PUBLICAÇÃO ONLINE DA EDITORA EDITA-ME REVISTA GRATUITA QUINTO NÚMERO
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EDITA-ME
POR CARLOS LOPES A Revista-Me, enquanto “porta de palavras” dos nossos autores e colaboradores, é um projeto que nos é particularmente grato e que muito acarinhamos. Desde o seu início que mantivemos a convicção da necessidade de esta ser de distribuição digital e gratuita, por forma a chegar a um maior número de leitores, que atualmente ascende já a cerca de 40.000 a nível mundial, sendo lida por pessoas presentes em países tão diversos como Canadá, Estados Unidos, Brasil, México, Espanha, França, Alemanha, Suíça, Irlanda, entre outros com menor expressão. No entanto, é um projeto que acarreta custos e que para existir contou inicialmente com um patrocínio (que sempre apreciámos e muito agradecemos) que chegou ao seu término.
CRÓNICAS DO INTERIOR Alexandra Malheiro EXPRESSA-ME Rocha de Sousa
CURTA-ME Pedro Vieira Magalhães . Jorge Pópulo . Julieta Lima . Carolina Alão RIMA-ME Carla Marques . Julieta Lima Jorge Pópulo . José Bernardes
Perante esta situação, houve necessidade de reequacionar a Revista-Me, e ponderar sobre a sua continuidade.
Numa época em que as notícias de encerramento de diversos estabelecimentos ligados ao negócio editorial são já comuns e tomando em consideração a peculiaridade desta publicação, bem como o universo de leitores, o corpo social da Edita-Me entendeu por bem dar continuidade ao projeto, assumindo a totalidade dos custos. No entanto, esta alteração obriga a que também efetuemos alguns ajustes.
Assim, até que se angarie um novo patrocínio, a Revista-Me passará a ter periodicidade trimestral, sendo esta a alteração mais “visível”. Certos de que a qualidade da publicação permanecerá inalterada, convidamos pois os leitores a passearem por este número 5, recheado de pontos de interesse e com a participação em forma de entrevista do autor Manuel Jorge Marmelo, que recentemente lançou a obra Uma Mentira Mil Vezes Repetida. Abraço, Carlos Lopes
CONTA-ME Miguel Leitão . Henrique Normando Joaquim de Matos Pinheiro ENTREVISTA-ME Alexandra Malheiro
ARTIGO EDITORIAL Carlos Lopes RE(C)TIFICA-ME Ana Salgado
OPINA-ME Celeste Pereira . Entrevista a Manuel Jorge Marmelo AVENTURA-ME Pedro Branco ILUSTRA-ME Miguel Ministro COMPÕE-ME Pedro Lopes
FILMA-ME Adrião Pereira da Cunha
CRÓNICAS DO INTERIOR
ESTA SECÇÃO DESTINA-SE A CRÓNICAS COM A ASSINATURA DA AUTORA ALEXANDRA MALHEIRO. SENDO UMA PROPOSTA DA MESMA E UMA PRESENÇA ASSÍDUA, A SECÇÃO ASSUMIU A IDENTIDADE QUE A AUTORA, LEGITIMAMENTE, ESCOLHEU.
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CRÓNICAS DO INTERIOR
POR ALEXANDRA MALHEIRO
Teve esta crónica o desplante de ir buscar nome a uma frase de uma canção – genial, por sinal – de Pedro Abrunhosa, de seu nome “Toda a noite”, onde este disserta sobre a busca feminina do prazer e da completude, ou pelo menos da forma como o artista entende que as mulheres buscam o prazer e completude – e só isto poderia ser digno de outra crónica que não esta. A frase em causa refere-se ao toque do telemóvel que nos aprisiona na “rotina de sempre”, sendo que de uma forma ou de outra sempre ansiamos que um dia ele possa tocar diferente. Porque me lembrei eu desta frase e me atrevi a usá-la no título de uma crónica? Pela historieta que passo a contar e que se passou comigo há bem pouco tempo.
Eu sou ainda de um tempo – e haverá quem me leia que já não o reconhece como seu – em que não existiam telemóveis, havia apenas os telefones fixos, mais ou menos agarrados às paredes ou aos móveis, instalados os seus números na lista telefónica, geralmente no nome do proprietário da casa, quase sempre o cabeça de casal. Sim, os telefones e seus números eram uma coisa da família. Se quiséssemos achar o número de alguém, o mais certo era procurá-lo nas páginas brancas e tínhamos de saber o nome de família e provavelmente o nome próprio do pai, do marido, do homem da casa. Telefonar para alguém – nesse meu tempo adolescente – era arriscar levar com o Pai, a Mãe, a irmã mais nova, a tia, a prima ou a avozinha. Esperar o telefonema do namorado, pseudonamorado, amigo especial
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de corrida ou eventual pretendente podia implicar ficar especada por perto do aparelho para evitar que outra alminha na casa se apossasse dele. “Está? É da casa de Fulano?” ou “Fulano está?” eram as perguntas da ordem. Nos dias de hoje, já não se liga a ninguém perguntando – “Está? É de casa de fulano?” – é coisa do passado, dos anais de uma memória já meia fosca.
Vem tudo a isto a propósito de um episódio banal em que o meu rotineiro telemóvel tocou da sua mesma exata maneira de sempre. Atendo-o e do outro lado da linha – ainda haverá linha e um outro lado? – uma voz masculina, um pouco titubeante, julgo que por esperar outra pessoa, questiona-me: “Está? É de casa do Sr. Vitorino?” É claro que o meu telemóvel não é a casa de ninguém, nem tão-pouco, aos dias de hoje, ele toca na casa de alguém, vive num bolso. Não consegui responder logo o redondo “não”, aperfeiçoado com “deve ser engano” ou “certamente errou no número”. Fiquei algum tempo em silêncio, a evitar responder a “É da casa do Sr. Vitorino?” Aos anos que não ouvia isto! E eu ouvia isto tantas vezes, de vozes amigas e desconhecidos, homens e mulheres, tantas vezes – “É de casa do Sr. Vitorino?” A pergunta que ouvia no telefone fixo lá de casa. A resposta era sempre sim – “Sim, é o meu Pai.”
