DORI CAYMMI SONGBOOK: 80 anos de um cantador

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Dori Caymmi songbook 80 anos de um cantador

Organização Mario Gil



Dori Caymmi 80 anos de


songbook um cantador

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Detalhes do manuscrito da música “Porto”

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Conselho Editorial Áurea Leszczynski Vieira Gonçalves Rosana Paulo da Cunha Marta Raquel Colabone Jackson Andrade de Matos Edições Sesc São Paulo Gerente Iã Paulo Ribeiro Gerente adjunto Francis Manzoni Editorial Jefferson Alves de Lima Assistente: Thiago Lins Produção Gráfica Fabio Pinotti Assistente: Ricardo Kawazu

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Dori Caymmi songbook 80 anos de um cantador Organização Mario Gil

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© Edições Sesc São Paulo, 2023 © Dori Caymmi, 2023 © Mario Gil, 2023 Todos os direitos reservados Preparação Silvana Vieira Revisão Ísis De Vitta, Elba Elisa Oliveira Projeto gráfico e diagramação Homem de Melo & Troia Design Capa Desenho de Dorival Caymmi, gentilmente cedido pela Fundação Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (FMIS-RJ) Pesquisa iconográfica e reunião de depoimentos Guto Burgos Digitação violinística e revisão musical Paulo Aragão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D733

Dori Caymmi songbook: 80 anos de um cantador / Organização: Mario Gil. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2023. – 212 p. il. ISBN: 978-85-9493-265-5 Código QR para ouvir o disco 1. Música Brasileira. 2. Dori Caymmi. 3. Songbook. 4. Discografia. 5. Partituras. 6. Letras cifradas. I. Título. II. , Caymmi, Dorival Tostes. CDD 780.981

Ficha elaborada por Maria Delcina Feitosa CRB/8-6187 Empreendemos todos os esforços a fim de obter o licenciamento dos direitos autorais das fotos deste livro. Caso recebamos informações complementares, elas serão devidamente creditadas na próxima edição. Edições Sesc São Paulo Rua Serra da Bocaina, 570 – 11º andar 03174-000 – São Paulo SP Brasil Tel.: 55 11 2607-9400 edicoes@ sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp

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Meus agradecimentos ao professor Danilo Santos de Miranda, idealizador deste projeto, pelo honroso convite, e a todas as pessoas do Sesc São Paulo nele envolvidas. Agradeço, também, ao Mario Gil, pela coordenação e produção musical. Ao Guto Burgos, produtor executivo, ao Paulo Aragão, pela digitação e revisão de partituras, e ao Bruno Conde, pela revisão de primeira leitura das partituras e cifras. Agradeço à Helena Leal, pela organização de fotos, ao Cezinha Oliveira, pelas cópias de partitura, e aos violonistas Marcus Tardelli, Maurício Massunaga, Alexandre Gismonti, Cainã Cavalcante, Paula Borghi, Julião Pinheiro, Bruno Conde, João Camarero, Paulo Aragão, Miguel Rabello, Swami Jr. e Gian Corrêa. Agradeço aos cantores Danilo Caymmi, Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos, ao Bré Rosário, pela percussão, e ao jornalista Claudio Leal pela entrevista comigo e pelo perfil que compõe este livro. Finalmente, agradeço aos artistas depoentes, por suas palavras tão generosas. Muito obrigado. Dori

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foto de Myriam Vieira Vilas Boas


Sumário Apresentação Danilo Santos de Miranda 10 Dori em songbook Mario Gil 12 Dori Caymmi, o cantador Claudio Leal 14 Imagens e depoimentos 29 Discografia 47 Partituras e letras cifradas 53 Ficha de crédito do disco 208

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Apresentação Danilo Santos de Miranda Diretor do Sesc São Paulo

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A relação do ser humano com a música remonta aos tempos que antecedem a escrita tal como a conhecemos. Em múltiplos destinos – ritualistas, festivos, de lazer ou de trabalho, por exemplo – denuncia-se sua aderência como elemento potente na formação cultural e de vínculo social. Por meio do som, experiências materiais e subjetivas compõem a realidade. A música abarca a singularidade do contexto em que é produzida e a ressonância de caráter universal que pode alcançar enquanto expressão humana. E, entre códigos culturais, amplifica um dado sutil: os afetos que a fazem amiga do cotidiano, os efeitos que estala nas pessoas. Nesse sentido, o que nos conta o Brasil enquanto fértil terreno musical? Das tantas vertentes que contemplam a pluralidade nacional, nas mais distintas perspectivas do que possa ser compreendido como musicalidade, a paisagem sonora do cancioneiro brasileiro dos anos 1960 se apresenta tão diversa quanto a geografia do país, e conjuga no tempo uma cena que dilata tradição e experimentalismo, encontro e disputas. Aqui, encontramos, na beira-mar, Dorival Tostes Caymmi, o Dori. Filho de Dorival Caymmi e Stella Maris, tem em sua paisagem pessoal um ambiente familiar permeado pela música e os saberes praieiros. A polifonia de artistas que frequentavam sua casa e a voz ecoante de seu pai, mãe e irmãos, Danilo e Nana Caymmi, foram farol e caminho para suas influências e formação: o universo sonoro foi um destino inescapável. Ao fluir nos cantos de mar do velho Caymmi, afluiu-se em abundância nas tantas margens ressonantes que consagra na vida. “Cantor de ocasião” é como ele se autointitula; em vasta modéstia, essa ponderação com seu atributo dá notícias da igual vastidão de sua destreza de multiartista. Exímio arranjador, esteve à frente da produção de figuras estelares da MPB,


como Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, entre tantos outros. Da geografia brasileira, em sua tessitura também social e política, e da diversidade cultural e étnica, o instrumentista e compositor conta de um Brasil diverso, complexo e vivo; e tal qual a feitura de uma canção, tenta abranger, pelos fragmentos, algo da totalidade – canta, assim, sobre poéticas criadoras de mundo. Ritmado nessa cadência, a publicação Dori Caymmi – songbook: 80 anos de um cantador se propõe a reunir algumas esferas da vida e da produção deste que figura o título. Organizado por Mario Gil – autor, instrumentista, produtor musical e parceiro de Dori –, o presente “livro de música”, em tradução livre, nos imerge no manancial de Caymmi. Entre movimentos que margeiam sua coletânea de canções, um acervo de partituras, cifras e arranjos, e alguns testemunhos biográficos do jornalista Claudio Leal e de artistas nacionais, este material nos oferece a possibilidade de acessar a arqueologia do enredo musical de Dori e as histórias que contam sua história, seu percurso em cima e nos bastidores do palco – seja este musical ou cênico. Se a música apresenta o singular e o universal em nós, gorjeia, portanto, notas pungentes para a compreensão de um tempo. Na direção desse passo, conjugado ao interesse de contribuir para a preservação da memória imaterial do país, a edição deste livro encontra e faz emergir valores do Sesc orientados para viabilizar o acesso às artes, à produção e partilha de conhecimentos, e a experiências no campo do sensível que permitam a percepção e fruição musical.

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Dori em songbook Mario Gil

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Há alguns anos, Dori me mostrou, reunidos numa pasta, alguns manuscritos de suas canções, elaborados com um capricho encantador, e me relatou a sua vontade de fazer um songbook, para deixar como legado para as próximas gerações. A ideia era bastante despretensiosa e muito generosa. Ele queria apenas deixar um registro de como executa as suas próprias músicas ao violão, para que esse material fosse usado, mais tarde, por estudantes de música. Ali, eu me dei conta de que era inconcebível um artista da sua magnitude não ter sua obra registrada em um livro de canções, afinal, Dori tem participado ativamente da história da nossa música desde a década de 1960. Dono de uma linguagem ímpar como arranjador e compositor, ele pode ainda se orgulhar de ter criado uma linguagem particular como violonista. Aos 80 anos de idade, dos quais mais de sessenta dedicados à carreira musical, Dori acumula uma longa lista de registros de sua arte na música brasileira e internacional. Um livro de canções era então imprescindível, não só para referência futura, mas também como forma de trazer para os amantes do violão os segredos dessas harmonias e afinações. Sugeri então que pensássemos em um projeto mais robusto. Que tal mais músicas? Que tal alguns arranjos orquestrais? Algumas fotos? Alguns depoimentos? E se tivéssemos um texto contando toda a sua trajetória? Dori, mesmo sendo sempre avesso a se autopromover, acabou gostando e aprovando o projeto. De início, precisávamos encontrar alguém que se aventurasse a escrever o perfil de um artista de carreira tão prolífera quanto Dori. Claro, existem bons jornalistas brasileiros que poderiam fazer esse trabalho, mas como Claudio Leal são poucos. E foi Claudio que, depois de algumas entrevistas e muita dedicação, nos apresentou um texto empolgante, simples e conciso.


Enquanto o texto ia tomando forma, escolhemos as músicas, e Dori se debruçou sobre essas canções, reescrevendo a forma como as compôs e os arranjos para violão. Todos os detalhes, cada uma das notas da melodia, cada acorde, a afinação, as letras, tudo ali, com aquele detalhismo que confere singularidade à sua obra. É uma obra que conheço bem, afinal, além de admirador desde a infância, tive a oportunidade de estar ao seu lado de forma bastante intensa nos últimos vinte anos. Gravei, em meu estúdio, o violão e a voz de Dori em mais de cem canções, fui seu copista em dezenas de orquestrações e seu assistente em outros trabalhos, como nos álbuns Fruta Gogoia, de 2018, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020. Ainda assim, logo que tive contato com os manuscritos destinados a este songbook, entendi que precisaríamos de um violonista que já conhecesse sua obra e suas particularidades para nos ajudar com uma revisão técnica do trabalho. Dori conhecia Paulo Aragão desde criança, e nos pareceu que não poderia haver alguém mais capacitado para essa empreitada. Paulo topou e fez não só a revisão técnica, como participou de todo o processo. Os manuscritos saíam da mão do Dori para o computador do copista, o nosso incansável Cezinha Oliveira. Do Cezinha, seguiam para a minha primeira leitura. Passada essa fase, ganhavam a digitação e primeira revisão do Aragão e depois voltavam pra mim. Em seguida, a segunda revisão do Aragão, e novamente caíam em minhas mãos. Depois, a revisão final do Dori. Por fim, o designer gráfico. Parece muito trabalho? É muito trabalho. É ruim? Não. É maravilhoso! Helena Leal pôs-se a fazer um levantamento das fotos de família, de amigos e da infância de Dori. Guto Burgos, o amigo de todos os artistas, conseguiu que grandes colegas e parceiros, tão ocupados

em suas agendas, enviassem depoimentos carinhosos. Completa o projeto a gravação de um álbum com 12 canções. A ideia que nos pareceu mais coerente seria nos concentrarmos nas canções que apresentam uma linguagem mais violonística, que é marca da obra do Dori. Renato Braz, nosso amigo comum, sugeriu que convidássemos 12 violonistas de uma geração nova para executar as transcrições do livro. Grande ideia. O livro cumpriria desde o nascimento a sua missão pedagógica. Eu e Aragão cumprimos então a difícil missão de escolher 12 violonistas. Era uma tarefa difícil não por ter de encontrar esses músicos, mas por ter de deixar de fora tantos violonistas incríveis. Dori sugeriu que convidássemos também três cantores para dividir com ele as gravações. Convidamos Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos, intimamente ligados à sua obra. Danilo Caymmi, irmão de Dori, fez uma participação mais que especial na canção “Alegre menina”. Escrevi o projeto e apresentei à equipe das Edições Sesc São Paulo, que encampou a ideia, tornando possível esta obra que, modestamente, “esbanja” carinho, sofisticação e música. Salve, Dori Caymmi!

