Os pioneiros da habitação social
I
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
Projeto desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Pioneiros da Habitação Social no Brasil
Presidente do Conselho Curador
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Mário Sérgio Vasconcelos
Administração Regional no Estado de São Paulo
Diretor-Presidente
Presidente do Conselho Regional
José Castilho Marques Neto
Abram Szajman Danilo Santos de Miranda
Volume 2 – Inventário da produção pública no Brasil
Jézio Hernani Bomfim Gutierre Conselho Editorial Superintendente Administrativo e Financeiro
Ivan Giannini
William de Souza Agostinho
Joel Naimayer Padula
Assessores Editoriais João Luís Ceccantini Maria Candida Soares Del Masso Conselho Editorial Acadêmico Áureo Busetto
Coordenação Adjunta Ana Paula Koury Pesquisadores Flávia Brito do Nascimento, Maria Luiza de Freitas, Nilce Aravecchia Botas, Sálua Kairuz Manoel Poleto
Diretor Regional Editor-Executivo
Coordenação Nabil Bonduki
Concepção e Coordenação Editorial Nabil Bonduki Textos e legendas Nabil Bonduki e Ana Paula Koury Coordenação da pesquisa Nabil Bonduki e Ana Paula Koury
Luiz Deoclécio Massaro Galina
Assistentes de pesquisa e de edição
Sérgio José Battistelli
Amália Santos, Inês Bonduki, Juliana Tieni, Rodrigo Minoro e Tatiana Zamoner
Edições Sesc São Paulo
Pesquisa e Levantamentos de Campo
Gerente Marcos Lepiscopo
Nabil Bonduki e Ana Paula Koury (coordenação), Alexandra de Souza Frasson, Alexsandro de Almeida Pereira, Amália Cristóvão
Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre
dos Santos, Ana Maria Boschi da Silva, Ana Marta Branquinho
Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza
Coordenação editorial Clívia Ramiro, Cristianne Lameirinha
e Silva, Ana Paula Cássago, Camila Opipari Capitanini, Carlos
Elisabete Maniglia
Produção editorial Rafael Fernandes Cação
Frederico Lago Burnett, Carolina M. Chaves, Eduardo Henrique
Henrique Nunes de Oliveira
Coordenação gráfica Katia Verissimo
João Francisco Galera Monico
Coordenação de comunicação Bruna Zarnoviec Daniel
José Leonardo do Nascimento
Colaborador desta edição Marta Colabone
de Souza, Elaine Pereira da Silva, Felipe de Araujo Contier, Felipe Drago, Fernanda Accioly, Fernando Domingues Caetano, Flávia George Alexandre Ferreira Dantas, Glaucio Henrique Chaves, Inês Bonduki, Julia Wartchow, Juliana Costa Mota, Kelly Yamashita,
Lourenço Chacon Jurado Filho
Liah Beatriz Aidukaits, Luciana Dornellas, Maira de Carvalho,
Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan
Manoela C. Souza, Maria Beatriz Camargo Capello, Maria Cláudia
Paula da Cruz Landim
Edições Sesc São Paulo
Rogério Rosenfeld
Rua Cantagalo, 74 - 13º/14º andar
de Oliveira, Maria Luiza de Freitas, Maristela Siolari, Marluce Wall de Carvalho Venâncio, Mauricio Ribeiro da Silva, Nilce Aravecchia Botas, Paola Moreno Bernardi, Pablo Iglesias, Patricia Lustosa,
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© 2012 Editora Unesp Fundação Editora da Unesp (FEU) Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livrariaunesp.com.br feu@editora.unesp.br Editora afiliada:
Brito do Nascimento, Francisco Sales Trajano Filho, Fúlvio Teixeira,
Colaboração nos levantamentos de campo Alfredo Brito e Ana Luiza Nobre (Rio de Janeiro); Ângela Ferreira
CIP – Brasil. Catalogação na publicação
e Dulce Bentes (Natal); Carlos Frederico Lago Burnett (São Luís);
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Célia de Souza (Porto Alegre); Danya Regina (Rio Branco);
B694p v.2 Os pioneiros da habitação social no Brasil: volume 02 / Nabil Bonduki, Ana Paula Koury. – 1. ed. – São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. ISBN Unesp 978-85-393-0523-0 ISBN Edições Sesc São Paulo 978-85-7995-104-6 1. Arquitetura – Brasil – História. 2. Arquitetura e história. 3. Arquitetura e Estado – Brasil. 4. Planejamento urbano – Brasil – História. I. Koury, Ana Paula.. II. Título
CDD: 720.981 14-11357
CDU: 72(81)(091)
Larissa Chistinne de Almeida (Manaus); Renato Pequeno (Fortaleza); Rita Chiletto (Cuiabá) Desenhos Ana Paula Koury (coordenação); Douglas Uemura Olim Marote e Natália Held (edição final); Acácia Furuya, André Ramos, Bruna Zendron, Bruno Salvador, Celina Sayuri Fujii, Claudiano Ribeiro de Souza, Danyelle Frascareli, Débora Cazarini Neme, Donizetti Aparecido Beccaro, Henrique Amorim Diamantino, Luís Filipe Magalhães Rodrigues, Rafael Andrade e Thammy Cerv Projeto gráfico e editoração eletrônica Homem de Melo e Troia Design Tratamento de imagens Antônio Carlos Kehl Revisão do texto Neusa Caccese de Mattos e Claudionor de Mattos Preparação do Texto Camilla Bazzoni
Os pioneiros da habitação social Volume
2
Inventário da produção pública no Brasil entre 1930 e 1964 Nabil Bonduki Ana Paula Koury
Esta publicação é o reflexo de mais de duas décadas de mi nuciosa pesquisa sobre a política pública brasileira para a habitação entre 1930 e 1964. Sob o olhar da Arquitetura e do Urbanismo e através de documentação textual e fo tográfica, Os pioneiros da habitação social traz a trajetória e as inovações tecnológicas das implantações de conjuntos habitacionais de várias regiões do país. É de extrema im portância para o resgate e para o registro do patrimônio ar quitetônico e urbanístico de tais construções, assim como consolida a contribuição histórica para o desenvolvimento destas áreas no Brasil. Auxiliar na organização e dispo nibilização de material tão relevante é compatível com o que almejamos ao selecionar um projeto. É motivo de or gulho saber que os resultados do trabalho agora estarão disponíveis para estudantes, pesquisadores e qualquer in teressado no registro deste período da ocupação urbana no século XX.
Através do Petrobras Cultural, buscamos abordar a cultu ra brasileira em suas mais diversas manifestações, articu lados com as políticas públicas para o setor e focados na afirmação da identidade brasileira, além de contribuir para a permanente construção da memória cultural. Ao patroci nar este projeto, a Petrobras reafirma o objetivo de incen tivar o trabalho de resgate e organização do acervo mate rial e imaterial da nossa cultura, com a intenção firme de ampliar a oportunidade de acesso público a esses acervos.
Patrocínio
Apoio
Na história da arquitetura e urbanismo brasileira, a habitação social sempre foi tratada como um objeto de segunda categoria diante dos edifícios monumentais e das residências da elite. O registro e a análise da moradia dos trabalhadores nunca tiveram o destaque necessário, perdendo-se a memória sobre o espaço ocupado pelos mais pobres. Esta publicação procura suprir essa lacuna. Desenvolvida na USP entre 1997 e 2013 –, inicialmente na Escola de Engenharia de São Carlos e, após 2005, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo –, a pesquisa que originou esta obra identificou, levantou e sistematizou a produção de habitação social realizada pelo poder público em todo o país na era Vargas. Organizado em três volumes, o livro foi concebido para tratar esse tema com a mesma qualidade que tem sido dada à “alta arquitetura”. No primeiro volume, analisa-se a ação dos principais órgãos promotores, no âmbito de um inédito estudo sobre a história da ação estatal na questão habitacional no Brasil, do início do século XX até os dias atuais. Nesse segundo volume, apresenta-se o inventário de toda a produção, com fichas descritivas por empreendimento e farta ilustração. No terceiro volume, os principais empreendimentos foram analisados, incluindo modelos tridimensionais dos projetos originais e um ensaio fotográfico realizado pelo fotógrafo Bob Wolfenson. A publicação não se viabilizaria sem o apoio da USP, da Fapesp, da Fundação para o Incremento da Pesquisa e Aperfeiçoamento Industrial e de várias empresas, que através da Lei de Incentivo à Cultura patrocinaram o projeto, selecionado em edital público promovido pela Petrobras voltado para a área de “Patrimônio e Documentação”. O acolhimento que a proposta obteve da Editora da Unesp e das Edições SESC foi fundamental para sua concretização. A todos os que contribuíram com este trabalho, em especial, os pesquisadores do nosso Grupo de Pesquisa, por onde passaram dezenas de estudantes de graduação e pós-graduação ao longo de dezesseis anos, nossa gratidão pelo esforço realizado. Não se avançará no enfrentamento do problema habitacional brasileiro, com a qualidade que tem faltado, sem a memória e a reflexão sobre o que já se produziu. Este livro joga mais uma pedrinha no árduo caminho para garantir o direito à habitação digna para todos. Prof. Dr. Nabil Bonduki Coordenador do Grupo de Pesquisa Pioneiros da Habitação Social no Brasil
VI
Sumário
1
12
104
Apresentação
IAPI
IAPC
VII
176
234
264
IAPB
IPASE
IAPTEC IAPM IAPE
VIII
294
318
352
CAP CAPFESP IAPFESP
FCP
Órgãos regionais
IX
410
488
Áreas residenciais das cidades novas
Referências bibliográficas Créditos de imagens Índice de projetos Índice onomástico
X
Apresentação
O Volume 2 do livro Os pioneiros da habitação social é integralmente dedicado à apresentação do inventário dos conjuntos residenciais produzidos pelo poder público entre 1930 e 1964. Nele está reunida, pela primeira vez, a grande maioria dos projetos concebidos em todo o país pelos órgãos públicos que atuaram nesse período promovendo habitação para os trabalhadores assalariados urbanos. A concretização do inventário envolveu trabalhos de diferentes naturezas, incluindo identificação, localização, levantamentos bibliográfico, documental e de campo, documentação e ensaio fotográfico, sistematização das informações, redesenho de projetos e redação de fichas e textos descritivos de 322 empreendimentos, projetados em todo o país. Sua realização foi uma tarefa de grande dimensão, um verdadeiro desafio investigativo e de síntese, realizado por inúmeros pesquisadores, ao longo de duas décadas, em 77 cidades situadas em 24 unidades da federação. Os empreendimentos inventariados foram reunidos em nove capítulos, agrupados por órgãos ou conjunto de órgãos promotores. Em vez de agrupá-los por estados, regiões ou períodos, optou-se por essa forma de organização para facilitar o entendimento da concepção de projeto habitacional
desenvolvida pelas principais instituições promotoras, que apresentam trajetórias específicas que merecem ser observadas de modo sequencial. Como foi mostrado no Volume 1, os principais órgãos criaram setores ou departamentos de arquitetura e engenharia que formularam concepções próprias de como enfrentar a questão da habitação, considerando aspectos como, entre outros, as estratégias de aquisição de terrenos e de localização dos empreendimentos, a criação de famílias tipológicas de blocos e unidades unifamiliares, o desenvolvimento de processos construtivos próprios. A observação detalhada dos empreendimentos revela o grau de maturidade alcançado no país em relação ao tema da habitação, além dos principais dilemas e perspectivas encontrados pelos profissionais encarregados de elaborar e implementar os projetos. O inventário está organizado em nove capítulos, dos quais cinco são dedicados integralmente a um único órgão. Os capítulos 1, 2 e 3 reúnem, respectivamente, a produção dos seguintes Institutos de Aposentadoria e Pensões: dos Industriários (IAPI), com 51 empreendimentos; dos Comerciários (IAPC), com 57 empreendimentos, e dos Bancários
Apresentação
2
(IAPB), com 48 empreendimentos. O capítulo 4 reúne a produção do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), com 26 empreendimentos, e o capítulo 7 reúne a produção da Fundação da Casa Popular (FCP), com 29 empreendimentos.
