coleção arquitetos da cidade mmbb Guilherme Wisnik (org.)
nota dos editores
Arquitetos da Cidade é uma série editorial — parceria entre Escola da Cidade e Sesc São Paulo — dedicada a escritórios brasileiros que se destacam no enfrentamento dos desafios inerentes à cidade contemporânea. Arquitetos cujas ações nunca perdem a oportunidade de concretizar uma gentileza urbana, ou seja, de qualificar o espaço público com ações positivas. Para esse grupo de arquitetos, certamente é na cidade que reside seu maior interesse, independentemente do que estejam a desenhar. Não por acaso, todos os presentes nessa série estão fortemente ligados à educação — professores universitários que dividem seu tempo entre a prática e o ensino. Arquitetura é arte complexa: determina o desenho da paisagem, urbana ou não, influi nas relações sociais, qualifica os espaços para as pessoas. É em geral fruto do trabalho coletivo, de muitas disciplinas, de muitos saberes. Por sua vez, a relação entre arquitetura e cidade tem sido o grande tema que a cerca. Fazer cidade, no sentido da qualificação da vida urbana. O enfrentamento dos grandes problemas urbanos que as cidades americanas trouxeram, com seu crescimento explosivo e desigual. O arquiteto hoje se lança sobre essa realidade, concentra seus esforços sobre problemas que, não raro, se apresentam como insolúveis em sua complexidade.
A profusão crescente, quase explosiva, de imagens e vídeos pela internet tornou o universo da arquitetura mais acessível. O que é positivo, não há dúvida. Por outro lado, a conexão das imagens com o percurso e com a coerência do trabalho de um determinado arquiteto diluiu-se. Nesse sentido, a publicação de uma seleção de projetos a partir de um olhar curatorial, incluindo textos, entrevistas, croquis e detalhes construtivos, permite uma aproximação efetiva à poética de cada escritório. Projetos autorais, quando vistos em conjunto, expõem um percurso, sempre marcado por buscas, desejos, experimentações. Este volume traz o trabalho do escritório MMBB, coletivo de arquitetura com destaque no cenário nacional e internacional, que pela primeira vez apresenta seu trabalho reunido em publicação específica. Organizado por Guilherme Wisnik, conta com colaborações de Paulo Mendes da Rocha e Roberto Andrés, além de entrevista com Marta Moreira, Milton Braga e Fernando de Mello Franco, que coordenam o escritório.
EDITORA ESCOLA DA CIDADE EDIÇÕES SESC
Página ao lado: Conjunto habitacional Jardim Edite. São Paulo, SP, 2008-2013. Página 2: Sesc 24 de Maio. São Paulo, SP, 2002-2017. Páginas 8-9: Pavilhão do Brasil na Expo 2020 Dubai, 2018-2021.
6
Depoimento Paulo Mendes da Rocha
11
O projeto como integrador de conhecimentos e formas de ação Guilherme Wisnik
16
A vida nas estruturas Roberto Andrés
22
Pavilhão do Brasil na Expo 2020 Dubai Dubai, Emirados Arabes Unidos, 2018-2021
32
Escola FDE Campinas F1 Campinas, SP, 2003-2004
40
Residência no City Boaçava São Paulo, SP, 2004-2007
48
Edifício residencial RDR 30 Santiago, Chile, 2016-2020
56
Jardim Edite São Paulo, SP, 2008-2013
70
Vazios de Água São Paulo, SP, 2007
76
Projeto urbano córrego do Antonico São Paulo, SP, 2009-2015
84
Sesc 24 de Maio São Paulo, SP, 2002-2017
99
Entrevista Guilherme Wisnik
108
Fichas técnicas
depoimento PAULO MENDES DA ROCHA
7 Deixo aqui meu abraço fraterno ao amigo Guilherme Wisnik e agradeço por esse convite para redigir o texto de abertura deste livro, que aborda a produção do escritório MMBB. Marta, Milton e Fernando são diplomados arquitetos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), em meados dos anos 1980. Desde então somos amigos, pois nos demos muito bem já nos trabalhos finais de graduação desse curso extraordinário, no qual fui professor e coordenador do Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI). Essa etapa significa um projeto individual proposto pelo próprio aluno. O projeto é realizado durante o último ano inteiro, com exposição e defesa pública no final. Naquela altura, eu já era um velho professor. Foi logo aí que surgiu para eles um contrato importante de projeto para o sistema de transporte público da cidade de São Paulo. Foi a oportunidade para a formação do grupo que constitui o MMBB até hoje — escritório famoso e bem conhecido, aqui e no exterior. Já agora, neste depoimento, tenho que ressaltar a graça da relação entre trabalho e afeto, que amarrou esses jovens desde a escola. E que também nos uniu: quando se viram diante daquele complexo trabalho, convidaram, convocaram, o velho professor. Um consultor. Tudo isso no final dos anos 1980, início dos 1990, do século passado, é bom lembrar! Vem daí o projeto Terminal Parque Dom Pedro II, que exibe e realiza duas características que quero ressaltar: o desenho das coberturas das ilhas de embarque e desembarque e o pavimento de toda a área das manobras dos veículos, perfeitamente horizontal e drenado, reduzindo a poluição sonora e atmosférica. A ideia é que todas aquelas manobras sejam feitas com o mínimo atrito e poluição, o mínimo esforço motor. Vale a pena ver os desenhos, que já foram bastante publicados. Neste breve depoimento, quero também comentar o projeto para o Sesc 24 de Maio, que fizemos juntos. Cabe aqui um elogio à própria instituição Sesc, notável enquanto amparo educacional, de vida urbana, de convivência, promovido pelo patronato e dedicado aos servidores, trabalhadores na área do comércio. Meus cumprimentos à nobre instituição. Nesse caso, tratava-se de construir uma de suas unidades, com todos os programas, biblioteca, salas de exposição, teatro,
restaurante, cafés, ginástica, dança... na área central da cidade de São Paulo, a poucos metros do Theatro Municipal, do viaduto do Chá (onde passam por dia mais de um milhão de pessoas), da praça da República, da avenida São João, da rua Barão de Itapetininga… Junto ao metrô. Uma notável iniciativa. Foi adquirido um prédio existente, antigas instalações da famosa loja Mesbla, muitas vezes reformada pela empresa, e que estava desativada havia muitos anos, em péssimas condições, inclusive de estrutura, muito mal distribuída. Cabe também elogiar o Sesc pelo fato de convocar o arquiteto para opinar sobre a decisão de se demolir, de se construir tudo de novo, ou de se reformar. Foi assim que estive lá pela primeira vez. Queriam ouvir a opinião do arquiteto. Estamos falando nas inevitáveis transformações, em qualquer cidade hoje, e nos novos modos de uso de um mesmo edifício, um dos quadros mais intrigantes na vida das cidades, em todo o mundo. Convidei os amigos do MMBB para trabalharmos juntos nesse projeto. Não esquecer que já estamos, então, em 2002. Fizemos o Sesc adquirir o prédio vizinho, vazio, que estava à venda pela Caixa Econômica Estadual. Uma naveta de 7 metros de frente por 20 metros de fundo. Um apoio para todos os serviços e instalações técnicas. O prédio existente possuía uma característica fundamental: um vazio central de 14 por 14 metros, onde era possível implantar quatro pilares de apoio independentes, nos quatro vértices desse quadrilátero. Dali foi possível desdobrar os espaços vazios para um teatro escavado no subsolo, diretamente ligado com a rua, e, de modo autônomo, a grande carga da ensolarada piscina na cobertura! Foi sempre estimulante e agradável trabalhar com o MMBB. Todos os trabalhos que desenvolvemos juntos foram na forma de parceria específica para cada projeto. Espero que essa parceria continue por muito tempo.
