A INVENÇÃO DA POLÍTICA CULTURAL

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Imagem da capa Ricardo Barreto. Parceiros do Tietê. Óleo sobre tela. 115 x 115 cm. 1991. Acervo Sesc de Arte Brasileira. Fotografia: André Fortes

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Philippe Urfalino

Antonio Albino Canelas Rubim Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult). Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA. Foi Secretário de Cultura da Bahia (2011-2014).

O sociólogo Philippe Urfalino apresenta nesta obra uma análise da política cultural francesa, desde a criação do que veio a ser posteriormente o Ministério da Cultura, com André Malraux em 1959, até a gestão de Jack Lang, concluída em 1993. Trata-se de um estudo minucioso sobre a fundamentação ideológica e administrativa da política cultural francesa, apoiado em extensa documentação arquivística, em entrevistas e na bibliografia existente sobre o período, com especial atenção ao modelo de ação cultural que criou as casas da cultura em todo o território francês. O autor se dedica a mostrar que essa política cultural vai além de ser mera reunião de políticas públicas de cultura, constituindo-se como investimento em um projeto estético, social e reformador. É um modelo de relevância mundial, que influenciou a gestão da cultura em países diversos, inclusive o Brasil.

A invenção da política cultural

Com todas as críticas e elogios que se possa ter à rica experiência francesa de políticas culturais, ela não pode ser desconhecida e desconsiderada. Não só foi pioneira, como também influenciou e continua tendo considerável impacto em muitas formulações e práticas culturais, atuais ou não, desenvolvidas em todo o mundo. O livro se constitui, por conseguinte, em leitura imprescindível para os estudos de políticas culturais e da cultura contemporânea. Em boa hora, o Brasil ganha agora uma tradução do livro para o português, com adequações realizadas sob a supervisão do autor. Sua chegada guarda sintonia fina com um momento de intenso interesse pela temática das políticas culturais, estimulada por gestões culturais inovadoras, como as do ministro Gilberto Gil e da secretária Marilena Chauí, por programas instigantes como o Cultura Viva, por iniciativas basilares como o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura e por um conjunto já relevante de estudos de políticas culturais no país.

A invenção da política cultural Philippe Urfalino

A invenção francesa das políticas culturais A invenção da política cultural inaugura uma nova conexão entre cultura e política. Relação bastante antiga, ela se conformou durante séculos, quase sempre, como mera instrumentalização da cultura pela política. Em lugar da submissão da cultura à política, tem-se agora uma potente novidade: o acionamento da política para desenvolver a cultura. Desse modo, a inversão da lógica no âmbito das políticas culturais transformou a cultura em finalidade e a política em meio para chegar a esse fim. Outro olhar e outro horizonte se tornaram possíveis. Em geral, os estudiosos de políticas culturais sugerem meados do século XX como data deste emblemático nascimento. Mas divergem sobre seu singular instante inicial. O pesquisador espanhol Xan Bouzadas anotou três possibilidades: as missões pedagógicas da República Espanhola, o Conselho das Artes inglês e o Ministério dos Assuntos Culturais francês. Por seu significado e impacto, este último acontecimento parece ter mais condições de assumir a atitude de ruptura inaugural. Para Philippe Urfalino, não resta dúvida de que nesse instante foi inventada a política cultural, uma peculiar conjugação de diversos dispositivos culturais, muitas vezes, inclusive, já existentes. Cabe lembrar que André Malraux, criador do Ministério dos Assuntos Culturais em 1959, conheceu de perto a experiência cultural da República Espanhola, como assinalou o professor americano Herman Lebovics em seu interessante livro sobre a trajetória e missão do escritor e gestor francês, publicado em 1999 e intitulado Mona Lisa’s Escort: André Malraux and the Reinvention of French Culture. Malraux viveu a Espanha inclusive como membro das brigadas internacionais que defenderam a República contra o assalto fascista do general Franco. Philippe Urfalino afirma que André Malraux e seu ministério inventaram as políticas culturais. Malraux não só inaugurou o ministério mas desenvolveu o primeiro modelo de políticas culturais conhecido, intitulado de democratização da cultura. Suas casas da cultura espalhadas pela França buscaram tornar possível o acesso da população francesa à cultura. Discutível e polêmica pretensão política e cultural. Urfalino trata do momento inaugural, mas, diferente do estudo de Lebovics, vai além da vigência ministerial de Malroux. Esta obra desvela, por exemplo, não só a “ação cultural” de André Malraux, mas o “desenvolvimento cultural” de Jacques Duhamel e o “vitalismo cultural” de Jack Lang. Ou seja, realiza uma viagem pela relevante trajetória da gestão cultural na França até escrever nas conclusões: ”Este modelo de ‘política cultural’ encontra-se doravante caduco” (p. 265).

