de Maio de 68, sobre as formas como o movimento que teve seu epicentro na França, há cinquenta anos, foi sobrepujado por representações subsequentes. Ele também expõe resistências e permanências nos campos da memória, contra as formas de amnésia social e instrumentalização que procuraram
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desmanchar o evento histórico, as sociologias que o explicaram e lideranças estudantis que tentaram monopolizar sua memória. A gestão da memória de Maio é recolocada aqui como problema historiográfico. Com pesquisa rigorosa e farta documentação, Kristin Ross faz um contraponto aos esforços feitos na década de 1980, que destacavam somente os impactos comportamentais e “culturais” dos levantes de Maio. Naqueles anos, tudo teve uma acentuada dimensão política. Eis o que torna este volume e o evento em si tão contemporâneos.
e suas repercussões
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Este é um livro sobre as repercussões
kristin ross
Ainda segundo a autora, essa metamorfose aconteceu entre o décimo e o vigésimo aniversário das grandes manifestações e greves que tomaram o país, isto é, entre 1978 e 1988, e foi resultado direto das análises e relatos de dois grupos de pessoas: 1) sociólogos, que minimizaram a participação de segmentos da população e se fiaram na suposta ausência de rupturas ou mudanças estruturais para restringir Maio de 68 à esfera dos costumes; e 2) pessoas alçadas à condição de “líderes” do movimento, que passaram a ocupar espaços principalmente na mídia, recorrendo à experiência pessoal para pautar discussões. Que não restem dúvidas: com esta argumentação, a autora não procura minimizar os significados de Maio de 68. Ao contrário. O esforço é justamente no sentido de reposicioná-lo e politizá-lo. Ross nos lembra que este foi o maior movimento de massa da história francesa, abarcando sua greve mais longa e significativa, amalgamando trabalhadores e intelectuais. O interesse da autora não é o de reescrever a história, mas o de entender como se forjou uma narrativa cujo efeito “foi o de liquidar, apagar ou tornar obscura a história de Maio”. Trata-se de compreender a maneira pela qual o evento foi sufocado por suas representações. Nesse sentido, o livro também estimula a reflexão sobre inúmeros acontecimentos históricos cujas interpretações muitas vezes transcendem – e modificam – os fatos. Mais ainda, provoca a suspeição perante análises acerca de episódios tidos como espontâneos ou desconectados de outros. Pode-se citar, por exemplo, narrativas sobre a chamada Primavera Árabe, no Oriente Médio, ou mesmo as jornadas de junho de 2013, no Brasil.
A construção da memória sobre o passado envolve distintos atores e se dá a partir de variadas direções. Mesmo os que tomam parte no esforço de reportar, classificar e entender cientificamente fatos de outrora são também partícipes no processo de consolidação de um imaginário coletivo. Em outras palavras, ao narrar ou interpretar o que sucedeu, mais do que simplesmente desvelar a realidade, forjam-se determinadas narrativas. Nesse sentido, é constitutivo do trabalho historiográfico problematizar tais narrativas, por mais estabelecidas que estejam, e confrontá-las com outras tantas, produzindo-se novas sínteses. É basicamente o que a historiadora norte-americana Kristin Ross procura fazer no livro Maio de 68 e suas repercussões em relação aos eventos que se sucederam na França, no final dos anos 1960. A autora examina as formas pelas quais o Maio de 68 – expressão esta que poderia ser ela mesma questionada, já que carrega significados que orientam a percepção dos fatos – foi esvaziado de viés político, entrando para a história como uma espécie de agitação estudantil emtorno dos costumes, relativos principalmente à liberdade sexual. Obscurecendo-se elementos tais como o internacionalismo, o anti-imperialismo e o anticapitalismo, em favor de aspectos mais ligados ao estilo de vida, próprios da modernização capitalista, Maio de 68 teria, assim, sua substância transformada. Em outras palavras, para a autora, a história oficial estabelece que o mundo de hoje seria fruto da realização dos desejos dos que tomaram parte nos protestos e não justamente o fracasso de suas principais reivindicações.
10/4/18 10:35 AM