Paulo Mendes da Rocha é arquiteto, professor da FAU-USP e vencedor de prêmios como o Pritzker e o Leão de ouro da Bienal de Veneza.
O PROJETO COMO INTEGRADOR DE CONHECIMENTOS E FORMAS DE AÇÃO GUILHERME WISNIK
1. A produção do escritório MMBB desponta no cenário da arquitetura paulistana e brasileira dos anos 1990 pela elegância e pelo rigor de seus projetos, sempre bem detalhados e resolvidos em compatibilidade com suas condicionantes técnicas. Discretas e engenhosas, algumas de suas obras iniciais se afirmam por uma combinação sui generis entre invisibilidade (formal) e inevitabilidade (discursiva). É o que vemos acontecer, por exemplo, na Garagem Trianon Park (1996), em que o grande desafio de encaixar quinhentas vagas para veículos era imenso diante da exiguidade do terreno em subsolo, comprimido verticalmente entre as áreas livres de arvoredo na praça que o encima e os túneis viários situados logo abaixo. Restrições que levaram os jovens arquitetos a encontrar uma solução extremamente eficiente, segundo a qual as rampas são utilizadas também como áreas de vagas, e não apenas de circulação.1 Resulta daí um edifício escavado em subsolo, feito de espaços contínuos entre planos inclinados e meios-níveis, com as cabeças das plantas em falsas elipses, e lajes-cogumelo que ajudam a reduzir a altura estrutural do conjunto. Interessados desde cedo pela relação entre arquitetura e infraestrutura, os arquitetos do MMBB logo se tornaram importantes colaboradores de Paulo Mendes da Rocha, desenvolvendo com ele obras complexas e de escala urbana notáveis, como o Terminal Parque Dom Pedro II e o Centro Cultural Fiesp (1996), a unidade do Poupatempo Itaquera (1998) e o
Sesc 24 de Maio (2002), todos na cidade de São Paulo, além do Museu dos Coches (2009), em Lisboa. Obras efetivamente construídas e que certamente contribuíram muito para o amadurecimento da produção autoral do escritório, que foi se caracterizando cada vez mais pela capacidade de compatibilizar escalas diversas, procurando dotar de urbanidade os artefatos técnicos da cidade. Como deixa claro Marta Moreira, em conversa com Inês Moreira para a Casa da Arquitectura de Portugal, esse foi um dos grandes desafios enfrentados por sua geração: encarar a realidade de uma cidade de rios poluídos e canalizados, cuja malha ferroviária foi sucateada, deixando grandes conjuntos de galpões industriais vazios, procurando dotar de maior qualidade de vida esses espaços construídos mais pela engenharia do que pela arquitetura.2 No início dos anos 2000, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (FDE) encomendou projetos de edifícios escolares com sistemas construtivos pré-fabricados de concreto a alguns escritórios.3 Em geral compactos, dadas as restrições construtivas, os projetos normalmente implantam as áreas de quadra de esportes e pátio de recreação dentro da volumetria edificada, variando-se, em cada caso, o piso em que se situam e a relação de proximidade ou distanciamento entre esses espaços. No caso da Escola FDE Campinas F1 (2003), projetada pelo MMBB — diferentemente das projetadas pelos outros escritórios —, a quadra poliesportiva
12 é implantada no centro do edifício, num vazio com altura de dois pés-direitos e meio, caracterizado como um centro de convergência para o qual se volta toda a circulação do prédio. Espaço festivo e agregador, levemente rebaixado em relação à cota do acesso principal, que lembra em certa medida o Salão Caramelo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Se a continuidade espacial da Garagem Trianon carrega traços inequívocos dessa filiação do escritório à linhagem da chamada “Escola Paulista”, o vazio integrador da Escola de Campinas o reforça e amplia. Pois, assim como na Escola Estadual de São José dos Campos (1961),4 de Paulo Mendes da Rocha, as galerias de circulação elevadas podem se transformar em algo equivalente a arquibancadas ou coros (de igreja ou auditório), assumindo um caráter teatral que anima o edifício de forma surpreendente — porém numa escala espacial mais generosa que a do edifício do mestre. Também na Residência no City Boaçava (2004), o projeto se articula em torno a um vazio central que unifica e organiza o volume, evitando segmentações indesejadas. No desenho dessa casa unifamiliar, a disposição das linhas estruturais e das áreas molhadas e técnicas junto às empenas laterais permitiu configurar o miolo das plantas como uma área de arranjo flexível ao redor desse generoso vazio integrador, conectado a um pátio aberto. Mais uma vez, continuidade espacial e transparência visual, temperada por superfícies opacas e translúcidas, constroem um passeio arquitetônico rico de surpresas, dotado, também aqui, de um desejado caráter cênico, na interconexão vertical entre os espaços de circulação e de estar. Engana-se quem pretende atribuir à economia formal da produção arquitetônica de muitos dos escritórios paulistanos a pecha de minimalista. Algo que fica particularmente claro, ao que me parece, em pelo menos mais dois casos da produção residencial do MMBB: as Residências na Aldeia da Serra (2001) e na Vila Romana (2005). Casas nas quais o voluntário reducionismo de meios é tensionado por uma expressividade estrutural, que diminui a quantidade de apoios e expande horizontalmente os vãos e balanços, buscando formas renovadas de leveza e integração espacial que reforçam o peso dos materiais e a força da gravidade.
