Jardim da Luz: um museu a céu aberto

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Sumário

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nota dos editores

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apresentação

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Das Origens do Bairro da Luz à Criação do jardim Público

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O Passeio Público

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A Porta de Entrada da Cidade

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o Cartão-Postal da Cidade de São Paulo

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A Decadência

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O Patrimônio Histórico

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O Restauro do Jardim da Luz

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O Jardim da Luz no Ano 2000

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As Exposições no Jardim da Luz

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A Flora do Jardim

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A Fauna do Jardim

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Das origens do bairro

Nossa Senhora da Luz A origem do nome do Jardim da Luz é religiosa, refere-se a Nossa Senhora da Luz. A imagem instalada no caminho do Guaré é um dos símbolos católicos mais antigos da cidade de São Paulo, presente desde o século XVI.

Nossa Senhora da Luz no Guaré, escultura, barro cozido, policromado, fim do século XVI-início do século XVII Fotografia Thomás Vasconcellos de Freitas Levy, 2009. 20

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da Luz à criacão ´ público do jardim

As origens: o horto botânico na região da Luz O Jardim da Luz foi construído a partir do horto botânico, um viveiro de mudas de plantas,criado em 1800.1 A escolha do local certamente foi influenciada pela tradição cultural centenária que a região da Luz já carregava. Segundo relato dos jesuítas, a região desenvolveu-se em torno de uma velha trilha indígena chamada caminho do Guaré, nome alusivo a um pequeno riacho existente na região e talvez a uma árvore nativa, do gênero Guarea, comum em lugares alagadiços, como a junção das várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí. Em 1576, já havia colonos estabelecidos ali. Dedicavam-se à pecuária e à lavoura de plantas alimentícias. Em fins do século XVI, um fazendeiro de nome Domingos Luiz, ao construir uma capelinha,2� onde colocou uma velha imagem de Nossa Senhora da Luz, estava também dando origem ao nome do bairro e, mais tarde, ao próprio Jardim da Luz. Com a colonização do interior da capitania, a trilha ganhou importância e recebeu um pouso de tropeiros, o “rancho do Freitas”, que se transformou em tradicional ponto de comércio. No século XVII, muitos devotos da santa procuravam a pequena igreja, fato esse que marca o início das romarias realizadas ainda hoje. Na segunda metade do século XVIII, a velha capela cedeu lugar ao recolhimento da Luz. Na época, havia na área defronte ao edifício um grande descampado, que passou a ser chamado Campo da Luz. Era um local diferenciado na cidade, recebia as populares paradas militares anuais, a grande procissão de Corpus Christi e as corridas de cavalos. Em 1800, abrigou uma grande feira comercial e cultural de alcance regional. Nesse mesmo ano, foi instalado o horto botânico, de cujo funcionamento há pouca informação. Não é certo que tenha produzido mudas de plantas em grande escala. Segundo relatos posteriores, era constituído por árvores nativas. Provavelmente já era utilizado como área de lazer antes mesmo de ter sido transformado em passeio público, em 1825. 21

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1774

Bairro da Luz: o Rancho do Freitas

O rancho do Freitas encontrava-se na saída de São Paulo, rumo a Atibaia e sul de Minas Gerais. Possuía um pequeno pasto e foi transformado num ponto de comércio dos produtos que vinham do interior. A data de sua fundação é incerta, mas provavelmente remonte ao século XVII. Jean-Baptiste Debret, Pobres tropeiros de São Paulo, aquarela, 1823

Autor desconhecido, Recolhimento da Luz, fotografia, 1861

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Bairro da Luz: as Manobras Militares

O campo da Luz era palco de manobras militares desde o século XVIII. Eram grandes festas, sempre muito populares. Cada uniforme novo que aparecia ou cada manobra diferente das tropas era motivo de calorosos aplausos. Ganhou notoriedade a exibição de uma tropa de oitocentos homens “das minas de diamantes de Minas Geraes” de passagem para encontrar o exército brasileiro no Paraguai. Após a Proclamação da República o Campo da Luz sofreu grandes transformações, deixou de ser um grande largo e passou a fazer parte da avenida Tiradentes, local das paradas militares realizadas no dia da Independência, o “Sete de Setembro”, até o final da década de 1990, quando o desfile foi transferido para o Anhembi. Na ilustração, o detalhe da pintura de Debret retrata dois militares fardados, na cidade de São Paulo, em 1822. Chama atenção o fato de que o metal dos arreios era prata maciça. Bairro da Luz: o Recolhimento da Luz

É considerada a edificação mais velha ainda remanescente no bairro da Luz. O mosteiro da Imaculada Conceição da Luz foi construído por iniciativa de Frei Galvão, que pretendia criar um “recolhimento de vida contemplativa”. Foi construído em etapas, das quais a primeira foi concluída em 1774. Passou por diversas reformas. Em 1980, foi restaurado para abrigar o Museu de Arte Sacra de São Paulo. Hoje reúne aproximadamente 1 500 obras dos séculos XVII e XVIII. Foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1969.