Mario Gil é mineiro de Juiz de Fora, nascido em 1962 e radicado em São Paulo desde 1983. Como violonista, venceu o 2º Concurso de Seleção de Jovens Instrumentistas da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) de São Paulo e foi finalista do 3º Prêmio Visa de Música Brasileira, Edição Compositores. Mario gravou três discos solos e um disco em grupo, e nos últimos anos, divide suas atividades entre produções, direções musicais e sua carreira como compositor e violonista.

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Dori Caymmi, o cantador Claudio Leal

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Dorival Tostes Caymmi, o Dori, nasceu no Rio de Janeiro, em 26 de agosto de 1943, e não encontrou as facilidades esperáveis de seu sobrenome. Bem ao contrário. Para tornar-se músico numa família musical, ele precisou caminhar contra o vento. Filho de Stella e Dorival Caymmi, um dos maiores compositores brasileiros de qualquer tempo, o garoto gostava de futebol, torcia pelo Fluminense e não encontrava afagos paternos para desenvolver uma carreira artística. Seus irmãos Nana e Danilo enfrentavam semelhante resistência, mas seguiriam por igual, e com independência, o chamado da música. Dos três, Dori seria aquele que teria uma vida mais intensa em estúdios antes de apresentar-se com frequência nos palcos. Impossível não absorver a atmosfera artística da casa de Dorival e Stella. Antes do casamento, a mãe chegara a se apresentar como cantora (nome artístico: Stella Maris) na Rádio Nacional, onde, nos bastidores de um programa de calouros, conheceu o baiano Dorival, radicado no Rio desde 1938. De Stella, Dori herdou não apenas a sensibilidade musical, mas a verve e as opiniões diretas, sem volteios. Em casa, aprendeu a gostar das canções populares e das peças eruditas ouvidas pelo pai. No rádio, uma vez por semana, a família acompanhava o programa Lã Sans apresenta Dorival Caymmi, do cronista pernambucano Antonio Maria. “Meu pai era uma pessoa muito aberta para todos os campos musicais, minha mãe também. Então, a gente ouvia da música brasileira até a ópera, a ária, mas o lado dele musical era, por exemplo, Jacob do Bandolim. Eu até gravei uma música chamada ‘Migalhas de Amor’, de Jacob. A gente ouvia Jacob do Bandolim, ouvia os cantores brasileiros todos da época. E ouvíamos Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Sinatra, Nat King Cole. Eu fui aprendendo isso muito menino. E a Nana também.”


Nana conta que, desde cedo, a musicalidade de Dori surpreendeu a família. “Ele sempre foi muito musical. Tem uma passagem dele com minha mãe que é terrível. A mamãe começou uma dieta. Ele devia ter 7 anos e foi com ela à cidade fazer compra. Ele queria porque queria entrar na confeitaria Colombo. Mamãe achou que ele queria lanchar. Que nada. Ele não quis nada. Ele queria ouvir os violinos. Depois de sentar, minha mãe foi obrigada a comer alguma coisa, pra Dori ouvir os violinos. Todos nós tínhamos uma influência muito grande de música popular e erudita. Em todas as reuniões tinha muita cantoria. A irmã do papai cantava muito bem, as irmãs da mamãe cantavam, todo mundo muito afinado. Meu avô tocava piano. Quando ia lá pra casa, tocava as músicas dele do interior de Minas. Era sempre muita música.” Na gênese de seu trabalho de arranjador e compositor, Dori reconhece tanto as influências familiares como a força dos artistas modernizadores da música popular brasileira, quase todos velhos amigos de Dorival Caymmi, alguns deles seus conhecidos desde a infância. “A minha geração foi muito feliz. Esse é o ponto básico dessa história toda. Foi precedida por compositores fantásticos como Noel Rosa, Ary Barroso, Caymmi, Pixinguinha, Braguinha, Lamartine Babo. Era tudo muito criativo. Havia cantores como Sílvio Caldas, Orlando Silva. Orlando influenciou João Gilberto. Os caras faziam uma música maravilhosa e isso foi uma base pra geração seguinte, que vem influenciada pelo jazz: Dick Farney, Lúcio Alves, João Donato, Tom Jobim, João Gilberto. João Gilberto entrou com uma coisa moderna, cantando até ‘Aos pés da cruz’, mais dramática, com Orlando. João amaciou tudo. Nossa geração levou um susto. Todo mundo parou quando veio ‘Chega de saudade’.

‘O que é que é isso?’ O Brasil parou. Depois veio a minha geração, muito mais brasileira. Poucos seguiram a bossa nova. Ela veio com o golpe militar de 1964 e junto com o Teatro de Arena e o Cinema Novo, que mudou o foco para os problemas sociais do Brasil.” Seus estudos de piano progrediram dos 8 aos 11 anos com as professoras Lúcia Branco e Nise Obino. Ele não tardaria, no entanto, a reconhecer a sua distância do instrumento. “Lúcia Branco me avaliou. Eu tinha paixão por ‘Clair de lune’ [Debussy] e me encantei pelo piano. Eu tinha uns 8 anos. Com os três dedos, procurei reproduzir Debussy. Dona Lúcia achou que eu tinha um ouvido muito bom pra minha idade e me mandou pra sua assistente. Ela falou pro meu pai: ‘Esse menino tem uma tendência musical maravilhosa, mas não vai ser pianista. Ele não tem jeito de pianista’. Fui pra Nise Obino, uma das professoras mais importantes da época. Querida. Seu aluno mais famoso foi o Nelson Freire. A minha aula vinha logo depois da dele. Ficamos amigos para sempre.” Sua formação tomou a partir de então outros rumos, mas houve alguma persistência nos estudos de piano. “Fui para o Conservatório Lorenzo Fernandez, no centro do Rio, na avenida Rio Branco. Mas eu também fui péssimo aluno. E aí era aquela coisa rígida. Sempre a mesma coisa, aquele som clássico, muito clássico. Beethoven, Mozart. E eu tinha uma tendência já ‘Clair de lune’, já Debussy. Minha mãe cantava versões, no rádio, uma das quais ‘Rêverie’, de Debussy, acompanhada de Laurindo de Almeida. Isso teve grande influência em minha vida. De Chopin eu gostava muito, adorava uns ‘Noturnos’. Mas olhei pro piano e vi que esse não era o meu negócio. Veio o colégio interno. Fui pra Cataguases.

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Lá eu continuei, por um tempo, as aulas de piano com Auxiliadora, uma pessoa muito querida.” Os estudos formais oscilavam ainda de acordo com as personalidades e excentricidades dos mestres, muito embora o aluno nunca abandonasse a sua intuição insubordinada. “Estudei um pouco de teoria musical, mas sempre pegando o professor errado. Fui parar no Paulo Silva, que usava aquela gravata de pintor. Era um negro alto, meio zangado, e não gostou muito de mim. Ele era aquela coisa quadrada de professor de harmonia. E me mandou para o Moacir Santos [maestro e arranjador, que lançaria em 1965 o clássico álbum Coisas]. Outra coisa engraçada. Quem tomava aula antes de mim era o Geraldo Vandré. Eu fui para o Moacir, mas, na realidade, quase não estudei a teoria com ele. Ficava fascinado, ouvindo a música dele. Moacir Santos é um dos meus ídolos e influenciadores. Então, até hoje tenho uma dificuldade para saber se é si bemol ou lá sustenido. Passo por cima dessas coisas. Eu sou um doido de pedra porque não consigo assimilar. É um negócio cansativo. Parece que não tenho tempo pra esse tipo de coisa. Sempre fui autodidata. Quando decidi ir para o violão, foi num sítio do papai, Maracangalha, onde tinha um violão amarelo.” No sítio da família Caymmi, na Baixada Fluminense, Dori pegou o violão e experimentou acordes, seguindo as orientações de uma revista. Como se sabe, essa aproximação seria irreversível. “Descobri que, movimentando acordes, se repetia meio tom, meio tom. Uma vez vi uma fotografia do Baden numa revista e copiei o acorde. Eu tinha 15 anos.”

Bossa Em 1958, nas rádios do país, a difusão de “Chega de saudade” fez de João Gilberto um mestre instantâneo e ampliou o interesse pelos mistérios

