RODRIGO BROTERO LEFÈVRE E A VANGUARDA DA ARQUITETURA NO BRASIL

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Este livro nasceu das pesquisas de Buzzar em arquitetura moderna brasileira e sua historiografia, que marcam de forma profunda a trajetória acadêmica do autor. Sua concepção integra o objetivo maior de delinear uma nova perspectiva para a própria historiografia, a partir de um posicionamento crítico que não se estrutura exclusivamente por meio do discurso e das falas dos arquitetos a respeito de seus projetos, mas que toma essas falas como depoimentos e projetos culturais que necessitam ser interpretados e confrontados com a produção arquitetônica de um modo geral, com a teleologia da arquitetura moderna e com as ideias culturais e sociais que a alimentavam. Desse modo, busca adensar o (re)conhecimento de valores e concepções da produção arquitetônica brasileira.

Miguel Antonio Buzzar RODRIGO BROTERO LEFÈVRE E A VANGUARDA DA ARQUITETURA NO BRASIL

Em Rodrigo Brotero Lefèvre e a ideia de vanguarda, Miguel Antonio Buzzar estuda detalhadamente a obra do arquiteto paulista e apresenta aos leitores cada uma de suas fases ao longo da carreira, iniciada na década de 1960, com sua associação aos arquitetos Sérgio Ferro e Flávio Império, passando por seus projetos de residências e alcançando o período em que trabalhou na Hidroservice como arquiteto assalariado, quando desenvolveu obras de grande porte, como o Instituto dos Ambulatórios do Hospital das Clínicas de São Paulo e a sede do então DNER em Brasília. O autor também se detém na análise da dimensão social do trabalho de Lefèvre, salientando seu empenho em associar melhores condições de trabalho com o envolvimento de pedreiros e mestres de obras nas decisões construtivas e arquitetônicas, concebendo o canteiro não como lugar de exploração da mão de obra, mas de formação de cidadãos.

E A VANGUARDA DA ARQUITETURA NO BRASIL

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Miguel Antonio Buzzar

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O primeiro ponto a destacar é que estamos frente a uma obra de reivindicação. Com este livro, Miguel Antonio Buzzar pretende reparar uma omissão historiográfica importante: a ausência de um trabalho monográfico sobre Rodrigo Brotero Lefèvre. Não que não existam trabalhos a respeito dele. Há alguns estudos acadêmicos e, sobretudo, pesquisas sobre a “arquitetura nova”, em que comparece junto a Flávio Império e Sérgio Ferro (que é autor do prefácio deste livro, o que evidentemente o enriquece), mas até hoje faltava uma obra dedicada exclusivamente à sua produção. Tomara seja a primeira de muitas, pois, uma vez revelada a multiplicidade de facetas de Lefèvre, como é feito aqui, a inspiração poderá abrir outras portas. Devemos destacar a recopilação de material gráfico e fotográfico que o livro nos oferece, resultado de uma ampla pesquisa documental realizada pelo autor durante a preparação de sua tese de doutorado, trabalho que deu origem a este livro. Muitas imagens são inéditas. A obra nos apresenta inicialmente uma reflexão sobre a formação da casa brasileira em geral, por meio do seu “programa doméstico”. Mas, no decorrer do livro, percebemos que, da casa moderna brasileira, Buzzar adentra, ajustando as características de semelhanças e diferenças, a ideia de uma casa moderna paulista cujas particularidades, baseadas nas propostas iniciais de Vilanova Artigas e seguidas posteriormente pelas propostas dos “arquitetos dissidentes”, construíram conceitual e objetivamente uma tipologia precisa de “casa”, que em Lefèvre alcança especificidades determinantes de uma proposta autoral. Buzzar apresenta-nos, assim, um arquiteto paulista para uma realidade paulista, que, sem deixar de ter uma dimensão nacional, exprimia sentimento de revolta social, produto de um ambiente universitário (o de Artigas) recheado de ideais e politicamente comprometido. O autor transmite o resultado consciente da produção de um arquiteto “formado com dinheiro público”, afirma Ferro, que se vê impelido moralmente, e

