GUIA BRASILEIRO DE PRODUÇÃO CULTURAL 2013 - 2014

Page 1


Guia_Cultural_final3.indd 40

4/10/13 12:38 PM


Guia brasileiro de produção cultural 2013-2014

Organização • Cristiane Olivieri e Edson Natale

Guia_Cultural_final3.indd 3

4/10/13 12:38 PM


Preparação • Silvana Vieira Revisão • Beatriz de Freitas Moreira / Luiza Delamare Projeto gráfico • Ouro sobre Azul / Ana Luisa Escorel Assistência de projeto gráfico • Ouro sobre Azul / Ana Beatriz Novaes / Marcele Moraze

Copyright@2013 Edições Sesc SP Todos os direitos reservados Sesc São Paulo Edições Sesc SP Av. Álvaro Ramos 991 03331 000 São Paulo SP Brasil T / 55 11 2607 8000

edicoes@edicoes.sescsp.org.br sescsp.org.br

Guia_Cultural_final3.indd 4

4/10/13 12:38 PM


A produção cultural brasileira vista em retrospecto e à distância do horizonte Esta obra, que o leitor tem em mãos e percorre agora as primeiras linhas com olhar desbravador, traz as marcas de uma história em processo, cuja dinâmica se deve à força motriz do cenário valorativamente crescente de profissionalização da produção cultural brasileira. Trata-se de uma história, ainda, que demarca questões importantes para a ação pública e privada – e, portanto, coletiva - no campo da cultura, indicando e afirmando que o exercício da cidadania e da participação, por meio da cultura, traduz caminhos para a consecução de uma sociedade cada vez mais digna e justa. Uma primeira questão a ressaltar quanto aos meandros da produção cultural diz respeito à sua razão de ser. A definição sobre “o que fazer”, “por que fazer” e “como fazer”, acompanhada, também, de uma minuciosa análise do “para quem fazer”, constituem as bases de um planejamento que direciona a produção. Isso significa que o planejamento se refere não só ao foco na oferta, nos termos da oportunidade de realizar algo vantajoso, novo ou inédito, mas também ao foco na demanda, mediante a formação de públicos da cultura. Esse é o ponto que merece destaque. Com a atenção voltada ao público consumidor/fruidor, o produtor cultural contribui, a seu modo, para a política de acesso e contato com as linguagens culturais. E isso ocorre tanto pelo lado do incentivo ao uso dos equipamentos existentes (centros culturais, teatros, cinemas, museus, casas de espetáculos etc), quanto também pelo lado da abertura à curiosidade e à experimentação, que se manifesta, geralmente, por meio da vontade de realizar alguma prática cultural e leva, oportunamente, à formação do gosto. O produtor cultural, atento a essa dualidade, pode obter um melhor conhecimento sobre os circuitos de consumo e usufruto cultural dos indivíduos, realimentando as oportunidades de sua ação, pois assim ele terá em mãos novos elementos para delinear projetos que contemplem as várias dimensões da vida cultural, sem pendores elitistas ou populistas, mas, sim, com investimento na formação de públicos. Agir entre a oferta e a demanda recoloca a importância de se avançar nos propósitos que direcionam a ação e as políticas culturais. Mostra que é imprescindível conhecer e compreender os mecanismos de gosto e hábito culturais dos