Jean-Baptiste Debret, Cavaleiro de São Paulo, aquarela, 1822

1795

O Jardim da Luz e o Lazer em São Paulo: Máscaras nas Praças

Ao longo das pesquisas sobre o Jardim, foram registradas algumas das principais atividades que constituíram o lazer e a cultura em São Paulo de 1795 até o princípio do século XX, período que marcou o apogeu do Jardim como espaço de lazer dos paulistanos. Incluímos aqui referências que permitem imaginar a importância social que a Luz teve na vida da cidade de São Paulo. O primeiro destaque foi um grande evento em comemoração ao nascimento do rei, com ampla programação, ocorrido cinco anos antes da criação do horto botânico: No dia 22 de agosto de 1795 começaram as festas reais [...] em regozijo do nascimento do príncipe da Beira [...] constando as mesmas festas de solenidade religiosa, procissão, formatura de tropa, cavalhadas, touros, danças de máscaras e espetáculo de teatro, havendo, nessa ocasião, o governador e capitão-general Bernardo José de Lorena expedido o seguinte bando: [...] concedo que toda pessoa de qualquer qualidade, e condição, que seja, possa mascarar-se todos os dias, [...] e igualmente em todos aqueles, em que as houver na Praça [...]. Antonio Egydio Martins 3 23

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1798 O Horto Botânico: a Ordem Régia Uma ordem régia de 19 de dezembro de 1798 determinou que fossem criados três viveiros de plantas: um no Recife, um no Rio de Janeiro e um em São Paulo. Os três deviam ser construídos nos mesmos moldes do já instalado no Pará dois anos antes.4

Bairro da Luz: a Feira de Pilatos

1800 A Criação do Horto Botânico Atendendo a determinação real, Mello Castro, o capitão-general de São Paulo, ordenou a criação do horto botânico de São Paulo. Era um viveiro que receberia mudas de árvores exóticas e nativas para as reproduzir e distribuir entre os agricultores, com vistas à produção comercial. O horto do Rio de Janeiro, criado oito anos mais tarde, após a chegada da família real, seria bem mais amplo e com maior diversidade vegetal. O de Pernambuco foi instalado na cidade de Olinda, em 1811.

Local Agradável Nas décadas seguintes, o local escolhido para a criação do horto foi descrito por viajantes, cronistas e autoridades como uma área agradável, com um lago, defronte do Campo da Luz.

Terreno Público O horto botânico foi instalado em terreno público. A Câmara de São Paulo concedeu “vinte datas de terras [terreno com 22 m x 44 m] com testada de 273 braças [600,6 m], contadas desde os muros do padre capelão até o ângulo defronte do Espaldão”, no Campo da Luz. A concessão previa também a construção do Hospital Militar e da Casa do Trem (um quartel).

Recursos Privados em Troca de Patentes Militares As obras de construção do horto foram realizadas com recursos levantados entre doze cidadãos, num total de 6 906 réis. Os doadores receberam em troca patentes de oficiais de milícia. Originalmente, os recursos destinavam-se às obras do Hospital Militar, iniciadas em 1897.

No mesmo ano em que o horto botânico foi construído, outra ordem régia determinou ao capitão-general Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça que instalasse uma grande feira em São Paulo. No princípio, era uma feira regional, destinava-se à venda ou permuta de todos os gêneros da província de São Paulo e aqueles que vinham de fora. À noite transformava-se em festa com muita música. Prolongava-se por cerca de um mês. O evento foi detalhadamente descrito pelo governador e capitão-general Mello Castro em carta enviada a sua alteza: Ilmo. e Exmo. sr. – Tendo sempre em vista as reais ordens de sua alteza, [...] em que v. excelência tão eficazmente me recomenda que anime o comércio interior e exterior desta capitania [...] julguei que devia estabelecer um mercado público ou feira, na qual se vendessem e permutassem todos os gêneros do país e os de fora. Escolhi, para esse efeito, a melhor ocasião do ano, que é desde a Dominga da Santíssima Trindade até a que se segue, tudo inclusivamente, e isto por ser nesta conjuntura o estio neste clima, por estar então parada a agricultura, cujos trabalhos começam de julho por diante, e por ser a única vez que concorrem à cidade todos os povos circunvizinhos, a assistirem à festa de Corpus Christi, vindo igualmente os soldados milicianos fazer a sua mostra anual, os seus exercícios, e por fim cobrir as ruas na procissão com que termina aquela solenidade [...] ao lugar que lhes determinei, que foi no Passeio Público, defronte do Jardim Botânico e da Praça da Luz, onde se fazem os exercícios militares. [...] A novidade deste estabelecimento atraiu à cidade muito mais gente fora do costume e excitou a curiosidade dos seus habitantes, de maneira que todo o tempo que durou se achou aquele campo coberto de gente, ainda de pessoas que raríssimas vezes eram vistas em concursos, e isso tanto de dia como de noite. Todos os gêneros vindos das vilas vizinhas, algumas das quais mandaram cem cavalos carregados, logo se venderam. [...]. Em uma palavra, no último dia da feira não se achava um traste delicado, porque o que era de gosto ou de luxo se tinha vendido [...] deu lugar o ajuntamento das senhoras da cidade que, não costumando ir às lojas comprar coisa alguma, nesta ocasião toda a fazenda era pouca para saciar o seu desejo. Posso certificar a v. exa., sem exageração, que ainda não vi uma feira onde mais se ligasse a modéstia com a alegria do povo e que entretivesse com igual prazer todas as classes de pessoas, de forma que por gosto se podia andar passeando por ela, principalmente de noite, vendo a iluminação que de seu motu proprio fizeram os negociantes e os vivandeiros, e ouvindo a música do regimento que para ali eu tinha mandado para mais atrair, com esta variedade, a atenção dos espectadores. [...] Deus guarde a V. Exa. São Paulo, 16 de junho de 1800. Antonio Egydio Martins 5 A “Feira de Pilatos” não se repetiu nos anos seguintes, mas o local se transformaria num ponto tradicional de feiras, durante todo o século XIX e parte do seguinte.