de bom grado, a devolver à sociedade o que esta lhe deu. A sociedade neste caso não é abstrata; é aquela constituída pelos trabalhadores. A postura de Lefèvre e seus colegas não foi a da idealização do povo, mas sim a de “compartilhar o desenvolvimento dos projetos, transmitir e assimilar conhecimentos, integrando decisões” com o povo, ainda que a realidade política e a realidade vivida teimassem “em não coincidir”, como nos aponta Buzzar, o que levou à riqueza da obra de Lefèvre, “cheia de inflexões” que comparecem neste livro. Como em outros textos de Buzzar, não falta aqui a política como chave interpretativa. O autor, por meio dela, percorre as análises culturais e arquitetônicas apontando o caldo de cultivo em que essa vida social se desenrolava de forma intensa, ainda que permeada de percalços. A análise da atividade projetiva de Lefèvre não se limita à produção anterior aos anos 1970, como em geral ocorre. Pelo contrário, Buzzar desenvolve uma importante pesquisa sobre a produção do “trabalhador assalariado” Rodrigo Brotero Lefèvre, apresentando os projetos desenvolvidos para a empresa Hidroservice, equipamentos que levaram a marca da vida social da casa para a cidade, lembrando o ditado de Artigas: “as cidades como as casas”. Obras de envergadura que nenhum de seus colegas próximos produziu, o que demonstra a importância técnica e profissional de Lefèvre entre seus pares, mas que, como Buzzar aponta, não tem recebido a proporcional acolhida historiográfica. Este livro é um passo importante para mudar essa circunstância. FERNANDO G. VÁZQUEZ RAMOS Professor adjunto do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu e coordenador do núcleo Docomomo São Paulo

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Miguel Antonio Buzzar

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RODRIGO BROTERO LEFÈVRE

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional

Abram Szajman Diretor Regional

Danilo Santos de Miranda Conselho Editorial

Ivan Giannini Joel Naimayer Padula Luiz Deoclécio Massaro Galina Sérgio José Battistelli Edições Sesc São Paulo Gerente Iã Paulo Ribeiro Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre Coordenação editorial Francis Manzoni, Clívia Ramiro, Cristianne Lameirinha Produção editorial Antonio Carlos Vilela Coordenação gráfica Katia Verissimo Produção gráfica Fabio Pinotti Coordenação de comunicação Bruna Zarnoviec Daniel

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Para Lucia, Gui, Gabu

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© Miguel Antonio Buzzar, 2019 © Edições Sesc São Paulo, 2019 Todos os direitos reservados Preparação Luiz Guasco Revisão Elen Durando, Mayara Freitas Capa e projeto gráfico Victor Burton Diagramação Anderson Junqueira dados internacionais de catalogação na publicação (cip) B989r Buzzar, Miguel Antonio Rodrigo Brotero Lefèvre e a vanguarda da arquitetura no Brasil / Miguel Antonio Buzzar. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2019. – 312 p. il.: fotografias, plantas, croquis. Bibliografia isbn 978-85-9493-099-6 1. Arquitetura Brasileira. 2. Historiografia. 3. Rodrigo Brotero Lefèvre. 4. Biografia. 5. Obras. I. Título. II. Lefèvre, Rodrigo Brotero. cdd 720.981

Edições Sesc São Paulo Rua Cantagalo, 74 – 13º/14º andar 03319-000 – São Paulo SP Brasil Tel. 55 11 2227-6500 edicoes@edicoes.sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp

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SE FÔSSEMOS INFINITOS

Fôssemos infinitos Tudo mudaria. Como somos finitos Muito permanece. — Bertolt Brecht

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SUMĂ RIO

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10 APRESENTAÇÃO 12 EM VEZ DE PREFÁCIO 24 INTRODUÇÃO

32 A CATEDRAL DE LEFÈVRE CAPÍTULO 1 36 O ESPAÇO DE CONVÍVIO NA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA: O CASO DA ESCOLA PAULISTA

37 Habitar e ser 52 As ideias de Artigas, a escola paulista,

o convívio, o lazer e a formação: uma interpretação CAPÍTULO 2 54 A ASSOCIAÇÃO DE RODRIGO BROTERO LEFÈVRE COM SÉRGIO FERRO E FLÁVIO IMPÉRIO 55 Residência Marietta Vampré 60 Residência Helládio Capisano 65 Edifícios São Paulo e Goiáz 67 Residência Bernardo Issler 71 Residência Cleômenes Dias Batista 78 Residência Sylvio Bresser Pereira 82 Outras residências projetadas nos anos 1960 86 Projetos escolares 96 Residência Juarez Brandão Lopes