Guia_Cultural_final3.indd 9

9

4/10/13 12:38 PM


10

indivíduos, conformados na relação familiar, nas instituições educativas e nas práticas sociais das comunidades em que habitam, descobrindo aí suas vantagens e insuficiências, sua relativa homogeneidade e sua grande heterogeneidade. Resulta dessa discussão, a nosso ver, um encaminhamento que permite tornar a produção cultural brasileira mais ampla e inclusiva, dotando-a de uma natureza que incentiva a formação e a informação, para além da oferta e difusão de uma “única cultura” socialmente legitimada. A produção pode encaminhar-se para propiciar incentivo à interação social, ao acesso e consumo de produtos e objetos culturais variados e, ao mesmo tempo, para oferecer condições de aumento do repertório dos indivíduos, incentivando o contato ou a aquisição de novos valores. Esse é o caso, atualmente, da produção cultural advinda das comunidades, mediante a organização de coletivos de artistas, de saraus poéticos, de exibição de filmes ou apresentações musicais em praças públicas. Assumindo a forma de programas e projetos, essas ações propiciam aos indivíduos desses locais um primeiro contato com o campo da cultura, de onde pode surgir, e espera-se que assim seja, a curiosidade e o incentivo para conhecer autores, obras, produtos e linguagens que até então não sabiam existir, levando à formação do gosto e ao hábito cultural. Com essa reflexão, que o leitor encontrará delineada nos capítulos e entrevistas que compõem este Guia brasileiro de produção cultural 2013-2014, já se percebe que cultura e educação estão unidas. Ambas constituem meios e fins para o indivíduo. E a ação do gestor ou produtor cultural está filiada ao aprimoramento qualitativo dessa união. É preciso ressaltar, sempre, que educação e cultura criam uma riqueza de possibilidades para a formação do indivíduo no cotidiano e tornam o vir a ser um modo de ocorrência do possível para a aquisição de um mundo melhor. O presente que dinamizamos e o futuro que cresce na linha do horizonte não podem prescindir da ação cultural educativa. Paulo Freire, educador brasileiro, dizia que “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Este é um ensinamento de que podemos ir além da adaptação e transformar o mundo. Na positividade desse recado, reitero que a ação cultural educativa é a base para a conscientização. E o indivíduo conscientizado pode ter uma melhor compreensão da história, de si mesmo e de sua ação no mundo. Ele pode recu-

Guia_Cultural_final3.indd 10

4/10/13 12:38 PM


sar a se acomodar. Ele pode se mobilizar. Ele pode se organizar, unindo forças para melhorar a sociedade em que vive. Esse é o campo das experiências possíveis que convidamos o leitor a percorrer. O Guia brasileiro de produção cultural 2013-2014, do qual o Sesc São Paulo é parceiro desde a segunda edição, renova sua importância como ferramenta de apoio e consulta para reflexões e articulações em projetos culturais. Cabe frisar que a cada período em que esta publicação é reeditada, ela incorpora preocupações e situações que estão na ordem do dia da discussão pública e no cotidiano dos profissionais envolvidos nas dinâmicas da ação cultural. Esperamos que o resultado da leitura seja o aumento de fôlego para pensar, falar, debater e agir nesse campo rico e fértil. O Sesc São Paulo, assim, por meio desta publicação, leva adiante a proposta de uma ação cultural educativa que se realiza como princípio constitutivo da formação humana, para o exercício da cidadania e para a aquisição de novos conhecimentos e saberes. Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