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Autor desconhecido, Feira na Avenida Tiradentes, cart達o-postal, s/d. `

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William John Burchell, Edifício religioso, 1827

o passeio público

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Na gestão de Monteiro de Barros, presidente da província e futuro visconde de Congonhas, o horto passou por diversas reformas para ser transformado em passeio público. Foi aberto em 29 de outubro de 1825 e passou a ser muito frequentado em certas ocasiões.12 A destinação de uma área verde cuidadosamente projetada na periferia da cidade, com ruas, alamedas, lagos, esculturas, árvores, gramados e flores para a contemplação, o passeio e o deleite do público era uma grande novidade que chegava a São Paulo vinda da Europa. Desde o século XVI, intensificara-se a construção de amplos jardins junto aos palacetes da aristocracia. Mais tarde, muitos deles foram transformados em espaços públicos destinados ao lazer de toda a população urbana.13 Nas primeiras décadas depois de sua criação, o passeio público de São Paulo era mais utilizado nos finais de semana e feriados, principalmente quando havia eventos culturais, como apresentações de música. Tornou-se uma alternativa ao recreio às margens dos rios, tradição que remonta à cultura dos tupiniquins. Sua evolução arquitetônica e paisagística foi lenta. Nos primeiros 35 anos, sofreu constantemente com a falta de recursos. Nessa fase, as principais novidades foram a instalação de grades e o plantio de novos espécimes de árvores. Continuou sendo um horto botânico, recebendo plantas brasileiras e exóticas, e foi utilizado para experimentos com novas plantas de grande potencial comercial, como foi o caso do chá. Foi somente após a chegada da ferrovia que sofreu as primeiras grandes reformas.

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1846

Autor desconhecido, Antônio Bernardo Quartim, fotografia, s/d.

Relatório de Antônio Bernardo Quartim, cópia de documento apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, 1847

O Novo Administrador Antônio Bernardo Quartim assume a administração do Jardim da Luz. Nascido em Jundiaí em 1821, trabalhou como caixeiro viajante. Foi nomeado diretor do jardim público em caráter vitalício por dom Pedro II, em reconhecimento pelos serviços prestados por seu pai, Antônio Maria Quartim. Sua gestão foi marcada pelas diversas reformas por que o Jardim passou na década de 1870 e seguintes. Antônio Bernardo foi ainda diretor do Cassino Hotel de França e promotor dos “bailes masqués” em São Paulo. Morreu em 1888, no exercício do cargo.35

1847 Relatório do Administrador do Jardim da Luz Os administradores do Jardim eram nomeados pelo presidente da província. Todos os anos apresentavam um relatório, que era submetido à Assembleia. Esta deliberava sobre o orçamento, o número de funcionários e os projetos a serem desenvolvidos no ano seguinte. Na figura ao lado, o memorando pelo qual o secretário Francisco Gomes de Almeida, por ordem do presidente da província, enviou ao primeiro secretário da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, marechal Joaquim do Amaral Gurgel, relatório (acima) que lhe fora apresentado pelo inspetor do Jardim, com o orçamento de despesas daquele ano.

Primeira Visita de Dom Pedro II ao Jardim da Luz Outro pitoresco registro destaca a passagem do imperador dom Pedro II e comitiva pelo Jardim da Luz na tarde de 27 de fevereiro de 1846: “Saiu o Imperador a cavalo e dirigiu-se ao alto de Sant’ana, de onde se goza a melhor perspectiva da cidade; no regresso entrou no Jardim Botânico”.36

Os Formigueiros e a Plantação de Chá do Jardim Em carta datada de 5 de fevereiro, o inspetor do jardim público da capital, Antônio Bernardo Quartim, apresentou ao marechal-de-campo presidente da província relatório com orçamento de despesas realizadas no Jardim no ano anterior. No documento, solicitava aumento da receita. Justificou o pedido destacando os elevados gastos no combate aos formigueiros e a possibilidade de ampliar a plantação de chá, o que poderia gerar renda.37

Memorando de Francisco Gomes de Almeida, secretário de governo, cópia de documento apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, 1847

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1848 Lazer em São Paulo

Segundo diversos relatos deixados pelos estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, ainda na década de 1840, São Paulo era uma cidade enfadonha, com poucas atividades de lazer. Separamos aqui um episódio que confirma os relatos: Um mundo às avessas Domingo há baile da Concórdia Paulistana. Entre os sócios desse baile não há estudantes. Para elogio desse baile basta dizer-se poucas palavras – todas as sociedades e bailes de São Paulo baniram a caipirice das cartas para os pares e eles ainda teimam e persistem em querer que sejam os mestres-salas que escolham os pares. Ora, como esses sujeitos são já meio velhuscos, ordinariamente esses meus amigos escolhem os pares melhores para si e para os velhos, e por favor exímio dão as venerandas matronas para os rapazes. De sorte que fica um mundo às avessas. Álvares de Azevedo 38

Cultura em São Paulo: Daguerreotipar-se

Álvares de Azevedo registrou o uso do daguerreótipo, uma primitiva máquina fotográfica inventada por Daguerre, na França: “Por aqui lavrou uma mania de daguerreotipar-se […] Não há estudante que não se tenha retratado ou não pretenda retratar-se […]”.39

O Que Vale a Pena Ver na Cidade de São Paulo O historiador norte-americano Samuel Greene Arnold encantou-se com o Jardim da Luz: “Saímos a cavalo em passeio para ver o que vale a pena na cidade: o jardim botânico e o panorama […] ficam no subúrbio. É grande, mas incompleto, formosamente projetado, com um grande lago em forma de cruz-de-malta no centro”.40

1849 Cultura em São Paulo: os Quitutes

Maria Eufrasina Rufina da Conceição Veloso, mais vulgarmente conhecida por Sinhara, era tida em 1849 por toda a cidade de S. Paulo, desde a Glória até a Luz, desde o Acu até os Curros, como a mais prestimosa doceira e quituteira da época. Suspiros e papos de anjo, quindins e cocadinha, espingardas e fatias do céu, alfinis e queimados, bolo de bagre e pastéis, leitão assado e figo em calda, pastelaria e doces, petiscos e assados, em tudo isso era perita e famosa. Edmundo Amaral 41