2. Em 2003, convidado pela Universidade de Coimbra, em Portugal, a participar de um Seminário de Desenho Urbano, o MMBB propôs a construção de um Terminal Intermodal em forma de ponte sobre o rio Mondego. Edificação que articula todo o sistema de fluxos urbanos (metrô de superfície, ônibus, travessias viárias e peatonal do rio), impulsionando, pela sua localização, o desenvolvimento de uma nova área da cidade: a margem oeste do Mondego, em frente ao núcleo histórico. Tomando como premissa a análise da morfologia urbana, os arquitetos criaram a própria demanda ao propor como “terreno” para a estação uma ponte sobre o rio, articulando os dois lados da cidade. Assim, o que poderia ser apenas um terminal de transbordo, no limite norte de Coimbra, tornou-se um equipamento de integração urbana, e um portal que revela escalas e espacialidades imprevistas. Se a proposta para Coimbra coroa um percurso de quase uma década realizando projetos de transportes nos quais o artefato técnico é pensado como espaço público, a questão da escala urbana permite um salto na reflexão, que adensa os projetos do escritório nos anos seguintes. No mesmo ano, o MMBB integra a equipe de Paulo Mendes da Rocha para a criação do plano urbano para a candidatura aos Jogos Olímpicos de São Paulo 2012 (2003). Projeto que, contrapondo-se à tendência de se construir vilas olímpicas apartadas das cidades, afirma os eixos dos rios Tietê e Pinheiros como os lugares de implantação dos equipamentos, ressaltando a urbanidade do evento esportivo e da ação estratégica, combinada entre os poderes público e privado. Surgem daí, me parece, as premissas para o raciocínio contido na proposta do escritório para o concurso Bairro Novo (2004),5 na região da Água Branca, em São Paulo. Ação projetual que se concentra no desenho legível da infraestrutura pública (arruamentos, logradouros, canais, pontes, passarelas, estações de tratamento de água etc.), recusando determinar modelos rígidos para a porção de cidade destinada à ocupação privada, isto é, ao mercado imobiliário. Postura que pode ser definida como um realismo estratégico, distante tanto do revivalismo nostálgico de modelos historicistas, por um lado, quanto da ordenação universal e abstrata do urbanismo moderno,
13 por outro. Postura mais “operativa” que “linguística”,6 que contrasta com as posições mais correntes do urbanismo no Brasil e se afina, num plano mais alargado, à aceitação, por Rem Koolhaas, da impossibilidade de se exercer uma determinação absoluta sobre o desenho da cidade. Refiro-me, por exemplo, ao seu projeto para a cidade de Melun-Sénart (1987), na França, cujo partido é definido por uma “sistemática de eliminações”, isto é, pela importância dada à “construção” razoavelmente arbitrária de espaços vazios articulados às áreas públicas e vias estruturais de circulação.7 Igualmente, ao se postular como meros arranjos programáticos, ou disposições espaciais, em vez de procurar configurar uma forma urbana determinada, o projeto para o Bairro Novo manifesta uma visão sistêmica do urbanismo que procura, através do desenho da infraestrutura — uma praça de água de perímetro quadrado, aflorada do lençol freático —, amparar a indeterminação, na expressão de Paulo Mendes da Rocha, criando suportes para a “imprevisibilidade da vida”.8 Torna-se claro, a partir desse momento, que todo o apuro de projeto desenvolvido pelo escritório até então vai se ampliando na direção da grande escala, por meio de um raciocínio sistêmico. Ou melhor: focando a relação entre infraestrutura e paisagem, e procurando integrar formas de pensamento e fontes de recursos normalmente segmentados, o MMBB desenvolve reflexões potentes acerca das complexidades das cidades contemporâneas, ganhando amplo destaque profissional, acadêmico e político. O que se torna claro com a premiação na 3ª Bienal de Roterdã em 2007, com o projeto Vazios de Água, e com a subsequente escolha de Fernando de Mello Franco para ser o secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo na gestão Fernando Haddad (2013-16). Voltando ao projeto para o Bairro Novo, o gesto contido na definição daquela praça de água procura dar forma legível às ações públicas, daí a sua geometria nítida, que, no entanto, ao recorrer à neutralidade do quadrado, recusa dar preponderância à discussão formal. Nesse momento, no imaginário poético do escritório, a esfera coletiva do convívio na cidade se identifica às águas, por meio da percepção da praia como o grande paradigma do espaço público
democrático no Brasil, ligado à recreação e ao prazer. Algo que já estava presente, e eloquentemente afirmado, no projeto para o Sesc 24 de Maio, em que toda uma nova estrutura é construída no vazio do edifício existente para elevar uma grande piscina, com suas praias correspondentes, na cobertura do prédio, em pleno centro histórico de São Paulo, denso e verticalizado. E, no Bairro Novo, a máquina de drenagem urbana se torna paisagem e espaço público. Sabemos que o elogio da navegação fluvial é um dos eixos fundamentais do pensamento de Paulo Mendes da Rocha, e ocupa papel fundamental em seus projetos urbanos desde, pelo menos, a Cidade do Tietê (1981), remontando a um antigo projeto da engenharia brasileira de realizar a interligação das bacias hidrográficas dos rios Amazonas, São Francisco e Paraná-Prata. Tal reflexão teve enorme impacto sobre arquitetos de uma geração mais nova. É o caso, por exemplo, de Alexandre Delijaicov, que trabalhou por dez anos no seu escritório e defendeu uma dissertação de mestrado na FAU-USP, em 1998, intitulada Tietê, os rios e o desenho da cidade. Depois, já como docente na faculdade, fundou o Grupo Metrópole Fluvial, realizando o ambicioso projeto do Hidroanel Metropolitano (2011), tema do seu doutorado. Em suas teses de doutoramento defendidas na FAU-USP em 2005 e 2006, Fernando de Mello Franco e Milton Braga vinham também estudando a estruturação da metrópole pela conformação técnica das várzeas e planícies fluviais assim como a relação entre infraestrutura e projeto urbano.9 Significativamente, embora partam de bases comuns, esses arquitetos da mesma geração definem percursos muito distintos. O Hidroanel, por um lado, inscreve-se na tradição histórica das megaestruturas, segundo a qual a crise do planejamento urbano é enfrentada pelo crescimento da arquitetura. Daí a forma do anel como um circuito legível e fechado, que guarda algum paralelo com a imensa infraestrutura retilínea do Projeto de Cidade Abrangente, de Mike Mitchell e Dave Boutwell, ou do Monumento Contínuo do Superstudio, ambos de 1969. Por outro lado, os projetos urbanos do MMBB buscam uma articulação de diversos atores em rede, através da qual o desenho arquitetônico quase desaparece em prol dos agenciamentos
14 estruturantes que disparam. É o que acontece no caso do Bairro Novo e do projeto Vazios de Água, já citados, assim como no Projeto urbano córrego do Antonico (2009), na Favela de Paraisópolis. Aqui é necessário entender outros elos importantes na formação dos arquitetos do escritório. Em primeiro lugar, a noção de forma mobilizada em seus projetos de maior escala, ao que me parece, remete-se essencialmente a uma concepção de “campo”, e não de objeto, pois opera elementos infraestruturais interligados em redes flexíveis. Nesses casos, como observa Stan Allen, a “forma importa, mas não tanto as formas das coisas, e sim as formas entre as coisas”.10 Essa aproximação aos arranjos complexos, às vezes amorfos e de difícil visualização, dialoga, no percurso do MMBB, com as ideias de Gilles Deleuze e de Nelson Brissac, e com as importantes experiências que eles tiveram em projetos de arte urbana, como o próprio Arte/Cidade — do qual participaram em 1997, na terceira edição do projeto — e a Bienal 50 Anos, para a qual realizaram a intervenção Outrem (2001), demarcando com luz o desenho da ferrovia em São Paulo. Caracterizando as metrópoles contemporâneas como organismos turbulentos e entrópicos, atravessados por dinâmicas caóticas e instáveis, Brissac propõe que os vastos espaços residuais de seus tecidos urbanos sejam “ativados por inovação programática” e ocupados “mais por acontecimentos do que por formas”.11 O que, no caso dos projetos urbanos do MMBB, aparece traduzido, por exemplo, no conjunto de parques lineares associados a piscinões e a uma rede capilar de estações de tratamento de esgoto; ou, também, na abertura de uma faixa vazia ao redor do córrego do Antonico, numa área densamente ocupada, cuja forma irregular é o resultado de uma costura em tecido urbano existente, revelando uma superfície de água que se mostra como uma espécie de pulmão vivo, que enche e seca de acordo com um regime variável. Princípios de integração transdisciplinar, articulando poder público e economia informal num projeto sistêmico, que são a base também do projeto Ligue os Pontos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (SMDU-SP), com coordenação de Mello Franco, realizado em 2016 no marco da 7ª Bienal de Arquitetura de Roterdã (The next economy)12 e vencedor do prêmio Mayors Challenge 2016, oferecido pela