Guia_Cultural_final3.indd 11

11

4/10/13 12:38 PM


Guia_Cultural_final3.indd 12

4/10/13 12:38 PM


Introdução

Em 1994, Nelson Mandela tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul, Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente do Brasil e Tom Jobim nos deixou. Nesse ano esses e tantos outros fatos aconteceram, mas há um que marcaria nossas vidas profissionais para sempre: o surgimento da primeira edição deste livro, o Guia brasileiro de produção cultural. O Guia nasceu das nossas próprias dúvidas e da crença de que nossas inúmeras incertezas seriam também as de muitos outros produtores culturais, artistas e gestores da cultura. Gestores da cultura?! Lembrando bem, em 1994 esse profissional nem existia! (Pelo menos, não com esse nome.) A internet era tosca e os arquivos da primeira edição circularam pra cima e pra baixo em disquetes que eram entregues pelo correio, por motoboy ou de “busão” mesmo. Era outro século... Após esses quase vinte anos no processo de repensar, atualizar e aprimorar o Guia a cada edição, a área de produção cultural avançou e se profissionalizou muito: para celebrar esse momento, criamos o Guia + 20!, que traz reflexões e considerações de profissionais da área da cultura que atuam há pelo menos vinte anos e que neste espaço compartilham ideias, opiniões, histórias e também suas visões de futuro. A caminhada construtiva que tivemos em nossa vida profissional não seria possível sem as pessoas que participaram deste projeto. Muitos contribuíram circunstancialmente e outros de forma permanente. Não faz diferença: todos possibilitaram que chegássemos até aqui e que o Guia fosse amadurecendo em seu formato e conteúdo. Em nossos agradecimentos destacamos especialmente uma instituição que é constante companheira de viagem, fundamental para a caminhada deste projeto: o Sesc São Paulo. Não só por seu apoio efetivo e permanente, mas principalmente pela parceria desde o primeiro momento, já em 1994: nossos sinceros e eternos agradecimentos à equipe do Sesc São Paulo e das Edições Sesc. Não podemos deixar de dizer (ou gritar alegremente) que, junto com o desenvolvimento deste projeto, desde 1994, a vida nos deu Maurício Magalhães e Márcia Salgado, nossos companheiros e cúmplices, e Artur, Danilo, Gabriel e Joana, nossos filhos amados. Somos gratos à vida por tudo isso e a você pela atenção, contribuição e confiança.

Guia_Cultural_final3.indd 13

13

4/10/13 12:38 PM


14

Tivemos a colaboração de consultores, entrevistados e convidados para desenvolverem textos, sempre com o intuito de compartilhar experiências e informações, e – novamente – agradecemos a todos eles, um a um: somos extremamente gratos e nos consideramos privilegiados por sermos seus parceiros, mas também seus aprendizes e admiradores: Adélia Borges, Affonso Reis, Alberto Ranellucci, Alcione Araújo, Alembey Quindino, Alex Braga, Alexandre Ferrari, Alexandre Roit, Alfredo Victor, Alfredo Santos Jr., Aimar Labaki, Aline Meier, Amilson Godoy, Ana Helena Curti, Ana Lúcia Guimarães, Ana Teasca, André Geraissati, André Midani, André Taiariol, Andreia Schinasi, Aninha de Fátima, Aninha Franco, Antonio Carlos Diegues, Anna Penido, Antoine Midani, Arleyde Caldi, Arnaldo Spindel, Arthur de Faria, Arthur Khol, Ary Scapin, Bebel de Barros, Belisário Franca, Benjamin Taubkin, British Council, Camilla Cardoso, Carla Pessoa, Carlos Barmak, Carlos Freitas, Carmine Orival Francisco, Carolina Garcia, Célia Cruz, Célia Forte, Chester Prestes, Christine Liu, Claudia Giudice, Claudia Lima, Cláudio Lins de Vasconcelos, Claudiney Ferreira, Cory Doctorow, Cris Brito, Cristina Xavier, Damiana Crivellare, Daniel Zen, Danilo Santos de Miranda, David McLoughlin, Dedé Ribeiro, Didiana Prata, Dora Kaufman, Edinho Almeida, Edson Mazzari, Eduardo Moreira, Eduardo Muzskat, Eduardo Saron, Elaine Luna Oksman, Eliana Signorelli, Eliane Abrão, Elizah Rodrigues, Escola Lumiar, Fabiola Muñoz Marin, Fabrício Nobre, Felipe Altenfelder, Fernanda Ficher, Fernanda Signorini, Fernanda Ramone, Fernando Equi Morata, Fernando Fiuza, Fernando Magoo, Fernando Yazbek, Flávio Paiva, Frederico Barbosa, Frei Betto, Fundação Joaquim Nabuco, Fundação Quinteto Violado, Geórgia Vilela, Giovanna Tiziani, Gilberto Dimenstein, Guilherme de Almeida, Guto Lacaz, Helena Katz, Hermano Viana, Hugo Possolo, Ilzen Campos, Instituto Itaú Cultural, Instituto Takano, Ivan Giannini, Jader Rosa, Janaina Ormart, Janet Bailey, Jeanine Toledo, João Marcelo Bôscoli, Jum Nakao, João Gabriel de Lima, João Lara Mesquita, João Parahyba, Joatan Nascimento, Jorge Werthein, José Jacinto de Amaral, José Monserrat Filho, Kátia B., Kety Fernandes, Lala Deheinzlein, Lelê Buarque, Lé Dantas, Leandro Valiati, Lenora Negrão, Luciana Arruda, Luciana Bueno, Luciana Rangel, Lucimara Letelier, Lui Coimbra, Luia Camargo, Luis Nassif, Luiz Cordeiro, Luiz Roberto Alves, Magda Pucci, Manoel Carlos Junior, Marcos Barreto Corrêa, Marcelo Coutinho, Marcelo Monzani, Marcelo Paiva, Marcelo Sandmann, Maria Apparecida Bussolotti, Marcos Weinstock,