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do violão entre os jovens músicos da idade de Dori. Neste ponto, ele é assumidamente geracional, integrando-se à febre da decifração do estilo de João. Para a sua sorte, houve proximidade pessoal com o violonista nascido na cidade baiana de Juazeiro, nas margens do rio São Francisco. Seu pai era um dos compositores fundamentais do repertório do inventor da bossa nova, comparecendo com “Rosa morena” no álbum Chega de saudade, de 1959, e com “Samba da minha terra” e “Saudade da Bahia” no disco João Gilberto, de 1961. “João é a minha formação de violonista. Meu violão está entre papai, João e Baden Powell. Esses são os caras que eu segui. E vi Garoto tocar na casa do Radamés Gnattali. Eu não vi o dilúvio, mas pisei na lama. Meu violão é dividido assim. Primeiro, Canções praieiras [disco de Dorival Caymmi lançado em 1954]. Aí, Baden Powell começa a aparecer lá em casa. Eu já tocava violão, mas tinha paixão pelo jeito que o Baden tocava, entre o samba e o choro. Ele vinha da escola do Meira, mas, ao mesmo tempo, tinha um samba que ninguém tinha no choro. Aliás, acho que é o melhor samba. Ainda acho que, de todos os compositores de samba da nossa geração, Baden é o cara. Ele tem coisas formidáveis com Paulo César Pinheiro. Enfim, o meu violão está distribuído assim. Quando eu vi João, ele ainda vivia na rua Carlos Góis, no Leblon, no Rio de Janeiro. Eu ia muito ao apartamento dele, por causa do meu pai, naturalmente. Ele me aturou muito, e eu era uma coruja, ficava olhando. Ele era um perfeccionista. O negócio dele era tocar dezenas de vezes a mesma coisa, meses assim, para dominar. E isso me ensinou muita coisa da precisão. Quando eu ia para o estúdio, era o João Gilberto, porque no estúdio toda a informação que tive do meu pai ou do Baden quase que deixa de existir. Quando componho, aí aparece o Dorival Caymmi, aparece o Nordeste e entra o ‘ainda ontem eu vim


de lá do Pilar’ [“Do Pilar”, de Jararaca]. As pessoas falam mais de Luiz Gonzaga. Eu gostava dele, mas, quando ouvi o Jackson do Pandeiro, caí para trás. Eu sempre saí do popular. É uma tendência, não tenho explicação para isso. E não tolero a repetição. João Gilberto foi a única pessoa que tolerei preparando e tocando da mesma maneira. Mais tarde, fiquei um mês com ele em Nova York, naquela loucura dele de dormir às 6h e acordar às 17h. Então eu ficava com ele até 6h tocando violão e ouvindo ele tocar.” “Eu acho que Dori foi pro violão mais pelo Baden. Ele tinha muita influência de Baden, inclusive o substituiu num show”, acredita Nana. Numa aliança que se repetiria até a maturidade, Dori e Nana caminharam juntos no início da vida profissional. Em abril de 1960, antes de completar 17 anos, ele a acompanhou no programa A Canção de Nana, produzido por Eduardo Sidney e exibido, às 18h, na TV Tupi, no bairro da Urca. Nesse ano, em setembro, os irmãos ainda fariam um show em Salvador, a cidade do pai. Ao mesmo tempo, Dori formava um trio com os amigos Marcos Valle e Edu Lobo, mas logo suas energias se voltariam para o teatro.

Teatro, estúdio, TV Ainda naquele 1960, Dori assumiu a missão de pensar trilhas sonoras para o grupo Teatro dos Sete, formado por Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Gianni Ratto, Sérgio Britto e Ítalo Rossi. Com Nana, participou da adaptação teatral de Terras do sem-fim para a tevê, com músicas de Dorival Caymmi e letras de Jorge Amado. Nessa vivência na TV Tupi, ele não só aprimorou o dom para trilhas como aprendeu a criar com poucos recursos, observando o malabarismo financeiro das produções do grupo dos Sete. “Esse contato com o teatro foi importante na minha vida. Esse elenco fabuloso

ensaiava o dia inteiro e entrava no ar, ao vivo. Não havia videotape”, lembra Dori. Em 1964, o golpe militar abalou o horizonte de transformações sociais da esquerda, com a queda do presidente João Goulart e a ascensão dos generais, e atingiu artistas e intelectuais vinculados ao Centro Popular de Cultura (CPC), braço artístico da União Nacional dos Estudantes (UNE). O engajamento nas reformas de base e no método de alfabetização de Paulo Freire sofreu um corte violento dos militares. Nos anos seguintes, a censura federal ampliaria sua presença na música, no teatro e no cinema, restringindo a livre expressão artística. O país utópico da bossa nova parecia se desmanchar. Entretanto, de abril de 1964 até o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968, ainda houve margem para a contestação ao autoritarismo em peças e canções. Na sequência do golpe, Dori integrou espetáculos de grande impacto no teatro moderno brasileiro e na resistência cultural à ditadura nascente. Ele fez a direção musical do Opinião, dirigido por Augusto Boal, em 1964, e da montagem carioca de Arena conta Zumbi, em 1966, peça escrita por Boal e Gianfrancesco Guarnieri, com músicas de Edu Lobo. Outros trabalhos relevantes seriam Calabar (1973), de Chico Buarque e Ruy Guerra, dirigido por Fernando Peixoto; Gota d’água (1975), de Chico Buarque e Paulo Pontes, inspirado em Medeia, de Eurípedes, e dirigido por Gianni Ratto; e O santo inquérito (1976), de Dias Gomes, com direção de Flávio Rangel. “No Opinião, os dois músicos que tocaram comigo eram amadores: João Jorge Vargas (bateria) e Alberto Hekel Tavares (flauta). Eles centralizaram muito na Nara Leão. João do Vale era quem divertia o público. O Zé Kéti tinha um samba mais sério. Estávamos em pleno 1964, com o general Castelo Branco. A Nara resolveu sair e isso coincidiu com a minha saída também. Entrou o Roberto Nascimento.

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Eu comecei a ficar muito ligado no teatro”, relembra Dori. Algum tempo depois, ele soube que seu pai fora levado ao espetáculo por um amigo, Marcelo Machado, e se confessara orgulhoso com o desempenho do filho. No ano do Opinião, Dori participou do álbum coletivo Caymmi visita Tom e leva seus filhos Nana, Dori e Danilo, lançado pela Elenco, no qual seus pais e irmãos se uniram ao piano de Tom Jobim, frequente visitante do apartamento da família. Dori acompanhou a mãe, Stella, em “Canção da noiva”, de Caymmi, e integrou as faixas “Vai de vez”, de Roberto Menescal e Luis Fernando Freire, e “Berimbau”, de Vinicius e Baden Powell. O disco ficou como um belo registro do talento dos filhos de Caymmi na juventude.

Arranjos De 1964 a 1966, como produtor musical da gravadora Philips, Dori aprofundaria suas habilidades de arranjador em discos de Edu Lobo, Eumir Deodato, Nara Leão, Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil, seus companheiros de geração. Ele passará boa parte de sua vida dentro de estúdios e dedicado a orquestrações. Com humor, dizia-se uma “vítima da harmonia”. “Até parei de cantar, porque antigamente a gente se reunia nas festas e eu era o estranho, porque as minhas harmonias, os caminhos, não tinham aquele apelo popular”, explica. Durante uma visita a Dorival Caymmi, em Copacabana, o maestro Radamés Gnattali daria um conselho jamais esquecido por Dori: “Harmonia, meu filho, harmonia. O negócio é harmonia”. Sem demora, o garoto se firmaria como um arranjador referencial na música brasileira. Um mergulho em seu estilo envolve a memória da influência de Barney Kessel, Nelson Riddle e Tom Jobim, além do convívio com os pianistas Luiz Eça e Eumir Deodato.

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Era um ouvinte atento às contribuições específicas de cada mestre. “Tem dois discos que, eu acho, mudaram até a cabeça do João Gilberto. Um deles foi Chet Baker sings [de 1954]. O outro foi o de Julie London com Barney Kessel [Julie is her name, de 1955]. Esses dois discos têm muita importância na minha vida. Outro dia vi Roberto Menescal falando a mesma coisa. Eu ouvia um disco chamado Frank Sinatra sings for only the lonely [1958], que ouço até hoje. E os arranjos são do Nelson Riddle, que era um texano grandão. O cara tinha uma sensibilidade! Ele tinha arranjo pra Frank Sinatra, Nat King Cole e Judy Garland. Era o top dele na época.” Na Califórnia, durante a gravação de seu disco Brasilian serenata no estúdio da Capitol, Dori olhava com respeito um retrato de Riddle e Sinatra na parede. Deuses protetores. A amizade com Luiz Eça, um dos grandes pianistas da noite carioca e criador do Tamba Trio, ao lado de Bebeto Castilho e Hélcio Milito, reverberou na formação musical de Dori, enfático ao lembrar da importância desse convívio. “Comecei a virar arranjador muito incentivado pelo Luiz Eça, que é o cara mais importante da minha vida nessa época. Virei copista dele no disco Luiz Eça & Cordas [de 1965]. Os meandros das cordas fui começando a aprender com ele. Eu frequentava muito a casa de Luiz Eça no Leblon. Foram dias felizes ali, porque aprendi tanto com aquele cara. O Luiz era generoso, talentoso, um pianista maravilhoso. Ele reformulou as cordas. Começou a trazer o pessoal das sinfônicas para gravar nos estúdios, iniciando um novo tempo e melhorando a qualidade das gravações. Nós, tecnicamente, sempre estivemos atrás dos Estados Unidos pelo menos oito canais. Quando a gente tinha dois, eles tinham oito. Quando a gente tinha oito, eles tinham 16. Quando a gente chegou a ter 16,


eles estavam com 48 canais. Os Estados Unidos estão sempre na frente.” Deodato, outro amigo, foi uma inspiração para seus primeiros arranjos de discos na Philips. “Fui muito ligado a Eumir Deodato; gostava muito do tipo de arranjo que ele fazia”, reconhece Dori, citando a influência do colega na hora de formar os conjuntos de instrumentistas nas gravações de “Procissão”, de Gilberto Gil, e “Coração vagabundo”, de Caetano Veloso, incorporando dois saxofones e duas flautas. Dori lembra que Deodato gostava de reunir dois saxofones, uma flauta e uma guitarra. “Produzi com ele Os gatos [disco lançado em 1964 pelo grupo instrumental formado por Durval Ferreira, Neco, Deodato, Paulo Moura, Copinha, Meirelles, Edson Maciel, Norato, Maurício Einhorn, Maurílio Santos e Wilson das Neves]. Usei essa formação. Nessa época, eu estava contratado como produtor pela Philips. Após o sucesso do primeiro disco do Gil, convenci João Araújo a gravar também Caetano.” Ele conhecera Caetano pouco antes, em Salvador, no bairro de Nazaré. Só desconhecia a ideia da gravadora de repartir o álbum de estreia de Caetano com uma jovem cantora baiana, conhecida até então como Gracinha, afinada discípula de João Gilberto. “Domingo é um disco muito bonito, muito simples. Gal Costa está entre as cantoras que eu mais gosto. São quatro dessa geração: Nana, Elis, Gal e Maria Bethânia.” Sua atuação se estenderia a expoentes do cenário musical. “Trabalhei com Caetano, Gal, Edu, Marcos Valle. Fiz também o arranjo de Milton Nascimento em ‘Viola enluarada’ [gravada com Marcos Valle, num compacto lançado pela Odeon, em 1968].” Fora dos estúdios, no Rio, Dori se apresentava com Francis Hime, na boate Bottles, e com Wanda Sá, Vinicius de Moraes e outra vez Hime, no Teatro de Bolso. Seu conceito entre os músicos só crescia,

mas sua projeção popular era discreta. Duas composições em parceria com o letrista Nelson Motta, “Saveiros” e “O cantador”, o colocariam na vitrine e despertariam os olhares de intérpretes. Em 1966, no I Festival Internacional da Canção, produzido pela TV Rio, Nana Caymmi defendeu “Saveiros”, classificada em primeiro lugar na fase nacional e em segundo na fase internacional. Nem bem a noite terminou Vão os saveiros para o mar Levam no dia que amanhece As mesmas esperanças Do dia que passou. A cantora não esquece o efeito abracadabra daquele festival. “‘Saveiros’ me abriu as portas. Eu vinha de uma separação com filho recém-nascido. Nelsinho tendia pra Elis, parece que ele namorava Elis. Mas Dori forçou e me ajudou porque eu tinha me separado, com três filhos, na Venezuela. E foi minha grande libertação dos escândalos. Eu estava sem dinheiro, sem trabalho, sem ser conhecida, a não ser como filha do Dorival Caymmi. Na época do meu primeiro disco [Nana, 1963], pela Elenco [com arranjos de Oscar Castro-Neves], Dori trazia muita música. Ele se dava com todo o pessoal da bossa nova. Eu já era mais presa em casa. As moças eram trancafiadas em casa e os homens saíam. Tudo o que eu cantava era mais ou menos trazido pelo Dori. O resto eram músicas de papai: ‘Nem eu’, ‘Não tem solução’, ‘Só louco’, que ele fez pra cantar em boate.” Em 1967, no III Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, Elis Regina apresentou “O cantador”, ainda hoje uma das canções mais populares do repertório de Dori.