Bloomberg Philanthropies para projetos de Inovação Pública com foco na América Latina e no Caribe. Assim, uma das maiores contribuições dos projetos do MMBB é a defesa de um raciocínio integrado entre as várias especialidades de conhecimento, que normalmente aparecem separadas, seja como formas distintas de ciências, seja como organização burocrática dentro de cada governo, com secretarias normalmente dotadas de verbas e ideias estanques e incomunicáveis. Está aí, por exemplo, uma das grandes virtudes do projeto para o Conjunto habitacional do Jardim Edite (2008), que, articulando três torres e duas lâminas ao longo de duas quadras contíguas, constrói embasamentos unificadores do conjunto, abrigando equipamentos mistos como creches, Unidades Básicas de Saúde e um restaurante-escola. Iniciativa que opera uma incomum integração de áreas distintas da administração municipal em nome da riqueza e diversidade da cidade, demonstrando o sucesso da desfragmentação dos investimentos setoriais na gestão pública. 3. Com um pouco mais de trinta anos de atividade profissional, o MMBB continua produzindo uma arquitetura que prima pela elegância, rigor e discrição, tal como observamos em suas obras iniciais. Um claro exemplo disso é o tratamento austero e dinâmico dado às fachadas dos edifícios-torre no Conjunto Jardim Edite, onde a dominância horizontal dos rasgos nas faces com salas e quartos se contrapõe aos recortes verticais e defasados nas elevações das galerias de circulação, em rigorosas combinações cromáticas entre branco e cinza. Diante disso pode parecer surpreendente a solução sinestésica dada ao Pavilhão do Brasil na Expo 2020 Dubai (2019), projeto vencedor de um concurso público, em parceria com Ben-Avid e JPG.ARQ. Um cubo de tecido tensionado, que recebe projeções de grande escala, e constrói atmosferas variáveis. Algo que, na verdade, só revela a liberdade da equipe de arquitetos brasileiros — grupo do qual faço parte13 —, que não se furtou a ampliar seu léxico de soluções projetuais para enfrentar um programa tão passível de simbolização. Assim, relendo Las Vegas (ou o papel da iconografia na arquitetura) após a emergência
15 de construções vaporosas como o Blur Building (2002), a equipe integrada pelo MMBB propõe a criação de um ambiente imersivo, misterioso e fortemente empático, em torno a grandes superfícies rasas de água que o público deve adentrar, e que retomam e expandem o tema da praia como o espaço público paradigmático no Brasil, transportando-o simbolicamente para o deserto da península Arábica. Num momento tão violento da história política, social e ambiental do país, o pavilhão pretende recuperar a força das florestas, dos rios e das culturas indígenas e ribeirinhas — sempre situadas à margem da história14 — para afirmar o desejado papel do país na construção de um futuro sustentável para o planeta. Pertencentes a uma geração que começou a atuar depois que os sonhos já tinham acabado — tanto os do heroísmo moderno quanto os do utopismo contracultural15 —, Marta Moreira, Fernando de Mello Franco e Milton Braga procuram transcender o horizonte extremamente restrito de atuação do arquiteto no mundo contemporâneo. Entre a simbolização crítica de seus projetos mais próximos à arte, de um lado, e a procura de adequação entre escalas muito distintas segundo um prisma sistêmico, de outro, eles trilham um caminho consistente. Na convergência entre essas duas perspectivas, reforça-se uma crença no projeto como meio virtuoso de reação às forças que insistem em manter o mundo mais desigual e violento. Crença semelhante à de Giulio Carlo Argan, quando afirma que projetamos sempre contra alguém ou alguma coisa. Isto é: contra a especulação imobiliária, a exploração do homem pelo homem, a mecanização da existência, ou a inércia do hábito. Contra, enfim, “a resignação ao imprevisível, ao acaso, à desordem, aos golpes cegos dos acontecimentos, ao destino”.16
Guilherme Wisnik é crítico, curador e professor associado na FAU-USP. Foi curador geral da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo. É autor de Dentro do nevoeiro (Ubu, 2018). 1
2
Ver Renato Anelli, “A urbanidade do subsolo. Projeto de arquitetura da Garagem Trianon, do escritório MMBB. São Paulo, 1996-99”, Arquitextos, em Vitruvius, jun. 2005. Disponível em: www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/06.061/451. Acesso em: 28 fev. 2021. Ver “Casa da Arquitectura entrevista Marta Moreira do MMBB”, no site do Archdaily Brasil. Disponível em: www.archdaily.com.br/br/938790/casa-da-arquitectura-
entrevista-marta-moreira-do-mmbb-arquitetos. Acesso em: 28 fev. 2021. 3 Ver Avany de Francisco Ferreira e Mirela Geiger Mello (org.), Arquitetura escolar paulista – anos 1950 e 1960. São Paulo: FDE, 2006. 4 Escola Estadual Professora Suely Antunes de Mello (1961), em São José dos Campos. Obra construída pelo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp) durante o “Plano de Ação” do governo Carvalho Pinto (1958-62). 5 Em associação com Camila Toledo Fabrini, Guilherme Wisnik, Martin Corullon e Roberto Klein. 6 Ver Alejandro Zaera, “Notas para un levantamiento topográfico”, em El Croquis 53+79: OMA, 1987-1998. Madrid: 1998, p. 37. 7 “Cada vez mais nosso interesse principal tem sido menos o de fazer arquitetura, mas o de manipular os planos urbanos para criar um máximo de efeito programático.” Rem Koolhaas, “Para além do delírio”, em Kate Nesbitt (org.), Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 367. 8 “A arquitetura constrói espaços para amparar a imprevisibilidade da vida, não para determinar comportamentos. A cidade é o lugar da liberdade. Você não pode constranger as pessoas no espaço público. Caso contrário, elas desenvolvem a consciência de espaço no espaço imaginado dentro delas, num individualismo atroz.” Paulo Mendes da Rocha, “O botequim é que é o centro cultural” [2007], em Guilherme Wisnik (org.), Encontros: Paulo Mendes da Rocha. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012, p. 242. 9 Ver Fernando de Mello Franco, A construção do caminho: a estruturação da metrópole pela conformação técnica das várzeas e planícies fluviais da Bacia de São Paulo (Tese de Doutorado). São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2005. E Milton Liebentritt de Almeida Braga, Infraestrutura e projeto urbano (Tese de Doutorado). São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2006. 10 Stan Allen, “Condições de campo” [1999], em A. Krista Sykes (org.), O campo ampliado da arquitetura: antologia teórica 1993-2009. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 93. 11 Nelson Brissac Peixoto, Paisagens urbanas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003, pp. 419-20. 12 Ver Fernando de Mello Franco, “Connect the dots”, em George Brugmans, Jolanda van Dinteren e Maarten Hajer (eds.), The next economy. Roterdã: International Architectuur Biennale Rotterdam, 2016, pp. 124-31. Consistiu em um programa intersecretarial de incentivo à agricultura orgânica familiar nas bordas da cidade de São Paulo, promovendo a contenção da urbanização dessas áreas – muitas delas de proteção a mananciais – e, portanto, a preservação ambiental. Para tanto, envolveu o estímulo à produção, a facilitação dos sistemas de armazenagem e transporte das mercadorias, a conexão com possíveis compradores, como feiras de orgânicos, e a ampla aquisição desses alimentos, pela prefeitura, para uso nas merendas escolares do município. E, além da política direta de incentivo e compra, o projeto incluiu a criação de uma plataforma digital que favorecia o encontro dos participantes dessa cadeia produtiva e de valor, ligada à sustentabilidade e à conexão entre as escalas local e metropolitana. 13 Eu e Alexandre Benoit integramos a equipe como responsáveis pelos projetos curatorial e expositivo. 14 Referência a À margem da história, livro póstumo de Euclides da Cunha, publicado em 1909, sobre a natureza e a população amazônicas. 15 “O sonho acabou/ Quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou”, dizem os versos de Gilberto Gil, em 1971, glosando o “The dream is over” de John Lennon em “God” (1970). 16 Giulio Carlo Argan, “Projeto e destino” [1964], em Projeto e destino. São Paulo: Ática, 2001, p. 53.