Guia_Cultural_final3.indd 14

4/10/13 12:38 PM


Maria Adair, Marina Falsetti, Mariana Lacerda, Marina Natal, Marina Nordi Castellani, Marisa Orth, Marisa Rezende, Maristela Gamba, Maria Luiza Kfouri, Marieta Severo, Marilia Stabile, Mark Lutes, Marta Colabone, Martha Macruz de Sá, Massa Coletiva, Maurício Magalhães, Mauricio Moraes, Maurício Pereira, Mauro Feliciano, Miguel Nuno Henrique, Milú Villela, Milton Belintani, Mitar Subotic (Suba), Moisés Santana, Monique Gardenberg, Murilo Pontes, Myriam Taubkin, Nannie Antonini, Natalia Barros, Nelson Ayres, Newton Cunha, Neylar Lins, Nicolas Steck, Niéde Guidon, Nizan Guanaes, Nuno de Santis, Oboré, Olivia Machado, Oscar Quiroga, Oswaldo Jr., Pablo Capilé, Patricia Ceschi, Patrícia Sansone, Paulo Brandão, Paulo Casale, Paulo Freire, Patricia Portaro, Paul Makeham, Paula Marques, Paulo Freire, Pedro Braz, Pedro Osmar, Pedro Mendes da Rocha, Pena Schmidt, Renata Melo, Renato Caldas, Renato Natal, Renato Sakata, Renê de Paula, Ricardo Carvalheira, Ricardo Chamon, Ricardo Guimarães, Ricardo Ribenboim, Rina Colombo, Rifka Souza, Roberto Corrêa, Roberto Maia, Roberto Tranjan, Rodrigo Natal, Ronaldo Lemos, Rose Vermelho, Rossana Decelso, Rubens Chiri, Rubens Matuck, Ruy Cezar, Ruza Subotic, Sato, Sebrae, Selma Morente, Sergio Machado, Simone Vardi, Solon Siminovitch, Sonia Sobral, Sonia Kavantan , Sonoe Juliana Ono Fonseca, Stephen Rimmer Stefano Florissi, Taciana Barros, Tânia Rodrigues, Tânia Gandon, Tárik de Souza, Teca Alencar de Brito, Telma Ribas Paschoal, Tiago Steck, Toinho Alves, Tuna Serzedello, Tunica, Ulisses Galetto, Umberto Natal, Unesco, Vitor Marchetti, Vivian Buckup, Walter Feltran, Washington Olivetto, Wellington Nogueira, William Galdino, Wilson Souto Jr., Yacoff Sarkovas, Yael Steiner, Yara Santos, Zeca Baleiro, Zé Armando Macedo, Zéli. Nesta edição, agradecemos especialmente ao nosso querido Manuel Carlos Junior (Maneco), in memoriam, e aos demais consultores, articulistas e entrevistados, sem os quais seria impossível fazer o Guia acontecer: Adilson Mendes, Adriana Carranca, Ana Helena Curti, Ana Teasca, Aninha de Fátima, Aninha Franco, Artur Olivieri Magalhães, Bazinho Ferraz, Bia Aydar, Breno Lerner, Carlos Magalhães, Carmine Orival Francisco, Carolina Garcia, Célia Cruz, Chester Prestes, Christine Liu, Claudiney Ferreira, Cristina Brito, Danilo Salgado Natal, Danilo Santos de Miranda, Dedé Ribeiro, Dody Sirena, Eduardo Saron, Eveline Orth, Fernanda Signorini, Fernando Rosa, Fernando Yazbek, Flávio Paiva, Gabriel Salgado Natal, Gerald Perret, Hugo Possolo, Ivan Giannini, Joana Penido Magalhães, Juarez Fonseca, Juliana Saenger, Lenora Negrão,