O capítulo 9 reúne as áreas residenciais planejadas das cidades novas promovidas pelo governo federal ou por empresas estatais: Volta Redonda, Cidade dos Motores, Ipatinga e Brasília. Na Nova Capital, são apresentadas as realizações pioneiras, implantadas até 1964.
Os demais capítulos correspondem a um agrupamento de órgãos cuja produção foi menos expressiva do ponto de vista quantitativo e que apresentam algum tipo de identidade. O capítulo 5 reúne a produção do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETC), do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) e do Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva (IAPE), num total de 27 empreendimentos. O capítulo 6 reúne a produção da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos (CAPFESP), do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos (IAPFESP) e das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP) de diferentes empresas públicas, somando 25 empreendimentos.
Todos os capítulos contêm uma breve introdução, que apresenta de modo sintético as características do órgão promotor e de sua produção habitacional, seguida da documentação de cada um dos empreendimentos, que foram ordenados cronologicamente, sem muita rigidez, de modo a aproximar as tipologias semelhantes e a enfatizar as diretrizes de projeto habitacional implementadas por cada instituição.
O capítulo 8 reúne empreendimentos realizados por órgãos regionais pertencentes a estados e municípios que, no período, atuaram na área da habitação, com destaque para os estados de Pernambuco e Rio de Janeiro. Em Pernambuco, atuaram os seguintes órgãos: Fundação A Casa Operária, Liga Social Contra o Mocambo, Serviço Social Contra o Mocambo, Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Pernambuco (IPSEP) e Caixa de Acidentes dos Servidores do Estado. Já no Rio de Janeiro, atuaram o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal (DHP), Serviço de Vilas e Parques Proletários, da Prefeitura do Distrito Federal, Associação Lar Proletário, Fundação Leão XIII, Serviço Social dos Morros e Favelas do Rio de Janeiro da Prefeitura do Distrito Federal e Cruzada São Sebastião. Em outros estados, atuaram o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP), o Serviço Estadual de Construção de Casas Populares (do Governo do Estado do Amazonas) e o Governo do Estado do Sergipe, num total de 34 empreendimentos.
O inventário visa, sobretudo, apresentar a produção habitacional promovida pelos órgãos públicos no período estudado, descrevendo e documentando as obras realizadas, em sua grande maioria desconhecidas. O objetivo é, sobretudo, mostrar os projetos, levando em conta que a análise detalhada dos principais órgãos e de sua produção foi realizada no primeiro volume, onde pode ser encontrada uma reflexão crítica sobre o contexto institucional e político em que os empreendimentos foram produzidos. Ressalta-se que o registro e a documentação dessas obras estavam dispersos, diluídos ou eram totalmente inexistentes. Apesar dessa dificuldade, os textos descritivos foram redigidos de maneira a oferecer ao leitor um quadro básico do contexto em que os projetos foram realizados. Todos os empreendimentos incluídos no inventário contêm, no mínimo, uma ficha descritiva, com informações básicas, como órgão promotor, data, local, número de unidades, tipologia habitacional utilizada e equipamentos previstos. Além dessa ficha, buscou-se garantir ainda um texto explicativo do empreendimento, documentação gráfica redesenhada do seu projeto, fotos da época e recentes. Em decorrência da dificuldade de obtenção de dados e registros iconográficos e, também, da falta de espaço na publicação (que ficou 60% maior do que o previsto originalmente), os empreendimentos foram hierarquizados de acordo com sua importância do ponto de
3 vista arquitetônico, urbanístico, construtivo e histórico, assim como em função da disponibilidade das informações, de modo a dar destaque para os mais importantes e mais bem documentados. Essa hierarquia e a preocupação em garantir maior cobertura regional orientaram a prioridade dos levantamentos de campo, de modo que o espaço dedicado para cada obra varia significativamente ao longo do inventário. Ao final da ficha ou do texto explicativo de cada empreendimento, são apresentadas as fontes das informações e dos desenhos, assim como os autores das fotografias incluídas no registro.
Etapas da pesquisa O inventário apresentado é resultado de 25 anos de estudo, pesquisas e levantamentos de campo, desde as primeiras observações e registros, que tiveram início em meados da década de 1980, quando essa produção era inteiramente desconhecida, até sua finalização, ocorrida em fevereiro de 2012. De uma maneira geral, a pesquisa – que incluiu a identificação dos empreendimentos, levantamento bibliográfico e documental em arquivo, observação in loco, levantamento arquitetônico, registro fotográfico, entrevistas, redesenho das peças gráficas originais e sistematização dos dados e informações obtidas – foi desenvolvida em três etapas. A primeira, realizada entre 1987 e 1995, corresponde ao período de elaboração da tese de doutorado Origens da habitação social no Brasil: o caso de São Paulo (Bonduki, 1994), momento em que foi identificado o precioso ciclo de projetos de habitação social implementado pelos institutos de aposentadoria e pensões entre 1930 e 1964. Nessa fase, foram realizados uma ampla pesquisa bibliográfica e levantamentos de campo exploratórios nas principais capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte), identificando alguns dos conjuntos residenciais mais relevantes do ponto de vista da sua arquitetura. Esse primeiro levantamento teve por base a inédita listagem de empreendimentos elaborada pela professora Marta Farah, em sua dissertação de mestrado
Estado, previdência social e habitação (Farah, 1983). Entre 1989 e 1991, foram realizados os primeiros levantamentos arquitetônicos em alguns dos mais importantes conjuntos residenciais localizados em São Paulo, realizado com o apoio de estudantes de graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos. O material processado e analisado nessa primeira etapa da pesquisa, sistematizado de forma acabada no livro Origens da habitação social no Brasil (Bonduki, 1998), revelou os primórdios da intervenção do Estado na questão da habitação e estabeleceu a relação entre a arquitetura moderna e os projetos habitacionais. As duas etapas subsequentes da pesquisa são tributárias desse estudo, que abriu um amplo campo de investigação e agregou um conjunto de estudantes de graduação e de pós-graduação, que passaram a integrar, com suas pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado, um grupo que teve papel fundamental na concretização deste inventário. A segunda etapa do levantamento foi desenvolvida entre 1997 e 2001 com o apoio da Fapesp, como uma das partes do projeto temático Habitação econômica e arquitetura moderna no Brasil (Sampaio; Bonduki, 1996; 2001), desenvolvido, sob a coordenação dos professores Maria Ruth Sampaio e Nabil Bonduki, por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e da Escola de Engenharia de São Carlos, ambas da Universidade de São Paulo. Nessa etapa, foi feito um extenso levantamento dos conjuntos habitacionais realizados pelos institutos de aposentadoria e pensões e demais órgãos promotores que atuaram no período, concentrado nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, no âmbito de uma investigação mais ampla que visava estabelecer uma interlocução com as outras abordagens tratadas no projeto temático, desenvolvidas pelos demais pesquisadores, como a produção privada da habitação econômica, as áreas residenciais das cidades novas, o desenvolvimento tecnológico e as inovações, em termos de legislação, relacionadas com a questão habitacional.
Apresentação
O relatório final dessa etapa da pesquisa (Bonduki, 2002) constitui o embrião do inventário apresentado neste volume. O levantamento sistemático da produção, ainda que incompleto, e sua sistematização preliminar permitiram aprofundar o conhecimento sobre as diretrizes formuladas pelos órgãos promotores, identificar a atuação dos principais profissionais que realizaram os projetos e analisar de maneira mais global o caráter inovador dos empreendimentos. Esse relatório foi a referência básica que permitiu a obtenção de apoios para preparar sua publicação (que tomou o nome de Os pioneiros da habitação social), a partir do patrocínio obtido pelo concurso promovido pela Petrobras, dirigido para a preservação e documentação do patrimônio cultural brasileiro. Como consequência, a terceira etapa da pesquisa, que ocorreu entre 2005 e 2012, foi centrada na concepção e elaboração do livro. Verificou-se que o material até então obtido era insuficiente para a realização de um inventário completo a nível nacional, requerendo uma ampliação da pesquisa para todas as unidades da federação, maior esforço de organização, sistematização e tratamento analítico. Com esse objetivo, foi elaborado um novo projeto de pesquisa, que recebeu apoio da Fapesp (Bonduki, 2005) e que teve como escopo principal completar o levantamento, dando-lhe uma abrangência efetivamente nacional. Assim, todos os órgãos promotores e praticamente todas as unidades da federação onde foram realizados empreendimentos foram cobertos, garantindo, ainda, uma organização adequada para as informações e iconografia levantadas. A investigação foi centrada no entendimento dos projetos e das intervenções promovidas pelos órgãos promotores, sem se aprofundar no estudo das modificações realizadas nos empreendimentos, por iniciativa dos moradores, nesse mais de meio século transcorrido entre a sua ocupação e a atualidade. A descrição apresentada no inventário apenas aponta as alterações ocorridas nos conjuntos, sem se aprofundar no detalhamento dessa questão, que pode e deve ser objeto de novos estudos e pesquisas.