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Amanhece, preciso ir Meu caminho é sem volta e sem ninguém Eu vou pra onde a estrada levar Cantador, só sei cantar. “‘O cantador’ foi a primeira música que eu fiz que despertou a atenção dos outros letristas. Levei até um susto”, ele admite. “Trabalhei com a Elis. Antes de morrer [em 1982], ela disse pro João Araújo, na Som Livre, assim que tinha terminado o casamento com César Camargo Mariano: ‘Eu gostaria muito que as cordas do meu disco fossem do Dori’. A gente tinha uma relação muito boa, profissional. E João me ligou e falou: ‘Elis pediu que você fosse o arranjador’. Ela faleceu. Rogério, irmão dela, que também faleceu pouco depois, selecionou músicas gravadas, não usadas e gravações para a televisão, deixando só a voz. E eu fiz arranjos de três músicas [do álbum póstumo Luz das estrelas, de 1984]: uma do João Bosco com Aldir Blanc, ‘Bodas de prata’, outra de Paulo César Pinheiro com Hélio Delmiro, ‘Velho arvoredo’, e uma terceira de Gilberto Gil, ‘Doente, morena’ [com letra de Duda Machado]. ‘Velho arvoredo’ é a que eu mais gosto.” O fenômeno mundial do rock, nos anos 1950 e 1960, provocou bocejos em Dori, coerente em sua defesa de renovações da música nacional a partir de referências estéticas de mestres brasileiros, e não de estrangeiros, localizando a sua ambição criadora dentro da diversidade cultural do Brasil. Essa aversão às vertentes do pop o afastou de imediato de expoentes da jovem guarda e do tropicalismo, deixando clara a sua divergência com a assimilação de sonoridades roqueiras, assim como, mais tarde, manteria distância crítica dos admiradores do reggae de Bob Marley, do hip hop norte-americano e do funk carioca. Desde então tem sido uma voz contracorrente, sem medo de incomodar

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os colegas medalhões, dos quais nunca deixou de ser amigo. “Os Beatles não me impressionam nada. Zero. Nunca me impressionaram. Não tenho nada contra. Acho bacana a música deles, essas polêmicas, essa mudança radical que aconteceu no comportamento do jovem dessa época. Mas, musicalmente, nem um pouco. Nenhum deles. Nenhuma música deles me impressionou. Me impressionou quando John Lennon morreu, quando ele foi assassinado. Os fãs começaram a cantar ‘Imagine’. Mas pra mim, garoto, não havia a menor possibilidade de eles fazerem a minha cabeça. Fizeram a de Lô Borges, Beto Guedes, do próprio Milton Nascimento. Gil e Caetano, quando gravaram aquele disco [Tropicalia ou Panis et circencis, de 1968], chegaram a fazer uma capa em que todo mundo está vestido de Sgt. Pepper’s. Esse tipo de comportamento me tirou mais ainda dessa coisa do popularismo. Não quero ser famoso.” Essa posição nunca afetou a admiração que despertava em músicos de sua geração, a exemplo dos tropicalistas Gil e Caetano, que, passada a experiência com Dori, se aproximaram de maestros paulistas de vanguarda na construção de arranjos desconstrutivos. À medida que foi gravando seus primeiros discos, Dori passou a ser visto como um mestre do violão brasileiro, além de arranjador disputado, com frequência sensível às inovações formais de seus colegas quando os reconhecia mais próximos de seus gostos e afetos de cancionista. Ele não deixa de se comover com a riqueza estilística aberta pelas rupturas da bossa nova. “A base do violão da minha geração é João Gilberto. Agora, o meu violão misturou muito. A minha geração tem violões diferentes. O caminho é o mesmo. Edu Lobo tem um violão carioca e nordestino. Gilberto Gil vem do interior da Bahia, também influenciado por João Gilberto, com um estilo


próprio. Em Minas, você tem o Toninho Horta. É um violão maravilhoso. O João Bosco é outro violão completamente diferente. Seu ritmo de samba é único. A construção harmônica do violão do Milton Nascimento é diferente, também supercriativa. Tudo isso se deve à riqueza e diversidade da música brasileira. Não gosto do rock brasileiro porque não acho que é uma forma de música brasileira. Eu gosto de rock, ouvi lá fora muita música pop. Respeito vários e vários artistas. Tenho fama de reacionário porque, na minha visão, o Brasil é tão rico que não precisava de maneira nenhuma se utilizar desse estilo. O rock criou vários expoentes. A fase da Rita Lee com Roberto de Carvalho é um grande barato. Aprendi a gostar um pouco desse lado da música pela letras de Rita Lee e pelas melodias do Roberto de Carvalho. Ouvi muito ‘Mania de você’. Uma Rita diferente dos Mutantes.”

Discos e trilhas A estreia fonográfica de Dori Caymmi foi tardia, se comparada à de músicos de sua geração, mas gerou expectativa entre os colegas que conheciam a sua versatilidade. Seu primeiro disco solo veio em 1972. No álbum Dory Caymmi, ele gravou seu carro-chefe, “O cantador”, e outras parcerias com Nelson Motta: “Velho pescador”, “Minha doce namorada”, “Depois de tanto tempo”, “De onde vens?” e “O mar é meu chão”. Só dele, “Lenda”. O disco se abria ainda para a colaboração com Paulo César Pinheiro, letrista de “Evangelho” e “Nosso homem em Três Pontas”. Nos anos 1970, Dori esteve à frente de trilhas para a Rede Globo, sendo memoráveis as da novela Gabriela, em 1975, e do programa infantil Sítio do Pica-Pau Amarelo, em 1977, baseado na obra de Monteiro Lobato. Esses dois trabalhos são lembrados como marcos da história da televisão

brasileira. Para o Sítio, em diálogo com o produtor Guto Graça Mello, Dori incorporou Dorival Caymmi, Ivan Lins, João Bosco, Chico Buarque, Francis Hime, Geraldo Azevedo e Sérgio Ricardo. Gilberto Gil compôs a música de abertura. A direção musical de Dori comprovava que a mídia de massa podia, sim, oferecer biscoito fino em horário nobre, sem perder audiência. Sua atuação no cinema – menos extensa que no teatro e na tevê – inclui os filmes Tati, a garota (1973), de Bruno Barreto, Sagarana, o duelo (1974) e Batalha dos Guararapes (1978), de Paulo Thiago, Bela Donna (1998), de Fábio Barreto, e Lara (2002), de Ana Maria Magalhães. Ele colaborou ainda com trilha de Tom Jobim para A casa assassinada (1971), de Paulo César Saraceni. Dois anos depois, Jobim o convocaria para a gravação do álbum Matita Perê, de 1973. “Fiz a música do filme [Sagarana, o duelo] de Paulo Thiago, com música de Tom. Só orquestrei variações de ‘Matita Perê’. Eu tinha trabalhado uns três meses com o Tom, que foi gravar com Claus Ogerman nos Estados Unidos, porque nós tentamos com orquestra no Brasil e Tom não gostou. Nem eu. Ele foi fazer isso em Nova York com Claus Ogerman, um dos maiores arranjadores que eu conheci. Em ‘Saudade do Brasil’ [do álbum Urubu, de 1976], que é o meu trabalho favorito dele com Tom Jobim, Claus reproduziu com orquestra o piano de Tom Jobim. Seu trabalho como instrumentador é impecável, lindo. Tom dizia assim: ‘Bote um alemão na sua vida’. Mais tarde, tive a oportunidade de gravar com ele a música ‘S wonderful’, no CD The look of love [2001], de Diana Krall.” Na década de 1970, Dori selou uma rara parceria com o romancista Jorge Amado em duas canções, “Alegre menina” e “Me levem embora”. Em grande medida, esse encontro foi proporcionado pela velha amizade de seu pai com o autor de Mar morto e Capitães da areia. Amado, Dorival e o pintor

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Carybé formavam a trinca de artistas que ajudaram a construir a imagem mítica da Bahia, destacando a importância da cultura negra em sua formação humana e ressaltando manifestações culturais populares. “O Jorge é o escritor brasileiro que mais me comoveu musicalmente”, afirma Dori. “Alegre menina” virou um hit. E “Me levem embora” seria mais tarde gravada pela cantora Ivete Sangalo para a trilha de um remake da novela Gabriela, na Globo, em 2012. Eis uma união inusitada entre Dori e uma estrela do axé, gênero musical baiano do qual sempre foi crítico. Oito anos depois de sua estreia discográfica, ele lançou o LP Dori Caymmi, em 1980. Com dez faixas, o álbum reúne obras-primas de seu cancioneiro e privilegia outra vez a sua colaboração com os letristas Nelson Motta e Paulo César Pinheiro, seus parceiros e pilares. Com Motta, “Saveiros” e “Festa”. Com Pinheiro, “Guararapes”, “Estrela da terra”, “A porta”, “Desenredo”, “Desafio” e “Tati, a garota”. Com Jorge Amado, “Alegre menina”. De autoria integral de Dori, “Porto”. Era difícil apontar a mais bela. “Desenredo” trazia a força poética de sua união com Pinheiro: Por toda terra que passo me espanta [tudo que vejo A morte tece seu fio de vida feita ao avesso O olhar que prende anda solto O olhar que solta anda preso Mas quando eu chego eu me enredo Nas tramas do teu desejo. Ele não tardaria a regressar aos estúdios. Em 1982, saiu um novo disco com seu nome, no qual incluiu as delicadas “Serra branca” e “Flor das estradas”, com Paulo César Pinheiro, e um célebre samba de seu pai, “Você já foi à Bahia?”. Seus arranjos virtuosos, de expressão instrumental brasileira e econômicos em seus elementos, passaram

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a ser celebrados por seus mestres soberanos. “Um grande momento é quando o seu mestre reconhece você. Tenho dois momentos assim”, conta Dori. “Fiz arranjo para o Tom Jobim em ‘Chanson pour Michelle’ e ‘Bangzalia’, no disco de O tempo e o vento [trilha da minissérie da Globo baseada na obra de Érico Verissimo, em 1985]. O Tom Jobim veio tirar o chapéu. Com muita dificuldade, porque ele tinha muita dificuldade de elogiar. O segundo foi Radamés Gnattali, que vivia me falando ‘harmonia, harmonia e harmonia’. Um dia, Hermínio Bello de Carvalho disse que a Nana devia gravar ‘Amargura’, do Radamés. Quando eu entrei no estúdio da Globo, o Radamés me abraçou: ‘Que coisa linda! Você melhorou a minha música. Que maravilha’. Eu lembrei pra ele: harmonia. Radamés é um dos meus maiores ídolos.”