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Nota à edição brasileira As questões abordadas na formação da política cultural francesa, desde o final dos anos 1950, continuam referenciais para as reflexões e práticas em grande parte das instituições dedicadas ao desenvolvimento da cultura. As escolhas curatoriais, o financiamento de projetos artísticos e a gestão do patrimônio histórico e artístico são alguns dos temas frequentemente analisados à luz da experiência francesa. Neste livro, Philippe Urfalino nos aproxima do Ministério da Cultura da França por meio de agentes decisivos como André Malraux, Jacques Duhamel, Jack Lang, Gaëtan Picon, Émile Biasini, entre outros que participaram da constituição desse órgão concebendo doutrinas e repertórios para a sua administração. Ao examinar a trajetória do Ministério, o autor nos oferece outros subsídios sobre a cultura francesa, investigando a elaboração de políticas culturais no âmbito do Estado, na qual colaboraram intelectuais, políticos, artistas e profissionais que se especializaram na formulação de ideias e padrões de gestão dos bens simbólicos. No Brasil também foram desenvolvidas experiências de gestão cultural notáveis, como as iniciativas de Mário de Andrade nos anos 1930, à frente do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo. Porém é inegável o aporte dos franceses na valorização do campo artístico e na reafirmação da necessidade de investimentos para o fomento cultural, especialmente na segunda metade do século XX. O Sesc São Paulo traz a público esta obra com o intuito de fortalecer a produção de novos estudos sobre o tema da cultura no país, dirigindo-se a todos aqueles que podem contribuir para a sua compreensão.

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SUMÁRIO Introdução .......................................................................... 11 1. Pesquisa sobre uma invenção O Estado estético ou a fundação rompida História da política das casas da cultura

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I – A CULTURA CONTRA A EDUCAÇÃO .....................................29 2. A filosofia do Estado estético Os lazeres entre a cultura e o precipício Uma oposição categórica ao conhecimento e à educação As virtudes da sensibilidade estética A partilha necessária da cultura Dirigismo estatal, democracia cultural e liberdade artística

35 36 38 41 44 46

3. As três origens da doutrina O gabinete Malraux e o Alto-Comissariado para a Juventude e os Esportes Pierre Moinot e o Quarto Plano Émile Biasini e a formação de uma doutrina

51 52 63 75

II – O UNIVERSAL CONTRA A REPRESENTAÇÃO.......................85 4. A mistura infeliz e as duas democratizações O abandono das associações de educação popular Escalas, alfinetes e misturas infelizes A confrontação dos dois modelos

91 92 95 100

5. O fracasso de uma contrapolítica cultural Perda da batalha pelo reconhecimento Boa vontade cultural e má-fé

111 113 121

III – A CATEDRAL E OS DEMIURGOS ....................................... 135 6. A casa: uma máquina virtuosa A catedral, símbolo e obra de arte A casa na cidade e no território nacional Uma máquina virtuosa

141 141 143 147

7. Os privilégios do teatro O sentido de um privilégio As afinidades eletivas O casamento

155 155 157 163

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IV – O TEMPO DOS BALANÇOS ............................................... 173 8. Maio de 68 ou a falsa desilusão A democratização denunciada A história de uma falsa desilusão A emergência de uma tensão: o público ou a criação

179 181 185 196

9. O fim da exemplaridade Uma nova filosofia de ação A última desestabilização da doutrina Biasini O fim da exemplaridade

203 204 211 221

V – A POSTERIDADE ................................................................. 227 10. A bonança da política cultural A construção política da questão cultural México: o vitalismo cultural como matriz de transformação

231 234 242

11. De Malraux a Lang, da invenção à dissolução Da ação cultural ao desenvolvimento cultural A descentralização cultural: do ultrapassado ao realizado Da desresponsabilização à dissolução

249 250 254 258

Conclusão .................................................................................. 263 Agradecimentos.......................................................................... 269 Sobre o autor ............................................................................. 271