Agora, quinze anos depois, de dentro do meu telemóvel, absolutamente pessoal e intransmissível, unívoco como só um telemóvel sabe ser, a pergunta “É de casa do Sr. Vitorino?” – como responder que não? A minha será sempre a casa de meu Pai, onde quer que este esteja, onde quer que eu esteja. A minha será sempre a sua casa, ainda que eu não esteja em casa, onde eu estiver, ele estará. “Sim, é.” – Tive de responder – “mas de momento ele não pode atender.”
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ALEXANDRA MALHEIRO NASCEU EM 1972 NO PORTO, EM MIRAGAIA, MAS VIVE DESDE SEMPRE NO BONFIM. É LICENCIADA EM MEDICINA E
ESPECIALISTA EM MEDICINA INTERNA E É TAMBÉM NO PORTO QUE EXERCE.
AUTORA DE CINCO LIVROS DE POESIA,
ENTRE OS QUAIS GEOGRAFIAS DISPERSAS E LUZ VERTICAL QUE CONTA COM
PREFÁCIO DE PEDRO ABRUNHOSA.
TEM TAMBÉM POEMAS EM ALGUMAS
ANTOLOGIAS E ARTIGOS ESPALHADOS AQUI E ALI EM JORNAIS E REVISTAS,
COLABORAÇÕES PONTUAIS QUE LHE DÃO MUITO GOZO.
TEM UMA PÁGINA DE AUTOR EM
www.alexandramalheiro.no.sapo.pt QUE CONVIDA A VISITAR.
Obras publicadas pela EditaMe:
EXPRESSA-ME
AS ARTES PLÁSTICAS SÃO, TALVEZ, DAS FORMAS DE ARTE COM MAIOR VISIBILIDADE E EXPOSIÇÃO PÚBLICA. O PROF. ROCHA DE SOUSA, DEU-NOS A HONRA DA SUA PARTICIPAÇÃO, ESCREVENDO PARA ESTA SECÇÃO, NA QUAL PARTILHA A SUA VISÃO.
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Revista Me n 5
EXPRESSA-ME
POR ROCHA DE SOUSA
Já não tenho fotografias tuas na velha casa do sul, a não ser esta em que pareces muito novo. Era o teu rosto na altura em que casaste com a mãe. Sempre me disseram isso, desde os meus primeiros passos pela escola. Que fizeram das tuas fotografias, aquelas de corpo inteiro, com uma bengalinha a fingir e polainas de camurça nos sapatos envernizados? Não vi nada dessa época, ao vivo, só achei para meu consolo as fotografias de família, belíssimas, aquela rapariga ao mesmo tempo singela e notável, meias de lã, sapatos de fivela lateral, um vestido muito fino, de cintura descaída, em cores esplendorosamente diluídas. E tu, mais tarde, com ela já mudada para senhora, um inverno cinzento por cima das cabeças, um chapéu de fita em ti, uma gola de pele nos ombros dela. Havia, cobrindo as vossas silhuetas, uma ligeiríssima velatura sépia, jeito do fotógrafo assaz famoso ou sinal da passagem do tempo que tem essa propriedade mágica e branda de queimar os ingredientes da representação assim.
Revista Me n 5
Muitos anos depois, lembras-te? a tua fabriqueta de rolhas ficou a viver das sobras, entre farmácias leais que produziam alguns remédios e a protecção daquele homem silencioso, trabalhador sem mácula, que se chamava Juiz, José Juiz, e tinha de facto uma surpreendente noção dos valores da amizade, da partilha, da beleza dos caminhos campestres, embora não soubesse ler nem escrever. Foi uma época triste mas votada à esperança pela poética lírica dos teus versos. Era, na humilhação da perda, a possível sobrevivência do espírito, os passos pisando veredas junto ao rio, papéis escritos e guardados na algibeira do casaco, um chapéu mais moderno e mais feio na cabeça, com a tal fita no tom próprio apesar de indevidamente baça, cinzenta como os altos muros das velhas fábricas corticeiras, mortas pelo fogo que a crise financeira espalhava pelo país, sombra, aliás, da política e exportação da cortiça em prancha, portanto sem a manufactura portuguesa, ao acaso de quem herdara milhares de sobreiros, assim enriquecendo mais depressa,
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delfins prosaicos, caçadores arrogante a fingir uma nobreza genealógica.
Agora posso ver-te daqui, através da derradeira imagem, sentado nos muros baixos a montante da lagoa que o rio nos emprestava em certas épocas do ano para um repouso tardio, as lágrimas dos chorões quase tocando o espelho móvel da maré baixa. O sol batia no teu rosto, enchendo-o de luz, olhavas em frente, na direcção da foz ou daquele horizonte que recebia a queda do balão redondo e luminoso, alaranjado, ao ritmo da temperatura lenta do começo e do fim de cada Verão. Toda a paisagem vista nessa atitude contemplativa, descomplicada como a voz de um poeta guardador de rebanhos, Alberto Caeiro, ou como a de um outro artista de ninguém que dizia sentir a sua alma voando de mundo em mundo e o coração preso à terra, bem lá no fundo. José Juiz tinha um cão que o acompanhava pela cidade. O homem levava as encomendas ao
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EXPRESSA-ME
correio e o cão deslocava-se a seu lado, numa agitação das pernas em frente, para acompanhar a grandeza plácida do seu senhor, passos maiores. E num desses dias, já imprevistos, José Juiz, grave, aproximou-se de mim, tratou-me por menino, como sempre, e disse apenas: «menino, olhe bem para o seu pai».
Foi só desta maneira, nada antes, nem com os sonhos premonitórios da mãe. Não me fora apresentada uma sentença, parecia um aviso apropriado, e logo a cabeça do José a baixar, a mão acenando pendida, o corpo a enfiar-se na viela a que chamavam rua Nova. Então olhei para ti, pai. De manhã cedo, estavas a sair da casa de banho, com uma toalha em volta do pescoço, e disseste «olá, tão cedo» e eu percebi o teu sorriso, esbocei um «bom dia, pai», enquanto tu fixavas os olhos nos meus, boca entreaberta de haver falado, boca tão pouco enviesada mas enviesada no canto esquerdo, expressão de súbito tímida, de desconforto ou pudor – «menino, olhe bem para o seu pai». Foi o dia em que soube que ias morrer.