Los Angeles Em 1989, num período em que colaborava com Sérgio Mendes, músico brasileiro radicado nos Estados Unidos desde 1966, Dori decidiu trocar o Brasil por Los Angeles, onde conseguiu ser contratado pela gravadora Qwest, de Quincy Jones. Dori e sua esposa, Helena, com quem se casaria em 1991, viveram inicialmente em Sherman Oaks, distrito de Los Angeles, no Vale de San Fernando; em 1993, compraram uma casa em Woodland Hills. “Eu acho que virei mais músico quando saí do Brasil. Fiquei mais ligado em disco. Porque assinei um contrato de três discos com a gravadora do Quincy Jones, no que deu o Brasilian serenata [1990], que é o primeiro disco e o que mais gosto depois do Kicking cans [1992], o segundo, e o If ever [1994], o terceiro. Depois de uma homenagem ao Johnny Mandel, fiz um disco de cinema [Cinema: a romantic vision, de 1998] para a companhia japonesa Hori Pro. Passei a minha vida nos EUA fazendo


música brasileira, mais do que fazia no Brasil, porque aqui já estava me incomodando. As rádios tocavam Zé Ramalho, Fagner, Belchior, aquele meio rock, meio pop, muito incentivado pelo André Midani, diretor da WEA no Brasil e Polygram.” Depois da colaboração inicial, Dori se afastaria de Sérgio Mendes por não se reconhecer nas fórmulas comerciais da música pop. Mais uma vez, Dori insistia em ser Dori. Um dos mais influentes produtores da história da música norte-americana, Quincy Jones revelaria que havia muitos anos tentava trabalhar com Dorival Caymmi, sem obter sucesso nos contatos. “Conheci o Quincy no Rio de Janeiro, em um festival em 1967, quando ele veio com uma cantora jovem e fez um arranjo [da canção “The world goes on”]. Ele tinha paixão pelo meu pai, me procurou porque papai tinha cantado no Andy Williams Show [na emissora norte-americana NBC, em 1965]: ‘Tentei de todas as maneiras achar o seu pai para fazer algo. Fiquei impressionado’. Se você assiste ao programa desde o início, papai pega o violão com uma facilidade e canta que é um negócio. Tem até um suingue dele no samba que você jamais vai conseguir reproduzir. O Baden tentou, sem sucesso. ‘Seu pai toca de um jeito inimitável.’ Vem mais ou menos da Chiquinha Gonzaga, quase do corta-jaca. Tem tanta gente boa e ninguém consegue. Você pode tentar imitar, mas tem um jeito do dedo da mão direita dele em ‘O que é que a baiana tem?’, meio choro, meio corta-jaca. Foi um susto nos Estados Unidos.” Nos anos vividos em Los Angeles, Dori fez trilhas para filmes e arranjos para artistas como Natalie Cole, que gravou uma versão em inglês de “O cantador” (“Like a lover”), Barbra Streisand e Sarah Vaughan. Nos anos 1960, antes de morar nos Estados Unidos, ele tocara com o conjunto do saxofonista Paul Winter, identificado com a bossa nova.

“Os primeiros anos americanos foram muito bons para mim, com Quincy Jones, com a gravadora dele. Eu entrei em contato com os meus grandes amigos, os meus grandes heróis favoritos. Foi uma vida boa, uma vida nova, tecnicamente muito melhor, mais organizada. Fiz umas participações em cinema. A mais evidente foi em Havana [1990], do Sydney Pollack. O meu manager tinha um clube chamado Le Café. De vez em quando vinham artistas famosos do cinema e da área de música: Phil Collins, Natalie Cole, James Coburn, Spike Lee e Sydney Pollack, que me convidou para gravar ‘Hurricane country’, de Dave Grusin, no filme Havana.” A trilha de Irmãos de sangue [Clockers, 1995], de Spike Lee, também ganhou arranjos seus. Em Los Angeles, ele reencontrou o compositor e arranjador Oscar Castro-Neves, do grupo carioca da bossa nova. “Oscar era outro amigo querido. Eu o conheci em Copacabana, rapazinho ainda. Ele fez o arranjo de uma música minha, ‘Velho pescador’, que a Nana gravou no primeiro disco dela, da Elenco. De vez em quando ele dizia: ‘Dori, vamos fazer um show?’. Era não sei em que quintal. Ele me chamava e eu fazia.”

Raízes A intensidade de suas experiências musicais não impediu que se insinuasse, aos poucos, o desejo de regressar ao Brasil. Na observação do panorama, era perceptível a vulgarização do estilo bossa-novista entre artistas norte-americanos e brasileiros residentes no exterior. “Estava acabando, estava mediocrizando a visão musical em relação ao Brasil. Todo mundo era bossa nova, todo mundo tocava bossa nova. Então, ficou medíocre demais. Comecei a trabalhar muito no Brasil. Com Kaz Hori [da gravadora Hori Pro], gravei quatro CDs: Cinema, Influências,

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Contemporâneos e Mundo de dentro. Com Gal Costa, participei de uma turnê por cidades como San Francisco, Los Angeles e Nova York, logo depois do atentado de 11 de setembro.” Seu disco Influências, de 2001, mobilizou canções de compositores relevantes em sua formação e trouxe duetos com as cantoras Maria Bethânia, em “Serenata do adeus” (Vinicius de Moraes), Nana Caymmi, em “Linda flor” (Luiz Peixoto, Marques Porto e Henrique Vogeler), e Gal Costa, em “Conversa de botequim” (Noel Rosa e Vadico). No repertório, “Clair de lune”, de Debussy, uma evocação de sua infância, “Da cor do pecado”, de Bororó, “Copacabana”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, e três de Dorival Caymmi: “Lá vem a baiana”, “Acontece que eu sou baiano” e “É doce morrer no mar”. Ele interpretou ainda “Berimbau”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, “Migalhas de amor”, de Jacob do Bandolim, “Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, “Pé do lajeiro” (João do Vale, José Cândido e Paulo Bangu), entre outras. As gravações reuniram Paulinho da Costa (percussão), Abraham Laboriel (baixo), Billy Childs (piano), Bill Cantos (piano e teclados) e Michael Shapiro (bateria). “Pus Dominguinhos para cantar ‘Pé do Lajeiro’. Grande músico e compositor. Meu ídolo.” Nesse álbum, Dori repassa a construção da modernidade na música brasileira, elegendo as canções afinadas com seus afetos e seu imaginário pessoal, minucioso na escolha de compositores alinhados com a sua utopia de sempre dar protagonismo às belezas rítmicas do país. Em 27 de maio de 2001, em entrevista ao jornal O Globo, Caetano Veloso elogiou Influências em termos efusivos. “O que mais gostaria de comentar é o novo disco de Dori. É uma das coisas mais lindas que ouvi ultimamente, que mais me tocaram. É o disco brasileiro mais profundo em muito tempo, mais rico musicalmente

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e mais contundente na mensagem estética e histórica”, disse. Depois do tributo aos mestres ancestrais, Dori investiu em uma celebração geracional no disco Contemporâneos, de 2003. No repertório, ele investigou a diversidade de sua geração, articulou músicas que já haviam passado pelo seu crivo de arranjador e pinçou aquelas cujas melodias mais o emocionavam. Por esse motivo, é um disco singular em seu tempo e muito meditado na estrutura. Comparecem composições de Paulinho da Viola (“Coisas do mundo, minha nega”), Ivan Lins (“Lembra de mim”), Gilberto Gil (“Procissão”), João Bosco e Aldir Blanc (“Bala com bala”), Edu Lobo e Chico Buarque (“Choro bandido”), entre outros. Caetano Veloso canta “Januária”, de Chico, que, por sua vez, canta “Sampa”, de Caetano. Para “Flor das estradas”, Dori convidou o jovem cantor paulista Renato Braz, uma das vozes contemporâneas que mais admira e a quem considera como um filho musical. “O Contemporâneos trouxe muita gente da minha geração. E é um disco esteticamente muito bonito. Eu me lembro do susto que eles levaram com ‘Sampa’. O próprio Chico Buarque levou um susto porque em ‘Sampa’ a cidade ficou muito mais bonita. Caetano mesmo disse: ‘é melhor que a gravação de João Gilberto’.” Em 2003, no lançamento do disco, em entrevista ao repórter Luís Edmundo Araújo, da revista IstoÉ Gente, Dori rememorou a sua trajetória em relação aos colegas e mestres precedentes. “A minha geração toda pulou na minha frente. Quando gravei meu primeiro disco, em 1971 [lançado em 1972], Milton Nascimento já tinha estourado. Caetano e Gil também. Gravei com medo de não ser aceito, porque havia o nome, Dorival Caymmi, e eu sou Dorival Caymmi. […] Por necessidade mesmo fui ficando mais ligado ao artesanato musical.