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Introdução

Em que consiste a singularidade do que chamamos, na França, de “política cultural”? Quando começa, como é formada, o que se tornou? Tais são as interrogações a que esta obra tenta responder. Explica-se muitas vezes a especificidade da política cultural francesa pelo peso de uma tradição monárquica com acentuada implicação na vida das artes, pela tripla centralização administrativa, política e cultural da sociedade francesa e pelo lugar eminente e recorrente das artes na identidade nacional e no orgulho francês. As grandes obras de Georges Pompidou1 e François Mitterrand2 contribuíram para dar crédito a essa interpretação. Desprezam-se erroneamente os lugares-comuns, indispensáveis à difusão e à discussão das ideias; mas há entre eles alguns de má qualidade, e estes constituem barreiras à compreensão da política cultural francesa. Por certo, essas características não deixam de ter alguma influência; não explicam, porém, a singularidade francesa e não a qualificam corretamente. A repetição de uma atitude por longo tempo não explica muita coisa; é antes a sobrevida, sempre seletiva, de uma tradição que é preciso tentar entender. A inscrição da política cultural numa continuidade mais do que secular dissolve sua verdadeira natureza. A tese deste livro é dupla: – o que se pode com boas razões chamar de “política cultural” foi inventado em 1959, com a criação do Ministério dos Assuntos Culturais, e se dissipa a partir do início dos anos 1990; – a singularidade dessa invenção reside na oposição, que a maior parte das iniciativas do Ministério evidenciou, entre a ideia de projeto e a de instituição. Esta singularidade é de difícil percepção, porque não se resume a ideias, nem a encargos, nem a modalidades de ação – que é possível, aliás, encontrar em outros países –, nem à importância de um orçamento, tampouco a características da vida política e administrativa francesa, tais como a centralização e o peso da intervenção do Estado, que colorem o conjunto da ação 1 2

Georges Pompidou (1911-74), político francês pertencente à UDR (União pela Defesa da República, considerada de centro), primeiro-ministro de Charles de Gaulle (1962-68) e presidente da República de 1969 até seu falecimento. [N.T.] François Mitterrand (1916-86), filiado ao Partido Socialista, presidente da República de 1981 a 1995. [N.T.]

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A INVENÇÃO DA POLÍTICA CULTURAL

pública. Corresponde antes a uma postura e a uma tensão. As circunstâncias de sua invenção e as escolhas de Malraux definiram a política cultural como um projeto ao mesmo tempo social, estético e reformador, sustentado por uma oposição à ideia de instituição. É a fórmula do projeto contra a instituição que se encontra hoje esgotada. Nosso modo de restituir a história da invenção da política cultural leva em conta duas observações. A história da ação do Ministério dos Assuntos Culturais é própria de uma sedimentação. Houve, seguramente, fortes inflexões, orçamentárias e ideológicas. Mas, no essencial, a política cultural evoluiu por agregações: soma de competências, de segmentos administrativos, de iniciativas, de organismos, de meios artísticos interessados. Houve um processo idêntico com as ideias e as crenças. A “filosofia de ação” do Ministério mudou acentuadamente, de Malraux a Duhamel e de Duhamel a Lang3, ao integrar novos elementos e também ao rearranjar ideias e crenças anteriores. A compreensão da política cultural deve ser, portanto, histórica; o entendimento da paisagem exige a discriminação das camadas sucessivamente depositadas. Outra consequência dessa observação: a gênese e a identificação do alicerce inicial reveste-se da máxima importância. Eis por que a análise histórica concentrou-se no período 1959-73, da entrada de André Malraux à saída de Jacques Duhamel, período no curso do qual se forjaram as clivagens ideológicas e administrativas e os repertórios de ação que ilustram ainda as políticas culturais dos anos 1980. A segunda observação que guiou nosso projeto é o rico viés que o estudo das ideias e das crenças constitui para uma compreensão global da política cultural francesa e da sua originalidade. Está claro que essa compreensão global não é uma chave que abriria todas as portas das numerosas políticas setoriais seguidas pelo Ministério da Cultura desde a sua criação, nem uma fórmula à qual todas poderiam se reduzir. Almeja antes qualificar o quadro normativo e intelectual da ação do Ministério e sua evolução. Se a expressão não se prestasse a ser mal-entendida, seria possível falar em história da ideologia cultural do Estado. Mas, por se encontrarem suficientemente entremeadas com a ação pública à qual estão associadas, as ideias e as crenças não podem ser apreendidas em separado. Não sendo possível estudar todas as políticas setoriais do Ministério, uma dentre elas foi escolhida como “cavalo de Troia”: a política das casas da cultura, determinada como exemplar por Malraux e sua equipe. Foi a política designada para acionar, da maneira mais 3

André Malraux (1901-76), escritor e político, ministro dos Assuntos Culturais (1959-69) do general De Gaulle. Jacques Duhamel (1924-77), ministro dos Assuntos Culturais (1971-73) sob a presidência de Pompidou. Jack Lang (1939-), político socialista, ministro da Cultura (1981-86 e 1988-93) sob Mitterrand. [N.T.]