DESDE MUITO CEDO DEDICADO À LITERATURA, ROCHA DE SOUSA
ESCREVEU GUIÕES E DEU APOIO À
REALIZAÇÃO DE SÉRIES TEMÁTICAS DEDICADAS ÀS ARTES
CONTEMPORÂNEAS. «A MÃO: O HOMEM EM DESENVOLVIMENTO» FOI UMA DESSAS PRÁTICAS, UMA DAS MAIS NOTADAS.
TEM ESCRITO CENTENAS DE TEXTOS DE ANÁLISE E REPRESENTAÇÃO DE EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS OU COLETIVAS.
DESDE OS ANOS 60 QUE TEM
PARTICIPADO EM VÁRIAS EXPOSIÇÕES COLETIVAS, NO PAÍS E NO
ESTRANGEIRO. ALGUMAS DAS SUAS
OBRAS ESTÃO INTEGRADAS EM MUSEUS NACIONAIS E INTERNACIONAIS.
Obras publicadas pela EditaMe:
Eu sei, este objecto que tu espreitavas as rimas dos teus versos, as facturas de pequenas encomendas e a pureza das rolhas quando a sua matéria se dizia sexta-feira.
CURTA-ME
DESAFIO À CRIATIVIDADE DOS AUTORES NO SEU PODER DE SÍNTESE, CURTA-ME DESTINA-SE A TEXTOS CURTOS, DE APENAS UMA PÁGINA.
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CURTA-ME
POR PEDRO VIEIRA MAGALHÃES
O sabor das tuas asas era um jeito diferente de amar, os sagrados fluidos da famélica bruma onde tudo acontece. Escreverei tudo. A origem do mundo, a morte corcunda das estrelas, um sol atormentado pela saudade de um outro brilho, ou as oleosas livrarias enterradas no cadáver azul do mar.
Fitarei o céu por milhares de anos. Virão procissões e mensageiros, enterrar-se-ão mortos de olhar pardacento, estabelecer-se-ão matrimónios nas borratadas formas dos dias, núpcias de loucura… a fome! E serão às centenas por baixo da terra! A palma das minhas mãos estabelecerá a distância cega entre os dois pontos onde o eterno curso dos rios fixa o crânio das flores nas margens e crianças com máscaras aztecas evisceram o galopar de bronze dos equinos.
Será um abraço de sal sobre as rochas, a minha voz de trovão. Áqueo obelisco instigando os cavaleiros das montanhas, o murmúrio de coral do inverno. O gelo na ponta dos chifres que rebentarão dos elmos, as peles de lobo cinzento sobre os ombros largos e musculados carregarão os segredos do homicídio pelo qual se farão homens, Príncipes, Reis.
Os búfalos correrão soltos nas pradarias das minhas salas de silêncio. Os caçadores de pele tatuada seguirão o magnífico troar dos cascos. A música órfã do vento, sem origem, sem fim, encharcará a frialdade da paisagem e os campos ficarão vazios, as cidades desocupadas e as unhas das árvores abrirão gretas no corpo límpido da floresta. Um homem alto procurará, cambaleante, o sinal elétrico dos sonhos na nuca dos mortos.
Revista Me n 5
PEDRO MIGUEL VIEIRA DE MAGALHÃES NASCEU A 20 DE MARÇO DE 1981, EM GUIMARÃES.
LICENCIOU-SE EM CIÊNCIAS DE
COMUNICAÇÃO NA UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA, NO PORTO.
ATUALMENTE EXERCE FUNÇÕES, COMO TÉCNICO DE COMUNICAÇÃO, NO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL DA EMPRESA ÁGUAS DO NOROESTE, S.A.
E ao longe os urros triunfantes dos caçadores ecoarão pelos torturados ouvidos do último dos homens. As flechas deceparão os profundos abismos de prata da noite; a derradeira noite. Os guerreiros dançarão em círculos junto às fogueiras, vestindo a carne ainda tépida das bestas. Chorarão os abismos de prata abaixo das águas e acima dos céus, trinchando a palpitante jugular do sono.
Serão entoados os lentos salmos dos fósseis e pinturas macabras adornarão os corpos tisnados pela voz do Inferno. Escreverei tudo… até não haver ninguém. Escreverei tudo.
Obras publicadas pela EditaMe:
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Revista Revista Me Menn 55
CURTA-ME
POR JORGE PÓPULO Entra com calma. Fixa-me com serôdio desviar de atenção. Cerra os olhos para que possa ler o teu rosto. Com esse olhar assim intenso embaças qualquer iniciativa, anoiteces o brilho do sol. E eu, eu fico irrequieto e sem bolsos onde meter tanta multiplicação de gestos disparatados das mãos. Abranda, recolhe essa cor de folha de Outono que cora os teus feitiços íris, amansa a tua retina de poderosa prisão. Não apertes tanto a dominância da tua presença, deixa-me espreguiçar na tua contemplação. Silêncio… não reprimas a minha ousadia de te observar, não me encandeies com essas duas chamas morenas…
Porque me olhas assim?! Acaso buscas encontrar em mim algo que há muito procuras em ti? Propalada aventura, a de esperançar conhecer o outro…
Subtrai-me da tua visão. Vem no escuro do salto relâmpago. Entra direta no coração. Não fites os portões da afeição silenciosa; invade de imediato o átrio, a sala, o esconderijo daquilo que sou. Ou então, acerca-te de fininho a assobiar para o céu de cima e deixa-me a admirar o paraíso perante mim, a deusa que em ti acarinho, a mulher que em ti admiro. E se assim for, que
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JORGE PÓPULO NASCEU EM 1970. NOS
BRAÇOS GRANÍTICOS DO INVICTO BERÇO PORTUENSE E DA ALCOFA DE MATIZ
TRANSMONTANO, VIU A LUZ EMANADA DA MATERNIDADE, PARA LOGO
ESPREITAR AS CORES DA EXISTÊNCIA, NO BAIRRO DO LEAL.