Guia_Cultural_final3.indd 15

15

4/10/13 12:38 PM


Márcia Salgado, Luciana Arruda, Luciana Rangel, Lucimara Letelier, Manoel Poladian, Marcelo Dantas, Marcelo Monzani, Márcia Salgado, Marta Colabone, Martha Macruz, Mauricio Magalhães, Maurício Pereira, Milú Villela, Myriam Dauelsberg, Nelson Drucker, Olga Futtema, Paulo André, Pedro Mendes da Rocha, Pedro Osmar, Peri, Rameen Javid, Regina Bertola, Renato Corch, Ricardo Chamon, Roberto Corrêa, Roberto Tranjan, Rose Vermelho, Rossana Decelso, Rubens Matuck, Sergio Castellani, Sergio Dantino, Sergio Melardi, Solange Farkas, Taciana Barros, William Galdino e Zeca Baleiro.

Cristiane Olivieri e Edson Natale

16

Guia_Cultural_final3.indd 16

4/10/13 12:38 PM


Capítulo 1 • Planejamento

Consultores e entrevistados • Dedé Ribeiro • Felipe Lindoso • Roberto Tranjan

Guia_Cultural_final3.indd 31

4/10/13 12:38 PM


Guia_Cultural_final3.indd 32

4/10/13 12:38 PM


Introdução Planejar é a arte de organizar o pensamento antes de começar a fazer. Parece pouco se dissermos assim, secamente, mas se você pensar um pouco a respeito verá que essa suposta simplicidade é bem complexa, ainda mais pelo fato de que no “mundo cultural” geralmente o ímpeto é de apaixonar-se por uma ideia ou um projeto e seguir imediatamente da ideia para a ação. No planejamento devemos pensar antes no todo e depois nas partes. Por isso, tenha em mente sempre as quatro dimensões possíveis de riquezas que um projeto pode realizar e, em seguida, faça uma análise de sua viabilidade; saiba quais os riscos e siga em frente (mas saiba dizer não a si mesmo e aos outros, se for o caso). • Dimensão econômica. Aqui você define o que é o seu projeto. Essa dimensão trata do plano material, composto de recursos físicos, financeiros e tecnológicos: equipamentos, veículos, computadores, dinheiro. Mas cuidado: você pode pensar que o planejamento termina quando você consegue organizar os recursos de que necessita para atingir o resultado final. Pense nas outras dimensões. • Dimensão filosófica. Define as razões e as motivações do projeto. É quando buscamos uma resposta para o “por quê?”. Por quais razões o projeto foi criado? Quais suas verdadeiras causas na missão original? Muitas vezes é preciso consultar a gênese do projeto para recuperar o significado perdido e esquecido, principalmente depois de extensa ocupação com a dimensão econômica. • Dimensão potencial. Diz respeito a quem vai fazer tudo acontecer. Como dizia o poeta João Cabral de Melo Neto, “um galo sozinho não tece uma manhã”. Então precisamos lembrar que um projeto é um esporte de equipe. E essa dimensão considera os colaboradores, o grupo ou a equipe que participa do processo de planejamento, produção, comunicação e administração do projeto. O “quem” representado pela “dimensão potencial” é uma poderosa fonte de riquezas, porque abriga o conjunto de competências (conhecimentos, habilidades, atitudes, inteligências, talentos e dons) que fará o projeto atingir e até superar os resultados desejados. • Dimensão causal. Por fim, define o “para quem”. Todo projeto deve ser destinado a alguém ou algo. “Para quem” é o projeto? “Para quem” é a pergunta mais importante de qualquer trabalho, projeto, negócio ou empresa. Somente reconhecendo o “para quem” seremos capazes de encontrar soluções criativas para os impasses do projeto, sempre respeitando a sua gênese.