A VIDA NAS ESTRUTURAS ROBERTO ANDRÉS
Cidades são otimizadoras de recursos. O Foi o urbanismo moderno que buscou agrupamento de populações humanas permite separar essas instâncias. A partir da proposta o compartilhamento de bens — naturais, abstrata de segregar a vida em funções sociais, tecnológicos — que dificilmente seriam — trabalhar, habitar, circular, e desfrutar o alcançados em contextos de pulverização lazer —, começou-se a tratar cidades como territorial. Aos sistemas que organizam o máquinas. Peças de máquinas têm funções fluxo desses recursos damos o nome de específicas, servem para somente uma coisa. infraestruturas. São elas que possibilitam que Na concepção modernista, as ruas deixavam uma comunidade de vizinhos se beneficie da de ser territórios abertos para encontros proximidade para ter acesso a itens como água, e passavam a abrigar apenas a circulação saneamento, circulação de produtos, energia, motorizada. Entre as ruas e os edifícios gás encanado, internet. estariam os planos verdes, vazios sem função Talvez não tenha havido local nem tempo definida que serviriam para isolar as atividades em que aglomerações humanas existiram sem — e também funcionavam como pedestais para infraestruturas coletivas. Muralhas ofereciam os edifícios, que passavam a ser desenhados aos burgos medievais proteção contra para ser figura, e não fundo, das cidades. invasores; aquedutos garantiam o fornecimento Ainda que os modernistas tenham buscado de água nos povoamentos romanos; ruas enquadrar a vida cotidiana em suas receitas possibilitaram o transporte de pessoas, de bolo e tenham apostado em um modo de materiais e alimentos ao longo da história. O mobilidade — o automóvel — destruidor do compartilhamento reduz o custo individual de ambiente urbano, é possível ver beleza no acesso aos bens. Seria bastante oneroso, ou desenho das infraestruturas que buscaram mesmo inviável, se cada indivíduo ou núcleo construir. Ou, para usar um jargão do meio, é familiar tivesse de produzir sua própria muralha, possível ver intenção em seus gestos quando seu aqueduto particular, sua estrada ou rede criaram largas avenidas retilíneas, torres de subterrânea de fibra ótica. transmissão e caixas-d’água monumentais em Diferentes culturas fizeram das infraestruturas concreto e aço. Em uma cidade como Brasília, muito mais do que sistemas de provisão. é possível dizer que as infraestruturas foram Muralhas protegiam os habitantes locais dos destacadas da vida cotidiana, mas não de um de fora, e também produziam a experiência de projeto de paisagem urbana. viver dentro. Aquedutos foram elementos A segunda separação viria em seguida. No marcantes de paisagens urbanas. Ruas Brasil, e em tantos outros lugares, os sistemas promoveram — e seguem a promover, em infraestruturais passaram a ser cada vez muitos lugares — o convívio com vizinhos. mais vistos somente como assuntos técnicos. Fontes e chafarizes foram estruturados em Saíram da prancheta de arquitetos e ficaram torno de praças e largos, indo além da função restritos às calculadoras de engenheiros, de distribuição de água. Na história das interessados nos custos e no funcionamento cidades, os sistemas infraestruturais sempre de seus artefatos, e quase nada em outros foram estabelecidos em relação com a vida aspectos. A engenharia, que já havia sido cotidiana e a paisagem. conectada a certas ideias de harmonia e beleza
17 ao longo do século XIX, foi se tornando cada vez mais alienada das questões estéticas e sociais. Suas “obras de arte” passaram a ter cada vez menos arte. Assim as infraestruturas se descolaram do pensamento de paisagem e cotidiano das cidades. O fenômeno se deu junto ao grande crescimento urbano ocorrido ao longo do século XX no mundo todo. A busca por se prover grandes infraestruturas que dessem conta da escala das novas e crescentes metrópoles foi feita, em muitos lugares, em detrimento do tratamento no local em que eram implantadas. Importante vertente desse movimento foi a adaptação das estruturas viárias para o espraiamento das zonas urbanas e a proliferação de automóveis, a partir da construção de avenidas, vias expressas, túneis e viadutos. Processo levado ao limite na urbanística dos Estados Unidos, onde, para garantir o acesso motorizado aos subúrbios, degradava-se a vida nos bairros que eram atravessados pelas infraestruturas rodoviárias. O modelo norte-americano de crescimento das cidades foi adotado na parte sul do continente de modo parcial. Incorporamos desse modelo o rodoviarismo e as grandes obras de engenharia, mas não a ordenação do território e a garantia de uma urbanidade mínima ao longo dele. Entre 1940 e 1980, a população urbana no Brasil saltou de 13 para 82 milhões de pessoas. São poucos os países no mundo que tiveram taxa de urbanização dessa monta. Com grande concentração em algumas capitais, esse crescimento se deu com participação seletiva (para não dizer negligente) do Estado nos bairros pobres. No país que foi o último das Américas a abolir a escravidão, e onde a desigualdade social é ainda hoje uma das maiores do mundo, a formação de parte relevante dos bairros populares foi feita na base da ocupação “informal” de áreas periféricas. Bairros carentes de infraestrutura urbana mais básica, como calçamento, saneamento, água encanada, arborização, espaços e serviços públicos, em que coube aos moradores lutar ao longo de décadas para garantir itens que as regiões das elites sempre tiveram. Embora tenha havido planos e políticas que buscaram reverter essa situação em diferentes momentos da nossa história, é possível dizer que eles nunca chegaram a arranhar o problema.