DECIDIU QUE A HISTÓRIA ERA O SEU RUMO. ACABOU POR ENGROSSAR O EXÉRCITO DE ESTUDANTES
UNIVERSITÁRIOS. VIAJOU POR MUNDOS DISTANTES, PRESOS NO PASSADO, MAS CORREDIÇOS PARA O FUTURO.
não haja pressa… entra com calma. Deixa-me saborear o movimento preguiçoso das partículas inertes enquanto assentam na tua magnífica figura, na tua imaculada pele. E não me ofusques! Mantém esses olhos longe dos meus, que eu morro ou fico petrificado, medusa de bem-querer! Porque me olhas assim?! Acaso buscas encontrar em mim algo que há muito descobriste em ti? Propalada aventura, a de esperançar reconhecer no outro…
Está bem! Trespassa-me pelas tuas centelhas de chocolate amêndoa e aferrolha-me em castelo de mel! Deixa-me correr nas planícies trigueiras que fantasias desde os teus mirantes graciosos… Mas galga também as escadas até ao topo do meu observatório. Tu dás-me um mundo de estrelas… eu te darei as estrelas deste mundo… Vá lá, porque me olhas assim?! Acaso buscas encontrar em mim algo que há muito desconfiaste existir? Propalada aventura, a de perseguir os sonhos…
FICOU A CONHECER MELHOR O PRESENTE. ESTUDOU CIÊNCIAS DOCUMENTAIS E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO.
ATUALMENTE, TRABALHA E ESTUDA NA
FACULDADE DE ENGENHARIA DO PORTO.
ESCREVE NAS HORAS LIVRES. NAS HORAS MAIS SUSCETÍVEIS, SOBRETUDO…
Obras publicadas pela EditaMe:
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Revista Me n 5
CURTA-ME
POR JULIETA LIMA
Na passada quarta-feira à noitinha andava eu a passear com o meu Pedro – Amanhã tenho de ir a Olhão ver como está a casa e quero ir ver o Mário Zambujal na Biblioteca. Marquei uma massagem com a Guida, as minhas costas, preciso mesmo… Tomámos um café em Quarteira, na «Beira Mar», comemos um bolinho que por acaso não me fazia falta nenhuma como veremos mais adiante e de repente – Oh Pedro, e se eu em vez de ir a Olhão, fosse a Dublin?
Querido Pedro, habituado às minhas mudanças súbitas de humor (e de planos), disse apenas: – Boa ideia. Já não vês as crianças há tanto tempo…
Calei-me, voltámos para casa e dali a meia hora tinha reserva, bilhete eletrónico, cartão de embarque, tudinho ali em cima da mesa. Não gastei dinheiro para levar uma reles mala porque custa quase tanto como a passagem e estou a ver que nas low cost um dia destes a gente até tem de pagar a máscara de oxigénio e quiçá o colete de salvação amarelo que se encontra debaixo das vossas cadeiras… coiros!!!) e no dia seguinte toca a andar para Dublin a cavalo na Ryanair.
Avião cheio de velhos, hospedeiras e hospedeiros a venderem-nos um copinho de água, umas sandes medonhas, chocolatinhos, café aguado, etc. Depois dos «comeres», apareceram a vender raspadinhas. Volta e meia o captain lá nos dizia para vermos bem a revista deles, uma espécie de «La Redoute» onde se podia comprar desde uma casa até um par de pantufas. Por sinal, guardei a revista porque a Ryanair anunciava com grande gáudio que uma das suas hospedeiras tinha sido eleita miss não sei de quê e – acreditem se quiserem – a aero-miss tinha direito a uma página onde aparecia numa pose que me parecia de rabo para o ar numa linda praia lá não-sei-onde. Uma aero-desgraça…
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A coisa lá aterrou, e imaginai, leitores, que o taxista que me trouxe para Raymond Street conhecia bem a Quinta do Lago, o golfe de San Lourenço e o Royal Course, pois costumava ir de férias para V Lobo e Vilasol e eu a pensar «deves ter caído da tripeça com a reviravolta que esta merda toda deu» e tome lá oito euros. Deixei mais uma gorjeta ao golfista mascarado de taxista e entrei em casa. Muitos beijos e abraços, querida filha, amado genro, meus netos, jantar, dormir e passou-se. De manhã, acordei com dois olhinhos muito portugueses num rostinho redondo, que me miravam circunspetos.
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– Bom dia, Joana, veio ver a vovó a dormir? – Yes! Me gosta de ti… – A vovó gosta muito da Joana também. – Vovó? – Sim, querida? – Tu astás munte big! – e abriu os bracinhos rechonchudos. – Pois… – rosnei eu. – And vais ficar munte mais more big. Like this… – E abria mais os braços. – Pois! – resfoleguei. – And then tu andas vais in the coffin… A conversa não se ficou por ali. Num arrazoado luso-irlandês fez-me ali um enterro e peras onde não faltou o irmão a perorar sobre as dificuldade que iriam ter em meter-me dentro de um coffin hudge assim… Foi o meu despertar em Dublin.
Não sei se diga f… the kids ou se continue a sorrir. Acho que vou sorrir, rir às gargalhadas, rebolar-me, agarrar a barriga porque as crianças são inocentes, a verdade é delas e de facto eu «astou mesmo munta big e um dia destes I go mesmo num coffin-hudge-assim». Não quero pensar nisso, mas eles pensam.
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CURTA-ME
O primeiro passo na terceira idade, dei-o quando conheci o meu primeiro genro. Até ali era eu a primeira bailarina de todas as festas. Pelo menos pensava que era e comportava-me como tal. Naquele inverno caí das nuvens. – A minha sogra...
Na noite em que o spit-fire ficou a baloiçar-se na lomba de uma rua em obras e fui gentilmente convidada a arregaçar o casaco e empurrar o carro… « É o peso da tua mãe…»… Não sei explicar a afronta. Comprei naquele ano umas roupas clássicas, cuecas até ao pescoço, saias pelo tornozelo e ofereci às pobrezinhas toda a minha lingerie da La Perla em renda preta.