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A sistematização do material levantado possibilita uma completa análise da produção habitacional do período, não inteiramente apresentada neste livro, superando visões parciais que predominavam até então, permitindo comparações e diferenciações regionais e garantindo a compreensão, de modo integral, da política empreendida por cada órgão promotor. Resultado, como se vê, de um longo esforço investigativo, o inventário, embora bastante completo, está longe de esgotar o assunto, pois apresenta lacunas tanto nas fontes documentais como no levantamento de campo. Espera-se que a organização e a publicação deste material estimulem novas investigações e análises, necessárias para um melhor conhecimento e compreensão do tema.
Metodologia do levantamento das informações A identificação, levantamento, sistematização e apresentação da produção habitacional realizada pelo poder público entre 1930 e 1964 não foram tarefa simples. A partir da consolidação de uma listagem preliminar de empreendimentos, foi definido um procedimento que previa pesquisa bibliográfica, sobretudo em periódicos e revistas, e levantamento documental nos arquivos originais dos órgãos promotores, objetivando reunir os elementos necessários para a avaliação dos conjuntos identificados, tais como a iconografia da época e os documentos técnicos dos projetos. Os levantamentos deveriam ser complementados com visitas técnicas de campo e registros fotográficos recentes. No entanto, foram grandes as dificuldades encontradas para a obtenção do material original. Não existem arquivos organizados que reúnam os documentos relativos aos empreendimentos projetados e construídos no período. A maioria dos 28 órgãos promotores estudados foi extinta entre 1964 e 1966 e seus arquivos foram transferidos para outras instituições que, em geral, não os conservaram adequadamente.
5 Apenas uma pequena parte da documentação dos 322 empreendimentos inventariados foi publicada nas revistas de arquitetura e engenharia e, de uma maneira geral, salvo exceções como o Conjunto Residencial Pedregulho, não mereceu destaque em livros, inventários e guias de arquitetura, órgãos de imprensa e outros meios de divulgação. Os antigos arquivos dos institutos de aposentadoria e pensões (IAPI, IAPC, IAPB, IPASE, IAPETC, IAPM, IAPFESP e Caixas) foram reunidos de maneira indistinta no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), a maior parte em arquivos mortos, permanecendo em condições muito precárias de conservação e anexo. Como as carteiras prediais e a atividade de promover, produzir e financiar habitação foram banidas da nova instituição previdenciária, esse material perdeu a importância no novo órgão, sobretudo após a venda das unidades habitacionais para os seus moradores. Muitos documentos originais desapareceram ou se dispersaram, como ocorreu também com a sua vasta documentação fotográfica. De qualquer forma, embora incompletos e repletos de lacunas, além de difícil acesso, os arquivos do INSS no Rio de Janeiro (Central e Irajá), em Brasília e em algumas outras cidades foram importantes fontes para a obtenção dos desenhos originais de alguns empreendimentos. As antigas revistas do IAPI (Revista dos Industriários e Inapiários), do IAPB (Revista dos Bancários) e do IAPC (Revista do IAPC) também contribuíram para um melhor conhecimento dos empreendimentos desses órgãos, mas raramente incluíam a documentação técnica dos projetos. O “livro azul” do IAPI (Pedro, 1950) foi uma fonte indispensável para o conhecimento dos empreendimentos desse órgão, trazendo informações básicas, incluindo uma descrição básica dos principais conjuntos residenciais concebidos pelo órgão até o início dos anos 1950, mas as demais instituições não tiveram publicações semelhantes. Com exceção da documentação referente às áreas residenciais de Brasília, que está bem organizada no Arquivo Público do Distrito Federal, a situação é muito crítica. Os
arquivos da Fundação da Casa Popular (FCP), órgão incorporado, em 1964, ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), que, por sua vez, foi extinto na década de 1970, simplesmente desapareceram. Segundo informações não oficiais, o material referente ao primeiro órgão federal específico de habitação, que estaria precariamente guardado numa pequena casa no subúrbio do Rio de Janeiro, teria sido incinerado como “material velho imprestável” por funcionários que “não sabiam para o quê aquilo poderia servir”. De uma maneira geral, os arquivos dos órgãos regionais inexistem, com exceção do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP). A pequena produção do Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal (Rio de Janeiro), cujo arquivo está disperso e muito mal-conservado, é a única que mereceu publicação adequada inicialmente na Revista Municipal de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal e, em seguida, em periódicos e livros, o que permite acesso aos projetos originais. Diante da ausência de arquivos centralizados, a obtenção da iconografia de época requereu uma pesquisa ampla em arquivos não especializados, dispersos nas diferentes cidades onde os empreendimentos foram implantados. Isso exigiu um enorme esforço, nem sempre bem-sucedido, visto que foram raras as obras que mereceram documentação adequada na sua época. Garimpando em diferentes fontes, até mesmo nas fotografias pessoais de antigos moradores, foi possível reunir iconografia da época de um número significativo dos empreendimentos inventariados. Em face da insuficiência das fontes documentais e de publicações, os levantamentos em campo ganharam grande importância, e muitos conjuntos somente puderam ser conhecidos por meio de visitas in loco, registradas em relatórios de campo. A pesquisa incluiu, essencialmente, levantamentos arquitetônicos (métrico), registros fotográficos e depoimentos de moradores. Complementadas pela observação de fotos aéreas, essas informações tornaram-se um importante instrumento de estudo e registro dos empreendimentos.
Apresentação
Além da elaboração ou conferência de plantas e desenhos, as visitas permitiram observar e descrever as características principais dos conjuntos, constatando as alterações realizadas e o seu estado atual, assim como sua inserção nos bairros em que se localizam. Entrevistas com moradores antigos tornaram-se a única maneira de conhecer detalhes da história da maior parte dos empreendimentos. Nos casos em que o material obtido na primeira visita de campo era insuficiente para a compreensão, descrição e apresentação do empreendimento, foi realizado novo esforço de pesquisa, buscando obter informações adicionais. Assim, alguns conjuntos foram visitados diversas vezes, seja pela necessidade de complementação de informações, seja pelo interesse em melhor entender sua concepção e detalhes construtivos. Frequentemente, as fotografias realizadas no âmbito do levantamento de campo não tiveram a qualidade requerida para a publicação, o que também tornou necessária uma nova visita do pesquisador ou do fotógrafo. Esse processo exigiu grande persistência da equipe, em especial do seu coordenador, prolongando ainda mais a duração da pesquisa. Mesmo com todo esse esforço, o inventário ainda apresenta lacunas que requerem investigações mais aprofundadas e que poderão se beneficiar do presente trabalho, visto que a identificação, localização e sistematização das informações básicas de cada empreendimento já constituem um excelente ponto de partida para novos pesquisadores. Não foram poucas as situações em que foi muito difícil identificar e localizar conjuntos residenciais que se diluíram nos bairros onde foram implantados, que tiveram suas unidades profundamente alteradas ou que se situam em regiões de difícil acesso, sem falar dos riscos de visitar e registrar locais onde a presença do poder público, que os criou, foi substituída pelo crime organizado. Embora alguns empreendimentos e o entorno da maioria tenham se transformado em regiões perigosas, sobretudo em metrópoles como o Rio de Janeiro, grande parte dos
6
conjuntos são lugares tranquilos, com uma vida comunitária consolidada, e ainda habitados por alguns dos primeiros moradores ou por seus descendentes, que colaboraram com a pesquisa na construção de uma memória oral do local. Os relatos de moradores, apesar de sua subjetividade, tornaram-se essenciais para a construção da história desses lugares, tendo em vista que poucas das 77 cidades visitadas realizaram algum procedimento de registro do processo de formação de seus bairros populares. Raros empreendimentos foram tombados por órgãos de preservação, casos de Pedregulho (DHP – Rio de Janeiro), Passo d’Areia (IAPI – Porto Alegre) e Cidade Industriária (IAPI – Belo Horizonte), embora não estejam efetivamente preservados e reabilitados. Esses conjuntos tornaram-se referências urbanas importantes e são os que mais se destacam na memória dos moradores das cidades onde se inserem. Por isso, ao contrário da grande maioria, são de fácil localização. Mais do que nos edifícios destinados a outras finalidades, conjuntos habitacionais são objeto de muitas interferências, o que provocou uma descaracterização significativa na maior parte dos empreendimentos. Essas alterações se acentuaram a partir de 1964, quando as unidades habitacionais foram vendidas para os moradores e os conjuntos multifamiliares passaram a ser geridos por condomínios privados, sem nenhum controle público. Por essa razão, não foi simples identificar em campo a concepção original, assim como as alterações realizadas durante mais de meio século, principalmente em conjuntos residenciais que guardam poucos elementos da proposta inicial, como Olaria (IAPC – Rio de Janeiro), implantado no início da década de 1940. Além das alterações nas edificações e nos espaços públicos, outro fator que dificultou o entendimento das propostas foi o fato de muitos empreendimentos terem sido apenas parcialmente implantados ou em desacordo com o projeto original. Por isso, nos casos em que existia uma documen-
7 tação gráfica do projeto, um dos objetivos da visita in loco foi verificar a correspondência entre o proposto e o realizado, seja nos aspectos quantitativos e factuais, como o número das unidades ou a implantação dos equipamentos, seja nos qualitativos, como o conceito do projeto.