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 6

106 ORIGEM E FORMAÇÃO.

188 ARQUITETURA, DESENVOLVIMENTO

ARQUITETURA BRASILEIRA E SUA

E CONSTRUÇÃO

HISTORIOGRAFIA

189 O lugar da arquitetura

107 Reencontro, historiografia e

195 Arquitetura moderna e a ausência de

projeto nacional

vanguarda: o trabalho na Hidroservice

110 Projeto nacional e política nacional

245 Projetos independentes

112 Formação e historiografia: a operação

de seleção

CAPÍTULO 7

118 Arquitetura moderna brasileira:

248 ARQUITETURA: UTOPIA E REALIDADE

nacional por subtração. Técnica e participação

249 Projeto de um acampamento de obra:

uma utopia CAPÍTULO 4

256 Escola Técnica de Formação de Quadros

128 ARQUITETURA BRASILEIRA,

de Saúde: realidade

DESENVOLVIMENTO E TÉCNICA CONSTRUTIVA

CONCLUSÃO

129 Vanguarda do novo e do arcaico

265 Uma conclusão para a historiografia

134 Arquitetura e ideologia

270 Catedrais – ou, uma conclusão para a

150 Um sentido para a técnica

arquitetura

CAPÍTULO 5

ANEXO

158 INÍCIO DOS ANOS 1970:

274 Manuscritos

O PERCURSO INICIAL DE RODRIGO BROTERO LEFÈVRE

294 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

159 Uma nova arquitetura

304 SOBRE O AUTOR

161 Residência Pery Campos

306 AGRADECIMENTOS

167 Residência Dino Zammataro

308 CRÉDITOS DAS IMAGENS

172 Residência Carlos Alberto Ziegelmeyer 178 Residência Thomaz Farkas 182 Residência Frederico Brotero

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APRESENTAÇÃO CONSTRUÇÃO DE POSSÍVEIS

Danilo Santos de Miranda di r eto r r e g io n al do sesc s ã o paulo

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A criatividade humana busca caminhos para se expressar. Nessas trajetórias, explora campos específicos – arte, filosofia, ciência –, testa suas potencialidades e limites, inserindo-se em fluxos marcados por tradições e rupturas. O caso da arquitetura é especialmente complexo, na medida em que se trata de um terreno pleno de atritos: ação criativa movimentando-se entre saberes, materiais e demandas sociais. Esse panorama ganha uma camada suplementar de complexidade quando abordamos a arquitetura brasileira, que se caracterizou pela mescla de adesão e subversão em relação a padrões elaborados grosso modo em outros contextos, bem como pelo convívio com uma circunstância nacional repleta de contradições. A aventura dos arquitetos modernos brasileiros ilustra com eloquência tais dinâmicas, o que testemunha sua relevância em nível global. Apesar de tal relevância, cabe perguntar qual é o impacto cultural da história da arquitetura para além dos círculos especializados, principalmente no que se refere aos capítulos dessa história não dedicados às personalidades consagradas. Os brasileiros se acostumaram, notadamente nas grandes e médias cidades, com obras que revelam as idas e vindas

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do movimento moderno, mas isso não corresponde a um debate público amplo sobre o tema. Daí a importância de publicações dedicadas a episódios menos alardeados, embora historicamente fundamentais. É o caso do itinerário criativo de Rodrigo Brotero Lefèvre, arquiteto paulistano pertencente a uma geração de profissionais que iniciaram seus percursos sob o impacto da inauguração de Brasília. A turbulenta década de 1960 foi cenário para a eclosão da carreira de Lefèvre, marcada pela aproximação a Sérgio Ferro e Flávio Império: os três arquitetos, docentes na FAUUSP, constituíram o grupo conhecido como Arquitetura Nova, empenhados numa leitura crítica da escola paulista de arquitetura – cujo destaque residia na figura de Vilanova Artigas – em razão de sua suposta adesão ao desenvolvimentismo. Os três arquitetos reivindicavam a democratização do acesso da população à arquitetura, bem como a valorização dos saberes e das condições de trabalho dos profissionais da construção civil. Desse quadro, surgiu o uso do teto em abóbada autoportante, uma das primeiras etapas da obra, cobrindo o canteiro e oferecendo proteção dos elementos naturais aos trabalhadores.

O recrudescimento da ditadura militar precipita o desmembramento do grupo; a partir de então, Rodrigo Brotero Lefèvre concilia a carreira acadêmica com sua atuação como arquiteto dentro e fora do país, num percurso precocemente interrompido por seu falecimento, em 1984. Desde então, sua obra mereceu uma atenção da literatura especializada desproporcional à sua importância, em geral circunscrita à sua experiência com o Grupo Arquitetura Nova. A edição de Rodrigo Brotero Lefèvre e a vanguarda da arquitetura no Brasil, fruto da pesquisa de Miguel Antonio Buzzar, busca minimizar tal carência. Aproximar públicos ampliados dos processos históricos que redundaram na circunstância contemporânea pode ter importantes desdobramentos – a leitura crítica do presente está entre eles. Caso contrário, o campo cultural tende a se transformar num universo cifrado e hermético, arredio aos usos e reusos dos cidadãos.

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A P R E S E N TA Ç Ã O

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO

Lefèvre em 1962, ano em que se formou na FAUUSP e começou a lecionar

A dimensão política da arquitetura, a função social dos arquitetos e o lugar dos projetos arquitetônicos no processo de desenvolvimento do país pareciam ocupar todo o espectro de preocupações dos arquitetos nas décadas de 1950 e 1960. Esse período, politicamente denso, é o de formação, início de atuação e desenvolvimento da atividade profissional do arquiteto Rodrigo Brotero Lefèvre. A compreensão dessas questões e do seu posicionamento diante delas, em termos conceituais e arquitetônicos, integram os elementos necessários para a compreensão do conjunto de sua obra. Entretanto, as qualidades da sua produção também escapam dessa rica, mas parcial, relação. A arquitetura de Lefèvre, politicamente situada, também pode ser lida com a autonomia que a arquitetura requer para a análise de suas qualidades específicas, que, no caso de sua obra, não são poucas nem fortuitas. A melhor leitura, certamente, é aquela que busca articular as várias dimensões: as políticas e sociais, que o contexto de época solicitava, às espaciais e construtivas, próprias da arquitetura.