Não tive a chance de conhecer o outro lado da personalidade, que é a fama, mas via a fama nas outras pessoas e tomei o cuidado de evitá-la. Se tivesse de me vender para ficar famoso, eu parava.” “Meus maiores incentivadores foram Luiz Eça e Tom Jobim. Comecei a gravar com violão. Baden às vezes me chamava para substituí-lo. Fizemos até um show juntos na boate Drink, no Rio”, diz Dori em 2022. Em entrevistas ao longo da carreira, Dori insistiu na aversão ao sucesso amparado na estética pop e em estratégias midiáticas, bem como no jogo performático ou escandaloso diante de plateias, a seu ver, um diversionismo em tudo oposto à essência de sua arte. Nesse sentido, esteve na contracorrente da indústria musical de massa ou dos grupos de rock superpop dos anos 1960, nos quais germinaram empresários responsáveis por estratégias de comunicação, não somente por cachês e contratos com gravadoras. “Nunca fui o cara da frente, o cantor do Rock in Rio pra 50 mil pessoas. Na passeata dos 100 mil [em 1968], não fiquei no bolo dos artistas. Não sou chegado. Acho que só apareci numa foto com outros artistas na casa de Vinicius de Moraes. Sempre fui um cara atrás do pano. Passei a vida assim. Acho que comecei a me expor mais nos Estados Unidos. Sou um cantor de ocasião. Não sou um cantor profissional. Eu canto quando sinto que posso cantar, quando tenho trinta pessoas que gostam. A quantidade de gente cansa um pouco a minha beleza. Você não alcança mais, não consegue mais transmitir. Prefiro o olho no olho.” Em 2006, Dori dividiu com a cantora e compositora Joyce o disco Rio-Bahia, que trouxe canções suas com Paulo César Pinheiro e sua única parceria com Chico Buarque, “Fora de hora”, regravada depois no disco Mundo de dentro, de 2010.

Fora de hora o meu coração Pega a pensar no seu Será que ele também De mim não se esqueceu Será que embora um bom coração Deseja mal ao meu. Na sequência ele lançou quatro álbuns: Poesia musicada, de 2011; Setenta anos, de 2014; Foru 4 Tiradente na Conjuração Baiana (com a Acari Records), de 2015, com músicas compostas para a peça homônima do ator e escritor Mário Lago, censurada nos anos 1970; e Voz de mágoa, de 2016. Em 2017, fez os arranjos de Fruta Gogoia (Selo Sesc), álbum de Renato Braz e Jussara Silveira em homenagem à Gal Costa, com direção artística de Luiz Nogueira e musical de Mário Gil, de quem ficaria próximo em projetos recentes, inclusive em seu songbook. Em 2018, veio o disco Edu, Dori e Marcos, com Marcos Valle e Edu Lobo, celebrando uma amizade musical de mais de cinquenta anos. Em 2022, depois do isolamento da pandemia da Covid-19, lançou com Mônica Salmaso o disco Canto sedutor, na Biscoito Fino. As apresentações nas unidades do Sesc-SP aprofundaram seu desejo de retomar a vida profissional no Brasil. Ele voltaria a residir no Rio de Janeiro em 2017, mudando-se em seguida para Petrópolis, na região serrana do estado. A releitura da obra de seu pai, ao lado dos irmãos Nana e Danilo, tem sido um eixo relevante em seu trabalho como cantor, instrumentista e arranjador. No disco Tome conta de meu filho, que eu também já fui do mar..., de 1996, ele gravou as canções praieiras, essenciais ao seu aprendizado do violão, no qual se consolidou como o maior intérprete masculino do cancioneiro de Dorival Caymmi (depois do próprio, claro). Em 2004, veio o álbum Para Caymmi, de Nana,

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Dori e Danilo, vencedor da categoria Melhor Disco de Samba, no Grammy Latino. Outra vez com os irmãos, gravou o disco Caymmi, em 2013, que incluiu canções como “História pro Sinhozinho”, “Francisca Santos das Flores”, “Retirantes”, “Acaçá”, “Itapoã”, “Fiz uma viagem”, “Roda pião”, “A Mãe d’Água e a menina”. No ano seguinte, dirigiu, com o compositor e arranjador Mario Adnet, o disco Caymmi centenário, que promoveu o encontro das vozes de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil em uma só música, “O que é que a baiana tem?”. Quinze canções clássicas de Caymmi mereceram novos arranjos de Dori e Adnet, entre elas “Sargaço mar”, “Rosa morena”, “Dora”, “Vatapá”, “João valentão” e “Nem eu”. Danilo e Nana participaram do projeto. Nos últimos anos, ele voltou a escrever arranjos primorosos para Nana. Em 2019, com Cristóvão Bastos, fez a direção musical do disco Nana Caymmi canta Tito Madi (produzido por José Milton), e, em 2020, realizou o antigo sonho de gravar Nana, Tom, Vinicius, um retorno às canções de Tom Jobim e Vinicius de Moraes no lendário Canção do amor demais (1958), de Elizeth Cardoso. As cordas foram gravadas pela Orquestra de São Petersburgo, na Rússia. Dessa forma, Nana e Dori regressaram a obras-primas como “Eu sei que vou te amar”, “Sem você”, “As praias desertas”, “Janelas abertas” e “Se todos fossem iguais a você”, entre outras. “É um sonho basicamente nosso, mas ficou mais firme no Dori porque era fã de Leo Peracchi [arranjador de Por toda a minha vida, de Lenita Bruno, lançado em 1968]. Os arranjadores da época causaram frisson em todo mundo. Eram arranjadores fantásticos. Quando surgiram esses discos com as músicas de Tom e Vinicius, foi um escândalo. Pra nós, foi uma coisa revolucionária. Foi bom gravar pra Dori matar esse desejo. E o Tito Madi eu conheci antes de casar. Ouvi Tito Madi

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quando tinha 14 pra 15 anos. Ouvi ‘Chove lá fora’ e ‘Não diga não’, as canções primeiras dele”, lembra Nana. “Peracchi havia feito os arranjos de Caymmi e o mar [1957], onde Sylvia Telles e Lenita Bruno cantam ‘História de pescadores’, com texto de Fernando Lobo lido por Caymmi”, acrescenta Dori. Na manhã de nosso encontro, em São Paulo, Dori Caymmi procurou sintetizar a sua trajetória de várias faces, sempre destacando o seu compromisso com um ideal elevado de arte brasileira. “A história da minha vida é estúdio, teatro, direção musical, alguns shows como cantor de ocasião. Eu sou muito fiel ao Brasil. Algumas pessoas me chamaram de reacionário. Quer dizer, se progresso é isso, se é rede social, eu sou reacionário. Não entendo essas coisas”, ele afirmou. Nas canções em parceria com Nelson Motta e Paulo César Pinheiro, letristas centrais em seu projeto artístico, Dori Caymmi sempre entrou com a melodia, mas, no cancioneiro construído dessa junção de personalidades tão distintas, a integração entre poesia e música atingiu uma coerência autoral e espiritual incomum. Os poetas tornam-se Dori, aconchegam-se aos seus sonhos, ao seu imaginário erguido no chão brasileiro, de pleno enlevo pelas paisagens do litoral e do campo, no avesso da urbanização destrutiva das grandes cidades. Seus outros parceiros, mais esporádicos, se amalgamam assim à sua atmosfera de fortes sugestões da natureza e da ordem mítica do Brasil de pássaros, pescadores, matas, entidades negro-indígenas, riachos e rios amazônicos. Seu canto tem cores campestres, vincos melancólicos, alma brasileira, e se harmoniza com seu violão. Sua compreensão poética do país se informa com as paisagens da Amazônia, as criações populares do Nordeste, os caminhos musicais de Rio, Bahia e Minas Gerais. As heranças negra, indígena e lusitana, forças integradoras da utopia baiana de Dorival Caymmi, se infiltraram no sentimento radicalmente


brasileiro de Dori. Carros de boi, montes, “beira-rio, beira-estrada, beira-mar”. A capoeira, o samba de roda, os temas folclóricos, a moda de viola, as canções praieiras. A mestiçagem, a “raça morena”, os curumins, os homens e as mulheres do litoral, as religiosidades interioranas, a busca de amor idílico em meio a violências. Todos esses elementos influem em seu desejo de encarnar seu próprio povo. Nessa feição telúrica, Paulo César Pinheiro o compreende como poucos e funciona quase como um vidente de suas melodias, mas podemos apontar as suas identidades explícitas com a poética de Tom Jobim, em cujo cancioneiro se registra semelhante encanto pela fauna e a flora tropical e, em suma, pelo ser brasileiro. Os desvios ambientais surgem em sua obra como dissonâncias. “A água do Rio Doce”, canção de Dori em parceria com Pinheiro, uma das joias de seu disco com Mônica Salmaso, remete ao mar de lama do rompimento de barragens de Minas Gerais, arrasando a vida ribeirinha e contaminando os rios com rejeito de mineração: “A água do rio tem medo de gente/ […] Tem medo de gente no seu rodopio/ E o medo que sente não é desvario/ Que é gente que mata a água do rio”. Nada mais representativo do anti-Brasil, tão distante da utopia que vem de Villa-Lobos e Tom Jobim. Entretanto, fiel ao seu legado, Dori persiste em suas crenças mais sólidas. “Nunca vou trair o Brasil. Nem com uma arma na cabeça”, ele afirma, no final da conversa.

Claudio Leal é jornalista e doutorando em cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Nascido em Salvador, em 1982, é colaborador da Folha de S.Paulo e de revistas como piauí, Época, Quatrocincoum e Carta Capital. É autor do livro O universo de Emanoel Araujo (Capella Editorial) e organizador da coletânea Underground (Edições Sesc), com ensaios de Luiz Carlos Maciel.

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Imagens e depoimentos

página ao lado Capa do álbum Dory Caymmi, de 1972. Disco de estreia, com Dori grafado ainda com “Y”, o LP abre com a faixa “O cantador”, defendida por Elis Regina no Festival da Record, de 1967 (foto de Paulo Goes/Divulgação) Todas as fotos a seguir que não contemplem crédito de fotógrafo pertencem ao acervo Dori Caymmi.