Como o casal estava longe, fui-me esquecendo, até que : «Vais ser avó!». Quase desmaiei. Fui a correr ao cabeleireiro plantar um penacho azul no alto da cabeça e a seguir marquei consulta para o Dr. Tallon. Voltei a investir na lingerie, nos decotes, no vestuário para teenagers. Não me atirariam sem luta para a brigada do carrapito.
Claro que o penacho azul caiu depois de duas ou três lavagens de cabeça (fiquei com uma pelada no local da implantação) e o tratamento para emagrecer acabou num re-engordamento pós-dieta. Anafada, contundida e confundida, fui então entrando pacatamente no jardim enevoado da terceira idade. Passei o umbral da tal porta que me levaria até à muleta, à cadeira de rodas e depois ao portal do cemitério.
A sensação, porém, era incómoda. A menina nasceu e parecia um gato esfolado comparado com as minhas crias. Havia já perdido o jeito para aquelas conversas «ti-ti-brrr». Entrara no clube do «buia-buia» – cãezinhos fofos como algodão. Falei com outras mulheres/mutantes e verifiquei que algumas se regozijavam até com as novas aventuras parentais amando os novos epítetos de sogra, avó, etc. Apeteceu-me açoitá-las.
Entretanto fui atacada pelos fogos da menopausa. Estrogéneos: zero! Ponto final, pensei.
Revista Me n 5
Com as hormonas em sossego, talvez fosse mais fácil aceitar o declínio e quem sabe... vir até a gozar ainda os «prazeres» de que me falavam as minhas amigas, dessa nova espécie de maternidade através da maternidade das nossas filhas. Esqueci o corpo e comecei a brunir a minha alma com quantas forças me restavam. Atirei-me à escrita. Ingressei em grupos de escritores, frequentei tertúlias virtuais e reais. Li os clássicos, os filósofos antigos e modernos, gastei a rodos nas livrarias. Tive que comprar óculos graduados. Recomecei a escrever.
O exercício da escrita, sobretudo a poética, teve sempre em mim um efeito aliforme e de repente redescubro-me vibrátil, prorrogada no declínio a que me entregara. Concluo que o ato de escrever é o único que me revigora enquanto decaio e a palavra o meu único órgão incorruptível.
O poema, a palavra enleada no fogo das minhas aflições, devolve-me o amor-próprio. O corpo que me atormenta, o corpo sempre primordial, cede gostosamente o seu sacrário ao prestígio do ser por ser antes de mais alma. Estou mais velha mas menos decrépita; Atiro-me às letras, revivendo apetites mais acesos que nunca. E agora?
Agora, concluo que a arte é o único elixir para retardar o envelhecimento, talvez por ser o único que faz com que os outros e nós mesmos nos olhemos primeiro no invisível e nos descubramos no que é essencial: a beleza imputrescível da alma humana.
JULIETA LIMA NASCEU EM OLHÃO EM 1949.
RESIDE EM ALMANCIL DESDE 1980. FOI BANCÁRIA NO BES, AGENTE DA TRANQUILIDADE SEGUROS E
SIMULTANEAMENTE EMPRESÁRIA NO RAMO IMOBILIÁRIO.
É MÃE DE QUATRO FILHAS. ESCREVE POESIA E PROSA.
O SEU 1º LIVRO DE POEMAS,
NO ORVALHO DAS HORAS FOI
PUBLICADO EM 1989. PELA EDITA-ME PUBLICA AGORA O LIVRO DE
CONTOS PORTA SIM PORTA NÃO.
Obras publicadas pela EditaMe:
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DA ORIGEM DO PANCHATANTRA
Onde uma busca aparentemente infrutífera se revelou uma descoberta infinitamente maior... Havia um médico persa, de seu nome Barzyuyeh, que no ano 550 e a pedido do grande Cósroas da Pérsia, empreendeu uma viagem até à Índia em busca de uma “erva milagrosa” que crescia nas montanhas e que supostamente trazia os mortos de volta. Porém, após longas e infrutíferas buscas, o médico terá compreendido que afinal
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POR CAROLINA ALÃO essa “erva milagrosa” de que ouvira falar, não era mais do que um emblema do Panchatantra, livro que continha uma série de preceitos morais destinados a retirar os homens da “morte da ignorância”. Embora infrutíferas, as suas buscas não foram totalmente em vão e, compreendendo a importância do achado, o médico encarregou-se da compilação dessas histórias e da sua respetiva tradução para o pálavi, língua dos antigos persas e do zoroastrismo. Infelizmente, este manuscrito desapareceu, mas existem algumas traduções que se conservaram até aos nossos dias. Imaginemos uma árvore cujo tronco é o Panchatantra, o qual se vai ramificar em vários ramos que por sua vez vão dar origem a outros, e assim sucessivamente até aos nossos dias. Entre os “descendentes” mais conhecidos, digamos assim, figuram a versão árabe de Abdallah Ibn-almokaffa, a versão grega traduzida por Simeon Seth, a tradução hebraica do Rabi Joel e posteriormente passada para o latim por João de Cápua. Alguns destes manuscritos encontram-se atualmente em diversas bibliotecas, em
Manuscrito Espanhol (sec. XIII) Fonte: wikipédia
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melhor ou pior estado de conservação, e podem ser consultados na Internet, outros porém desapareceram. Existe uma tradução em castelhano, feita a partir do latim no século XIII, por ordem de Afonso X, o Sábio. Três séculos mais tarde, no século X do calendário hegírico, surge uma nova redação do texto em persa, contentando-se o tradutor, Hossain Vaez, o Pregador, tido como um dos autores mais elegantes que a Pérsia jamais produziu, em tornar mais fácil e popular o estilo da versão persa anterior. Fruto das inúmeras traduções e adaptações por que passou ao longo dos séculos, o Panchatantra foi-se alterando, retirando-se-lhe algumas partes, acrescentando-se-lhe outras, ao sabor do gosto das diferentes épocas. Disso mesmo nos dá conta a versão de Simeon Seth que, ao traduzi-lo para o grego no século XI, introduz toda uma série de elementos retirados das epopeias gregas. Existe uma versão, pelo menos, que foi posta em verso, por um poeta persa. Ora, tal como sucede nas genealogias, o nome de origem muitas vezes modifica-se. O mesmo aconteceu com o Panchatantra que, a partir da tradução árabe, adota um novo nome, nome esse pelo qual passará a ser conhecido no Ocidente, livro
de Calila e Dimna, por alusão aos dois chacais instigadores de várias intrigas na corte do leão, que constituem o quadro central a partir do qual se vão desenrolar todas as outras fábulas, parábolas e alegorias. Da origem indiana do Panchatantra, não restam quaisquer dúvidas, embora do texto original se tenha perdido quase tudo o que era alusivo à mitologia e crença indianas, tendo os tradutores preferido os ensinamentos sobre a moral, a política e os apólogos. São vários os argumentos apresentados para provar essa mesma origem, a saber: as metamorfoses várias; a alusão aos brâmanes; a presença do mangusto em algumas fábulas; a semelhança do livro com outros textos indianos como o Hitopadesa; e o dogma da metempsicose, que abordaremos no próximo “episódio”. FIM DA SEGUNDA PARTE.