Daniel Parish Kidder, Viajantes em São Paulo, litografia, 7 x 8,5 cm, 1845 41

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a porta de entrada da cidade A chegada da ferrovia abriu uma nova fase na história do Jardim da Luz. Com a estação ferroviária de São Paulo construída em terreno que pertencia ao Jardim, as autoridades passaram a identificá-lo como “a porta de entrada da cidade” e investiram em sucessivas reformas para o seu embelezamento e modernização. Paralelamente, a cidade passou a ganhar milhares de novos habitantes, que vão ter no jardim o seu principal local de lazer, condição que foi favorecida pela implantação de uma série de linhas de bondes para diferentes pontos da cidade. As atividades no Jardim se intensificaram como nunca: música no coreto, grandes quermesses, exibição de inovações técnicas vindas da Europa e manifestações políticas tornam-se frequentes. O Jardim da Luz vivia um novo período de apogeu.

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Autor desconhecido, A primeira estação da Estrada de Ferro Inglesa, fotografia, 1867 49

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1875 As gratificações do administrado

Aurélio Becherini, Sede da Estrada de Ferro Sorocabana, fotografia, 1915

Os deputados da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo questionaram o presidente da província, João Teodoro, sobre os gastos que eram realizados com o pagamento de quatro gratificações a Bernardo Quartim. Em resposta, ele afirmou que correspondiam à remuneração paga ao administrador por responder pela manutenção de outros três logradouros públicos, além do Jardim da Luz: Carmo, mercado de verduras e gasômetro.76

Wilson Racy, As gratificações do administrador, cartum, 2000, “Duzentos anos – Jardim da Luz”

Bairro da Luz: antiga sede da Sorocabana Lazer na cidade de São Paulo: a cervejaria

No andar térreo do pequeno e acaçapado sobrado da rua do Ouvidor, hoje José Bonifácio […] existiu um depósito de cerveja nacional denominado – Ao Corvo – pertencente a Henrique Schomburg, o qual era muito frequentado pela mocidade acadêmica e que aí, a qualquer hora do dia ou da noite, saboreando um bom copo de cerveja, palestrava sobre todos e quaisquer assuntos literários, históricos, políticos, etc. Antonio Egydio Martins 78

Lazer na cidade de São Paulo: o primeiro café europeu, com esmero e luxo

Em um antigo prédio térreo, que existiu na rua da Imperatriz, hoje Quinze de Novembro, esquina do Beco do Inferno […] foi, a 26 de fevereiro de 1876, inaugurado o Café Europeu, de propriedade de Vicente Medici, tendo sido esse estabelecimento o primeiro que, no gênero, se montou, com esmero e luxo, nesta capital. Antonio Egydio Martins 79

A Estrada de Ferro Sorocabana foi criada em 1870 pelo austro-húngaro Luís Mateus Maylasky. O primeiro trecho foi inaugurado em 1875 e ligava São Paulo à Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, na cidade de Sorocaba. Tinha como objetivo o escoamento da produção de algodão. Em 1922 alcançaria a cidade de Presidente Epitácio, às margens do rio Paraná. Somente em 1895 foi inaugurada a primeira estação de trem, em edifício construído de madeira. O prédio da foto foi projetado por Ramos de Azevedo e inaugurado em 1914. Em 1932, reconstruído, foi utilizado como presídio pelo Deops. Foi tombado em 1986 pelo Condephaat. Restaurado no final da década de 1990, atualmente é sede do Memorial da Liberdade, que funciona em conjunto com o Museu do Cárcere.77

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1876 Balão monstro do aeronauta Ceballos Ascensão do Aeronauta Ceballos Manchete do jornal Correio Paulistano, de 9 de abril de 1876: “A grande ascensão aerostática no balão monstro”. Mais adiante a matéria destacava: “O público extasiado delirou”. A ascensão do balão monstro, ocorrida no jardim público, recebeu uma plateia estimada em quatro mil pessoas, que assistiu extasiada à tentativa do aeronauta Ceballos subir dependurado em um trapézio. A tentativa malogrou, pois um vento forte fez o balão chocar-se contra o suporte das amarras e furar. Mesmo danificado, ainda teve força suficiente para subir mais alguns metros. Percebendo o acidente, o intrépido mexicano esperou o balão decair até uma altura onde pôde pular, já bem longe do jardim, próximo ao rio Tietê. Resgatado por um grupo de espectadores, adentrou no recinto sob as palmas delirantes da assistência. No domingo seguinte, consertado o balão, foi feita nova tentativa, desta vez com sucesso. Ceballos encantou os paulistas ao fazer malabarismo no trapézio. Coroando sua apresentação, soltou de paraquedas “o seu companheiro de viagem, um pequeno cão que caiu suavemente sem que lhe acontecesse dano algum”.81

O mexicano Ceballos promoveu exibições em seu “balão monstro”. O aeronauta subia em um trapézio, onde realizava diversos exercícios. A ascensão de balões na cidade São Paulo já não era novidade, mas ainda causava sensação toda vez que era apresentada. Em 1876, a grande atração foi o balão monstro do aeronauta mexicano Ceballos, que realizou várias exibições em finais de semana. O balão era lançado ao ar do meio do lago da cruz-de-malta, que na época estava seco. As exibições de Ceballos em seu “balão monstruoso” tinham fins comerciais. Era cobrado ingresso da plateia. O semanário humorístico O Polichinello achava um absurdo e fulminava: “Ceballos e agentes da municipal cobrando imposto sobre o ar”. Jornal Correio Paulistano 80

Ceballos no trapézio, fac-símile da primeira página do semanário O Polichinello, 1876

Jules Martin, desenho, 1876 63

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1887 Militão de Azevedo, Cidade parte central, fotografia tirada da torre do Jardim, 1887

A Foto Panorâmica Tirada do Observatório da Luz por Militão

Militão de Azevedo, Vista da Estação Cidade lado SE, fotografia tirada da torre do Jardim, 1887

Militão de Azevedo foi o primeiro fotógrafo a registrar sistematicamente a transformação urbana da cidade de São Paulo. No famoso Álbum comparativo da cidade de São Paulo, registrou trinta lugares da cidade, do mesmo ângulo, em 1862 e 1887. Nesse último ano, produziu uma série de “panorâmicas” da cidade, capturadas do alto do “canudo de João Teodoro”.