Sistematização das informações e elaboração dos perfis dos empreendimentos De acordo com as diretrizes estabelecidas para a estruturação do inventário, cada empreendimento pesquisado deveria ser descrito num perfil que sistematizasse suas informações básicas, características do projeto, inserção no contexto urbano e na produção do órgão promotor e iconografia. Como a importância e a disponibilidade da documentação de cada empreendimento eram muito diferenciadas, estabeleceu-se uma hierarquia de apresentação, destinando seis páginas para os conjuntos mais importantes e/ou mais bem documentados, reduzidas, gradativamente, conforme sua relevância, para quatro, duas, uma, meia e até um terço de página. Nesse espaço, as informações foram organizadas nos seguintes tópicos: nome do empreendimento, ficha de identificação, texto descritivo, documentação do projeto redesenhado, imagens de época e recentes, fontes e créditos das ilustrações. As referências das fotografias estão no fim do volume. A seguir, serão apresentados os procedimentos adotados para a elaboração de cada um desses tópicos.
Nome do empreendimento O título de cada ficha é o nome do empreendimento, seguido da cidade e da sigla da unidade da federação em que ele se localiza. Como regra geral, foi utilizada, para denominar o conjunto, sua nomenclatura oficial, ou seja, como ele foi chamado nas publicações oficiais dos órgãos promotores. Nos casos em que o nome pelo qual o empreendimento se
tornou conhecido se difundiu amplamente, inclusive em revistas e publicações, este foi adotado, como, por exemplo, no caso do Conjunto Residencial Pedregulho, cuja denominação oficial, Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Morais, é quase desconhecida. Não havendo a identificação oficial, foi adotado o nome pelo qual o empreendimento é reconhecido e identificado pelos seus moradores. Muitos conjuntos residenciais possuem mais de um nome; nesse caso, escolheu-se o mais representativo, mencionando-se o segundo no texto descritivo. Em relação à localização, optou-se por atualizar a unidade da federação. Assim, por exemplo, um empreendimento situado no município de Corumbá, que ficava, na época de sua implantação, no Estado do Mato Grosso (MT), é mencionado como estando no Estado de Mato Grosso do Sul (MS), sua localização atual. Já o antigo Distrito Federal é identificado como Rio de Janeiro (RJ), enquanto Brasília aparece como Distrito Federal (DF). Eventualmente, nos textos descritivos foram feitas menções às alterações da divisão administrativa do país, usando-se, por exemplo, expressões como “Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal” ou “antigo Estado da Guanabara”.
Ficha de identificação Independentemente do tamanho que o empreendimento ocupa no inventário, a informação básica de todos os conjuntos está sistematizada em uma ficha padronizada, com os seguintes campos obrigatórios: “órgão promotor”; “localização”; “data”; “autor do projeto”; “unidades construídas”; “tipos”; “equipamentos”. Quando a informação referente a um desses campos não foi obtida, adotou-se a indicação “sem informação”. Os campos “área da gleba ou do terreno” e “empresa construtora” só aparecem na ficha quando se obteve a informação. Alguns esclarecimentos são necessários sobre o preenchimento dessa ficha. No campo “localização”, identifica-se uma das vias que cortam ou contornam o empreendimen-
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to, em geral a rua ou avenida mais conhecida, seguida, na maioria dos casos, do bairro. Quando não houve mudança no traçado das vias, optou-se por atualizar a denominação do logradouro, de modo a facilitar sua localização. Já nas situações em que ocorreu alteração no traçado das vias, optou-se por manter os nomes originais, mencionando, quando possível, os nomes atuais na implantação.
com circulação vertical compartilhada, ou o edifício, definido como edificação plurifamiliar com circulação vertical compartilhada com elevador e mais alto do que comprido, foram indicados o número de pavimentos, contados a partir do térreo (primeiro pavimento), e a existência de usos não residenciais no interior da edificação, como comércio e/ou serviços no térreo, sobreloja ou cobertura.
No campo “autor do projeto”, encontrou-se grande dificuldade para identificar o profissional responsável, pois muitos projetos foram desenvolvidos de maneira coletiva nos setores ou divisões de engenharia dos órgãos promotores. Nos poucos casos em que os projetos foram encomendados a profissionais externos ao órgão promotor, a autoria está claramente definida e foi identificada.
No caso de unidades unifamiliares, os tipos foram classificados segundo os seguintes critérios de agregação: casas isoladas (unidades térreas com recuos laterais); casas geminadas (unidades térreas agrupadas duas a duas); casas em fileira (unidades térreas agrupadas em sequência); sobrados isolados (unidades de dois pavimentos com recuos laterais); sobrados geminados (unidades de dois pavimentos agrupadas duas a duas); sobrados em fileira (unidades de dois pavimentos agrupadas em sequência); unidades sobrepostas (unidades agregadas verticalmente com acessos independentes).
A maioria dos projetos, entretanto, não tem autoria personalizada, tendo sido concebida sob a responsabilidade da equipe de engenharia dos órgãos promotores, que foi creditada como autora. Nas situações em que o projeto foi elaborado no setor de engenharia do órgão promotor, mas o profissional responsável foi identificado em publicações ou documentos oficiais, este aparece na ficha como o autor do projeto, destacando-se que ele pertencia à equipe do setor de engenharia do órgão, casos de Ferreira (IAPI), Hellmeister (IAPC), Reidy e Bolonha (DHP). Alguns desses profissionais, como Ferreira, funcionário do IAPI durante quase trinta anos, criaram famílias tipológicas que foram sendo utilizadas e/ou adaptadas pelo setor de engenharia do órgão em inúmeros empreendimentos, em diferentes regiões do país. No campo “número de unidades”, foi apresentado o número de unidades efetivamente construídas; quando o plano original previa um número diferente do efetivamente construído, essa situação foi indicada entre parêntesis. No campo “tipo”, foi estabelecida uma classificação baseada na agregação das unidades na implantação do conjunto, de modo a enfatizar a organização urbana. Quando o tipo adotado foi o bloco, definido como edificação plurifamiliar
Na ficha, os tipos foram identificados por extenso e, em seguida, foi adotado um código para identificação sucinta das demais informações: B (bloco); E (edifício); CI (casas isoladas); CG (casas geminadas); CF (casas em fileiras); SI (sobrado isolado); SG (sobrado geminado); SF (sobrado em fileira); US (unidade sobreposta). Quando o empreendimento tem mais de uma variação de planta dentro do mesmo tipo, são utilizados números sequenciais, como B1, B2, B3 ou CG1, CG2, CG3 etc. Cada variação dos tipos utilizados nos empreendimentos foi qualificada, apresentando-se a área e os compartimentos das unidades habitacionais, conforme os códigos indicados no item “Definições e códigos adotados na apresentação dos tipos e projetos”. Essa descrição foi detalhada na ficha, com exceção dos empreendimentos onde o número de variações excedia sua dimensão, caso em que foi apresentada na implantação do conjunto. No campo “equipamentos”, foram identificados todas as edificações, áreas livres e espaços de uso não residencial
9 previstos no empreendimento, como escolas, creches, ambulatórios, áreas comerciais, áreas verdes, praças, clubes, centro de recreação etc. Em muitos casos estão presentes e foram incluídos na ficha as delegacias ou postos dos institutos de aposentadoria e pensões que eram muito utilizados pelos moradores. Nesse campo foi indicado, ainda, se os equipamentos foram efetivamente construídos ou apenas projetados. Outro cuidado foi diferenciar os conjuntos sem equipamentos daqueles sem informação sobre sua existência.
Texto descritivo Para todos os empreendimentos, com exceção dos que ocupam apenas um terço de página, foi elaborado um texto descritivo cuja dimensão varia de acordo com o espaço programado. Esses textos apresentam o histórico e contexto do conjunto, concepção e descrição sintética do projeto, além de uma breve análise. A intenção foi garantir, no reduzido espaço previsto, uma compreensão clara das características da intervenção, relacionando-a com os demais empreendimentos do órgão promotor e articulando uma leitura das peças gráficas e da iconografia apresentadas no perfil do conjunto.
Identificação das fontes, créditos dos pesquisadores e das fotografias Ao final do texto descritivo são apresentadas as fontes utilizadas para a obtenção das informações necessárias para a elaboração do perfil do empreendimento. Além de textos, artigos, livros e documentos utilizados, estão identificados também os Relatórios de Levantamento de Campo (LC), realizados pelos pesquisadores que visitaram os empreendimentos, instrumentos que forneceram a base empírica para a elaboração da respectiva ficha, texto descritivo e desenhos. Ao final deste volume, estão listados todos os 72 Relatórios de Levantamentos de Campo realizados, permitindo identificar a data e os pesquisadores que visitaram cada empreendimento. Cada relatório corresponde a uma ou a várias visitas de campo realizadas
num mesmo período, pelo mesmo grupo de pesquisadores, numa mesma cidade. Logo em seguida, é identificada a autoria das fotografias utilizadas. Estão incluídos tanto as fotografias da época, com crédito dos arquivos que cederam os originais e os periódicos de época, como os pesquisadores e fotógrafos que realizaram o levantamento iconográfico especificamente para a pesquisa. Em alguns casos, em levantamentos realizados em equipe, não foi possível identificar pessoalmente o autor, atribuindo-se o crédito da autoria das fotos ao conjunto de pesquisadores presente em campo. Também foram identificadas as fontes que serviram de base para os redesenhos dos projetos. Essas fontes podem ter sido a documentação gráfica original dos projetos, coletada nos arquivos pesquisados, os periódicos que publicaram projetos ou os levantamentos de campo realizados pela equipe.
Processamento da documentação gráfica dos projetos Todos os projetos foram inteiramente redesenhados, seguindo fielmente a proposta original, tendo por base as informações gráficas obtidas nos levantamentos documental, bibliográfico, arquitetônico e fotográfico, incluindo, ainda, fotos aéreas. Nos casos, não muito frequentes, em que os croquis ou desenho original do autor apresentassem um interesse gráfico superior ao da representação técnica, foi apresentada também uma reprodução do original. Sempre que possível, foi incluída uma implantação do empreendimento com o traçado viário e localização dos tipos adotados e dos equipamentos previstos ou construídos, de preferência nas escalas 1:2000 ou 1:5000, embora, excepcionalmente, tenha sido necessário adotar outras escalas. Foram incluídas, ainda, nas escalas 1:500 ou 1:250, plantas das unidades, dos pavimentos-tipo dos blocos ou edifícios, elevações e detalhes construtivos significativos. No caso de existirem equipamentos sociais,
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buscou-se mostrar também alguma peça gráfica dos seus projetos. Em razão da escassez de espaço na publicação, nem todos os elementos gráficos processados pela pesquisa puderam ser incluídos na publicação. Os desenhos foram padronizados de acordo com os critérios de representação estabelecidos no projeto gráfico do inventário. As legendas foram uniformizadas e atualizadas, mantendo-se alguns estrangeirismos, como a forma playground, utilizada pelos profissionais. A uniformização dos desenhos e das escalas facilitou a análise comparativa entre os vários projetos, melhorando a compreensão do empreendimento, pois exigiu a análise da implantação e da inserção no entorno, identificando elementos como a área do terreno, número e disposição das unidades, arruamentos, equipamentos coletivos e áreas verdes. Além da análise dos tipos empregados, foram observadas a organização do programa e da unidade, bem como as soluções construtivas.
