RUBENS MATUCK

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Rosely Nakagawa

ISBN 978-85-9493-010-1

RUBENS MATUCK: TUDO É SEMENTE, POR ROSELY NAKAGAWA

Rubem, no singular, nunca poderia dar conta da multiplicidade do Rubens, no plural. Ao falarmos do Rubens, o Matuck, sempre é necessário falar dos vários Rubens que compõem sua personalidade. Esses diversos Rubens cresceram juntos e souberam, desde cedo, que desenhar poderia ser uma forma de inter-relacionar seus mundos também múltiplos: o externo, do cotidiano, e o interno, dos sonhos e da imaginação; o dia e a noite; o grande e o pequeno; o fraco e o forte; o escuro e o claro; o conhecido e o desconhecido; o longe e o perto; o agitado e o calmo.

RUBENS MATUCK

TUDO É SEMENTE POR ROSELY NAKAGAWA



RUBENS MATUCK

TUDO É SEMENTE POR ROSELY NAKAGAWA



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RUBENS MATUCK


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Dedicado a Tio Jorginho, primeiro artista que Rubens conheceu.



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“tudo é semente” (alles ist samenkorn, em alemão) é uma frase retirada do livro pólen, de novalis (1772-1801) [“everything is seed” (a.i.s. in german) is a quote from the book pólen, by n.]


TE


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66

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APRESENTAÇÃO: UM ARTISTA PLURAL [FOREWORD: A PLURAL ARTIST], DANILO SANTOS DE MIRANDA

MEU AMIGO [MY FRIEND], ALDEMIR MARTINS

DIÁLOGOS PENSANTES: PERCURSOS DA LUZ [THINKING DIALOGUES: PATHWAYS OF LIGHT], VITÓRIA ESPÓSITO

18 INTRODUÇÃO [INTRODUCTION], ROSELY NAKAGAWA

PARTE UM; 34 TODOS ENTOAM [EVERYBODY CHANTS], LUIZ TATIT

38 OS SABERES NO PLURAL E A SINGULAR SABEDORIA DE RUBENS MATUCK [“KNOWLEDGES” IN THE PLURAL AND THE SINGULAR WISDOM OF RUBENS MATUCK], NORVAL BAITELLO JUNIOR

68 JOÃO PEREIRA [JOÃO PEREIRA], RENINA KATZ

70 DE COSTAS PARA O MERCADO [BACKS TURNED ON THE MARKET], RUI MOREIRA LEITE

104 POESIA DADÁ: RUBENS MATUCK AO PÉ DA LETRA [DADA POETRY: RUBENS MATUCK TO THE LETTER], NORVAL BAITELLO JUNIOR

PARTE DOIS;

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A GRAVURA DE RUBENS MATUCK [THE ENGRAVING OF RUBENS MATUCK], LEON KOSSOVITCH

RUBENS MATUCK E SEUS CADERNOS DE VIAGEM [RUBENS MATUCK AND HIS TRAVEL JOURNALS]

94 A FERRAMENTA COMO MODELO DA OBRA [THE TOOL AS MODEL OF THE WORK], BIRKE MERSMANN E DIETMAR KAMPER

148 EXPLICAÇÃO DO MUNDO [EXPLANATION OF THE WORLD], ANA MIRANDA


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A SEMENTE NEGRA [THE BLACK SEED], CARLOS MATUCK E RUBENS MATUCK

O BURITI [THE BURITI PALM], ENTREVISTA POR EDSON NATALE

SOBRE A EXPOSIÇÃO TUDO É SEMENTE [ON THE EXHIBITION EVERYTHING IS SEED], JACOB KLINTOWITZ

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O TESTEMUNHO ARTÍSTICO DE UMA VIAGEM [THE ARTISTIC TESTIMONY OF A JOURNEY], MARCOS GRINSPUM FERRAZ

340

294

345

PARTE TRÊS; 226 A ARTE CIENTÍFICA E A CIÊNCIA ARTÍSTICA — O MUSEU DE ARTE INTERPLANETÁRIA [SCIENTIFIC ART AND ARTISTIC SCIENCE – THE MUSEUM OF INTERPLANETARY ART], NORVAL BAITELLO JUNIOR