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INTRODUÇÃO

direta, as ideias de Malraux e de sua administração sobre o que devia ser a política cultural. Ao seguir esta opção metodológica, privilegiar a gênese e ancorar a análise das ideias sobre o estudo de uma política setorial exemplar, o livro reúne três componentes: – a história da política das casas da cultura a partir de sua formação, paralela à do Ministério em 1959, até 1973, quando deixa de ser a política exemplar do ministério; – a história do quadro normativo e conceitual do Ministério, referente ao mesmo período, a partir de sua construção por Malraux em 1959, até a formação de uma nova filosofia de ação sob o impulso de Jacques Duhamel, ministro dos Assuntos Culturais de 1971 a 1973; – a aproximação da história da política cultural francesa, a partir de sua gênese, com uma análise mais focada para as evoluções introduzidas pela alternância política de 19814 e pela ação de Jack Lang. O primeiro capítulo explicita as afirmações abruptas desta introdução e justifica as escolhas metodológicas. É seguido de cinco partes. A primeira apresenta a filosofia de ação da gestão Malraux, de 1959 a 1969, e as etapas que serviram à definição da política das casas da cultura. A segunda mostra que o modelo de ação inventado pelo Ministério, através das casas da cultura, constitui ao mesmo tempo um modo de cooperação com as comunas, um modelo específico de democratização fundado sobre a excelência artística e um modelo político. A terceira parte é consagrada aos dois pilares do funcionamento das casas da cultura: sua arquitetura e os homens de teatro que as dirigiram. A quarta parte tem como tema a desestabilização da filosofia de ação do Ministério pelos acontecimentos de maio de 1968 e sua reformulação pela equipe de Jacques Duhamel. A quinta parte examina “a bonança” da política cultural em 1981, sob o impulso de Jack Lang. Enfim, o décimo primeiro capítulo retoma o conjunto dessa história, da invenção à dissolução da política cultural, de Malraux a Lang.

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Início do governo de Mitterrand, primeiro político socialista a ser eleito presidente na Quinta República. [N.T.]

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1. Pesquisa sobre uma invenção

Acabamos de afirmar que uma política cultural foi inventada em 1959 e que a política das casas da cultura é o melhor guia para seguir a história dessa invenção. Este capítulo introdutivo deve responder a duas perguntas: em que a criação do Ministério dos Assuntos Culturais, em 1959, constitui realmente o momento de uma invenção e de uma ruptura? Em que a história da política das casas da cultura seria exemplar? Mas, antes, devemos apontar com maior precisão o que entendemos por “política cultural”. Que sentido essa expressão esconde, no singular, quando o sentido comum, tal como a emergência da análise das políticas públicas em ciência política, fala de políticas, no plural, evocando medidas ou programas de ação setoriais? Que referente dar à expressão “política cultural de André Malraux”? Tratar-se-ia do conjunto das políticas públicas da cultura lançadas sob a iniciativa do ministro e de sua administração? Não se trata de fixar a essência da política cultural, mas de distinguir um uso do termo adequado à nossa tarefa1. Neste livro, a noção de política cultural tem como referente um momento de convergência e de coerência entre, de um lado, representações do papel que o Estado pode atribuir à arte e à “cultura” no que diz respeito à sociedade e, do outro, a organização de uma ação pública. A existência de uma política de tal espécie exige força e coerência dessas representações, resultando num mínimo de unidade de ação do poder público. Evidentemente, a ação não possui nunca a coerência das ideias. Assim, a política cultural não é atestada apenas pela constatação de uma coerência. É igualmente o trabalho de retomada das ideias e das iniciativas a fim de preservar a coerência constantemente ameaçada tanto pelo desgaste das ideias quanto pela dinâmica própria da ação pública. Pode-se chamar de “problematização” a maneira pela qual a coerência é construída e retomada, de maneira intelectual e prática. Veremos que houve três problematizações ou filosofias de ação, de 1959 até o fim dos anos 1980: a “ação cultural” com André Malraux, o “desenvolvimento cultural” com Jacques Duhamel e o “vitalismo cultural” com Jack Lang.

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Sublinhamos que só poderia haver definições prudenciais da política cultural, isto é, cada vez referidas a um uso específico, e distinguimos vários usos possíveis da expressão em nossa “História da política cultural. Inventário de objetos”, contribuição a J.P. Rioux e J.F Sirinelli (Pour une histoire culturelle, Paris: Seuil, 1996).