Mais informações disponíveis no blogue www.fabulassonhadas@wordpress.com
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CAROLINA ALÃO NASCEU EM PAÇOS DE FERREIRA EM 1969. VIVE NO PORTO.
ESTUDOU SOCIOLOGIA NA FACULDADE
DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO. É FORMADORA EM VÁRIAS ÁREAS E É VOLUNTÁRIA PARA A LEITURA EM DIVERSAS BIBLIOTECAS.
NOS TEMPOS LIVRES DEDICA-SE À
RECOLHA, PESQUISA E TRADUÇÃO
DE FÁBULAS, CUJOS RESULTADOS VAI PUBLICANDO NO BLOGUE
fábulassonhadas@wordpress.com
Obras publicadas pela EditaMe:
Calila e Dimna (sec. X calend. hegírico) Fonte: wikipédia
RIMA-ME
ÁREA DESTINADA AOS NOSSOS POETAS E À SUA POESIA.
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Revista Me n 5
RIMA-ME
CARLA MARQUES NASCEU EM LUANDA, ANGOLA, A 22 DE NOVEMBRO DE 1966. LICENCIADA EM DIREITO PELA
UNIVERSIDADE PORTUCALENSE E COM BACHARELATO EM COMUNICAÇÃO
SOCIAL, PELA ESCOLA SUPERIOR DE
JORNALISMO, SENTIU DESDE SEMPRE NECESSIDADE DE DAR UMA VIDA
ÚNICA ÀS PALAVRAS QUE LHE IAM SURGINDO.
POR CARLA MARQUES sabes quantas luas o céu procria? quanta luz prenha de desejo se espalha nas noites mal dormidas?
se os meus braços esticassem o tempo… Ah! se os meus braços conseguissem dar corda ao tempo! esticá-lo para lá das portas fechadas com segredos conspurcados pelas bocas secas de homens répteis. esticá-lo para lá deste nevoeiro feito pedra onde os sonhos adormecem entorpecidos. passava Dezembro num barco à deriva, na retina com que retinha esta lua louca e o frio era nada… lembrança ténue a esmorecer no bolor de uma gaveta esquecida.
e o tempo eras tu, ainda menino de sorriso nos lábios e o tempo era eu dentro dos teus (a)braços! sabes… eram tempos em que guardava nos bolsos ávidos os teus beijos em forma de sementes de girassol!
EDITORA NO JORNAL O PRIMEIRO DE JANEIRO DESENVOLVEU, TAMBÉM, OUTRAS FUNÇÕES NO ÂMBITO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL.
Obras publicadas pela EditaMe:
Revista Me n 5
POR JULIETA LIMA
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Naninas Isabéis Ineses Mari-Anas Helenas Madalenas Ritas Lilis Joanas
São ninfas estas outras da ria tão Formosa Formosas tão meninas Ninfas do sol ao sul em bailes nas marés
Seus corpos são na luz suaves azulados sereias ou gaivotas nas águas transparentes?
À noite são pingentes em lustres de cristal E os homens ao candeio a meio do canal em busca de comida Inventam-se contentes aos beijos com a vida saudáveis e felizes com elas… sobre a ria… Naninas… Catarinas… Beatrizes
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Revista Me n 5
RIMA-ME
JULIETA LIMA NASCEU EM OLHÃO EM 1949.
RESIDE EM ALMANCIL DESDE 1980. FOI BANCÁRIA NO BES, AGENTE DA TRANQUILIDADE SEGUROS E
SIMULTANEAMENTE EMPRESÁRIA NO RAMO IMOBILIÁRIO.
É MÃE DE QUATRO FILHAS. ESCREVE POESIA E PROSA.
O SEU 1º LIVRO DE POEMAS,
NO ORVALHO DAS HORAS FOI
PUBLICADO EM 1989. PELA EDITA-ME
No mar às descuras o corpo d’em nu delido e gelado Treme o mocequêno no convés molhado P’ra comer há fome p’ra beber há vinho que dão ao esgrime
Alteia-se o mar e ao ravés do vento num canto da proa o sono é mais forte
Dorme o mocequêno sonha com a ilha sonha que está sol e brinca co’s outros em cima d’areia
em vez de uma rede há bolas de trapos há livros e letras que já sabe ler Sonha com o milagre De ser mocequêno antes de crescer.
PUBLICA AGORA O LIVRO DE
CONTOS PORTA SIM PORTA NÃO.
Obras publicadas pela EditaMe:
Revista Me n 5
Espera-me com flores Quando eu te visitar, Deitada em nenúfares De seda carmim, Presenteia-me de amores Em suave esvoaçar. E sempre que eu te procurar, Tenta me encontrar, No encalço da tua intimidade. Despida de cautela ou sensatez, Abraça-me de enfeitiçado luar, Desnuda a inocência do meu esgueirar, Atrevido e de dissimulada timidez. Espera-me em leito de rosas! Chegarei a sussurrar Trovas de bem-querer Baixinho, bem perto, a arfar Em tuas orelhas formosas. Guarda-me no teu beijo, Em baile de sensualidade, De gestos suaves, imateriais, Fugidios das mãos ladinas Libertos de cansada solenidade. Acerca-te do meu deambular Ritual, peculiar, E, assim próxima, Guarda-me nos teus lábios, Com o travo de terra e mar De afogueado desejo, Por ondas de doce embalar, Por relevos de adágios.