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11 Definições e códigos adotados na apresentação dos tipos e projetos Tipos habitacionais Casa [C] unidade unifamiliar térrea Sobrado [S] unidade unifamiliar com dois pavimentos
Compartimentos da unidade habitacional Sala [S] Cozinha [C] Quarto [Q]
Unidade sobreposta [US] unidade articulada verticalmente com circulação independente
Banheiro [B]
Bloco [B] conjunto plurifamiliar com circulação vertical compartilhada, mais comprido do que alto e na maioria dos casos sem elevador
Tanque externo [T]
Edifício [E] conjunto plurifamiliar com circulação vertical compartilhada, mais alto do que comprido e na maioria dos casos com elevador
Terraço [V] (em apartamento, indicado V na descrição da legenda)
Área de serviço (não foi usado terraço) [AS]
Varanda [V] (em casa)
Quarto de empregada [QE] Banheiro de empregada [BE]
Articulação horizontal dos tipos casa, sobrado e unidade sobreposta Isolado(a) [I] Geminado(a) [G] Fileira [F]
Articulação horizontal do modelo gerador em blocos e edifícios No caso de blocos ou edifícios, a articulação de um mesmo módulo gerador em diferentes números (2, 3, 4 etc.) é descrita por letras (a, b, c). Por exemplo, B1a, B1b, B1c etc.).
Garagem [G] Quarto de costura [QC] Quarto-sala [QS] (no caso de quitinete) Gabinete [GA] (escritório) Copa [CO] Hall [H] (distribuição de fluxo externa à unidade) Vestíbulo [VE] (distribuição de fluxo interna à unidade) Despensa ou depósito [D] Quintal [QI] Passagem [P]
Articulação vertical dos pavimentos Número de pavimentos (contado a partir do térreo)
Refeitório [R] (comum a várias unidades) Saleta [SA] (anexo à sala)
Número de andares (contado a partir do primeiro) Térreo ou primeiro pavimento Cobertura Pavimento-tipo (repetição do primeiro pavimento nas demais posições verticais)
Ocupação dos pavimentos Térreo livre (com pilotis) ou ocupado (com área comercial ou residências) Cobertura ocupação parcial da última laje do edifício com salão de festas, jardim, casa de zelador etc.
Observação: tanto a varanda como o terraço podem ser entalados – incluídos no volume da unidade – ou protuberantes – anexos ao volume.
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IAPI
CONJUNTO RESIDENCIAL OPERÁRIO DE REALENGO VILA GUIOMAR CONJUNTO RESIDENCIAL DE HONÓRIO GURGEL
CONJUNTO RESIDENCIAL DO PASSO D’AREIA
CONJUNTO RESIDENCIAL DE NOVO HAMBURGO
CONJUNTO RESIDENCIAL DA VÁRZEA DO CARMO CONJUNTO RESIDENCIAL DA MOOCA CONJUNTO RESIDENCIAL DE SALVADOR CONJUNTO RESIDENCIAL DE SÃO BRÁS BAIRRO INDUSTRIÁRIO CONJUNTO RESIDENCIAL DE AREAL CONJUNTO RESIDENCIAL DA PENHA CONJUNTO RESIDENCIAL DE BANGU CONJUNTO RESIDENCIAL DE MOÇA BONITA CONJUNTO RESIDENCIAL DE TERRA NOVA CONJUNTO RESIDENCIAL DE DEL CASTILHO CONJUNTO RESIDENCIAL PRESIDENTE JOSÉ RAIMUNDO CONJUNTO DOS SETE PRÉDIOS CONJUNTO RESIDENCIAL DE VILA TERESA CONJUNTO RESIDENCIAL DE CABUÇU VILA JORGE RUDGE VILA AQUIDABÃ CONJUNTO RESIDENCIAL DO QUITUNGO CONJUNTO RESIDENCIAL DE SANTOS CONJUNTO RESIDENCIAL JAPURÁ EDIFÍCIO ANCHIETA EDIFÍCIO INCONFIDÊNCIA EDIFÍCIO GETÚLIO VARGAS EDIFÍCIO FLORENÇA VILA TEIXEIRA VILA MARIA GENOVEVA CONJUNTO RESIDENCIAL DE TAUBATÉ CONJUNTO RESIDENCIAL MONTE CASTELO CONJUNTO RESIDENCIAL EUVALDO LODI VILA DOS INDUSTRIÁRIOS JARDIM PIRATININGA CONJUNTO RESIDENCIAL DE AREIAS CONJUNTO RESIDENCIAL DO SACO DOS LIMÕES CONJUNTO RESIDENCIAL DE VITÓRIA CONJUNTO RESIDENCIAL DE GOIÂNIA CONJUNTO RESIDENCIAL DE CASCADURA CONJUNTO RESIDENCIAL DE COQUEIRINHO CONJUNTO RESIDENCIAL DE ITATIBA CIDADE INDUSTRIAL CONJUNTO RESIDENCIAL DE DIAMANTINA CONJUNTO RESIDENCIAL DE ITABIRITO CONJUNTO RESIDENCIAL JUSCELINO KUBITSCHEK VILA MACARAÍPE CONJUNTO RESIDENCIAL DA PEDREIRA GUACURI CONJUNTO RESIDENCIAL DE GUARATINGUETÁ CONJUNTO RESIDENCIAL DE VILA MARIANA
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Instituto de Aposentaria e Pensões dos Industriários - IAPI 1936-1966 O IAPI, órgão de seguridade social dos trabalhadores da indústria, fundado em 1936, foi o maior dos institutos de previdência, alcançando, em 1950, quase 1,5 milhão de associados, sendo a maioria operários de baixa renda. Com a unificação da previdência promovida pelo regime militar pelo Decreto-Lei no 72/1966, o IAPI, como os demais institutos, foi integrado ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Em consequência, as unidades habitacionais de sua propriedade foram vendidas aos moradores. O IAPI foi o órgão que projetou e edificou o maior número de moradias no período. No Plano A (construção de conjuntos para locação a associados), foram projetadas 36 mil unidades em 66 empreendimentos, dos quais nove ficaram incompletos, tendo sido construídas cerca de 24 mil unidades. O Setor de Engenharia, dirigido pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira durante toda a existência do Instituto, desenvolveu uma política de projetos habitacionais bem-estruturada, elaborando uma grande variedade de tipos: casas térreas isoladas, geminadas, sobrepostas e em fileira, sobrados e blocos de dois, três e quatro pavimentos. No Conjunto Residencial de Realengo, que abre este inventário e que foi o primeiro promovido pelo órgão, projetado entre 1938 e 1940, esses tipos foram implantados de maneira experimental e, posteriormente, foram utilizados, com variações, em todo o país. O IAPI buscou aplicar os princípios formulados pelo CIAM na década de 1920, baseados na seriação, estandardização e racionalização, objetivando compatibilizar qualidade e adequada inserção urbana com economia. Predominou a concepção de habitação como um serviço público; as moradias eram alugadas pelo órgão, que se responsabilizava pela implantação e gestão de equipamentos e espaços coletivos, como escolas, postos de atendimento médico, áreas comerciais, cinemas, ginásios e áreas verdes, de recreação e lazer. O IAPI criou critérios para definir os tipos e a densidade a serem utilizados nos seus conjuntos. Nos grandes centros urbanos, deveriam ser construídos, preferencialmente, blocos multifa-
miliares sem pilotis, solução que predominou no então Distrito Federal (Rio de Janeiro), onde foram edificadas cerca de 40% das unidades produzidas. As demais foram edificadas em 29 municípios, situados em quatorze unidades da federação. Nas cidades médias, sobretudo do interior de São Paulo e Minas Gerais, optou-se por sobrados em fileiras, enquanto as casas geminadas e isoladas foram utilizadas nas pequenas cidades. Nos grandes conjuntos, com mais de mil unidades, como Realengo (Rio de Janeiro), Vila Guiomar (Santo André) e Passo d’Areia (Porto Alegre), foram utilizadas soluções mistas, com blocos e casas. A maioria das unidades habitacionais é de pequena dimensão, com dois ou três quartos e cozinha mínima. Em compensação, foi prevista uma ampla gama de equipamentos coletivos, nem sempre implantados. No entanto, o IAPI também produziu empreendimentos para a camada mais privilegiada dos industriários, com unidades de grande dimensão e padrão sofisticado, como os edifícios Anchieta (São Paulo) e Inconfidência (Recife). A ação do IAPI pode ser dividida em etapas. Na primeira (1938-1945), sob a presidência de Plínio Cantanhede, vários projetos foram elaborados por arquitetos contratados, como os irmãos Roberto, Attilio Corrêa Lima, Paulo Antunes Ribeiro e Eduardo Kneese de Mello, gerando uma rica experiência projetual que complementou o rigor tipológico desenvolvido por Ferreira. Entre 1946 e 1950, sob a presidência de Alim Pedro, a ênfase foi a execução, com a construção da maioria dos conjuntos residenciais; o IAPI tornou-se o maior promotor imobiliário do país. A partir dos anos 1950, diante do diminuto retorno dos investimentos realizados, ameaçando o equilíbrio atuarial, a produção do IAPI foi reduzida, embora ele tenha se destacado na implantação da área habitacional de Brasília. Mesmo sendo uma autarquia voltada prioritariamente para a seguridade social, o IAPI foi o mais importante órgão de produção habitacional do período no país. Fontes: FERREIRA (1940), IAPI (1940), PEDRO (1950), Revista dos Industriários, BONDUKI (1998), ARAVECCHIA (1999), DEP1 Uma análise completa da produção do IAPI está no Volume 1, p.164.