Guia_Cultural_final3.indd 33

33

4/10/13 12:38 PM


Sempre que planejar, pense nas quatro dimensões de riquezas que um projeto pode proporcionar. A riqueza tem magnitudes diferentes conforme a dimensão e será mais abrangente se forem consideradas as dimensões potencial e causal, não por acaso dimensões humanas. Na dimensão humana, o projeto oferece decisiva contribuição às pessoas, ao mundo, à vida. Comece pelo fim

34

Ao contrário do que se imagina, comece sempre pelo fim. O primeiro atributo de um planejamento bem-sucedido é a capacidade de criar uma imagem, identificar um resultado final desejável para a comunidade, os patrocinadores, o público, os artistas e para você, é claro. É daí que surge a definição do objetivo-chave e isso inclui reflexões do tipo: O que eu desejo que meu projeto tenha? De que trata o planejamento? O que ele representa? Em que ele se destacará diante de outros? Qual é a sua principal qualidade? Qual sua fragilidade? É preciso explorar o futuro, investigar os ambientes, avaliar as tendências, buscar informações e checar as suposições. Pode parecer redundante para você, mas consideramos importante não esquecer também de se perguntar: O que eu não quero (ou não preciso) que meu projeto tenha? O planejamento pode ser uma atividade excitante, criativa e instigante ou modorrenta, entorpecida e sonolenta. Pode vir acompanhado de criatividade, ousadia, responsabilidade e intuição ou ser repetitivo, medroso, inexpressivo, perigoso e entediante. O planejamento depende da visão e da leitura de mundo que a equipe ou o indivíduo que o executa possui. Deve incluir um plano de contingência, que significa considerar as prováveis atitudes tomadas se alguma coisa acontecer fora do previsto. E lembre-se de que planejamento não é cópia de resultados ou reprodução de metas de outros projetos. Pedreiros, arquitetos, donas de casa, professores e empresários planejam compras, férias, festas, aulas, reformas, construções e, nesse processo, alguns vão acumulando conhecimento e experiência, enquanto outros fazem as mesmas casas, festas, aulas e compras durante a vida toda, sem que nada mude. Você pode (e deve) fazer o seu projeto com o conceito que quiser, mas convenhamos que seria interessante reunir o máximo de informações a respeito de como irá executá-lo.

Guia_Cultural_final3.indd 34

4/10/13 12:38 PM


É claro que, por se tratar de produção cultural, não podemos jamais deixar de levar em consideração que estamos lidando com linguagens subjetivas, abstratas, e com a emoção. Neste capítulo, nosso objetivo é abordar o fato de que, a partir do momento em que sua ideia se transforma em um projeto, é importante que ganhe vida e cresça forte, gerando frutos para todos os participantes: artistas, produtores, parceiros, patrocinadores, apoiadores e comunidades direta ou indiretamente envolvidas.

