Professor de filosofia política da Universidade Federal de Minas Gerais. Publicou o livro Maquiavel entre repúblicas (2010).
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ISBN 978-85-9493-202-0
Adauto Novaes (org.)
Gabriel Pancera
A OUTRA MARGEM DA POLÍTICA
Ora, diante desse quadro parece restar pouco a se fazer. Diante dele, encontramo-nos de tal maneira condicionados que nosso destino parece estar já traçado. Porém, afirmar que tais sejam as condições atuais não implica dizer, contudo, que estejamos irremediavelmente determinados. Há uma brecha. Deve haver! E é novamente o próprio Adauto Novaes quem nos dá a pista. O caminho é aberto pelo pensamento que pode nos levar a descobrir o novo – a outra margem – por detrás daquilo que se encontrava adormecido, pois a atividade do pensamento é, por si só, atividade de desnaturação do que estava cristalizado. Praticá-la é já colocar-se nessa via. E essa atividade institui uma brecha, permite explorar as contradições do real e, enfim, buscar e enunciar um projeto emancipatório. Esse projeto, a que apenas se alude nos vários textos aqui presentes, tem como referencial mínimo o cuidado com o outro. Sua primeira e imediata materialização é, justamente, esta obra coletiva que agora é apresentada ao público.
SOBRE A OUTRA MARGEM Adauto Novaes O ECLIPSE DA POLÍTICA Franklin Leopoldo e Silva UTOPIA, REVOLUÇÃO, DISTOPIA E DEMOCRACIA Marilena Chaui AS FORMAS DA ANTIPOLÍTICA Helton Adverse APATIA E DESOLAÇÃO NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS Newton Bignotto DO POPULISMO À GUERRA: A QUEDA DA DEMOCRACIA NORTE-AMERICANA Jean-Pierre Dupuy O AUTORITARISMO E O SENTIDO DA HISTÓRIA. OU, ENTÃO, QUEM TEM MEDO DE GOLPES DEMOCRÁTICOS Lilia Moritz Schwarcz DESPOTISMO DEMOCRÁTICO E DESCIVILIZAÇÃO Marcelo Jasmin HANNAH ARENDT E O SENTIDO POSITIVO DA POLÍTICA Pedro Duarte ESQUERDA/DIREITA Jean-Luc Nancy DECADÊNCIA E NIILISMO Oswaldo Giacoia Junior SER O PROPRIETÁRIO DE SUA PRÓPRIA PESSOA: EM DIREÇÃO A UM CONCEITO DE LIBERDADE COMO HETERONOMIA SEM SERVIDÃO Vladimir Safatle PODEMOS MUDAR A DIREÇÃO DA SOCIEDADE? Eugène Enriquez REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E SUA CRISE: UM PONTO DE VISTA DA FILOSOFIA POLÍTICA Renato Lessa A DEMOCRACIA ANTE O DESAFIO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS Frédéric Gros EM DEFESA DA VERDADE FACTUAL – ENTRE A “PÓS-VERDADE” EXCÊNTRICA E A DEMOCRACIA IMPROVÁVEL Eugênio Bucci POLÍTICA E PAIXÃO Maria Rita Kehl DA DESOBEDIÊNCIA À VERGONHA DE OBEDECER Frédéric Gros EM BUSCA DA HISTÓRIA PERDIDA Olgária Matos
Este livro discute o obscurecimento da política na contemporaneidade, sobretudo nos últimos anos, não só no Brasil, mas também em todo o Ocidente. Essa temática traduz, portanto, uma constatação derivada de um contexto sombrio. É um contexto no qual as condições para a prática da política parecem ter se esvaído. Desenha-se um ambiente de crise que pede nossa atenção para ser devidamente compreendido. Adauto Novaes, permanentemente atento à realidade do nosso mundo, toma iniciativa e, como ocorre há 40 anos, mobiliza um grupo de intelectuais para que se debrucem sobre o assunto. Provocado por ele, esse grupo se lança na aventura de enfrentar essa questão.
MUTAÇÕES
pois ele nutre uma aversão a essa atividade. Ergue-se o discurso da antipolítica, e a apolitia é transformada num valor a ser cultivado. Mas é preciso se perguntar, porém: em nome de que ou de quem? Deseja-se encontrar um substituto para ela: ou a racionalidade técnico-científica ou a racionalidade do mercado ou os dogmas de natureza teológica. Todos esses substitutivos, porém, apenas travestem com outros nomes o que em política chamamos autoritarismo e totalitarismo.
MUTAÇÕES A OUTRA MARGEM D A P O L Í T I C A
Adauto Novaes (org.)
Se o tema mencionado se constitui numa aventura, num objeto de olhar comum, as perspectivas de abordagem se multiplicam. Mas elas são antes complementares que divergentes. De modo que cada diagnóstico realizado nos oferece, no fim das contas, um panorama bastante abrangente do mundo em que hoje nos vemos imersos. A fragmentação do corpo social e político, a emergência de um individualismo radical e da apatia, a prevalência do interesse privado, o egoísmo organizado, a hegemonia do mercado, a supremacia da tecnociência, o predomínio dos fatos, a crise da representação política, a crescente violência e o aumento da desigualdade estão entre as caraterísticas identificadas pelos autores aqui reunidos como aquelas que marcam a nova situação que se afigura no nosso horizonte atual. É um novo mundo que se desenha, no qual os vínculos que unem os indivíduos estão enfraquecidos, e aqueles que os unem à coletividade, rompidos, afastando-nos da possibilidade de um bem comum; é, enfim, um mundo que, dada sua composição, põe em xeque o próprio exercício da política. Mas é também um mundo que lhe é hostil,
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