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Militão de Azevedo, Cidade lado NO, fotografia tirada da torre do Jardim, 1887

Jardim Urbano Na época, São Paulo já vivia o apogeu da cafeicultura. Os imigrantes chegavam às dezenas de milhares, todos os anos; a população se aproximava dos 190 mil habitantes. O Jardim da Luz agora era um parque urbano cercado por edificações, estava reformado e modernizado, continuava sendo o principal centro de lazer público da cidade, vivia o seu auge, que acompanhou o da cafeicultura, prolongando-se até o final da década de 1920.

Militão de Azevedo,Vista da Estação, fotografia, 1887 75

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o cartão-postal da cidade de são paulo No início do século XX, o Jardim foi transformado em cartão-postal, símbolo da cidade. Vivia a última etapa de seu apogeu. Os imigrantes continuavam chegando em grande número. Tinham o parque como referencial de lazer e integração. Ali as diferentes colônias realizavam suas festas tradicionais, exibiam sua língua, roupas, comidas, músicas, artes, jogos e outras características culturais. Entre as modernidades do período, está o cinema, que transformou o Jardim em local de exibição ao ar livre. Os eventos realizados no parque passaram a ser filmados e exibidos nos “jornais cinematográficos” de São Paulo. As festas eram descritas em detalhes e mereciam comentários especiais. Nesse período, chegaram os fotógrafos lambe-lambes. Com eles, tornou-se comum ver os imigrantes recém-desembarcados na Estação da Luz dirigirem-se ao Jardim para tirar uma foto, que enviavam aos familiares distantes. A imagem não deixava dúvidas: estavam em São Paulo! 88

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O. Achtschin, Jardim da Luz IV, fototipia, s/d. Edição Casa Rosenhain

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1899 O cartão-postal colorizado do começo do século XX apresenta o lago da cruz-de-malta com seu belo chafariz, estátuas e cisnes nadando tranquilamente.

O Jardim estava no apogeu A iconografia do período registra um Jardim sempre bem cuidado e florido. Guilherme Gaensly, Jardim da Luz I, fototipia, c. 1921. Edição Casa Rosenhain

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A última grande remodelação: canteiros à moda inglesa, com aleias de alecrim-de-campinas e jaqueiras Em sua primeira visita ao Jardim da Luz como prefeito de São Paulo, Antônio Prado (1899-1910), membro de uma das famílias mais ricas do estado, ficou mal-impressionado com o seu aspecto, que achou muito provinciano.126 Iniciou uma grande remodelação, nomeando um novo administrador, o austríaco Antônio Etzel, homem de confiança que trabalhava para sua família. Seguiu-se uma série de intervenções. Foram introduzidos gramados e canteiros à moda inglesa, e uma seleção de plantas e flores consideradas mais refinadas do que as encontradas então (perpétuas, sempre-vivas e manjericão) . Foram plantadas as jaqueiras e as aleias de alecrim-de-campinas, que se destacam na flora ainda hoje. São dessa fase algumas das mais importantes edificações: o coreto, a casa de chá, o quiosque da sorveteria e a nova casa do administrador. O Jardim da Luz foi transformado no primeiro zoológico da cidade de São Paulo. Diversos animais foram expostos em cercados e jaulas junto ao novo lago do Oito. Uma ampla reforma do parque passou a fazer parte de um projeto mais amplo, que incluía a remodelação da praça da República e o plantio de árvores frutíferas nas ruas de São Paulo. Nessa mesma época, a energia elétrica começou a ser distribuída na cidade. Com ela surgiram os bondes e os cinemas. As fábricas se multiplicavam rapidamente. A população de São Paulo crescia mais de dez por cento ao ano. Em 1900, alcançou 240 mil moradores.

Autor desconhecido, Estação da Luz III, cartão-postal, c. 1914. Edição F. Manzieri no 21

Novos acessos à região da Luz e ao parque A rua da Estação foi prolongada para além da rua Florêncio de Abreu, em direção ao Tamanduateí. No sentido inverso, a rua José Paulino foi ampliada para dar melhor acesso ao Bom Retiro. Dois anos depois, foi construído um novo portão de acesso ao Jardim da Luz na esquina das ruas Mauá, Prates e José Paulino.