228 HOMENAGEM A SEKI MASSAO [TRIBUTE TO SEKI MASSAO], OSCAR D’AMBROSIO

232 SAUDADE DE MIGRAÇÃO E MISTURA [SAUDADE FOR MIGRATION AND MIXTURE], RYUTA IMAFUKU

NA VERDADE, NÃO HÁ PRESSA [ACTUALLY, THERE IS NO RUSH], JACOB KLINTOWITZ

296 LIXO FOLHEADO A OURO [GILDED TRASH], GILBERTO DIMENSTEIN

298 AS VIAGENS DE MATUCK [MATUCK’S TRAVELS], ANDRÉ DE OLIVEIRA

LIVROS, EXPOSIÇÕES E ILUSTRAÇÕES [BOOKS, EXHIBITIONS AND ILLUSTRATIONS]

ASPECTOS TÉCNICOS: TÉCNICAS E SUPORTES MENCIONADOS PELO ARTISTA [TECHNICAL ASPECTS: TECHNIQUES AND SUPPORTS MENTIONED BY THE ARTIST]

351 VERSÃO EM INGLÊS [ENGLISH VERSION]

389 CRÉDITOS [CREDITS]


APRESENTAÇÃO: UM ARTISTA PLURAL DANILO SANTOS DE MIRANDA Diretor Regional do Sesc São Paulo

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As redes de influências e intercâmbios que constituem a obra artística, as visões de mundo próprias ou coletivas que nela se consolidam, podem ser vividamente observadas na produção de Rubens Matuck. Dessa forma, ler este livro é percorrer, sem roteiro fixo, a inquietação de um artista cujo aprendizado de uma técnica leva ao estudo de outra, a quem o entendimento de um processo leva ao encontro de outra cultura e assim por diante. Apresentar a obra de Matuck é evocar, nessas redes de trocas, os anos de formação, marcados pela criação de cosmogonias e personagens em quadrinhos; as caricaturas encomendadas ao jovem Rubens por jornais; a convivência com mestres e artistas como Aldemir Martins (1992-2006); o desenho minucioso dos cadernos de viagem e o domínio simultâneo e orgânico de diferentes técnicas. Este livro foi pensado para proporcionar a sensação de quem entra no espaço de trabalho do artista, pronto a descortinar seu universo criativo. Assim, folhear Rubens Matuck: tudo é semente é como passear livremente por um ateliê

onde nos deparamos tanto com obras quanto com processos. É visitar a pluralidade do Rubens Matuck do desenho, da pintura, da aquarela, da gravura, da escultura, da caligrafia, da marchetaria, da cerâmica e de outras técnicas. E também autor e ilustrador de livros; pesquisador de ferramentas, e papéis artesanais e da flora brasileira; do ativista pela revitalização das áreas verdes; ou dos vários outros que a sensibilidade do leitor continuará a descobrir e enumerar. O Sesc promoveu uma mostra dos mais de quarenta anos da produção de Rubens Matuck por meio da abrangente exposição Tudo é semente, realizada em 2015 no Sesc Interlagos. Esta publicação busca registrar e aprofundar seu conteúdo, além de ressignificá-lo. Assim, ao expor de diferentes modos a obra de Matuck, o Sesc reforça suas iniciativas em prol dos artistas brasileiros e do incentivo à criação coletiva – instrumento de que Matuck faz hábil e respeitoso uso – e compartilha de seus ideais de preservação da natureza. Tudo isso é semente. E tudo, em Rubens Matuck, é plural. 17


INTRODUÇÃO ROSELY NAKAGAWA Rosely Nakagawa é arquiteta e curadora, com especialização em museologia e em comunicação e semiótica.