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Imagem da capa Ricardo Barreto. Parceiros do Tietê. Óleo sobre tela. 115 x 115 cm. 1991. Acervo Sesc de Arte Brasileira. Fotografia: André Fortes

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Philippe Urfalino

Antonio Albino Canelas Rubim Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult). Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA. Foi Secretário de Cultura da Bahia (2011-2014).

O sociólogo Philippe Urfalino apresenta nesta obra uma análise da política cultural francesa, desde a criação do que veio a ser posteriormente o Ministério da Cultura, com André Malraux em 1959, até a gestão de Jack Lang, concluída em 1993. Trata-se de um estudo minucioso sobre a fundamentação ideológica e administrativa da política cultural francesa, apoiado em extensa documentação arquivística, em entrevistas e na bibliografia existente sobre o período, com especial atenção ao modelo de ação cultural que criou as casas da cultura em todo o território francês. O autor se dedica a mostrar que essa política cultural vai além de ser mera reunião de políticas públicas de cultura, constituindo-se como investimento em um projeto estético, social e reformador. É um modelo de relevância mundial, que influenciou a gestão da cultura em países diversos, inclusive o Brasil.

A invenção da política cultural

Com todas as críticas e elogios que se possa ter à rica experiência francesa de políticas culturais, ela não pode ser desconhecida e desconsiderada. Não só foi pioneira, como também influenciou e continua tendo considerável impacto em muitas formulações e práticas culturais, atuais ou não, desenvolvidas em todo o mundo. O livro se constitui, por conseguinte, em leitura imprescindível para os estudos de políticas culturais e da cultura contemporânea. Em boa hora, o Brasil ganha agora uma tradução do livro para o português, com adequações realizadas sob a supervisão do autor. Sua chegada guarda sintonia fina com um momento de intenso interesse pela temática das políticas culturais, estimulada por gestões culturais inovadoras, como as do ministro Gilberto Gil e da secretária Marilena Chauí, por programas instigantes como o Cultura Viva, por iniciativas basilares como o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura e por um conjunto já relevante de estudos de políticas culturais no país.

A invenção da política cultural Philippe Urfalino

A invenção francesa das políticas culturais A invenção da política cultural inaugura uma nova conexão entre cultura e política. Relação bastante antiga, ela se conformou durante séculos, quase sempre, como mera instrumentalização da cultura pela política. Em lugar da submissão da cultura à política, tem-se agora uma potente novidade: o acionamento da política para desenvolver a cultura. Desse modo, a inversão da lógica no âmbito das políticas culturais transformou a cultura em finalidade e a política em meio para chegar a esse fim. Outro olhar e outro horizonte se tornaram possíveis. Em geral, os estudiosos de políticas culturais sugerem meados do século XX como data deste emblemático nascimento. Mas divergem sobre seu singular instante inicial. O pesquisador espanhol Xan Bouzadas anotou três possibilidades: as missões pedagógicas da República Espanhola, o Conselho das Artes inglês e o Ministério dos Assuntos Culturais francês. Por seu significado e impacto, este último acontecimento parece ter mais condições de assumir a atitude de ruptura inaugural. Para Philippe Urfalino, não resta dúvida de que nesse instante foi inventada a política cultural, uma peculiar conjugação de diversos dispositivos culturais, muitas vezes, inclusive, já existentes. Cabe lembrar que André Malraux, criador do Ministério dos Assuntos Culturais em 1959, conheceu de perto a experiência cultural da República Espanhola, como assinalou o professor americano Herman Lebovics em seu interessante livro sobre a trajetória e missão do escritor e gestor francês, publicado em 1999 e intitulado Mona Lisa’s Escort: André Malraux and the Reinvention of French Culture. Malraux viveu a Espanha inclusive como membro das brigadas internacionais que defenderam a República contra o assalto fascista do general Franco. Philippe Urfalino afirma que André Malraux e seu ministério inventaram as políticas culturais. Malraux não só inaugurou o ministério mas desenvolveu o primeiro modelo de políticas culturais conhecido, intitulado de democratização da cultura. Suas casas da cultura espalhadas pela França buscaram tornar possível o acesso da população francesa à cultura. Discutível e polêmica pretensão política e cultural. Urfalino trata do momento inaugural, mas, diferente do estudo de Lebovics, vai além da vigência ministerial de Malroux. Esta obra desvela, por exemplo, não só a “ação cultural” de André Malraux, mas o “desenvolvimento cultural” de Jacques Duhamel e o “vitalismo cultural” de Jack Lang. Ou seja, realiza uma viagem pela relevante trajetória da gestão cultural na França até escrever nas conclusões: ”Este modelo de ‘política cultural’ encontra-se doravante caduco” (p. 265).

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