A equipe Um conjunto de pessoas que trabalham juntas nem sempre é uma equipe que atua de forma colaborativa: planejar em equipe implica compartilhar informações. Muitas vezes estamos tão envolvidos emocionalmente com o projeto que temos a absoluta certeza de que tudo o que pensamos, deduzimos, percebemos e sentimos é pensado, deduzido, percebido e sentido por todos os membros da equipe. Comece por aquilo que parece óbvio: • Quem vai participar do planejamento? • Quem vai liderar o processo? • Qual o papel de cada um na fase do planejamento e na fase da implementação? Por exemplo, defina quem será o responsável por: agendamento e solicitação das passagens e hotel, transporte local, receptivo, segurança, controle/conferência/fechamento de bilheteria, venda dos produtos culturais e/ou promocionais. Determine também quem será o diretor de palco, o coordenador geral, o administrador de recursos e o responsável por pagamentos. É bom lembrar que o planejamento é um processo decisório e toda decisão está revestida de componentes emocionais; é ingênuo acreditar que as decisões são apenas lógicas e racionais. Os sentimentos estão sempre presentes e, por mais que pareça óbvio, esse aspecto é pouco considerado. Por fim, vale ressaltar a importância do papel do líder, que deve garantir a participação de todos, praticar o consenso, compartilhar objetivos, definir o padrão de excelência dos trabalhos e não se furtar a tomar decisões. Planejar, fazer e verificar – esse pode ser um bom lema para a equipe.

Guia_Cultural_final3.indd 35

35

4/10/13 12:38 PM


Os indicadores de desempenho

36

O planejamento deve sempre permitir uma avaliação; afinal, como saber se fomos bem ou malsucedidos? Sem avaliação não existe a possibilidade de apresentar resultados, tanto para a equipe quanto para os patrocinadores, os apoiadores e a comunidade. A avaliação fornecerá subsídios importantes para a realização do planejamento estratégico de seus próximos projetos e realimentará o processo de reflexão, além de aprimorar o gestor e sua equipe, que ficarão cada vez mais especializados e preparados. A seguir, você encontrará exemplos de itens que podem integrar um planejamento. _Logística da ação_ Questões relacionadas ao transporte das equipes, dos artistas, dos equipamentos (som, luz e outros), das obras, da cenografia. • Os automóveis/vans para o transporte são compatíveis com o tamanho das equipes/bandas/grupos e foram planejados segundo os horários dos voos? • O espaço físico do teatro é suficiente para o tamanho do cenário? • O piano ou a cenografia chegam facilmente até o palco? As portas de acesso possibilitam a passagem? • A capacidade elétrica do teatro é compatível com a necessidade dos equipamentos de som e luz? Dê especial atenção aos eventos feitos ao ar livre, pois quase sempre necessitam de gerador. Consulte a companhia de energia elétrica. • Se houver necessidade de um caminhão gerador, haverá espaço físico para ele? _Logística da distribuição_ O resultado do seu projeto é um produto como um livro ou filme, por exemplo? Você deve então analisar as questões relativas à distribuição comercial e a impostos, taxas, emissão de nota fiscal, etc. • O produto estará nos pontos de venda (físicos ou virtuais) no momento previsto? • A comunicação está pari passu com a produção? • Você realizará a venda diretamente ao consumidor final pelo seu site, por exemplo? Está preparado para atender, cobrar e entregar dentro dos prazos previstos? • Tem certeza de que o contrato social de sua empresa lhe permite comercializar os produtos? • Tem nota fiscal para venda ou apenas para prestação de serviço? _Análise geográfica_ •

As distâncias que terão de ser percorridas, para a viabilização da turnê, são

Guia_Cultural_final3.indd 36

4/10/13 12:38 PM


compatíveis com as agendas das apresentações? • Foi levado em consideração o estado das estradas? (Muitas delas podem estar praticamente intransitáveis.) • Será necessária a contratação de um produtor local? Se o produtor da turnê não conhece a cidade, será mais seguro e econômico ter alguém que receba a equipe e faça a contratação de serviços locais. • Informou-se a respeito das condições climáticas e do calendário local? (Festas regionais, municipais, feriados locais etc.) _Estratégia operacional_ • Quem faz o quê? • Quem responde a quem? • Qual é o fluxo das informações? • Quando e como serão as montagens? • Quando e como serão as desmontagens?