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Conjunto Residencial Operário de Realengo, Rio de Janeiro, RJ ÓRGÃO PROMOTOR
LOCALIZAÇÃO DATA AUTOR DO PROJETO UNIDADES CONSTRUÍDAS TIPO
EQUIPAMENTOS
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Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI Estrada da Água Branca, Realengo 1938 Carlos Frederico Ferreira (Setor de Engenharia do IAPI) 2.345 Blocos de dois a quatro pavimentos, casas geminadas, casas isoladas e em fileiras, sobrados em fileira, casas sobrepostas em fileiras Posto de saúde, ginásio, campo de futebol, capela mortuária, igreja, escola, clube, horto florestal, comércio e creche
Primeiro empreendimento habitacional de grandes dimensões construído no país e medalha de ouro no IV Congresso Pan-Americano de Arquitetos (1940), o Conjunto Residencial Operário de Realengo, com 2.345 unidades, foi idealizado e construído entre 1938 e 1943, como marco fundador das atividades do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) na área da habitação. Projetado pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira, chefe do Setor de Engenharia do IAPI, o conjunto localiza-se junto à estação de trem de Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro. Vasto campo de experimentação projetual, sua concepção estabeleceu uma linhagem de tipos – unidades unifamiliares e blocos de apartamentos –, que foram utilizados, conforme as necessidades, em distintas localidades. A preocupação com a inovação tecnológica, seriação e barateamento do produto final manifesta-se de forma inédita nesse empreendimento magno do IAPI, um projeto racional que visava à qualidade, economia e reprodutividade. O empreendimento colocou em prática a concepção definida pelo governo Vargas para a construção de núcleos habitacionais para os trabalhadores, com infraestrutura completa (redes de água, luz e esgoto, galerias de águas pluviais, pavimentação e estação de tratamento de esgoto) e vários serviços de caráter coletivo, efetivamente implantados, como áreas comerciais, escola primária para 1.500 alunos, creche para cem crianças, ambulatório médico, gabinete dentário, quadras para a prática de esportes, templo católico e horto florestal, concretizando a proposta de uma unidade de vizinhança onde o trabalhador pudesse encontrar tudo aquilo de que necessitasse além do trabalho.
flexíveis. Esses painéis apresentaram grande durabilidade e até hoje existem exemplares originais em perfeito estado. Outro destaque é o bloco principal (B1), com sua fachada frontal formada por balcões intercalados, criando um rico jogo de volumes, fortemente influenciado pelo edifício para residência estudantil da Bauhaus, em Dessau, de Walter Gropius (1926). Galerias lineares no fundo do edifício possibilitam o acesso aos apartamentos, células habitacionais mínimas de 38 m², incluindo quarto, sala, cozinha e banheiro. No térreo, foram instaladas áreas comerciais e de serviços do IAPI, criando uma forte referência urbana, reforçada pela implantação, numa segunda etapa, de dois blocos de quatro pavimentos (B2) do lado oposto da avenida. O Bloco Tipo B4 é formado por módulos geradores compostos de uma coluna de circulação vertical e duas unidades em cada um dos seus dois pavimentos. A coluna de escada é fechada por cobogós, que constituem o principal elemento de composição dos blocos. Esse tipo de bloco foi utilizado em outros conjuntos do IAPI, como Honório Gurgel (Rio de Janeiro) e São Brás (Belém).
Embora o conjunto tenha sido implantado sobre um arruamento preexistente, o parcelamento foi substituído por uma configuração mais moderna, eliminando parcialmente a divisão em lotes. Os edifícios foram implantados no espaço público e as casas geminadas, embora unifamiliares, não foram cercadas, possibilitando uma continuidade entre o quintal e o espaço público. Com a venda das unidades aos moradores, após a extinção do IAPI em 1964, os lotes foram cercados.
Os sobrados em fileira diferenciam-se das soluções tradicionais. Organizados em grupos de oito a dez unidades, têm térreo livre, onde se situam apenas área de serviço e garagem. Uma escada dá acesso ao piso superior, onde se localizam as demais dependências: sala, cozinha, banheiro e dois quartos. Esse tipo era considerado pelo arquiteto como um modelo vantajoso, pois, segundo ele, “apresentava as mesmas qualidades de construções em pilotis”, em razão dos espaços livres do térreo.
Modernizar o processo construtivo, objetivando a produção massiva e a economia, foi uma das intenções do projeto. Nele foi utilizada, pela primeira vez no Brasil, uma máquina para fabricar blocos de concreto. A alvenaria de blocos de concreto permitiu a aplicação da pintura sem reboco, com grande economia. Outra inovação foram os painéis pré-fabricados de madeira nas paredes internas, o que dispensava fundações e tornava as divisões da habitação mais
A grande maioria das unidades, no entanto, é constituída por casas geminadas duas a duas que, salvo o inovador processo construtivo, são tradicionais quanto ao agenciamento espacial. Fontes: INSS-RJ/IRA, PEDRO (1950), BONDUKI (1994), ANTUNES (1997), Revista Municipal de Engenharia 2 (1940) e 4 (1954), Architectural Forum 5 (1947), AA 10 (1947), Goodwin (1943) Desenhos: PEDRO (1950), INSS-RJ
Vista aérea do conjunto, em foto da década de 1940, mostrando a diversidade das soluções utilizadas. O Realengo foi concebido como um canteiro de experimentação dos vários tipos desenvolvidos pelo Setor de Engenharia do IAPI, coordenado pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira.
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CI1
SF1
CI2
B1 4 pavimentos
CI3
B2 4 pavimentos
CI4
B3 3 pavimentos
CG1 (51,42 m2)
B4.1 2 pavimentos
CG1 (50,30 m2)
B4.2 2 pavimentos
CG2
B5 2 pavimentos
CF1
Acima Vista de casas geminadas, com a caixa d’água em primeiro plano. Esta fotografia, da época da inauguração do conjunto, permite observar sua localização suburbana, a mais de 25 quilômetros da Estação Central do Brasil. Ao lado Vista geral da área verde do conjunto, com o bloco ao fundo, em foto da década de 1940. O projeto da caixa d’água, concebida originalmente para o Realengo e que aparece no centro desse espaço, foi reproduzido em inúmeros outros empreendimentos do IAPI. Ao lado, à direita Vista da rua principal do conjunto, ladeada pelos blocos de quatro pavimentos (B1 e B2) e pela área comercial no térreo do edifício principal do Realengo. O espaço funciona como um centro de caráter local. Ao lado Vista da escola, elevada pela utilização de pilotis, com uma marquise em primeiro plano. A qualidade arquitetônica dos equipamentos sociais elaborados pelo Setor de Engenharia do IAPI revela a enorme capacidade projetual do arquiteto Carlos Frederico Ferreira.
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Horto Escola Creche Praça Igreja Clube Depósito Garagem Almoxarifado Fábrica de blocos Caixa d’água
Escala 1:10.000
0
100
200
Conjunto Residencial Operário de Realengo, Rio de Janeiro, RJ
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Ao lado Fotos reproduzidas no famoso livro Brazil Buildings, editado pelo Museu de Arte Moderna de New York, em 1943, que divulgou para o mundo a surpreendente arquitetura moderna brasileira. O Realengo estava em fase final de construção, mas já foi possível mostrar o expressivo jogo de volumes na fachada principal do bloco e as elegantes linhas horizontais da fachada dos fundos. Abaixo, à esquerda Fachada frontal do bloco principal, em foto atual. A grande maioria das varandas foi fechada, descaracterizando o projeto original. Abaixo, fachada posterior do bloco, marcada pelas varandas de circulação horizontal, que está mais bem preservada.
Tipo B1 2o e 4o pavimentos
Tipo B1 3o pavimento
1 Cozinha 2 Quarto 3 Sala
4 Banheiro 5 Varanda
Escala 1:500
0
5
10
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Acima Foto recente do Tipo B2, em frente à rua principal, com áreas comerciais no térreo. Acima, à direita Vista do Bloco Tipo B3, com três pavimentos, em fase final de acabamento da obra. Esse tipo apresenta uma varanda que se projeta para fora do corpo principal do bloco, com a sua face lateral fechada com cobogós, assim como a coluna de escada, localizada entre as varandas. Ao lado Vista do mesmo Tipo B3, em foto recente, com inúmeras alterações como o cercamento da área pública, o fechamento das varandas e a construção de acréscimos no térreo. Abaixo, à direita Vista do Tipo B4.2, de dois pavimentos, em foto do período inicial de sua ocupação. Esse tipo, que se caracteriza pela horizontalidade, assemelhando-se a uma sequência de sobrados em fileiras, foi utilizado em vários outros empreendimentos do IAPI, como em Belém do Pará. A área de circulação que dá acesso ao segundo pavimento é fechada por um pano de cobogós quadrados, que vai até o chão, interrompido apenas pela porta de entrada. Abaixo Vista de um Bloco Tipo 4.2, através dos cobogós do prédio localizado do outro lado da rua.
Tipo B4.2 Pavimento superior
Tipo B4.2 Pavimento térreo
1 Cozinha 2 Quarto 3 Sala
4 Banheiro 5 Área de serviço Escala 1:500
0
5
10
Conjunto Residencial Operário de Realengo, Rio de Janeiro, RJ
Tipo B5 Pavimento superior
Tipo B5 Pavimento térreo
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Tipo SF1 Pavimento superior
Tipo SF1 Pavimento térreo
Escala 1:250
Acima O Bloco Tipo B5 é um tipo de dois pavimentos, que se caracteriza por ter acesso individual para as unidades do pavimento térreo e um lance de escada para os dois apartamentos do piso superior. O bloco é apresentado em três momentos: na década de 1940, com o projeto íntegro e com o espaço público bem tratado; na década de 1970, com um puxado e o abandono do tratamento do espaço público; e atualmente, com vários acréscimos e a impermeabilização da área livre. O processo é exemplar da progressiva deterioração da qualidade arquitetônica e urbanística dos conjuntos residenciais do período. Ao lado Este tipo especial de sobrado em fileira (SF1), proposto com entusiasmo por Ferreira, embora fosse uma unidade unifamiliar, “apresentava as mesmas qualidades de construções em pilotis”. É original e não foi utilizado em outros empreendimentos do órgão, talvez porque seu custo em relação à área útil fosse elevado. Todas as dependências estão no pavimento superior, enquanto o térreo é ocupado apenas pela área de serviço.