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a decadência

O apogeu do Jardim da Luz acompanhou o da cafeicultura paulista. No mesmo ano da Revolução de 1930, o Jardim começou a perder algumas de suas atrações. O seu zoológico, o primeiro de São Paulo, foi desativado. Parte dos animais foi removida para o Parque da Água Branca. Outra mudança importante foi a retirada das grades que o circundavam. O Jardim adquiriu aspectos de uma praça pública, tornando-se um grande corredor de pedestres que se dirigiam à Estação. Em 1931, foi a vez do viveiro de plantas ser deslocado, com suas estufas, para o Viveiro Manequinho Lopes, no Parque Ibirapuera, onde se encontra até hoje. Nas décadas seguintes, o Jardim perderia duas áreas, a primeira foi destinada à construção de uma escola e a segunda, cedida para o alargamento das ruas Prates e Ribeiro de Lima. Com as perdas, foi interrompida a longa alameda que circundava todo o Jardim. Paralelamente, começou uma lenta e progressiva degradação de toda a região próxima à Estação da Luz, reflexo da crise da cafeicultura paulista. O processo foi agravado pela construção de novo terminal ferroviário, que intensificou ainda mais o movimento. As moradias da região cederam espaço para o comércio atacadista e pequenas indústrias de roupas. Ainda na década de 1930, começam a surgir notícias referentes à degradação do Jardim, ao seu abandono e ao avanço da criminalidade. Nessa fase, o Jardim da Luz foi deixando de ser uma referência cultural de toda a cidade para transformar-se num parque de bairro, situado no centro da cidade. Caiu no esquecimento das autoridades, apesar de já ser uma evocação arquitetônica e paisagística da história de São Paulo. Esse quadro se agravaria progressivamente até o final do século XX.

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Guilherme Gaensly, Entrada antiga, cart達o-postal colorizado, 1905

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Autor desconhecido, Monumento a Ramos de Azevedo e panorama, foto-postal, c. 1940

Bairro da Luz: Monumento a Ramos de Azevedo

O projeto do grandioso monumento em homenagem ao engenheiro Francisco Paula de Ramos de Azevedo foi escolhido em concurso público. Em estilo grego, o projeto foi apresentado pelo escultor Galileo Emendabili. Como aconteceu com diversas edificações históricas da região, parte dos recursos para a construção do monumento foi obtida por meio de doações. A obra foi instalada ao lado do Jardim, na avenida Tiradentes, e inaugurada em 25 de janeiro desse ano. Com as sucessivas ampliações da avenida, o monumento foi deslocado para a Pinacoteca e posteriormente removido para a Cidade Universitária, onde pode ser encontrado até hoje.

1935

A prostituição no Jardim A sensualidade sempre esteve presente no Jardim da Luz como parte essencial do flerte ao longo dos passeios. Também há referências ao namoro e a encontros escandalosos no século XIX. Não se sabe ao certo, entretanto, desde quando a prostituição se vale das ruas e alamedas calmas e tranquilas do Jardim. Mário de Andrade faz um registro marcante no conto “Primeiro de Maio”: …andou mais depressa, entrou no jardim em frente, o primeiro banco era a salvação, sentou-se. Mas dali algum companheiro podia divisar ele e caçoar mais, teve raiva. Foi lá no fundo do jardim campear banco escondido. Já passavam negras disponíveis por ali. Mário de Andrade 165

Possivelmente estava ali há mais tempo, pois o baixo meretrício rondava o terminal ferroviário há tempos.

1936 Bairro da Luz: Estação Júlio Prestes

Uma nova e grande estação ferroviária foi construída nas proximidades do Jardim da Luz: a Estação Júlio Prestes (foi projetado por Samuel das Neves e Cristiano Stockler das Neves). As obras duraram dez anos. Seu estilo lembra as estações norte-americanas, como a Pennsylvania Station. O pé-direito do imenso hall é de 26 metros. A torre, com quatro relógios, eleva-se a 72 metros. A inauguração do novo terminal intensificou o trânsito de passageiros e cargas em toda a região. O edifício foi tombado pelo Condephaat em 1999. Restaurado, teve parte de seus jardins internos transformados na Sala São Paulo, sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.166

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Bairro da Luz: vista panorâmica da avenida Tiradentes

Guilherme Gaensly, Avenida Tiradentes, no 6, cartão-postal, c. 1940

Bairro da Luz: o corredor de transportes

Na década de 1930, a avenida Tiradentes foi transformada em corredor de transportes, interligando o norte e o sul da cidade. Era a perna do “Y”, nome do sistema criado pelo prefeito Prestes Maia, formado por três avenidas de fundo de vale: a 9 de Julho, a Itororó (depois 23 de Maio) e a Anhangabaú, que, no seu prolongamento, alcança a avenida Tiradentes. As duas primeiras davam acesso à zona sul, e a terceira, a base do “Y”, cortando o bairro da Luz, ligava a zona norte ao centro. A avenida foi ampliada sucessivamente, até se transformar em via expressa e barreira que alterou toda a circulação local na área da Luz. Na década de 1940, outras ruas da região, como a Rio Branco e a Duque de Caxias seriam transformadas em largas avenidas.

Autor desconhecido, Estação Sorocabana, cartão-postal, s/d. Edição Fotolabor 99 129

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1937

Família Ardito, fotografia de lambe-lambe, 1938

Familiares no Jardim da Luz: Elvira Nadir, Dirce, Josefa e Antonio Linguanotto, fotografia de lambe-lambe, c. 1940

1939 1941 Antigas glórias O historiador Nuto Sant’Anna já assinalava a decadência do Jardim: “Nada lhe resta das antigas glórias, nem da frequência encantadora dos tempos em que a cidade era mais espiritual e mais ingênua”.167

Como estava tudo mudado! – um rio de operários

Retratos de famílias Nas décadas de 1930 e 1940, ainda era hábito comum entre os paulistanos levar a família para passear e tirar retrato no Jardim da Luz.

Dora, Wanda e Vera Ungaretti, fotografia de lambe-lambe, 1928

A preservação e o tombamento: o Sphan Nesse ano, surge o primeiro órgão público dedicado à preservação do patrimônio cultural brasileiro. Com base em proposta elaborada por Mário de Andrade, foi criada a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, origem do atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. O órgão tinha o compromisso de identificar, fiscalizar, documentar, preservar e promover o patrimônio cultural brasileiro. Com ele, surge o processo de tombamento, ato administrativo que permite ao poder público preservar o patrimônio histórico, cultural e artístico nacional. Na época, apesar das reclamações relativas à má conservação do Jardim, ainda não se cogitava sobre seu tombamento. O Jardim e outras importantes edificações da região da Luz fortemente influenciadas pela arquitetura europeia foram relegados. Prevalecia a visão de que somente as edificações que apresentavam alguma originalidade, sobretudo as de taipa em estilo colonial, deveriam ser protegidas. O Iphan só tombaria o Jardim da Luz em 2000.