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JORGE PÓPULO NASCEU EM 1970. NOS
BRAÇOS GRANÍTICOS DO INVICTO BERÇO PORTUENSE E DA ALCOFA DE MATIZ
TRANSMONTANO, VIU A LUZ EMANADA DA MATERNIDADE, PARA LOGO
ESPREITAR AS CORES DA EXISTÊNCIA, NO BAIRRO DO LEAL.
DECIDIU QUE A HISTÓRIA ERA O SEU RUMO. ACABOU POR ENGROSSAR O EXÉRCITO DE ESTUDANTES
POR JORGE PÓPULO
E mesmo quando apartado, Já cá estou, tão perto Que não sei onde acabas tu, onde acabo eu… Cintila a ternura com o afago a iluminar O escuro da reserva, o negro da solidão; Há uma luta de paz, um cativeiro aberto. Derrubam-se muros, constroem-se pontes Sem contar minutos, sem cansar. Não me esperes mais, Sou teu Em permanente chegar.
UNIVERSITÁRIOS. VIAJOU POR MUNDOS DISTANTES, PRESOS NO PASSADO, MAS CORREDIÇOS PARA O FUTURO.
FICOU A CONHECER MELHOR O PRESENTE. ESTUDOU CIÊNCIAS DOCUMENTAIS E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO.
ATUALMENTE, TRABALHA E ESTUDA NA
FACULDADE DE ENGENHARIA DO PORTO.
ESCREVE NAS HORAS LIVRES. NAS HORAS MAIS SUSCETÍVEIS, SOBRETUDO…
Obras publicadas pela EditaMe:
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Revista Me n 5
RIMA-ME
Inquietos passam os dias dos últimos chilreares Ergue-se o tronco ao sol numa forma de antecipar a solidão de uma noite que se prevê eterna Abrem-se os baús das lãs e das flanelas Estende-se o rol de roupa bafienta Este é o anúncio a forma de colorir o ar que se vai tornando frio ao longo dos dias cada vez mais curtos E o pensamento divaga saudoso dos campos coloridos de abelhas e malva das aldeias floridas de festa e gente do vinho que rola sobre a matança do porco das famílias reunidas no calor do abraço deste ar sempre tão jovem que nos faz despir e mergulhar no esquecimento descobrindo novamente o eterno ciclo que nos acorda para o longo trabalho que a semente tem em aguardar a sua vez sem ansiedade nem receio As crianças já prevenidas de gorro saltitam no pequeno jardim da cidade murado pelos prédios altos mal recebe o renitente sol É um oásis onde a ideia da liberdade se lança na lembrança dos extensos campos plenos de extensas correrias e das azedas mordidas só porque se pode morder o que se queira e dos cães que vão sempre à frente alegres como as crianças livres e dos doces figos colhidos no desequilíbrio dos ramos altos Mas tudo se acaba e tudo se eterniza na memória E tudo aguarda pelo momento certo de se erguer de novo na prazenteira terra dos primeiros sóis Recolhemo-nos então cinzentos e sonolentos sobre a certeza do frio com os guarda-chuvas expectantes na soleira e o coração morno da lareira esforçadamente acesa
Há um fim de setembro escondido em cada face que olha o mundo Uma contemplativa espera das folhas que vagarosas se derramam na terra aguardando quietas as lágrimas que as irão dissolver caídas da melancólica face do desejo estival
Revista Me n 5
POR JOSÉ BERNARDES
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Revista Me n 5
RIMA-ME
JOSÉ BERNARDES NASCEU EM1966 NA
CIDADE DE LISBOA, ONDE VIVEU ATÉ 2007. NESSE ANO MUDOU-SE PARA VILA NOVA DE GAIA ONDE RESIDE ATUALMENTE.
LICENCIADO EM MATEMÁTICA APLICADA
POR JOSÉ BERNARDES
A cabeça cresce tremenda sobre a expectante planície do futuro é um orbe que orbita pela vasta simetria das coisas contrárias e que arquitetando sobre a imensidão do passado desliza pelas vagas da fantasia quebrando os grilhões da realidade O torso torce-se servindo uma vontade invisível é como o pinheiro manso que tomba na direção dos mandamentos do vento escritos na tábua rasa das odes do mar afirmando assim o seu contínuo sim à infindável proficuidade das marés As mãos manejam a pena cerrando-se fortes na intensa ideia que se derrama no presente e voam varejando as nuvens aparando a queda de um contínuo versejar com que dão corpo ao copo donde copiosamente e avidamente se embebedam Os dedos sangram com a intensidade de um suspiro enquanto os mochos volteiam as asas da noite na sua cega caçada da cor e penetrantes percorrem as variadas formas do sentir valendo-se da tenacidade transportada pelo tempo essa música miúda e discreta eterna reverberação da beleza universal Os pés mergulham profundos no poema até que ossos e sangue petrificados se estilhaçam no espelho da palavra escrita
SEMPRE TRABALHOU NAS ÁREAS DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO.
DESDE QUE SE CONHECE QUE SE
INTERESSA POR ARTES, EM PARTICULAR POR LITERATURA E MUSICA.
A ESCRITA SURGE NUMA FASE AVANÇADA DA SUA VIDA.
EDITARÁ EM BREVE A SUA PRIMEIRA
OBRA, RESULTADO DE UMA MATURAÇÃO
INTERIOR E DE UM ESTADO DE ALMA MAIS OBSERVADOR QUE INTERVENIENTE.
Obras publicadas pela EditaMe:
CONTA-ME
LUGAR PARA CONTOS COM UM MÁXIMO DE QUATRO PÁGINAS NA SUA FORMA ORIGINAL.
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Revista Me n 5
CONTA-ME
POR MIGUEL LEITÃO – Ó mãe, vou a casa da Tia. – Vai, vai, filho.