1 2 3 4 5 6
0
1
5
Cozinha Quarto Sala Banheiro Área de serviço Garagem
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No alto Casas em fileira (CF1) abertas para a área verde, e em imagem da década de 1970, já com alterações significativas, como a construção de muro que isolou as casas do espaço público. No centro Casas geminadas em dois momentos: foto da época, em que as casas ainda não tinham sido muradas e abriam-se diretamente para o espaço público, e foto atual. Ao lado Em número muito reduzido, foram implantados três tipos diferentes de casas isoladas, que apresentam uma área muito superior às demais, indicando ser destinadas a industriários mais bem remunerados. À esquerda Em primeiro plano, vista aérea das casas geminadas, com bloco principal (B1) ao fundo. Esta fotografia, da época da inauguração do Realengo, permite vislumbrar o impacto da construção de um bloco moderno na paisagem suburbana do Rio de Janeiro.
Vila Guiomar, Santo André, SP ÓRGÃO PROMOTOR
LOCALIZAÇÃO DATA AUTOR DO PROJETO UNIDADES CONSTRUÍDAS TIPO
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Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI Rua Catequese 1942 Carlos Frederico Ferreira (Setor de Engenharia do IAPI) 1.411 Casas isoladas, casas geminadas, um bloco de quatro pavimentos e blocos de quatro pavimentos sobre pilotis CI1 – 3Q/S/V/C/B/AS – 68 m² CG1 – 2Q/S/V/C/B/AS – 57 m² B1/A1 – 2Q/2S/V/C/B/AS – 62 m² B2/A2 – 2Q/S/C/B/AS – 42 m²
EQUIPAMENTOS
Escola, ginásio, igreja e áreas verdes
A Vila Guiomar, projeto de Carlos Frederico Ferreira, é um dos melhores exemplos de soluções mistas – blocos e casas – no âmbito da produção do IAPI. Trata-se de um grande conjunto, localizado em Santo André, que na década de 1940 já se constituía num importante centro industrial no subúrbio de São Paulo. O projeto original previa cerca de três mil unidades, mas ficou apenas na primeira etapa com 1.411 unidades construídas, sendo 978 apartamentos, em dois tipos básicos de blocos, e 433 casas, entre isoladas e geminadas. Esse projeto revela que Ferreira sofreu uma forte influência da concepção urbanística de cidades-jardins, que aparece mesclada com propostas racionalistas, como a implantação dos blocos sobre pilotis. Essas duas concepções aparecem combinadas com coerência no projeto urbanístico. Numa gleba de declividade acentuada, foi projetado um sistema viário sinuoso, com amplas áreas verdes que permeiam toda a área urbanizada. Ruas curvas acompanham a topografia do terreno, desenho que prevalece no setor destinado às casas. Nesse trecho, a influência da cidade-jardim é mais nítida. As casas foram implantadas com um recuo frontal, destinado a um jardim. No fundo, os quintais voltam-se para praças internas públicas, como a proposta original de Barry Park para o Jardim América em São Paulo. Mas, ao contrário deste, as áreas verdes internas são abertas e ligadas ao sistema viário geral do conjunto. Os blocos estão implantados em dois setores, claramente demarcados, de ambos os lados da área destinada às casas. Levantados sobre pilotis e dispostos numa grande área livre arborizada, colocou-se em prática a concepção corbusiana da habitação junto a um parque. São 61 blocos de quatro pavimentos em dois tipos básicos: com corredor de acesso aos apartamentos (B2) ou com uma coluna de escada a cada duas unidades (B1). Neste segundo tipo, as colunas de escadas destacam-se do bloco, formando uma saliência em forma de dente, fechada com elementos vazados e compondo um módulo a cada dois apartamentos, que se repete sistematicamente por tantas vezes quanto for o comprimento do prédio. O projeto desse bloco dialoga com a produção da arquitetura moderna brasileira, antecipando algumas alternativas posteriormente utilizadas. A fachada livre, possibilitada pela estrutura de concreto armado, com os pilares recuados, permite a criação de um pano horizontal contínuo de aberturas na parte frontal, conferindo leveza ao bloco, acentuada pela varanda entalada. A coluna de escada e o telhado inclinado evitam que se transforme num paralelepípedo perfeito, como ocorre no conjunto da Várzea do Carmo.
Vista aérea do conjunto em foto dos anos 1950, em que se veem os blocos em primeiro plano e o traçado orgânico do sistema no trecho das casas.
O telhado, por sua vez, assinala a não aceitação do teto-jardim, adotado apenas em projetos de edifícios altos, provavelmente em decorrência do custo da impermeabilização. O outro tipo de bloco é mais pesado, com uma torre de escada na extremidade, também fechada com elementos vazados, que leva a um corredor de acesso às unidades na parte posterior do edifício. Esse elemento de circulação, que fica em balanço e se repete em todos os pavimentos, funciona como uma espécie de varanda coletiva, já que, neste tipo, os apartamentos não contam com um espaço individual de transição entre a área fechada e a livre. Além da grande profusão de áreas verdes, o conjunto conta com equipamentos coletivos de destaque: a escola primária e o ginásio, também projetos de Ferreira. São obras de grande interesse arquitetônico. A estrutura do ginásio, um rendilhado de madeira, é uma obra-prima que merece observação cuidadosa. Além de inúmeras modificações nas esquadrias, os blocos da Vila Guiomar sofreram uma alteração na sua concepção arquitetônica, com o fechamento dos pilotis para a implantação de garagens individuais. As reformas nas casas foram generalizadas e elas hoje estão quase irreconhecíveis. No entanto, o ambiente acolhedor formado, sobretudo, pelas amplas áreas verdes que contornam os blocos mantém ainda o conjunto como um espaço urbano extremamente agradável, que se destaca na paisagem árida do ABC paulista. Fontes: PMSA, BMCSA, JDSA, BONDUKI (1998), PEDRO (1950), KARLSEN (1967), Acrópole 147 (1950), Revista dos Industriários 8 (1949), Arquitetura e Engenharia jul./set. (1950) Desenhos: PEDRO (1950), INSS-SP, MINDLIN (2000)
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Vistas gerais do conjunto. Acima Áreas verdes junto aos blocos Tipo B1. Ao lado, blocos Tipo B2 e B1, respectivamente, com térreo livre com pilotis garantindo a continuidade do espaço público. A caixa d’água, projetada por Ferreira, tornou-se um modelo utilizado com frequência em outros conjuntos do IAPI.
Ao lado Vista que mostra a combinação de concepções urbanísticas que o arquiteto utilizou em Santo André: ruas curvas criam a paisagem pitoresca do setor das casas unifamiliares, enquanto os blocos são organizados de maneira mais cartesiana.
Vila Guiomar, Santo André, SP
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1 2 3 4 5 6
Tipo B1 Pavimento-tipo
Tipo B1/A1 Cozinha Quarto Sala Banheiro Área de serviço Varanda
Escala 1:250 0
1
5
Tipo B1 Pavimento térreo Escala 1:500
0
5
10
Acima, à direita Detalhe da unidade: em Vila Guiomar, colocou-se em prática o conceito moderno de habitar num parque. A varanda funciona como transição entre a unidade habitacional e o espaço público, resolvida com a utilização de um guarda-corpo translúcido, com treliça de madeira. Ao lado Neste bloco, ao combinar soluções como fachada livre, elevação do edifício sobre pilotis, varanda entalada, generoso afastamento entre os blocos e grande profusão de áreas verdes, Ferreira conseguiu uma leveza rara em conjuntos habitacionais.
Ao lado Imagem recente de unidade original que conserva a caixilharia de madeira, a treliça da varanda e o quintal sem muro.
6 4
2
1
2
3
2
5
1 2 3 4 5 6
Tipo CI1 Cozinha Quarto Sala Banheiro Varanda Área de serviço
Escala 1:250 0
1
5
25
Tipo B2 Pavimento-tipo
Tipo B2 Pavimento térreo
Escala 1:500
1 2 3 4 5
Cozinha Quarto Sala Banheiro Área de serviço
0
5
No alto Vistas frontal e posterior do Bloco Tipo B2 que, embora também seja elevado do solo por pilotis, não tem a mesma leveza do outro tipo. Os corredores de circulação, mesmo em balanço, dão um aspecto pesado ao bloco. 10
Abaixo, à esquerda Setor das unidades unifamiliares, com casas geminadas implantadas em ruas curvas.
1 2 3 4 5 6
Escala 1:250
0
Tipo CG1 Cozinha Quarto Sala Banheiro Área de serviço Varanda
1
5
Vila Guiomar, Santo André, SP
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CI1 CG1 B1
1 Escola 2 Ginásio Caixa d’água
B2
Escala 1:5.000
0
50
100
27
Acima e ao lado Vistas da escola composta de três volumes ligados por marquise, que indica a entrada do edifício e organiza a circulação entre os volumes. O térreo com pilotis serve como recreio coberto. Abaixo Vistas externa e interna do ginásio, com a cobertura cilíndrica em estrutura lamelar de madeira.
Conjunto Residencial de Honório Gurgel, Rio de Janeiro, RJ ÓRGÃO PROMOTOR
LOCALIZAÇÃO DATA AUTOR DO PROJETO
UNIDADES CONSTRUÍDAS TIPO
28
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI
Ao lado Vista da praça triangular com as varandas do bloco em “L” no primeiro plano e um bloco de dois pavimentos ao fundo. A imagem, do final dos anos 1940, mostra o cuidado do IAPI com as áreas públicas dos conjuntos residenciais.
Rua Serinhaém, Barros Filho 1947 Arq. Eduardo Pereira de Carvalho e eng. Adolpho Constant Burnay (Setor de Engenharia do IAPI)
Abaixo Fachada do bloco em “L”, o principal do conjunto, onde se destacam a torre de escada com a inscrição da sigla do órgão promotor e a marquise que protege as lojas no térreo.