Com o golpe que instalou uma ditadura civil-militar a partir de 1964, a coisa piorou um pouco mais. Sem resolver o problema das maiorias, o Estado brasileiro passou a dar ênfase na construção de grandes obras, ignorando recorrentemente seus impactos sociais na paisagem urbana ou natural. A utopia vanguardista de Brasília se esvaía, e restava somente a parte brutal das grandes intervenções. Viadutos e avenidas atravessaram e degradaram centros urbanos; hidrelétricas aniquilaram belezas naturais e ecossistemas fluviais; conjuntos habitacionais monotemáticos nas periferias distantes produziram casas sem urbanidade para seus moradores. O período consolidou no país uma cultura engenheirística arraigada, que produziu uma enorme quantidade de obras desprovidas de qualidades espaciais, estéticas, urbanísticas e ambientais. Autarquias municipais, responsáveis por projetar e contratar essas obras, foram criadas naquele momento e até hoje operam nas prefeituras de grandes capitais. Aquele foi também um período de grande crescimento de empresas de construção — a partir de contratos mais ou menos republicanos com os poderes públicos —, que passaram a ter cada vez mais poder político e influência eleitoral. A demanda por mais obras foi sendo alimentada por uma dinâmica em que a qualidade da inserção urbana passou a ser a última das preocupações. Tudo isso resultou em uma crise crônica das cidades brasileiras, que chegaram ao final do regime militar em situação de extrema agonia. A carência de políticas públicas de moradia e desenvolvimento urbano nos legou extensas periferias precárias, onde residia a maior parte das pessoas. A ênfase rodoviária abarrotou as cidades de automóveis e seus impactos, como poluição do ar, poluição sonora e acidentes. As obras de infraestrutura produziram, em cidades do norte ao sul, a degradação dos contextos urbanos em que foram inseridas. Metrópoles desiguais, violentas, poluídas e cinzentas foram o resultado desse combo explosivo. As gerações de arquitetos e urbanistas que se formaram a partir da redemocratização assumiram papéis distintos no enfrentamento desse estado de coisas. Uma primeira geração, muito atuante no combate à ditadura militar e no processo de restabelecimento da democracia no Brasil, escolheu as armas da política e do planejamento para buscar transformar as cidades. Foram capazes de
18 produzir, a partir da articulação de movimentos e entidades sociais, o impulso necessário para que a legislação urbanística avançasse no país, tendo como resultado marcos regulatórios e leis. O Estatuto das Cidades, resultante da inserção de dois capítulos sobre a Reforma Urbana na Constituição de 1988, é a mais icônica dessas conquistas. A geração seguinte foi marcada, especialmente em São Paulo, por urbanistas que buscaram intervir nos rumos das cidades a partir do projeto urbano e da arquitetura de infraestruturas. O escritório MMBB é um dos maiores expoentes dessa vertente. Criado no ano de 1990 por Marta Moreira, Milton Braga, Fernando de Mello Franco e Vinicius Gorgati, o escritório ganhou o nome atual após a saída deste último e o ingresso de Angelo Bucci, em 1996 (Mello, Moreira, Braga, Bucci). Em uma megalópole como São Paulo, aqueles jovens arquitetos e urbanistas se propuseram a atuar não somente, mas com bastante ênfase, em projetos de infraestrutura urbana. É possível enxergar essa escolha como um esforço por reconectar as relações entre infraestruturas, vida cotidiana e paisagem, que foram apartadas pelo processo que acabo de descrever. Ao se proporem trabalhar em projetos de grandes terminais de transporte coletivo e sistemas de drenagem, os urbanistas voltaram a ocupar espaços que andavam entregues a engenheiros. Ao projetar infraestruturas buscando balancear as diversas demandas envolvidas, trataram de retomar a atenção com a urbanidade no contexto local e a qualidade arquitetônica das obras. A aposta de fundo é que mesmo grandes equipamentos de articulação metropolitana podem promover boas relações com a vida cotidiana e a paisagem urbana locais. Os bons escritórios de arquitetura e urbanismo geralmente se alimentam de uma relação de troca com a academia. Não foi diferente com o MMBB, em que os sócios se utilizaram da experiência em sala de aula, ou em pesquisas de pós-graduação, para aprofundar e desenvolver questões com as quais lidavam na prática. Aliás, parte relevante da análise aqui apresentada bebe de reflexões construídas por eles, seja na produção teórica, seja em artigos ou nas entrevistas que fizemos para este texto. Em sua tese de doutorado, Milton Braga já tratava do “divórcio proposto pela urbanística
moderna entre infraestrutura e espaço público”, ao passo que Fernando de Mello Franco, em sua tese sobre o papel das várzeas na estruturação do território urbano de São Paulo, criticava “o papel das infraestruturas enquanto estruturador na macroescala e desestruturador na esfera local”. Foi a possibilidade de atuar junto a uma empresa de engenharia consultiva — com experiência em grandes projetos de engenharia e arquitetura, envolvendo diversas disciplinas — que deu ao escritório a chance de, já no início de sua trajetória, projetar e executar projetos relevantes de infraestrutura urbana. Para alguns desses projetos, os jovens profissionais convidaram para se somar a eles colegas mais experientes, como Eduardo de Almeida e Paulo Mendes da Rocha. Esses trabalhos foram desenvolvidos em grandes equipes multidisciplinares, tendo a interlocução com o poder público e os diversos atores envolvidos no processo como desafio. A arquitetura e o urbanismo não são profissões que possam ser exercidas de forma isolada de concepções de mundo. Há diversas camadas de impactos que resultam de um projeto de equipamento público ou desenho urbano. As relações entre poder público contratante e escritórios contratados são muitas vezes atravessadas por conflitos ligados às diferenças de concepções entre os atores e por interesses econômicos ou políticos. Em um contexto de divergência, caberia aos profissionais seguir as diretrizes apontadas pelo contratante ou buscar convencê-lo de soluções alternativas, que em suas visões atenderiam melhor à situação? A questão não seria tão relevante se fosse somente técnica, se a solução de um determinado problema urbano não gerasse impactos políticos, econômicos e espaciais diferentes para grupos variados. Com o perdão do peso destas palavras, há luta de classes no desenho das cidades. Não há neutralidade em projetos, por exemplo, de um terminal, uma avenida ou um sistema de drenagem: a maneira como são concebidos pode aumentar o valor de certas áreas, degradar outras, beneficiar grupos econômicos, melhorar ou piorar a vida dos usuários, impactar vizinhos etc. Esse debate apareceu na primeira entrevista que realizei com Fernando, Marta e Milton, em uma manhã de terça-feira, durante a