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Praticamente, em todo trabalho teórico o ponto de partida assenta-se sobre um conhecimento prévio. Mesmo não sendo capaz de explicitar todas as dimensões do tema em questão, esse conhecimento deveria ser suficiente para garantir caminhos relativamente seguros, a comprovar aquilo que se sabe com alguma profundidade. Nos anos 1960, o projeto como desígnio, como meio de atuação política por parte dos arquitetos, era contraposto à atividade política comum. Lefèvre, no famoso texto “Casa do Juarez”, questionou não só o alcance político do projeto, mas o próprio ato de projetar, parecendo romper com o que fazia, e bem – projetos. Entretanto, quando permaneceu preso em função de suas atividades políticas, projetou dentro do cárcere, fazendo-o segundo uma concepção precisa de arquitetura que mostrava envolvimento com o próprio ato de projetar, distante de um fazer que teria sido abandonado. Assim, como conciliar o que um texto crítico defendia – a limitação e a recusa do projeto – com sua atividade na prisão, e com o que as revistas de arquitetura ou decoração publicavam, isto é, seus projetos? No caso do texto de Lefèvre, como em tantos outros, revelou-se aquilo que sempre se afirma saber, mas nunca

é devidamente absorvido: textos, manifestos e escritos em geral possuem a estranha capacidade de se tornarem absolutos e de terem seus conteúdos reduzidos quase de forma caricatural. Ainda mais quando ganham o debate público e, independentemente de páginas e páginas escritas, são trocados por uma conclusão enfática, por vezes, recortadas de uma frase. Poucas vezes correta, por vezes parcial, às vezes dúbia, mas sempre limitada em relação ao esforço de produção intelectual que um trabalho como o de Lefèvre exige.

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nessa faculdade.

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Lefèvre em seu escritório na Hidroservice.

Na elaboração deste trabalho, a leitura dos textos buscou ser reflexiva, procurando absorver a integridade do conteúdo, e não o de frases específicas. Os textos dizem algo além da sua primeira camada aparente; devem ser lidos e relidos como peças novas que, de alguma forma, contêm todo o universo de informação de que necessitam para explicitar ideias. Retirar os textos dos contextos culturais que já ofereciam leituras acabadas, perscrutar as questões que os compõem e novamente inseri-los nos contextos – ainda que seja uma operação impossível de ser realizada de forma pura, sem ser influenciada pelas várias leituras – é um procedimento que guarda surpresas, pois os textos crescem em todos os sentidos. Mostram-se brilhantes em algumas passagens, limitados em outras, mas passam a ser compreendidos

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naquilo que definem e naquilo que, por vezes, propositadamente não definem e tergiversam. Assim, o conhecimento do texto pode se mostrar crítico, pois o que se tentou foi a sua transformação em objeto a ser investigado. O todo não está dado de início, suas partes devem ser analisadas e a conclusão, construída a partir de operações investigativas, tornando frases e palavras novamente um todo, um texto, na esperança de ter-se capturado as ideias que o autor em questão quis expor. Nesse momento, pode-se descrever o conteúdo do texto, pode-se repeti-lo, tecer considerações e, perigosamente, pode-se recortá-lo para um uso apropriado no trabalho. Portanto, entre a captura das ideias e a sua descrição ocorre a inevitável interpretação. Momento-chave, no qual aquilo que foi “descoberto” pode-se mostrar uma vitória de Pirro ou uma expedição exploratória vitoriosa dos novos caminhos, apta a se relacionar com outros textos e fatos10. Mas como proceder com os projetos e, a partir deles, com as obras? Como interpretá-las, quando se sabe que, apesar 10. Para as dimensões reflexiva, crítica e descritiva

do(s) método(s), aqui emprestadas da filosofia, ver Marilena Chauí, Convite à filosofia, São Paulo: Ática, 1995, pp.157-60.

de estarem presentes, de poderem ser tocadas, todo um revestimento conceitual já foi aplicado, dificultando e dirigindo a leitura? No caso das obras de Lefèvre visitadas, um complicador a mais: mudanças em aspectos programáticos foram introduzidas. Como se pode conhecer um texto se a sua página final, conclusiva, foi arrancada? Como conhecer uma obra arquitetônica, se onde era esperado encontrar materiais aparentes há revestimentos térmicos? Assim, dois tipos de revestimentos podem afetar as obras. Recorrer ao que se sabia sobre Lefèvre e sua produção, mesmo com o risco de embebedar-se com as leituras já feitas, mostrou-se necessário. Isso porque o revestimento “conceitual” que encobre suas obras é por demais frágil. Muito discutido, criticado, pouco conhecido, mas sempre limitadamente interpretado, Lefèvre e sua produção arquitetônica têm muito a revelar. Esse revestimento cultural não resistiu às visitas às obras e o que informavam quaisquer que fossem o estado de conservação e a preservação dos programas e das espacialidades originais. O mesmo tratamento dado aos textos foi tentado em relação às obras. Antes de visitá-las, efetuou-se a análise dos projetos, quando possível. Entretanto, as leituras dos