156 Casas geminadas e blocos de dois e três pavimentos CG1 – 3Q/S/V/C/B/AS – 57 m² CG2 – 3Q/S/V/C/B/AS – 55 m² B1/A1 – 2Q/S/V/C/B/AS – 54 m² B2, B3/A2 – 3Q/S/C/B/AS – 49 e 51 m² B2/A3 – 3Q/S/C/B/AS/D – 53 m² (térreo)
EQUIPAMENTOS
Praça e área comercial no térreo
ÁREA DA GLEBA
40.882 m²
ÁREA CONSTRUÍDA
21.157,38 m²
A riqueza das soluções arquitetônicas e urbanísticas propiciadas por este pequeno conjunto é exemplo da capacidade do IAPI para desenvolver projetos de qualidade a partir da combinação de tipologias. Em Honório Gurgel, o arquiteto Eduardo Pereira de Carvalho criou um ambiente urbano excepcional combinando um original bloco em “L” de três pavimentos e térreo comercial com tipologias já utilizadas pelo órgão em Realengo: blocos de dois pavimentos e casas geminadas. O grande destaque do projeto é o bloco em “L”. Solução pouco usual, esse edifício, além de caracterizar o conjunto, acabou por se tornar uma espécie de símbolo da produção habitacional do IAPI, graças à inscrição da sigla do Instituto no alto da torre de escadas, elemento de referência formal do conjunto, que é o vértice de articulação da circulação vertical e horizontal do bloco. A torre, marco urbano inconfundível, recria uma espécie de esquina, rara em blocos residenciais no Brasil. A escada, em concreto armado, expõe a estrutura e dá acesso aos corredores das duas alas do edifício, os quais, superando soluções óbvias, alternam-se, um na face interna do bloco e o outro na parte externa. A fachada frontal caracteriza-se pela presença da área comercial no térreo, sequência de lojas protegidas por uma marquise que confere horizontalidade ao bloco e cria um ambiente urbano configurado por uma praça situada entre o conjunto e a estrada de ferro. A solução possibilitou uma boa interface entre o conjunto residencial e a cidade, mostrando como blocos habitacionais modernos bem resolvidos podem gerar espaços urbanos de qualidade. CG1
Na parte interna do conjunto, outra praça, de formato triangular, funciona como articuladora do bloco em “L” com os blocos de dois pavimentos, edifícios-lâminas que, numa longa fileira, fecham a praça pelos outros dois lados. Esses blocos baixos, que se parecem com uma fila de sobrados, são semelhantes aos utilizados no Realengo, com unidades sobrepostas e uma escada central que dá acesso aos dois apartamentos do segundo pavimento. Casas geminadas completam o conjunto fechado na extremidade oposta à praça por um último bloco de dois pavimentos. Fontes: INSS-RJ/IRA, PEDRO (1950), Revista dos Industriários 28 (1952) e 29 (1952) Desenhos: PEDRO (1950), INSS-RJ, LC29
CG2 B1 B2 B3
Escala 1:5.000
0
50
100
Acima Vista em voo de pássaro de 1950, com o conjunto recém-inaugurado.
29
1 2 3 4 5 6
1 2 3 4 5 6
Tipo CG1 Cozinha Quarto Sala Banheiro Área de serviço Varanda
Escala 1:250
0
1
Acima, à esquerda As casas geminadas duas a duas, com uma varanda na fachada frontal, repetem uma solução utilizada pelo IAPI em inúmeros conjuntos.
Tipo B1 Pavimento-tipo Cozinha Quarto Sala Banheiro Área de serviço Varanda
Acima, à direita O bloco em “L” se diferencia pela circulação com uma escada única na esquina e corredores nas faces interna e externa. Na foto atual, vê-se a praça configurada pela fachada principal do bloco, que se mantém como um espaço urbano diferenciado.
5
Escala 1:500
Tipo B3 Pavimento térreo
0
1 2 3 4 5
5
Cozinha Quarto Sala Banheiro Área de serviço
10
Abaixo O Tipo B3 repete a tipologia utilizada no Realengo, mas sem os cobogós, com escadas dando acesso a dois apartamentos do pavimento superior. Embora sejam concebidas como um bloco multifamiliar, as unidades do térreo abrem-se diretamente para a rua e sua volumetria assemelha-se à de sobrados em fileira.
Escala 1:500 0
5
10
Conjunto Residencial do Passo d’Areia, Porto Alegre, RS ÓRGÃO PROMOTOR
LOCALIZAÇÃO DATA AUTOR DO PROJETO
UNIDADES CONSTRUÍDAS TIPO
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Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI Avenida Assis Brasil, Passo d’Areia
Ao lado Uma das inaugurações do conjunto, realizada durante o segundo governo de Getúlio Vargas. Faixa ressalta a dimensão do empreendimento, que foi o maior do período. O número de unidades construídas foi inferior ao anunciado.
1941 Eng. Edmundo Gardolinski; plano urbanístico original: eng. Otacílio Saboya; plano urbanístico final: eng. Marcos Kruter (Setor de Engenharia do IAPI) 2.496 (1.691 no projeto original) Casas isoladas, casas geminadas, sobrados isolados e blocos de dois, três e quatro pavimentos
EQUIPAMENTOS
Centro cívico-esportivo, grupo escolar, centro de saúde, biblioteca, clube, igreja, feira, cinco núcleos comerciais, sede do IAPI e áreas verdes; projetado: cinema
ÁREA DA GLEBA
676.000 m²
A Vila Passo d’Areia foi um dos maiores e mais importantes conjuntos residenciais implantados no período, mostrando que empreendimentos de habitação social de grande porte podem ser um elemento de ordenação e qualificação da expansão das cidades. O projeto, articulado com o Plano Diretor de Porto Alegre de 1941, foi bem inserido no contexto urbano e ambiental, com grande diversidade tipológica e qualidade urbanística. O plano original é de autoria do engenheiro carioca Otacílio Saboya, base para o projeto definitivo, realizado pelo engenheiro gaúcho Marcos Kruter. Influenciada pela concepção da cidade-jardim, a “Vila do IAPI”, como é chamada, não é uma mera aplicação desse modelo, incorporando elementos de outras referências, além de responder às exigências econômicas do IAPI. O resultado tem feição própria, que se reflete numa elaboração técnica sofisticada, não restrita a apenas um modelo. A proposta de Kruter somava 1.691 unidades, mas vários blocos foram acrescentados posteriormente, alcançando-se 2.496 unidades. A intervenção mostra que o órgão contemplou iniciativas locais e a diversidade regional. O engenheiro Edmundo Gardolinski, do departamento local do IAPI, foi o principal responsável pela viabilização integral do empreendimento, que acompanhou cotidianamente. Em 1941, quando o conjunto foi proposto, Passo d’Areia era um bairro afastado do centro, eixo de expansão industrial, conectado à cidade por vias largas. O plano previu a criação de duas avenidas estruturadoras, que cortam a área formando um “Y”. A qualidade urbanística decorre de um precioso traçado viário, que é adequado à topografia, busca reduzir o movimento de terra e criar “efeitos belos” (Kruter, 1944). Outra preocupação é com o pedestre: as calçadas são largas e confortáveis; escadarias foram previstas para reduzir distâncias e facilitar a circulação a pé. Os desníveis foram resolvidos com pequenos muros de arrimo de pedra, que enriquecem o espaço público. O centro cívico-esportivo, concebido de forma monumental, é outro elemento estruturador do plano. Sua implantação, aproveitando o anfiteatro natural do terreno, obedece rigorosamente ao meio físico. Os equipamentos públicos e os blocos multifamiliares foram implantados junto ao eixo viário principal e ao centro cívico-esportivo. Os núcleos comerciais foram localizados em diferentes setores do conjunto e um deles marca, com monumentalidade, uma das entradas da vila. No entorno do centro cívico-
Abaixo Vistas aéreas do empreendimento, em que se evidencia a setorização do conjunto.
-esportivo estão a feira, o clube, o núcleo comercial, a biblioteca e a escola, enquanto o centro de saúde e a sede do IAPI ficaram em uma das entradas do conjunto. A igreja foi situada numa das áreas altas do terreno. O cinema é o único equipamento projetado que não foi construído. A vegetação foi difundida, criando um bairro verde com forte arborização de praças, ruas e lotes. Sobre essa base orgânica foram implantadas diversas tipologias habitacionais: casas isoladas e geminadas, blocos de apartamentos residenciais de dois, três e quatro pavimentos e blocos mistos, projetados por Gardolinski. Foram estudadas várias alternativas – opções para terrenos em aclive e em declive, variações na varanda e na ornamentação etc. –, gerando pelo menos treze opções de casas e catorze de blocos, com uma heterogeneidade que é rara em conjuntos habitacionais. O resultado esplendoroso é consequência da diversidade tipológica combinada com um traçado orgânico, que valorizou o meio físico acidentado, em um ambiente bem urbanizado e arborizado. Esses aspectos fazem da Vila do IAPI uma referência indispensável para se enfrentar com qualidade a questão urbana e habitacional no Brasil. Fontes: PEDRO (1950), NUNES (1991), FAYET (1994), BONDUKI (1998), Revista dos Industriários 3 (1948) e 13 (1950), Revista do Clube de Engenharia 194 (1952), Revista Municipal de Engenharia 1 (1943) Desenhos: PEDRO (1950), FAYET (1994)
31
1 2 3 4 5
Centro cívico-esportivo Escola Igreja Posto da Previdêncis Social Sede do IAPI (atual Associação dos Moradores do IAPI)
6 7 8 9 10
Área destinada à feira Biblioteca Estação de tratamento de esgotos Posto de saúde (atual delegacia) Edificação não identificada em terreno de propriedade do IAPI
CI1 CI2 CI3 CG1 CG2 S1 B1 B2 B3 B4 B5 B6 B7 B8
R S INDUSTRIÁ AVENIDA DO
B9 misto
IOS
B10 misto AV
B11 misto
EN IDA PL
B12 misto
AS
‘AR SO D
R O B
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ÍNI IL LA
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E
AVENID
M
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R
A)
A
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EIR
S A ASSI
DR
Escala 1:5.000
0
50
100
À esquerda Vista aérea de uma parte do conjunto, com o centro cívico-esportivo ocupando lugar de destaque e rodeado de grande variedade de tipos habitacionais. Ao lado O aumento do número de blocos, decorrente da necessidade de melhorar o aproveitamento da gleba, gerou uma implantação pouco ordenada, com edifícios orientados em diferentes direções, distante da organização racional que caracteriza a maior parte dos planos urbanísticos do IAPI.
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