que pela linguagem da estatística, sem negligenciar a lógica da história e das relações sociais. Que lição de esperança e que fé na humanidade se revelam na luta da gente de Frechal! A história da escravatura nos surpreende. O sujeito humano foi fraturado, mas ele se reconstrói. Acreditava-se poder reduzi-lo ao estado de ferramenta, de força de trabalho inerte e descartável, porém eis que ele renasce mais luminoso que nunca. Hoje em dia, o povo de Frechal é múltiplo, inumerável. Forma um dos elos da emergência de um novo sujeito histórico, integrado a todos aqueles que afirmam que outro mundo é possível. Ele o faz construindo sua memória, reafirmando sua identidade, sua dignidade. Pela fotografia, a presença de Frechal no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2003, contribuiu para forjar a crescente consciência coletiva de um adversário comum: um mercado cego, que impõe suas leis ao conjunto da humanidade sem outro parâmetro que não o valor mercantil.
François Houtart (1925-2017) Foi doutor em sociologia, professor emérito da Universidade Católica de Lovaina (UCL), Bélgica, fundador do Centro Tricontinental (Cetri) e da revista Alternatives Sud, professor no Instituto de Altos Estudios Nacionales (IAEN) de Quito e cofundador do Fórum Social Mundial (FSM). Premiado pela Unesco em 2009 pela promoção da tolerância e da não violência.
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