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seus poucos textos explicativos, ou uma nova leitura deles, foi evitada. Talvez uma medida purista demais, mas que se mostrou muito eficiente. Relativamente “desconhecidas”, as obras também surpreenderam e, se houve alguma contaminação, foi das obras em relação aos textos. Algumas formulações teóricas, de tão frágeis ou genéricas, pairam sobre a realidade das obras sem conseguirem uma aderência efetiva, gerando uma estranha pedagogia do não (re)conhecimento. Nessa ótica reflexiva desigual, na qual se chega a reconhecer pela leitura uma determinada obra, também se conhece a distância, ou melhor, o vazio da interpretação de algumas soluções. Em que pese a fragilidade, algo da produção teórica evidentemente era conhecido ou não haveria interesse na produção do arquiteto, assim como não haveria as previsões de um caminho seguro. Esse conhecimento prévio foi utilizado nas visitas para se medir o grau de problemas que o outro revestimento, o físico, causou às obras. Na sequência, a leitura das informações existentes, principalmente de época, foi fundamental para o confronto com os objetos realizados, e todo o cuidado com a leitura dos textos mostrou-se recompensador.

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Nesse momento de reunião das análises de projetos e obras com as conclusões sobre os textos, a característica particular de uma investigação histórica no campo da arquitetura obriga a um exercício de aproximação, confrontação e construção. Um “jogo” arquitetônico, no qual as formulações derivadas das obras deslocam as interpretações conceituais que, por sua vez, procuram um lugar nos projetos. Nesse movimento de análises, espera-se que uma apreciação do conjunto da produção de Lefèvre tenha alcançado coerência e densidade. Mas reside aí uma questão delicada. Qual o lugar da discussão política, ou da discussão de conceitos que remetem a uma posição no contexto político, que permeava a atividade dos arquitetos? Ou seja, além dos textos sobre as obras, havia outros que informavam um debate que fazia “parede-meia” com a produção arquitetônica. Como realizá-la sem banalizar a própria discussão arquitetônica? E como evitar a banalização sem efetuar duas discussões distintas, artificialmente tomadas de forma autônoma?

Claro está que não há nesse trabalho o objetivo de estudar apenas a representação política de uma obra ou do conjunto de obras de Lefèvre, mesmo porque tal operação, se levada a cabo, representaria um enfraquecimento muito grande da compreensão do conjunto da produção do arquiteto. Entretanto, um problema maior ainda se apresentava. A discussão travada por arquitetos e intelectuais não era apenas política; ela envolvia as relações cruzadas entre política e cultura que, nesse sentido, interagiam. Além disso, a dimensão de representação política, combinada com uma pedagogia da construção, segundo uma interpretação das condições de produção, era inerente ao trabalho de Lefèvre e de parte significativa da produção arquitetônica moderna brasileira e, por opção, sempre esteve incluída no recorte pensado para este estudo. A solução procurada, como apontado anteriormente, foi buscar conciliar as duas esferas – a política, e todas as suas derivações, com a arquitetônica, suas questões e os ganchos que lança em direção às questões políticas e culturais mais gerais. Esse procedimento permitiu, com clareza, verificar como a obra de Lefèvre, que sempre teve realçada seu viés programático, de materialização de uma crítica operativa da sociedade, também

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INTRODUÇÃO

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é uma produção rica em detalhes e formulações autônomas e específicas da arquitetura, que possui (sobre)vida para além do seu momento e das questões que, ao mesmo tempo, retirava da realidade e articulava de forma criativa. Como já exposto, a produção de Lefèvre propicia e requer uma abordagem que trabalha as duas esferas indicadas. Esclarecidos os procedimentos aqui adotados, no capítulo 1, para uma primeira aproximação da obra de Lefèvre e as relações culturais maiores que estabeleceu, tomou-se como elemento de partida a “casa” e seus significados na arquitetura moderna brasileira. Como os projetos de residências representam um segmento fundamental da produção inicial do arquiteto, para sua análise buscou-se constituir um quadro teórico abrangente, fundamentado em termos historiográficos (verificando sua genealogia), culturais (os valores que enfatizava) e formais (as referências que os seus projetos mobilizaram). Com esses aportes, analisou-se a obra de Lefèvre buscando-se reconhecer a montagem de cada um dos projetos, atentando para o que de permanente e comum possuem. No período inicial de sua carreira, como poderá ser verificado no capítulo 2, Lefèvre produziu associado a Sérgio Ferro e Flávio Império.