19 quarentena provocada pela pandemia de Covid-19. Falávamos dos projetos de terminais de ônibus que o escritório desenvolveu nos anos 1990 em São Paulo, quando meus interlocutores contaram da disputa sobre a forma da disposição das vagas para embarque e desembarque em ônibus nos terminais. Naquele projeto, trabalhavam juntos com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que trouxe a proposta de que as vagas fossem dispostas em ângulo de 45 graus com a plataforma de embarque. Os contratantes, entretanto, preferiam as vagas longitudinais, em paralelo à plataforma. Embora essa pareça uma questão banal, a disputa aponta para conflitos entre interesses de distintos grupos. As vagas a 45 graus poderiam resultar em terminais mais compactos, com distâncias menores a serem percorridas pelos passageiros e com espaços de espera que poderiam se constituir como lugares de usos múltiplos. No entanto, demandaria redução de velocidade de entrada e saída dos ônibus e esforço de coordenação das manobras. As vagas em paralelo resultariam em terminais compridos, produzindo longas distâncias de caminhada para os passageiros, mas, de outro lado, simplificariam os processos de entrada e saída dos ônibus. Embora os projetistas tenham advogado insistentemente pelas vagas a 45 graus, não é preciso muito poder de adivinhação para imaginar que a visão da engenharia de tráfego (e das empresas de ônibus) tenha prevalecido naquelas disputas. Assim como na política, a vida daqueles que buscam intervir nas cidades pelas vias do projeto é repleta de vitórias e de derrotas. Mas há muitas maneiras de se enxergar vitórias e derrotas quando se participa da esfera pública. Um dos projetos que deu grande reconhecimento às ideias do escritório não foi sequer considerado para ser implementado pelo poder público. Trata-se do Vazios de Água, uma proposta de intervenção nos piscinões de contenção das cheias em São Paulo, premiada na Bienal de Arquitetura de Roterdã de 2007, na Holanda. Um projeto que endereça de maneira simbólica e contundente importantes cisões e carências que caracterizam as metrópoles do país. O crescimento urbano brasileiro ao longo do século XX se deu por um processo que podemos sumarizar como uma dupla exclusão: de um lado, a exclusão dos
pobres, que tiveram que se virar para produzir seus bairros precários, suas casas autoconstruídas; de outro, a exclusão da natureza, instrumentalizada ou sumariamente ignorada, processo principalmente simbolizado pelo tamponamento de córregos e rios para pistas de automóveis. Se a primeira exclusão resultou em uma catástrofe social aguda, a segunda produziu tragédias recorrentes, como as enchentes e inundações que acometem as cidades de tempos em tempos. Vazios de Água busca endereçar essas duas exclusões, revertendo-as em alguns de seus aspectos. A proposta consiste em converter os chamados piscinões — estruturas de drenagem construídas pela prefeitura de São Paulo para conter as águas em momentos de cheia — em espaços flexíveis, disponíveis tanto para a drenagem quanto para o convívio e lazer. A maior parte dos piscinões que a prefeitura estava executando se situava em bairros pobres, em áreas lindeiras a córregos e ribeirões. No entanto, essas infraestruturas que serviriam para reduzir enchentes em pontos ao longo da bacia acabavam por produzir degradação nos locais onde eram instaladas: geravam espaços inóspitos, que acumulavam lixo e eram focos de doenças e pragas urbanas. É difícil imaginar a prefeitura de São Paulo construindo uma bacia de contenção com grandes muros de concreto, em que as águas de drenagem se misturam ao esgoto, no meio do Itaim Bibi ou do Alto de Pinheiros. A falta de urbanidade dos piscinões possivelmente não seria aceita se eles fossem instalados a céu aberto em áreas ricas. O Vazios de Água é, nesse sentido, uma proposta de justiça social e urbana: todas as pessoas, independentemente do poder econômico e da região onde moram, deveriam ter direito a conviver com espaços de boa qualidade ambiental, que se inserissem de maneira positiva na vida de seus bairros. Ao propor um tratamento das águas em que elas voltariam a ser articuladoras de espaços de convívio e lazer, o projeto do MMBB propõe também a reconciliação com a natureza. A exclusão dos elementos naturais da urbanidade produz um círculo vicioso, que torna cada vez mais difícil o cuidado e a preservação deles. Um passo importante para termos uma boa gestão de um recurso fundamental para a vida, como a água, é reinseri-la nas dinâmicas de bem-estar e lazer. Ao enfrentar a dupla exclusão — incluindo
20 a população pobre no direito ao lazer urbano e a natureza em seu papel na vida cotidiana —, os “vazios de água” seriam como “a terceira margem do rio”, na feliz referência feita pelos autores ao conto de Guimarães Rosa. O projeto não foi acolhido pelo Governo do Estado, mesmo depois de sua premiação em um importante evento internacional. Os piscinões continuaram sendo feitos em grandes estruturas alienadas do contexto local. Hoje, os sócios do MMBB têm dúvida se consideram os piscinões a melhor alternativa para contenção das enchentes. Acreditam que distribuir a função de drenagem ao longo do território, combinando ações de macro e microdrenagem, utilizando jardins drenantes, vegetação e piso permeável nos lotes e espaços públicos, pode resultar em um sistema mais eficiente e integrado à dinâmica urbana. Ainda assim, a ideia de fundo do Vazios de Água, de converter infraestruturas urbanas em elementos de lazer e contato com a natureza, segue atual e urgente. Quando tratamos de uma longa trajetória profissional, é comum que ideias contidas em alguns projetos sejam desenvolvidas em outros contextos, em momentos distintos. No caso do MMBB, o Vazios de Água parece levar adiante um raciocínio elaborado no projeto do Bairro Novo, uma proposta feita pelo escritório em associação com Camila Toledo Fabrini, Guilherme Wisnik, Martin Corullon e Roberto Klein, para um concurso de projetos realizado pela Prefeitura de São Paulo junto ao IAB-SP no ano de 2004. A proposta do grupo, para uma área de 1 milhão e 100 mil metros quadrados no meio da metrópole paulistana, utilizava águas perenes do lençol freático, que afloram no território com boa qualidade, para criar um canal retangular em torno das quadras centrais do bairro, denominado por eles “praça de água”. Como registrado no memorial do projeto: Para que os espaços públicos, os quais se desejavam mais emblemáticos, fossem atraentes, os lugares de recreação e encontro mais intenso buscaram a proximidade com a água, como um modo de reinventar usos mais generosos da cidade, remetendo-se a um espaço de lazer mais do que consagrado no imaginário brasileiro: a praia. A ideia da praia como elemento simbólico de congregação coletiva seria retomada em um