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anos 1940

Dori Caymmi! Filho de Dorival e Stella Caymmi, irmão de Nana e Danilo Caymmi. Um músico extraordinário criado num ambiente saturado de música, de amor, de sensibilidade, de gosto pela vida. Ele que herdou do pai aquela profundidade no uso do violão, mas que transformou, que absorveu, além das coisas do pai, tantas outras coisas importantíssimas do violão brasileiro e também dos músicos norte-americanos. Agora um livro de músicas, um songbook com várias coisas desse músico extraordinário. Boa sorte, meu querido! Gilberto Gil

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Pintura de Dorival Caymmi e foto retratando Dori aos 3 anos (1946)


Desde “Saveiros”, o repertório do meu irmão sempre foi uma presença constante em meus discos. Mesmo antes, me acompanhava em casa e apresentações na tevê com seu violão refinado e extremamente sensível. Temos muita afinidade musical. Dori é um compositor sofisticado, arranjador de altíssima qualidade, excelentes parceiros, sempre fiel ao melhor da música brasileira. Tirando minha mãe, Stella, fã número um do Dori, eu sou a sua maior admiradora. Nana Caymmi

no alto Dori com o pai na praia do Leblon, Rio de Janeiro (circa 1946) ao lado Dori com a mãe, Stella, e a irmã, Nana Caymmi, na cidade de Pequeri (MG), onde a família passava férias regularmente (circa 1947) acima Desenho de Dorival Caymmi retratando Dori aos 4 anos (janeiro de 1948) acervo FMIS-RJ

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anos 1950

acima Caymmi com os filhos Dori, Danilo (pintando) e Nana, na casa da família em Copacabana, Rio de Janeiro (circa 1949) à direita Dori ao lado do primeiro violão de Caymmi, com assinatura de vários artistas: instrumento roubado e recuperado posteriormente, com as assinaturas raspadas (Rio de Janeiro, final dos anos 1940)

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Dori Caymmi é o cara! Eu o conheci na casa do Dorival, quando fui lá levado pelo produtor Aloysio de Oliveira e conheci Dori e Nana. Dori devia ter uns 16 anos e, naquele dia, ele já cantou e tocou. Me perguntou se eu daria aula de violão para ele. Combinamos e comecei a ensinar tudo do pouco que eu sabia. Dori se desenvolveu com muita rapidez e em pouco tempo não precisava mais de mim. Ele é um poço de musicalidade sem fim! E virou professor de todos nós, pobres mortais! Roberto Menescal


acima Início da adolescência, na casa em Copacabana, Rio de Janeiro (circa 1950) ao lado Reportagem de José Alberto Gueiros, feita em 13 de outubro de 1954, em que Dorival Caymmi fala carinhosamente de seu filho Dori

O menino tem um mundo interior que não acaba mais. E sabe muito bem esconder os sonhos que sonha, de olhos abertos. Olhos que só observam a realidade para descobrir sugestões de beleza, outros motivos de sonho… Vejo a minha infância se repetindo nele. Na inquietação de pai, temo, às vezes, pelo seu futuro, formando-se assim romântico para uma era de pragmatismo. Mas não desejo acordá-lo. Prefiro não interferir nas suas cismas que devem ser tão belas. Antes ponho-me a cismar também, tentando descobrir a minha mocidade na dele. E nestas indagações sinto a beleza do mistério de ser pai. Dorival Caymmi

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anos 1960 e 1970

à esquerda Registros da gravação do disco Caymmi visita Tom Jobim e leva seus filhos; na primeira foto, Danilo, Dorival, Dori, Tom Jobim e Nana; na segunda, Tom Jobim ao piano, Dori, Dorival, Danilo, Sérgio Barroso e Aloysio de Oliveira (de costas) (1964)

Dori, querido, tenho, na minha emoção e memória, você, jovenzíssimo, ao meu lado, no histórico programa Grande Teatro, na TV Tupi, no início dos anos 1960. Você já assinando sua criatividade, tão personificada, ao violão. Seu som libertário. Seu humanismo maravilhoso já presente na sua musicalidade. Fernanda Montenegro

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acima Cartaz e detalhe do programa do show Opinião, que reuniu Nara Leão (substituída depois por Maria Bethânia), João do Vale e Zé Keti. Apresentado no Rio (dezembro de 1964) e em São Paulo (abril de 1965), o show teve direção musical de Dori Caymmi (apresentado ali ainda como Dorival Caymmi Filho)


Tive o privilégio de testemunhar o florescimento do talento de Dori e a honra de ser seu parceiro. Admiro muito sua luta. É duro ser filho de gênio e se tornar um mestre original, estabelecendo um estilo rigoroso e harmonioso em suas canções e seus arranjos maravilhosos. Tudo que ele toca tem sua marca de bom gosto e rigor. Do violão às orquestras. Nelson Motta

Participação de Dori no III Festival de MPB da TV Record: à esquerda com Elis Regina na interpretação da música “O cantador”, de autoria dele e de Nelson Motta; acima, junto com Nara Leão, Gilberto Gil e Elis Regina (São Paulo, 1967)

acima Joyce Moreno e Dori em ensaio para o Festival Internacional da Canção (1969) ao lado Com Tom Jobim, trabalhando no disco Matita Perê, no início dos anos 1970

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anos 1980

Dori na gravação do single Chega de mágoa; à esquerda, com Djavan; acima, com Gal Costa (Rio de Janeiro, 1985) fotos de Carlos Horcades

ao lado Milton Nascimento e Dori (anos 1980) acima Dori com Gil Evans e seu filho, Miles Evans, na casa de Milton Nascimento (Rio de Janeiro, anos 1980)

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ao lado Com Carmen McRae, depois de gravar “O cantador” (Los Angeles, EUA, anos 1980) abaixo Sarah Vaughan e Dori durante a pré-produção do disco Brazilian Romance (Los Angeles, EUA, 1987)

E não vou falar do canto. Do violão de Dori, saltam curumins de uma mata virgem, intocável, atlântica, amazônica floresta, de cerrado, de caatinga e de um Brasil continental puro, onde brotam boas lembranças e tempos de poesia vindoura. Quem rege esse violão é Cego Aderaldo sob o olhar sereno e minucioso de João Gilberto, o pai de todos. Esse violão iluminou a minha geração e ilumina o presente, o passado e o futuro, como um farol de um trem que parte de Pequeri, nas Minas Gerais de “dona” Stella, rumo à Bahia de “seu” Dorival, com parada no acidente geográfico mais encantador que a natureza nos deu: a baía de Guanabara. Renato Braz

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anos 1990 ao lado Sydney Pollack e Dori no clube Le Café em Los Angeles (EUA), nos anos 1990 à direita Quincy Jones e Dori no Festival de Montreux, na Suíça, em meados dos anos 1990

acima Dori, Dionne Warwick e Johnny Mathis em Los Angeles (EUA, anos 1990) ao lado Dori e Herbie Hancock em jantar em Hollywood (EUA, anos 1990)

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Dori Caymmi é meu velho amigo, parceiro de disco e shows, e meu ídolo. Desde o início da minha carreira, ao lado dele e de Edu Lobo, eu me deliciava com a genialidade daqueles acordes que ele fazia ao violão, que trazia as influências das canções do pai Dorival com as harmonias de Ravel e de Debussy, iniciando aí o seu estilo tão característico. E é assim até hoje, o mesmo amigo Dori, o mesmo carinho com cada acorde, a mesma busca pela beleza em cada canção e arranjo. Marcos Valle


Dori em estúdio com Toots Thielemans durante a gravação do disco The Brasil Project em Los Angeles (EUA, 1992)

Dori, Cleonice Santos e Moacir Santos no Teatro Ford, em Los Angeles (EUA, anos 1990) Johnny Mandel e Dori, durante tributo da American Society of Composers, Authors and Publishers (Ascap) a Mandel (EUA, 1997)

ao lado Chick Corea, Dori e Dave Grusin no Beverly Hills Hotel (Califórnia, EUA, anos 1990) acima Dori com Michel Legrand e Jolie Jones após sua apresentação no clube Le Café, em Los Angeles, nos anos 1990

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anos 2000/2010

Dori, poeta dos arranjos, ourives das notas! Sorte minha, é meu irmão. Que seria de mim sem ele? Compositor, intérprete, arranjador, violonista de estilo nobre e sofisticado com quem tanto aprendi. Viva Dori! Viva a nação brasileira que ele tanto ama! Danilo Caymmi

Dori, Gal Costa, Danilo e Dorival Caymmi no Festival de Montreux, na Suíça, em meados dos anos 1990

Desde o começo estava Dori Caymmi criando os arranjos para o disco Domingo que eu e Caetano fizemos no início de nossas carreiras. Arranjos lindos e sofisticados que deram ao disco uma elegância sem par. Desde então sou fã de carteirinha desse músico maravilhoso. A sonoridade do violão de Dori tem o tamanho do mar de Caymmi, seu pai, o grande compositor, mestre. Um dos meus favoritos músicos deste planeta. Viva Dori! Gal Costa

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acima Dori com os irmãos em foto para o disco Para Caymmi, de Nana, Dori e Danilo (Rio de Janeiro, 2004) abaixo Sérgio Santos e Dori (Teatro Dom Silvério, Belo Horizonte, 2007) foto de Myriam Vieira Vilas Boas


acima Com Dominguinhos, durante a gravação da canção “No pé do lajeiro” para o disco Influências (São Paulo, 2000) ao lado Com Caetano Veloso, durante a gravação do disco Contemporâneos (2002)

Conheci Dori na Bahia. Eu devia ter uns 20 anos e ele, uns 18. Cantei na TV Itapoan, acompanhado pelo violão dele, a canção de João Gilberto que depois foi rebatizada “Undiú”. O violão de Dori me pareceu o melhor da bossa nova. Gil era meu mestre, mas Dori tinha o violão mais profundamente João Gilberto. Amo a sua oposição ao tropicalismo: ela é genuína e enobrece o opositor. No Rio, antes do tropicalismo, ele fez com que o disco Domingo, que produzi com Gal, fosse uma coisa bonita. Dori é uma das figuras que mais adoro no mundo da canção brasileira. Caetano Veloso

Conheci Dori quando gravei sua música com letra de Jorge Amado: “Alegre menina”. Sempre admirei sua sensibilidade para escrever para cordas e violão. Arranjador e violonista inspirado, Dori é antes de tudo um grande compositor, além de trazer em seu canto uma originalidade conduzida por sua voz grave e única que o identifica como um legítimo filho de Dorival. Dori sempre teve uma presença marcante na música do Brasil e assim sempre será, graças a sua veia criativa que nos encanta. Parabéns, querido, por sua obra tão importante e definitiva. Um beijo do seu amigo. Djavan

Caetano Veloso, Milton Nascimento, Dori e Djavan em reunião, na casa de Caetano, em tributo à Casa dos Artistas (anos 2010) foto de Aline Fonseca/UNS Produções Artísticas Ltda.