Ao ver o Jardim da Luz à sua frente, Fernando recordou a infância distante […] Como estava tudo tão diferente! Por que não limpam mais o Jardim como limpavam? E os bichos? E as aves? Onde estão as seriemas e as garças pernaltas que o encantavam, e a ema fleumática que engolia níqueis de tostão? […] Como estava tudo mudado! Em lugar da quietude de outros tempos, a alameda central do Jardim parecia uma rua pública, conduzindo um rio de operários apressados, malvestidos, que se dirigiam para as fábricas… Flávio Seabra Pires de Campos 168

Jardim da Luz em tecnicolor e sonorizado O Jardim da Luz voltou ao cinema no documentário sonorizado “Parques e Jardins de São Paulo”. O curta-metragem foi filmado em tecnicolor, ainda uma novidade na cinematografia brasileira. Foi produzido pelo Departamento Municipal de Cultura, com roteiro e direção de Benedito Junqueira. Em linguagem didática, o filme descrevia as etapas pelas quais passavam as flores e os arranjos dos canteiros antes de chegarem aos logradouros da cidade. Apresentava rápidas imagens do Jardim da Luz, com destaque para a pequena “Fonte dos Pratos”, na época cercada por alta e densa vegetação. O filme foi preservado e integra a filmografia da Pinacoteca Brasileira.169

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1943 Bairro da Luz: Tombado o mosteiro da Imaculada Conceição da Luz

O primeiro edifício da região da Luz a ser tombado foi o mosteiro da Imaculada Conceição da Luz. Em 1969, foi a vez do acervo de Arte Sacra da Cúria Metropolitana de São Paulo. Organizado em 1918 por dom Duarte Leopoldo e Silva, reúne mais de 1 500 peças, algumas do século XVII. Em 1980, o governo do estado, por meio de convênio, restaurou e adaptou o conjunto de edifícios que passou a abrigar o novo Museu de Arte Sacra de São Paulo.170 Sebastião de Assis Ferreira, Estação da Luz, São Paulo, Brasil, fotografia, 1946

1946

Bairro da Luz: a nova Estação da Luz

O prédio da estação sofreu violento incêndio, que destruiu os livros contábeis da Companhia Inglesa. O governo do Brasil acabara de comprar a ferrovia aos ingleses. O prédio foi reconstruído no mesmo estilo vitoriano do edifício incendiado, mas com modificações significativas, como a introdução do segundo andar. É essa edificação que hoje abriga o terminal de transportes da Luz. Foi tombada em 1982 pelo Condephaat e totalmente restaurada nos anos 1990. Atualmente, abriga também o Museu da Língua Portuguesa.171 131

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o restauro do jardim da luz Em dezembro de 1998, assumiu a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente o arquiteto Ricardo Ohtake, que introduziu uma nova política para o Jardim da Luz. Diante de um parque tombado em ruínas, o restauro era inadiável. A nova abordagem partiu da constatação de que a Luz é um jardim-museu a céu aberto: edificações, paisagismo, flora e fauna, todos têm uma história e formam o acervo permanente de um espaço de lazer e cultura diferenciado, único. Também era urgente a adoção de novos padrões de manutenção, manejo, segurança e gestão. Era fundamental retomar sua história, tornar disponíveis informações sobre seus edifícios, vegetação, animais e paisagismo. Nessa perspectiva, a reintegração com a Pinacoteca era natural e se harmonizava com as apreensões da direção do museu. Completava a proposta a criação de uma programação cultural diária, com atividades regulares e variadas.221

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Os projetos de restauro A complexidade do Jardim da Luz, com mais de quinze edificações distribuídas por 113 mil metros quadrados de jardins e bosques, refletiu-se no projeto de restauro. Estiveram envolvidos dezenas de especialistas do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, então dirigido pelo historiador Luís Soares de Camargo. Os trabalhos foram orientados por diversos projetos aprovados anteriormente, relativos as principais edificações do Jardim. Durante o restauro, quatro arquitetos e dois engenheiros acompanharam os trabalhos e produziram vários projetos complementares decorrentes das especificidades e surpresas que os estudos de campo e as obras de restauração revelaram.222 Entre estas estava um sítio arqueológico, que trouxe para o Jardim uma equipe de arqueólogos sob a coordenação de Maryzilda Couto Campos. Durante os trabalhos, foram produzidos mais de cinquenta documentos que estabeleceram procedimentos, técnicas e materiais mais adequados, detalharam intervenções e apresentaram novos projetos de restauro.