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Ruben: do hebraico reubhen, a visão de um filho; ou ruber, do latim, que significa “vermelho”, “avermelhado” ou “rubro”, cujo significado também pode ser extrapolado para “ardente”. Rubem, no singular, nunca poderia dar conta da multiplicidade do Rubens, no plural. Ao falar do Rubens, o Matuck, sempre é necessário falar dos vários Rubens que compõem sua personalidade. Esses diversos Rubens cresceram juntos e souberam, desde cedo, que desenhar poderia ser uma forma de inter-relacionar seus mundos também múltiplos: o externo, do cotidiano, e o interno, dos sonhos e da imaginação; o dia e a noite; o grande e o pequeno; o fraco e o forte; o escuro e o claro; o conhecido e o desconhecido; o longe e o perto; o agitado e o calmo.

atribuía-se o pseudônimo Carlos nas cartas que escrevia a Zizinha no início do namoro – certamente para poder escrever sossegado numa casa onde era o décimo filho, de doze irmãos. Esse nome acabou por ser uma espécie de índice para escolher a inicial dos nomes dos quatro filhos do casal, nascidos nesta ordem: Ciro, Artur, Rubens e o próprio Carlos, o caçula.

Portanto, apresentarei aqui os Rubens. Um dos Rubens, o Matuck, teve seu nome escolhido pela mãe, Zizinha, pintora amadora, para homenagear Peter Paul Rubens, seu pintor predileto. A escolha do nome tem outra história complementar: o pai de Rubens, Nacib Matuck, 19










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PARTE UM;

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na loja do avô kalil matuck. a partir da esquerda: tia nigme, tia adelia e merched daher. à frente, de pé: nacib matuck (pai de rubens). arquivo de família, déc. 1920, aparecida do norte, são paulo, brasil [grandfather k.m.’s store, from left: aunt n., aunt a. and m.d. in front, standing: n.m. (r.’s father). family archive, 1920s, aparecida do norte, são paulo, brazil]

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AMIGOS Os Rubens chegaram à adolescência interessando-se pela vida e pelos irmãos, tios e amigos, por animais, jogos, rótulos, embalagens, árvores, personagens de histórias em quadrinhos, coleções, insetos, vizinhos e pela literatura e a biologia. Perguntavam aos colegas de diversas origens – japoneses, paranaenses, alemães, mineiros, poloneses, gaúchos, árabes, cariocas, judeus – o que gostavam de comer, onde moravam, com quem se pareciam, para onde viajavam, se gostavam de jogar futebol. Escutavam as músicas e os tangos preferidos da mãe, que cantava enquanto pintava, e observavam os desenhos de anatomia feitos com lápis de cor pelo pai. Os Rubens da infância, netos de libaneses, conheceram a diversidade cultural desde muito cedo.

com josé ronaldo cunha, déc. 1970 [with j.r.c., 1970s]

Criando personagens, o Rubens, que desde a infância desenhava com facilidade, fez sua primeira história em quadrinhos. Construindo carrinhos de madeira e atiradeiras de elástico e de caixa de fósforos, criando corujas e um bassê, jogando bola de gude, desenhando mapas e caricaturas de professores e colegas da Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros, o Rubens adolescente foi ampliando seu repertório artístico com a convivência entre amigos. Dessa época, ele ainda conserva os amigos José Ronaldo, Zeco Homem de Montes, Robson Pabst, Kyung Bong Lee (que lhe deu de presente de aniversário um dos primeiros cadernos de desenho com papel artístico), Pedro Grimaldi, Ricardo Sanzi, Luiz Tatit, Kenji Ota e Paulo Yutaka. Em 1968, numa temporada de verão em Santos, Tatit, Yutaka e Rubens combinaram de sempre se encontrar na virada do ano numa praça em Pinheiros. Eles conseguiram manter o combinado até a morte de Paulo Yutaka, em 1988. Ele era ator e fundador do Grupo de Arte Ponkã. Cada amigo desenvolveu, com sucesso, o talento que despontava já na adolescência. Percebendo o interesse cada vez mais forte dos Rubens por pintura, o irmão Artur levou-os para ter aulas com Samson Flexor.