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Como a atividade conjunta alimentava-se mutuamente, alguns projetos não realizados por Lefèvre, ou que tiveram apenas uma participação lateral dele, foram analisados porque compõem o universo de respostas que, direta ou indiretamente, influenciaram sua forma de projetar. Essa análise adquirirá completude nos capítulos 3 e 4, com a interpretação da historiografia da arquitetura brasileira como um todo – e não apenas de um segmento como o da casa – e com a discussão dos significados das obras e propostas de Lefèvre. Inicialmente, a interpretação da historiografia deteve-se particularmente nos valores que vinculavam arquitetura e modernização, pois este último termo expressava o impulso de integrar a arquitetura ao desenvolvimento nacional, traduzido no projeto nacionalista de emancipação econômica e política. A relação da técnica com o desenvolvimento do país e as operações historiográficas (culturais) que legitimizavam esta ou aquela corrente de arquitetura, incluindo seu viés tecnológico, constituiu-se no corpo de referências conceituais que foram adotadas. Assim, no capítulo 1 verificou-se a formulação espacial da arquitetura de Lefèvre, para em um momento seguinte trabalhar-se a questão da sua construção. Isso não porque a arquitetura é concebida

como a somatória de dois momentos, mas para possibilitar um aprofundamento analítico de todas as questões e, desse modo, melhor aclarar como as articulava em termos arquitetônicos. Portanto, por duas vezes trabalhou-se de forma crítica a historiografia, como um lugar cultural e econômico (relacionado à produção) de uma arquitetura nacional. Um lugar comprometido com concepções que, como vários autores salientam, não se encontra acima e equidistante dos fatos, mas seleciona-os e ordena-os conforme seus objetivos11. Em relação aos valores advindos de processos estruturais, como os da modernização, procurou-se discutir as visões distintas que animaram o debate no período, a partir das teorias que justificavam a modernização como parte da construção da nação. Essa questão adquire importância para o desenvolvimento do capítulo 4, pois o próprio Lefèvre definiu para si e para sua arquitetura um conceito crítico de modernização, que estabeleceu uma base para o entendimento de sua arquitetura. 11. Nesse caso, as elaborações de Michel de Certeau

foram particularmente importantes. Ver M. Certeau, “A operação histórica”, em: J. Le Goff e P. Nora (orgs.), História: novos problemas, v. 1, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, pp. 17-48.

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INTRODUÇÃO

Lefèvre recebendo seu diploma, em 1962,

Além disso, há que se considerar que a noção de vanguarda, particularmente no caso de Lefèvre, obriga a relacionar a arquitetura com a sua produção material. Isso traz para o primeiro plano do trabalho as noções de modernização e desenvolvimento – as visões tradicionais e as críticas realizadas na década de 1960 –, que se articulam com as estratégias políticas, inclusive no campo da construção, para a sua realização. Lefèvre manifestava uma visão diferenciada da produção e da tecnologia em relação às correntes hegemônicas da arquitetura moderna brasileira. Essa visão tornou-se de fato crítica no transcorrer da evolução política dos anos

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1960 e, efetivamente, ganhou contornos de ruptura com a posição (até então) majoritária quando assumiu outra visão de como deve ser construída a obra arquitetônica. Ou seja, se o objetivo de toda atividade artística devia ser a construção, como queria Walter Gropius, esta deveria ocorrer de forma distinta – tanto produtiva como socialmente, isto é, enquanto processo que pensa a sociedade e, no local de sua efetivação, o canteiro de obras, enquanto processo de intervenção na sociedade. Nessa concepção, os trabalhadores deveriam ser parceiros, não necessitando aguardar outro momento social para participarem de forma ativa das decisões, ao menos no plano da obra12. O entendimento dessa posição passa a ser central, pois ela permite definir se a atividade de Lefèvre era ou não de vanguarda – tese que este trabalho pretende discutir, sendo fundamental para se entender não apenas sua produção, mas seu lugar na história da arquitetura moderna brasileira. Essa discussão completa-se no capítulo 5, com a análise do que pode ser considerado o período inicial de sua carreira. 12. Para essa formulação de Gropius, ver Rainer

Wick, Pedagogia da Bauhaus, São Paulo: Martins Fontes, 1989, pp. 31-61.