Cronologia do restauro Em julho de 1999, começou o trabalho de restauro do Jardim. O parque ficou fechado durante 53 dias, até o início da primavera, em 23 de setembro de 1999, quando foi reaberto. Na ocasião, já havia sido aberto o acesso para a Pinacoteca e seu novo café. Havia uma trilha com identificação de 64 árvores, 26 animais e mais de 100 placas que contavam a história e descreviam a arquitetura do parque. Uma grande exposição com 19 esculturas de artistas consagrados do século XX foi organizada no Jardim. Em 25 de setembro, os Meninos Cantores de Viena, um dos grupos corais infantis mais tradicionais do mundo, apresentou–se no Jardim da Luz. O parque começou a receber visitas monitoradas de estudantes da cidade. Logo em seguida teve início a segunda etapa dos trabalhos de restauro, que se concentrou nas grandes edificações. Quase todas exigiram obras estruturais, devido ao estado precário de suas fundações, e impuseram um novo cronograma às obras. Os trabalhos se prolongaram por um ano e meio, até 20 de dezembro. Na época, foram comemorados os duzentos anos do Jardim da Luz, tomando como referência a implantação do horto botânico em 1800.224

Autor desconhecido, Antigo banheiro, fotografia, janeiro de 1998 Jota Racy, A casa de chá, fotografia, 1999

As etapas do restauro Na primeira fase do restauro, privilegiou-se o manejo vegetal, com a recuperação do roseiral, a reforma dos canteiros e a reorganização da vegetação arbórea pelo transplante de árvores. Essa reorganização era condição essencial para o restauro das edificações e a recuperação paisagística. Mais de 10 mil metros quadrados de gramado foram reformados, 55 mil mudas de plantas floríferas e forrações foram plantadas. Também se deu início ao restauro arquitetônico. Foram realizadas obras de impermeabilização nos lagos e espelhos d’água; reformaram-se os banheiros e foram revistos os sistemas O Jardim antes do restauro: as edificações estavam ruindo elétrico e hidráulico de todo o parque. Os bancos e as lixeiras No final de 1998, as edificações do Jardim estavam em ruínas, e a flora crescia livremente, desfigurando os conceitos foram substituídos, e os bebedouros passaram por readequação. paisagísticos históricos. Nesse ano, o antigo banheiro do Jardim foi interditado, pois ameaçava desabar. Na Casa de Chá os O playground foi mudado de lugar e ganhou brinquedos novos. cupins e os vazamentos prolongados deterioraram completamente o telhado, as portas, janelas, colunas de madeira, treliças e As calçadas e as sarjetas internas foram reconstruídas de modo o piso. Na base, as infiltrações de água alimentavam as raízes, que solapavam os alicerces. O forro e os caibros que integravam a garantir o livre acesso a deficientes, outra inovação. Os muros a armação do telhado estavam caindo, abrindo brechas em diferentes pontos dos lambris. Também foi interditada no início de e os gradis foram reparados; a calçada externa foi refeita em 1999. Durante os trabalhos de restauro descobriu-se que as fundações do coreto estavam fragilizadas e representavam risco aos mosaico português. A aleia de palmeiras em frente à Estação foi usuários. A obra foi interrompida até que se elaborassem projetos complementares. Por todos os cantos se viam sinais de reformada e recomposta. A comunicação visual do Jardim deterioração. Na foto, detalhe da grade do mirante da cascata, da gruta e da caixa d’água do Jardim da Luz. passou por reformulação, recebendo novas placas indicativas. As grades ao lado da Pinacoteca foram removidas. Na segunda etapa, o centro das atenções passou a ser o restauro das velhas edificações: coreto; ponto chique, gruta, lago da Diana, lago do Oito, casa do administrador, guarita, sorveteria e as descobertas que surgiram ao longo dos trabalhos, como as fundações do observatório meteorológico e o aquário.223

Jota Racy, Deterioração, fotografia, 1999

Autor desconhecido, O coreto, fotografia, janeiro de 1998 158

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Jota Racy, Raízes de uma figueira, fotografia, 1999

Autor desconhecido, Lago Tiradentes, fotografia, janeiro de 1998

As raízes das árvores devastavam silenciosamente tudo o que encontravam pela frente Um problema constante enfrentado durante os trabalhos de restauro foram as raízes das árvores, que ameaçavam as estruturas do ponto chique, do coreto, da cascata com a gruta, do lago da Diana e do aquário. As figueiras eram as principais responsáveis pelos danos. Lançavam a mais de dez metros suas raízes, que se infiltravam por entre os vãos das edificações e lentamente lhes deslocavam os alicerces. Na foto acima (à direita), a gruta envolvida pelas raízes das figueiras, que ameaçavam todo o complexo. As árvores ocupavam e devastavam as floreiras do lago da Diana (foto abaixo, à esquerda).

Jota Racy, Canal fonte da ilha, fotografia, 1999

Jota Racy, Corredeiras secas, fotografia, 1999

Jota Racy, Estruturas comprometidas, fotografia, 2000

Jota Racy, Fonte dos pratos seca, fotografia, 1999

Autor desconhecido, Floreiras devastadas pelas árvores, fotografia, 2000

Lagos, chafarizes, cascata e corredeiras estavam comprometidos e sem água Os lagos e chafarizes estavam secos. A exceção era o lago da cruz-de-malta, que mantinha pouco mais de meio tanque de água à custa de uma permanente alimentação que havia rebaixado o nível do poço artesiano do Jardim. Com diversos vazamentos, o canal que circunda a ilha não retinha a água no leito. As corredeiras não recebiam água, estavam secas e apresentavam rachaduras no leito (as fotografias são anteriores ao restauro). A água não jorrava mais da fonte dos pratos havia anos.

Eliminando a concorrente Flagrantes como esses das fotos eram comuns no Jardim. A raiz da velha e enorme figueira envolvia o distante concorrente, um centenário pau-d’óleo (foto ao lado). A planta “invasora”, como a figueira, envolvia e sufocava lentamente uma Phoenix canarienisis, indivíduo centenário plantado nas proximidades da grade voltada para a Estação da Luz (foto abaixo). A cena foi mantida intocada, como recurso visual didático.

Jota Racy Alicerces da casa de chá comprometidos fotografia, 200

Jota Racy, Raiz da figueira prejudica o pau-d’óleo, fotografia, 2000 Jota Racy, Raízes da figueira sufocando a palmeira, fotografia, 2000 159

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o jardim da luz no ano 2000 Fotografias de Jota Racy

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