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Um dos Rubens encantou-se pela aquarela; outro, pela pintura; e o terceiro continuou desenhando de tudo, sem parar. Desta forma, entre as décadas de 1960 e 1970 os Rubens faziam desenhos a bico de pena, aquarelas e gravuras em metal. Vendo os desenhos de Luis Trimano na revista Veja, o Rubens desenhista resolveu procurá-lo. Foi levado à redação da publicação aos 16 anos, pelo pai, e lá foi muito bem recebido. Trimano aconselhou-o a comprar papel schoeller e nanquim de qualidade. Com frequência, o Rubens desenhista levava retratos para Trimano criticar. Aldemir Martins foi um marco em sua adolescência. Rubens passou a frequentar a casa e o ateliê do artista quase que semanalmente, a partir de 1970. Sua biblioteca particular, das mais variadas e ricas, repartia o espaço da despensa com frutas secas, tâmaras, castanhas de caju e o melhor da arte chinesa, japonesa e latino-americana. Os desenhos de Rubens eram continuamente levados ao artista, que contribuía para seu aperfeiçoamento com amostras de papel, tintas, penas e nanquins japoneses. No ateliê, Rubens também se encontrava com outros artistas, como Marcelo Grassmann, Octávio Araújo e Mário Gruber, aos quais apresentava seu trabalho. Nos finais de semana na casa de Aldemir e da esposa, Cora Pabst, frequentada por Manezinho Araújo, Jorge Amado, Mestre Dezinho, Alfredo Mesquita, Manabu Mabe e Chen Kong Fang, passava por uma imersão no universo da arte brasileira. Era acompanhado de perto pela filha do casal, Mariana, e pelo sobrinho deles, Robson Pabst, responsável por apresentar Rubens a Aldemir Martins. A facilidade para o desenho fez com que o colega de escola Zeco Homem de Montes sugerisse seu nome para trabalhar com ilustrações no Jornal da Tarde. Zeco apresentou aquele Rubens a seu pai, que, na época, era um dos diretores do jornal O Estado de S. Paulo. No início, a colaboração era solicitada esparsamente e, ao entregar os originais, Rubens chegava a ser confundido com o mensageiro do ilustrador, de tão jovem que era. Depois de algum tempo, foi contratado e, ao longo de dez anos, trabalhou como ilustrador com o editor Murilo Felisberto, acompanhado dos artistas Hilde Weber Abramo, Sandra Abdalla, Claudio Morato e Patrício Bisso.

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aldemir martins, mestre querido [a.m., dear teacher]


Enquanto isso, nas aulas de Samson Flexor, o Rubens pintor explorava a aquarela com total dedicação. Todo o material necessário era adquirido com o que ganhava com as ilustrações feitas para os jornais: papéis, aquarelas, histórias em quadrinhos e livros de Paul Klee, Kandinsky, Dürer, Leonardo da Vinci, Hiroshige e Jayme Cortez. À destreza para o desenho contrapunha-se a dificuldade de engajamento desde o primeiro grau. Um professor de Geografia duvidou que ele, sozinho, tivesse feito um mapa, de tão perfeito que estava. Já a professora de Português ficou indignada com a caricatura que ele fizera dela, e o mandou para a diretoria. E a família exigiu que o talento para o desenho se transformasse numa carreira bem-sucedida de engenheiro civil. Apesar disso, na escola era bem avaliado nas matérias das áreas de Humanas e de Exatas, e melhor ainda nas aulas dos professores de que mais gostava. O que não impediu o Rubens rebelde de repetir a terceira série do ginásio, atual oitavo ano do colegial, atual ensino fundamental, e também o primeiro ano do colegial, atual ensino médio.

delicada homenagem de laerte coutinho, jornal folha de s. paulo, déc. 1990 [sweet homenage by l.c., f.s.p. newspaper, 1990s].

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Rosely Nakagawa

ISBN 978-85-9493-010-1

RUBENS MATUCK: TUDO É SEMENTE, POR ROSELY NAKAGAWA

Rubem, no singular, nunca poderia dar conta da multiplicidade do Rubens, no plural. Ao falarmos do Rubens, o Matuck, sempre é necessário falar dos vários Rubens que compõem sua personalidade. Esses diversos Rubens cresceram juntos e souberam, desde cedo, que desenhar poderia ser uma forma de inter-relacionar seus mundos também múltiplos: o externo, do cotidiano, e o interno, dos sonhos e da imaginação; o dia e a noite; o grande e o pequeno; o fraco e o forte; o escuro e o claro; o conhecido e o desconhecido; o longe e o perto; o agitado e o calmo.

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