As questões levantadas remetem sem maiores dificuldades à fase mais conhecida de Lefèvre, a da produção de unidades habitacionais unifamiliares durante os anos 1960 e início dos anos 1970. Entretanto, a pesquisa não se limitou a esse período, buscando também verificar, no capítulo 6, como sua preocupação e a forma de apreensão do processo produtivo e das técnicas construtivas podem também ser verificadas na sua fase de trabalho menos divulgada, vinculada à empresa Hidroservice, durante parte dos anos 1970 até meados da década seguinte, quando participou de grandes projetos, dirigindo alguns deles. A atividade de Lefèvre foi intensa na Hidroservice, onde teve de conceber obras com perfil tecnoconstrutivo diferente daquele que caracterizava suas posições e seus projetos anteriores. Sendo assim, esse momento torna-se importante para a discussão da arquitetura de Lefèvre e dos valores que incorporava acima das soluções técnicas, pensadas sempre como meios, mesmo que ativas na concepção arquitetônica, e não como um fim em si. O seu desempenho profissional mostrou-se capaz de manter uma coerência arquitetônica, mesmo não mantendo necessariamente um mesmo partido

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e, abaixo, em 1979.

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INTRODUÇÃO

PÁG INA AO LADO

tecnoconstrutivo. Novamente, não se trata de conceber a arquitetura desvinculada da tecnologia, mas sim de interpretar de que maneira ele dispôs da tecnologia para produzir a sua arquitetura. Em termos gerais, buscou-se verificar também que decorrências o período de trabalho na Hidroservice trouxe às suas formulações arquitetônicas e à sua postura político-profissional. Por fim, no capítulo 7 procurou-se verificar quais os sentidos de dois trabalhos significativos do arquiteto: sua dissertação de mestrado e sua participação no projeto da Escola de Formação de Quadros de Enfermagem na Guiné-Bissau. Comentamos a interface entre arquitetura e política e as dificuldades decorrentes, na medida em que Lefèvre buscava um vínculo orgânico entre arquitetura e ação social, segundo uma visão crítica da modernização que o país conheceu. As manifestações sobre essas questões surgiram em textos e materializaram-se em projetos e nos processos das obras. Identificamos, a partir de um problema real e específico, a migração para os grandes centros, como Lefèvre pretendeu definir um paradigma para se pensar não de forma pontual, mas sistêmica, uma arquitetura que participasse da resolução do problema, permitindo que

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os envolvidos também participassem da solução do que Lefèvre definiu como um exercício utópico. Antes de ser um trabalho acadêmico tradicional, a dissertação de Lefèvre foi um projeto de ação que, anos depois, iluminou uma atividade que iniciou na África, também vinculada à Hidroservice. Entretanto, a interrupção ocasionada por seu brusco falecimento não permitiu à pesquisa ir além de tatear intenções, permanecendo o sentido preciso do conjunto do trabalho em aberto. Um alerta final faz-se necessário. O texto do livro foi apresentado inicialmente como tese de doutoramento, defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), no ano de 2002. Desse modo, quinze anos separam a redação da publicação. Nesse ínterim, algumas questões novas sobre a obra de Lefèvre ganharam corpo, assim como alguns estudos, de outros autores, foram elaborados. Todavia, avaliou-se que as premissas e formulações da pesquisa realizada permanecem atuais, válidas e capazes de auxiliar a interpretar a obra do arquiteto. Dessa forma, o texto ora apresentado, em linhas gerais, é muito fiel ao texto original. A “Conclusão”, particularmente, mantém sua concepção inicial, ainda que algumas questões tenham

sido agregadas para o melhor entendimento das proposições do trabalho. Certamente há inúmeras pequenas correções, complementações e precisões, mas estas têm como objetivo tornar mais acurado o próprio texto, perseguindo, na escrita, a exatidão que as concepções arquitetônicas de Lefèvre lograram estabelecer13.

13. As considerações realizadas ao longo da

“Introdução” sobre as análises historiográficas, bem como sobre a leitura dos projetos, articulam conceitos formulados por: Paul Veyne, Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história, Brasília: UnB, 1998; Michel de Certeau, “A operação histórica”, em J. Le Goff e P. Nora (orgs.), op. cit.; e Giulio Carlo Argan, “História da arte”, em: História da arte como história da cidade, São Paulo: Martins Fontes, 1992,

R O D R I G O B R O T E R O L E F È V R E E A VA N G U A R D A D A A R Q U I T E T U R A N O B R A S I L

Lefèvre proferindo palestra em 1966.

nesse último, principalmente, as questões elaboradas por Argan ao discutir a “cadeia de juízos que foram pronunciados a respeito” de uma obra que se está trabalhando, e que influencia a leitura que se faz da obra (p. 24).

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Este livro nasceu das pesquisas de Buzzar em arquitetura moderna brasileira e sua historiografia, que marcam de forma profunda a trajetória acadêmica do autor. Sua concepção integra o objetivo maior de delinear uma nova perspectiva para a própria historiografia, a partir de um posicionamento crítico que não se estrutura exclusivamente por meio do discurso e das falas dos arquitetos a respeito de seus projetos, mas que toma essas falas como depoimentos e projetos culturais que necessitam ser interpretados e confrontados com a produção arquitetônica de um modo geral, com a teleologia da arquitetura moderna e com as ideias culturais e sociais que a alimentavam. Desse modo, busca adensar o (re)conhecimento de valores e concepções da produção arquitetônica brasileira.