projeto posterior, o do córrego do Antonico. Inserido em um programa de urbanização de favelas da Prefeitura de São Paulo, o projeto buscava requalificar o córrego que atravessa uma das mais conhecidas favelas da cidade: Paraisópolis. O bairro surgiu a partir da ocupação, na década de 1950, de um loteamento fracassado; e ganhou notoriedade pela famosa fotografia feita por Tuca Vieira, em que muros de um condomínio dividem, de um lado, apartamentos de luxo e piscinas em varandas, e, de outro, casas sem reboco, ruas estreitas, telhados de amianto. No final de 2019, Paraisópolis foi notícia quando policiais se insurgiram contra um baile funk e mataram nove jovens, de 14 a 23 anos. O córrego do Antonico atravessa esse território que, como tantos outros nas metrópoles brasileiras, é marcado por desigualdade, violência e carência de infraestrutura. O córrego teve quase todas as suas áreas invadidas pelas moradias e recebe o esgoto produzido nelas. O projeto de recuperação, a ser feito junto às obras de saneamento que retirarão o esgoto do córrego, busca reinseri-lo como elemento de lazer e construção da identidade simbólica do local. A partir da proposta de destacar as águas do córrego, separando os fluxos “de base” (oriundos das nascentes) daqueles oriundos da drenagem urbana, busca-se retomar a possibilidade de um contato direto com águas de boa qualidade. No canal superior ficaria a água limpa, das nascentes e da parte da bacia correspondente à urbanização formal da vizinhança, onde a poluição das águas é controlada; em uma galeria subterrânea circulariam as águas da chuva que escoam pela drenagem urbana das áreas onde esse controle ainda é difícil. No documento de apresentação da proposta os urbanistas inseriram uma fotografia de um galão verde, de cerca de um metro de altura, em que quatro crianças se espremem para poder se banhar. Em nossa conversa, Marta Moreira lembrou dessa imagem como uma síntese do projeto, que marca a relevância e a atratividade de algo tão simples quanto o lazer aquático para a vida das pessoas. Se o projeto for executado e o córrego do Antonico for restaurado, ocorrerá uma pequena redução da extrema desigualdade captada pela fotografia de Tuca Vieira: o direito ao lazer aquático não estará somente nas piscinas privativas das varandas
21 do condomínio de luxo do Morumbi, mas também em um equipamento coletivo de lazer que atravessará Paraisópolis. O Estado, em vez de entregar aos jovens tiros inexplicáveis, estará oferecendo a possibilidade de banhos alegres em um dia de calor. O cuidado com a qualidade do lazer aquático mereceu o esforço do grupo em outro projeto: o Sesc 24 de Maio, projetado por Paulo Mendes da Rocha em parceria com o MMBB. Intervindo em um edifício comercial de arquitetura convencional, os arquitetos produziram uma série de situações espaciais singulares, que buscam alargar a ideia de público e as possibilidades de usufruir o centro de São Paulo. Uma delas foi a implantação da piscina para atividades esportivas na cobertura do prédio, o que demandou um grande esforço estrutural. Foi necessário atravessar os onze andares do edifício existente com quatro novos pilares para sustentar o décimo segundo andar, onde foi instalada a piscina — aberta para o céu e com vista panorâmica para a cidade. O projeto busca orquestrar diversas instâncias que acabam por conferir uma grande espacialidade porosa no coração de São Paulo. Entra-se no térreo como se fosse a própria extensão da calçada, e ali se encontra uma espécie de praça de chegada. A circulação vertical por elevadores foi acrescida de novas rampas, que cruzam o edifício de alto a baixo. Elas fornecem experiências de caminhada e visibilidade que vão muito além do simples deslocamento entre andares. Caminhando-se pelas rampas, acaba-se tendo um panorama do que acontece ao longo do prédio, como um “escaneamento” das atividades em realização. O edifício se soma a grandes obras da arquitetura brasileira, como o Sesc Pompeia, de Lina Bo Bardi, o Museu de Arte da Pampulha, de Oscar Niemeyer, e o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), de Vilanova Artigas, em que rampas e passarelas vão muito além da função de circulação, promovendo experiências singulares de convivência e fruição do espaço. O deslocamento, como se vê, é experiência. E a infraestrutura que garante circulação é também capaz de intervir nos locais por onde passa. Esse entendimento nos leva até um projeto de intervenção urbana que parece atravessar muitas das questões abordadas neste texto. Trata-se de Outrem,
uma intervenção urbana realizada para a exposição de comemoração de 50 anos da Fundação Bienal de São Paulo, em 2001. Em vez de produzir algum tipo de intervenção física na cidade, a instalação do MMBB optou por jogar luz sobre aspectos dela que andavam esquecidos ou apagados. Equipando um carro de manutenção ferroviária com potentes projetores de luz, pretendia-se percorrer e iluminar os 270 quilômetros de trilhos da malha operacional na região metropolitana. As fábricas, galpões, residências e espaços que foram atravessados pela malha ferroviária, e para a qual deram as costas, se tornariam protagonistas de uma reflexão sobre a paisagem da cidade e sobre o processo de transição, em curso, da cidade moderna industrial para a cidade contemporânea de serviços. Ao final, por problemas com o patrocinador, que não emprestou os projetores necessários, a ação foi realizada somente em uma linha, entre as estações Lapa e Rio Grande da Serra. Nessa noite em que a luz foi passear de trem, galpões abandonados, prédios, lotes vagos e ruas sem saída ganharam alguns segundos de fama. As bordas vieram à tona. A infraestrutura de transportes, que impacta os territórios por onde passa, tornava-se um ativador da visibilidade deles. Fiquemos, para encerrar este texto, com as palavras de apresentação da proposta pelo MMBB, que jogam luz sobre muitas das questões que se buscou abordar aqui, e que prospectam caminhos necessários de pensamento para se abordar o futuro das cidades: O carro projetor, ao iluminar as passagens da cidade de modo especial, transformou a aparência destas, convertendo-se numa fábrica de imagens, numa máquina de sentidos. E, neste ato de “escanear” a orla ferroviária, procurou revelar o estado de suspensão de um território promissor, potencializado pelo serviço de transporte público de alta capacidade e velocidade, pretendendo sugerir à imaginação um futuro desejável para este conjunto de espaços a serem reconstruídos e reincorporados à vida cotidiana da metrópole.
Roberto Andrés é urbanista e ensaísta. Professor na UFMG, foi cofundador e editor da revista Piseagrama e coorganizou os livros Escavar o futuro (Fundação Clóvis Salgado, 2014) e Urbe urge (Piseagrama, 2018).
Organização Guilherme Wisnik
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação — CIP
Texto crítico Roberto Andrés
Coleção arquitetos da cidade: MMBB.../ Organizado por Guilherme Wisnik. — São Paulo: ECidade, Edições Sesc SP, 2022. 112 p.: il. (Arquitetos da Cidade; v. 3).
Depoimento Paulo Mendes da Rocha Entrevista Guilherme Wisnik Projeto gráfico e diagramação Núcleo de Design Escola da Cidade Fotos Capa: Joana França (Pavilhão do Brasil na Expo 2020 Dubai) Matheus José Maria: p. 2. Nelson Kon: p. 4, p. 33, p. 36 (1 e 2), p. 37 (1 e 2), pp. 38-9, p. 41, pp. 44-5, p. 47 (1 e 2), p. 57, pp. 58-9, p. 60 (2), p. 61, p. 66 (1 e 2), p. 67, pp. 68-9, p. 71, p. 88 (1), p. 91, p. 92 (1). Joana França: pp. 8-9. Milton Braga: p. 27 (1 e 2), pp. 30-1. Guilherme Wisnik: p. 23. José Paulo Gouvêa: p. 28. Martin Benvidez: p. 29. Nico Saieh: p. 49, p. 53, pp. 54-5. Rafael Monteiro: p. 60 (1). MMBB: p. 81 (1 e 2) Ana Mello: p. 85, p. 88 (2), pp. 94-5. Sérgio Souza: pp. 86-7. Michael Wesely: p. 92 (2). Ciro Miguel: pp. 96-7. Desenhos MMBB Preparação Leandro Rodrigues Elba Elisa Oliveira Revisão Elba Elisa Oliveira Produção gráfica Marcia Signorini
ISBN ECidade 978-65-86368-19-2 ISBN Edições Sesc SP 978-65-86111-51-4 1. Arquitetura Contemporânea. 2. MMBB. 3. Arquitetura Brasileira. I Título. II. Série. CDD 720.92 Catalogação elaborada por Edina R. F. Assis CRB 8/6900
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