_Definição do perfil da equipe/fornecedores_ A produção cultural é mar-

cada pela contratação de profissionais temporários no período de maior demanda do projeto e pela administração pelos sócios ou criadores durante boa parte do tempo. Dessa forma, é essencial que sejam definidos o perfil da equipe temporária que será integrada à produção e as necessidades para a contratação. Procure acertar cachês para a maior parte da equipe, deixando o mínimo de pessoas dependendo do resultado da bilheteria. É fundamental uma análise jurídica para que tudo seja feito dentro das normas estabelecidas, evitando-se problemas com a Justiça do Trabalho, por exemplo. Organize-se para posterior apresentação das notas fiscais dos fornecedores e prestadores de serviço (principalmente em caso de projetos incentivados). _Estratégia de comunicação_ É preciso realizar, com a equipe de comunicação, a avaliação do perfil do projeto e um levantamento de todos os veículos e possibilidades viáveis para sua divulgação. Não se esqueça de que a comunicação interna, entre os componentes das equipes, é fundamental. _Análise jurídica_ Os projetos podem envolver questões relativas a direito autoral, artístico, pagamento de royalties, elaboração de contratos, presença de menores, questões de segurança: certifique-se de que sua estrutura jurídica está capacitada para atender à demanda. _Impostos e taxas_ Informe-se com antecedência a respeito do pagamento de taxas e impostos, para que isso também faça parte de sua previsão de custos.

Guia_Cultural_final3.indd 37

37

4/10/13 12:38 PM


_Cronograma_ Estabeleça prazo para a realização de cada uma das ações propostas e fixe datas-limite para compromissos ou possíveis cancelamentos. _Composição de recursos_ Faça um levantamento de empresas que podem ser parceiras em seu projeto, como fornecedoras, patrocinadoras ou apoiadoras. Verifique a viabilidade de utilizar mecanismos municipais, estaduais ou federais de incentivo à cultura e prepare-se com antecedência para que isso seja possível. O mesmo vale na construção de parcerias com o primeiro, o segundo ou o terceiro setor. _Gerenciamento de receitas_ Prepare-se para o gerenciamento de receitas que poderão ser obtidas com venda, locação, licenciamento e distribuição do produto cultural. _Estratégias para o extraordinário (planos de contingência)_ Costuma-se dizer que produzir para a cultura é administrar o inesperado, pois são muitas as variáveis a considerar. Portanto, é fundamental que sejam estabelecidas ações básicas na hipótese de o inesperado apresentar-se. 38

Driblando Murphy Você já ouviu falar da Lei de Murphy? Ela diz, resumidamente, que, se alguma coisa tiver de dar errado, dará errado. Respeitar essa máxima e empreender todos os esforços para ir driblando Murphy com competência, organização e criatividade é um desafio importante, pois chegará o momento em que as ações efetivamente começam e então poderemos aliviar a ansiedade e gritar “mãos à obra”. A origem da Lei de Murphy é controversa, mas, segundo uma das versões, um engenheiro testava veículos com foguetes propulsores em 1949, nos Estados Unidos, e avaliava a tolerância humana à aceleração (USAF project MX981). Um dos experimentos envolvia um conjunto com 16 medidores de aceleração, colocados em diferentes partes do corpo humano, e existiam duas únicas maneiras de colocar os sensores; um técnico instalou todos eles da maneira errada. Indignado com o erro, o capitão engenheiro Edward A. Murphy disse, em uma coletiva de imprensa: “Se houver uma única maneira de algo dar errado, dará errado”.

Guia_Cultural_final3.indd 38

4/10/13 12:38 PM


_Antes de começar a produzir, treine para driblar a Lei de Murphy_ • A informação mais necessária é sempre a menos disponível; • a fila do lado sempre anda mais rápido; • por mais tomadas que se tenha em casa, os móveis estarão sempre na frente; • existem dois tipos de esparadrapo: o que não gruda e o que não sai; • todo arame cortado no local indicado será curto demais; • todo corpo mergulhado em uma banheira faz tocar o telefone.

39

Guia_Cultural_final3.indd 39

4/10/13 12:38 PM



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.