Miguel Antonio Buzzar RODRIGO BROTERO LEFÈVRE E A VANGUARDA DA ARQUITETURA NO BRASIL

Em Rodrigo Brotero Lefèvre e a ideia de vanguarda, Miguel Antonio Buzzar estuda detalhadamente a obra do arquiteto paulista e apresenta aos leitores cada uma de suas fases ao longo da carreira, iniciada na década de 1960, com sua associação aos arquitetos Sérgio Ferro e Flávio Império, passando por seus projetos de residências e alcançando o período em que trabalhou na Hidroservice como arquiteto assalariado, quando desenvolveu obras de grande porte, como o Instituto dos Ambulatórios do Hospital das Clínicas de São Paulo e a sede do então DNER em Brasília. O autor também se detém na análise da dimensão social do trabalho de Lefèvre, salientando seu empenho em associar melhores condições de trabalho com o envolvimento de pedreiros e mestres de obras nas decisões construtivas e arquitetônicas, concebendo o canteiro não como lugar de exploração da mão de obra, mas de formação de cidadãos.

E A VANGUARDA DA ARQUITETURA NO BRASIL

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Miguel Antonio Buzzar

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O primeiro ponto a destacar é que estamos frente a uma obra de reivindicação. Com este livro, Miguel Antonio Buzzar pretende reparar uma omissão historiográfica importante: a ausência de um trabalho monográfico sobre Rodrigo Brotero Lefèvre. Não que não existam trabalhos a respeito dele. Há alguns estudos acadêmicos e, sobretudo, pesquisas sobre a “arquitetura nova”, em que comparece junto a Flávio Império e Sérgio Ferro (que é autor do prefácio deste livro, o que evidentemente o enriquece), mas até hoje faltava uma obra dedicada exclusivamente à sua produção. Tomara seja a primeira de muitas, pois, uma vez revelada a multiplicidade de facetas de Lefèvre, como é feito aqui, a inspiração poderá abrir outras portas. Devemos destacar a recopilação de material gráfico e fotográfico que o livro nos oferece, resultado de uma ampla pesquisa documental realizada pelo autor durante a preparação de sua tese de doutorado, trabalho que deu origem a este livro. Muitas imagens são inéditas. A obra nos apresenta inicialmente uma reflexão sobre a formação da casa brasileira em geral, por meio do seu “programa doméstico”. Mas, no decorrer do livro, percebemos que, da casa moderna brasileira, Buzzar adentra, ajustando as características de semelhanças e diferenças, a ideia de uma casa moderna paulista cujas particularidades, baseadas nas propostas iniciais de Vilanova Artigas e seguidas posteriormente pelas propostas dos “arquitetos dissidentes”, construíram conceitual e objetivamente uma tipologia precisa de “casa”, que em Lefèvre alcança especificidades determinantes de uma proposta autoral. Buzzar apresenta-nos, assim, um arquiteto paulista para uma realidade paulista, que, sem deixar de ter uma dimensão nacional, exprimia sentimento de revolta social, produto de um ambiente universitário (o de Artigas) recheado de ideais e politicamente comprometido. O autor transmite o resultado consciente da produção de um arquiteto “formado com dinheiro público”, afirma Ferro, que se vê impelido moralmente, e

de bom grado, a devolver à sociedade o que esta lhe deu. A sociedade neste caso não é abstrata; é aquela constituída pelos trabalhadores. A postura de Lefèvre e seus colegas não foi a da idealização do povo, mas sim a de “compartilhar o desenvolvimento dos projetos, transmitir e assimilar conhecimentos, integrando decisões” com o povo, ainda que a realidade política e a realidade vivida teimassem “em não coincidir”, como nos aponta Buzzar, o que levou à riqueza da obra de Lefèvre, “cheia de inflexões” que comparecem neste livro. Como em outros textos de Buzzar, não falta aqui a política como chave interpretativa. O autor, por meio dela, percorre as análises culturais e arquitetônicas apontando o caldo de cultivo em que essa vida social se desenrolava de forma intensa, ainda que permeada de percalços. A análise da atividade projetiva de Lefèvre não se limita à produção anterior aos anos 1970, como em geral ocorre. Pelo contrário, Buzzar desenvolve uma importante pesquisa sobre a produção do “trabalhador assalariado” Rodrigo Brotero Lefèvre, apresentando os projetos desenvolvidos para a empresa Hidroservice, equipamentos que levaram a marca da vida social da casa para a cidade, lembrando o ditado de Artigas: “as cidades como as casas”. Obras de envergadura que nenhum de seus colegas próximos produziu, o que demonstra a importância técnica e profissional de Lefèvre entre seus pares, mas que, como Buzzar aponta, não tem recebido a proporcional acolhida historiográfica. Este livro é um passo importante para mudar essa circunstância. FERNANDO G. VÁZQUEZ RAMOS Professor adjunto do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu e coordenador do núcleo Docomomo São Paulo

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