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Edu Lobo, Dori e Marcos Valle em foto para o disco Edu, Dori, Marcos; Biscoito Fino, 2018 foto de Nana Moraes

Dori, além de ser dono de uma voz magnífica e de um talento incrível, é, para mim, um dos maiores arranjadores deste país. As melodias que saem de seu coração tocam a minha alma e me emocionam, mostrando que, sem dúvida, absorveu, na convivência com o pai Dorival, o caminho para a composição pura, sem artifícios inteligentes. Tudo que faz é naturalmente belo e, por isso, nos eleva o espírito. Além de ser um amigo querido, que me diverte com suas tiradas inusitadas. Carlos Lyra Nelson Motta e Dori em encontro casual no aeroporto de Goiânia, 2017 foto de Guto Burgos acima Com Carlos Lyra no estúdio Vision, durante a gravação do arranjo para a música “E era Copacabana” (Rio de Janeiro, anos 2010) foto de Magda Botafogo ao lado Dori com o amigo aniversariante Nelson Freire (Rio de Janeiro, anos 2010)

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Dori e Renato Braz, 2009 foto de divulgação do show Mano a Mano, Caixa Econômica Federal

Dori Caymmi é gênio da raça, é um reinventor do Brasil, como foi o pai dele. Cantor maravilhoso de timbre único, compositor de obras-primas. É uma de minhas grandes influências como violonista. É meu irmão de música e alma, o que muito me orgulha. Viva Dori! Joyce Moreno

Dori, Gilberto Gil e Mario Adnet durante as gravações do disco Caymmi centenário no estúdio Biscoito Fino (Rio de Janeiro, 2014) foto de Guto Burgos

Admiro e aplaudo a música de Dori Caymmi, toda a sua música, composição, canto, violão. Tudo me toca e comove. Conheci Dori na Bahia, ainda menina, em casa de Carlos Coqueijo, levando o que havia de novo na música popular brasileira: o surgimento e a potência da bossa nova e seus mágicos maestros (João, Tom, Vinicius e tantos bons). Dori mostrava canções e harmonias para Caetano e Gilberto Gil, que eram os comandantes do nosso grupo amador. Sigo ouvindo Dori como o mestre da harmonia elegante, da voz com o registro dos Caymmi, o que é muito, e suas lindas canções. Muito útil este songbook, esta reunião de um trabalho importante para o Brasil e o mundo. Um beijo, Dori. Vitória sempre. Maria Bethânia

acima, à esquerda Com Maria Bethânia no lançamento do livro Caderno de poesias, de Maria Bethânia, na Livraria da Travessa (Rio de Janeiro, 2015) foto de Guto Burgos acima Danilo Caymmi, Dori e Fernanda Montenegro na Livraria da Travessa foto de Guto Burgos

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anos 2010/2020 à esquerda Dori e Chico Buarque em concerto no Ginásio do Ibirapuera, São Paulo, 1990 (Fundação da Universidade Livre de Música) ao lado Dori e Chico Buarque no lançamento do show Que Tal um Samba?; Teatro Vivo Rio, Rio de Janeiro, 2023 foto de Guto Burgos

Coisa mais maravilhosa da vida é ver o Dori trabalhando. É vê-lo sentado escrevendo arranjos, gravando seu violão, ensaiando com os músicos, cantando. Dori é árvore brotada espontânea e trabalhosamente. Da música e da arte brasileiras que foram sua casa, da devoção a um Brasil nunca plenamente realizado, mas que na música se pode provar que existe, é dali o seu trabalho, árvore enorme, árvore referência para tantos de nós, músicos. Mônica Salmaso

Dori em estúdio durante a gravação do CD 70 anos (São Paulo, 2013) foto de Myriam Vieira Vilas Boas

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Nada como as músicas de um mestre escritas por ele próprio. Abraços e beijos ao meu amigo, compadre e parceiro pelos seus 80 anos de existência. Paulo César Pinheiro

acima Paulo César Pinheiro e Dori, em registro para o disco Voz de mágoa (2017) foto de Myriam Vieira Vilas Boas ao lado Mônica Salmaso e Dori durante ensaio para a gravação do disco Canto sedutor (2022) foto de Lorena Dini

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Discografia 1964-2023

página ao lado Detalhe da contracapa de Caymmi visita Tom e leva seus filhos, Nana, Dori e Danilo. Lançado em 1964 pela Elenco, o álbum é o primeiro registro de Dori em disco

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Caymmi visita Tom e leva seus filhos, Nana, Dori e Danilo Dorival Caymmi, Tom Jobim, Nana, Dori e Danilo 1964

Dory Caymmi Dori Caymmi 1972

Dori Caymmi Dori Caymmi 1980

Dori Caymmi Dori Caymmi 1982

Caymmi’s grandes amigos Nana, Dori e Danilo Caymmi, participação de Dorival Caymmi 1986

Caymmi Dori, Nana, Danilo e Dorival Caymmi 1987

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Dori Caymmi Dori Caymmi 1988

Brasilian Serenata Dori Caymmi 1991

Kicking Cans Dori Caymmi 1992

If Ever... Dori Caymmi 1994

Tome conta de meu filho, que eu também já fui do mar... Dori Caymmi 1996

Caymmi em família Dorival, Nana, Dori e Danilo Caymmi 1997

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Cinema, a romantic vision Dori Caymmi 1998

Influências Dori Caymmi 2001

Contemporâneos Dori Caymmi, participações de Caetano Veloso, Danilo Caymmi, Chico Buarque, Nana Caymmi, Edu Lobo e Renato Braz 2002

Para Caymmi, de Nana, Dori e Danilo: 90 anos Nana, Dori e Danilo 2004

Falando de amor Famílias Caymmi e Jobim 2005

Rio-Bahia Joyce e Dori Caymmi 2006

Mundo de dentro Dori Caymmi 2010

Poesia musicada Dori Caymmi 2011

Caymmi Nana, Dori e Danilo Caymmi 2013

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Dorival Caymmi centenário Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Dori Caymmi, Danilo Caymmi e Mario Adnet 2014

Setenta anos Dori Caymmi 2014

Foru 4 Tiradente na Conjuração Baiana Dori Caymmi e Mário Lago 2015

Voz de mágoa (música do Brasil) Dori Caymmi 2016

Edu Dori & Marcos Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle 2018

Canto sedutor Mônica Salmaso e Dori Caymmi 2022

Sonetos sentimentais pra violão e orquestra Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro 2023

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Partituras e letras cifradas Manuscritos de Porto

página ao lado Detalhe de anotações de Dori sobre a partitura de “Estrela da terra”, 1975

54

Alegre menina 56 Armadilhas de um romance 62 Coração sem saída 68 Dança do tucano 74 Delicadeza 80 Desafio 86 Desenredo 92 Estrela da terra 98 Evangelho 104 Flor da Bahia 108 Fora de hora 114 História antiga 120 Mercador de siri 126 Na ribeira deste rio 132 Ninho de vespa 138 O cantador 144 Porto 150 Quebra-mar 156 Rio Amazonas 160 Saudade de amar 170 Saudade do Rio 176 Saveiros 182 Tati, a garota 186 Três curumins 192 Velho piano 198 Voz de mágoa 204

53


Dori Caymmi: 80 anos de um cantador Celebrando a música de Dori Caymmi, o álbum Dori Caymmi: 80 anos de um cantador apresenta uma leitura de 12 canções — dentre as que compõem este livro — por violonistas de uma nova geração. Neste trabalho, Dori divide as interpretações com Danilo Caymmi, Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos. O álbum, lançado exclusivamente em formato digital, pode ser ouvido a partir do QR Code ou do link abaixo.

1

Alegre menina Dori Caymmi e Jorge Amado Voz e Flautas: Danilo Caymmi Violão: Marcus Tardelli Percussão: Bré Rosário

2

Dança do tucano Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Vozes: Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos Violão: Maurício Massunaga

3

Desafio Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Voz: Sérgio Santos Violão: Alexandre Gismonti Percussão: Bré Rosário

4

Desenredo Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Vozes: Dori Caymmi, Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos Violão: Cainã Cavalcante

5

Estrela da terra Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Vozes: Dori Caymmi, Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos Violão: Paula Borghi Percussão: Bré Rosário

https://sesc.digital/album/songbook

6

Evangelho Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Voz: Dori Caymmi Violão: Julião Pinheiro

208


7

Mercador de siri Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Voz: Dori Caymmi Violão: Bruno Conde Percussão: Bré Rosário Coro: Alexandre Rodrigues, Cezinha Oliveira, Mario Gil e Renato Braz

Gravado em abril de 2022 Direção musical: Mario Gil e Paulo Aragão Produção executiva: Guto Burgos Gravações:

8

Ninho de vespa Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Voz: Dori Caymmi Violão: João Camarero Percussão: Bré Rosário

9

O cantador Dori Caymmi e Nelson Motta Voz: Mônica Salmaso Violão e arranjo: Paulo Aragão

10

Porto Dori Caymmi Vozes: Dori Caymmi, Mônica Salmaso e Sérgio Santos Violão: Miguel Rabello Percussão: Bré Rosário

11

Rio Amazonas

Voz e flautas de Danilo Caymmi: gravado por Virgilio Milléo – Estúdio Audio Stamp – Curitiba Voz e violão na faixa 3: gravado por Ricardo Cheib – Estúdio Bemol – Belo Horizonte Vozes: Dori Caymmi, Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos: gravado por Otávio Bonazzi e Luigi Sucena – Estúdio Dissenso – São Paulo Violões: faixas 1; 2; 5; 6; 8; 10 – gravado por William Jr. – Estúdio Cia. dos Técnicos – Rio de Janeiro Violões: faixas 4; 7; 9; 12 – gravado por Otávio Bonazzi e Luigi Sucena – Estúdio Dissenso – São Paulo Violão: faixa 11 – gravado por Mario Gil – Estúdio Dançapé – São Paulo Percussões: gravado por Mario Gil – Estúdio Dançapé – São Paulo Mixado e Masterizado por Mario Gil – Estúdio Dançapé Todos os arranjos são de Dori Caymmi exceto “O cantador”, com arranjo de Paulo Aragão

Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Vozes: Mônica Salmaso, Renato Braz e Sérgio Santos Violão: Swami Jr. Percussão: Bré Rosário

12

Três curumins Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro Voz: Renato Braz Violão: Gian Corrêa Percussão: Bré Rosário Clarinete: Alexandre Rodrigues

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Um livro de músicas, um songbook com várias coisas desse músico extraordinário. Gilberto Gil

Dori é uma das figuras que mais adoro no mundo da canção brasileira. Caetano Veloso

Dori Caymmi, parceiro querido, amigo de todas as horas, é simplesmente o maior músico da nossa geração. Chico Buarque

Muito útil este songbook, esta reunião de um trabalho importante para o Brasil e o mundo. Maria Bethânia

Um dos meus favoritos músicos deste planeta. Viva Dori! Gal Costa

Acompanhando 26 partituras escritas por Dori para suas canções, este songbook reúne, ao lado de um perfil biográfico escrito pelo jornalista Claudio Leal, depoimentos, histórias e imagens que, juntos, ajudam a compor a trajetória do violonista, compositor, arranjador e “cantador” Dori Caymmi.

Tudo que ele toca tem sua marca de bom gosto e rigor. Do violão às orquestras. Nelson Motta

O livro traz ainda link e informações para o disco digital Dori Caymmi: 80 anos de um cantador. O álbum, produzido pelo Selo Sesc, reúne 12 violonistas interpretando 12 das canções que compõem este songbook.


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