A minha mãe sabia qual era o meu destino, que todas as tias tinham nome – tia Preciosa, tia Ana, tia Eduarda, tia Palmira, tia Assunção –, à exceção desta, que era simplesmente a Tia, com os seus predicados especiais que a elevavam acima das outras.
Vivia dos rendimentos, não faltando quem se prestasse a servi-la, pelo que nunca a associei a um trabalho, a uma ocupação séria, mas a pura ociosidade. Passear, ir à igreja, enfeitar os altares, fazer visitas e pôr a conversa em dia eram as tarefas a desempenhar, algumas vezes reclamando a minha presença, o que, confesso, nem sempre era do meu agrado. O que apreciava, mesmo, era passar com ela o tempo que lhe sobejava das suas “obrigações sociais”, em que se
Revista Me n 5
podia dedicar inteiramente a mim, incendiando-me eufóricas e prazenteiras sensações. Lembro-me de me aninhar no seu colo, de estremecer com os seus abraços e de sentir ruidosos e lambuzados beijos a pousar nas minhas mãos! Fazia-me festas na cara, anelava-me os cabelos, coçava-me as costas, acariciava-me a pele dos braços e das pernas e fingia beliscar-me e fazer-me cócegas para me espevitar a gritaria ou as estridentes gargalhadas! Com o passar do tempo e à medida que ia crescendo, novos elementos se introduziam no repertório de prazeres, como as histórias, as pequenas canções, as lengalengas, as orações, as adivinhas, os provérbios, as quadras populares e outros poemas rimados! E à mistura com tudo isto, vinham os postais ilustrados, as pagelas, os cartões de boas festas, as revistas, os álbuns de fotografias e os livros com imagens de cor! E havia as compotas e os biscoitos caseiros, as bananas e outros frutos que apreciava! E as bolachas e os rebuçados, os bombons e os chocolates!
Os tempos eram duros e de grande provação, mas a Tia sabia amaciá-los, emprestando à minha vida caracteres de permanente recreio! A sua presença era um oásis, um lazer, um paraíso, um acontecimento feliz, uma festa, um domingo de páscoa!
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Atraía-me a sua casa arejada e limpa, com canapé de palhinha enfeitado com dois grandes almofadões de borlas nos cantos, tendo no centro a cruz de Cristo bordada a lã, copiada das caravelas de uma estampa emoldurada a decorar a sala de jantar. No cadeirão grande, a almofada era de folho e tinha um gato preto com olhos de contas de vidro, a brincar com uma bola bordada em alto-relevo. Na enorme estante, livros amarelecidos, à mistura com revistas e jornais antigos, deixavam espaço a objetos que não percebia porque eram tão estimados, se não serviam para nada. Era o caso de um candeeiro de azeite, de três bicos, em latão, e de um outro de petróleo, em bronze, com chaminé estreitíssima a sair de um prato branco que contrastava com o escuro daquele material. Quer um, quer outro, nunca me apercebi que tivessem sido acesos. De olhar parado no tempo, havia também, na prateleira de cima, o busto de Camilo e o de Herculano a ladear três azulejos incrustados na parede, cada um com sua flor-de-lis azul a destacar-se de um fundo amarelo de estampado geométrico. E entre as fotografias encaixilhadas, uma profusão de andorinhas de barro que não seriam de Bordalo Pinheiro, mas cujo efeito decorativo era o mesmo.
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Revista Me n 5
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E havia outras andorinhas de asas verdadeiras, cá fora, a tracejar o espaço que se divisava do cimo das escadas ou por entre a roseira que se espreguiçava a galgar o caramanchão.
De modo que, o “vai, vai” de minha mãe pôs-me asas nos pés! Fui em voo para casa da Tia que estranhou a minha aparição àquela hora da manhã, que o habitual era encontrarmo-nos depois de almoço. Mas, como lhe afiancei que tinha autorização da minha mãe, não fez questão de maior.
Estava sentado no patamar, ao cimo das escadas que subiam do jardim, a brincar não sei com quê, quando a minha irmã, esbaforida, abre impetuosamente o portão e, furiosa, irrompe por ali acima, numa gritaria medonha e sem jeito: – Seu malandro, que fugiste de casa e vieste para aqui sem dizer nada! Já corri tudo à tua procura, e tu aqui metido, sem ordem de ninguém! Em chegando a casa, tu vais ver como vais apanhar! – A mãe sabe que eu estou aqui. Pedi-lhe ordem para vir e ela deu.
– Não sejas mentiroso! A mãe está aflita por não saber de ti e foi ela quem me mandou à tua procura! Porque mentes, ainda vais apanhar mais! As ameaças de minha irmã não foram motivos suficientemente fortes para me persuadirem a acompanhá-la. Eu tinha a convicção de que a razão estava do meu lado. Tinha a minha verdade e começava a sentir-me mal ao aperceber-me de que estava a ser, injustamente, posta em causa. Não tinha culpa de que a minha mãe, atarefada a acabar um vestido que ficara de entregar à Maria do Alípio, estivesse concentrada no que fazia e pronunciasse mecanicamente o seu “vai, vai!” sem prestar atenção à minha intempestiva retirada. Eu não podia ser castigado por um delito que não tinha cometido, pelo que, senhor do que fazia, galguei as escadas e desatei a fugir pela rua Direita com a minha irmã, sem fôlego, atrás de mim, para me alcançar. Deixei a rua Direita e meti pela Quelha e ela sem desistir. Voltei à rua Direita, e de novo à Quelha, num trajeto circular, dando duas ou três voltas sem me deixar apanhar, o que a enfurecia ainda mais. De repente, eis que me vi encurralado, sem qualquer alternativa: atrás de
Revista Me n 5
MIGUEL LEITÃO NASCEU EM 1946 NO
ARCOZELO, CONCELHO DE MOIMENTA DA BEIRA.
LICENCIOU-SE EM 1975 EM FILOSOFIA, ÁREA EM QUE EXERCE FUNÇÕES DOCENTES.
PROFESSOR E COAUTOR DE MANUAIS DE FILOSOFIA E DE PSICOLOGIA,
SEMPRE REPARTIU A SUA ATIVIDADE
mim, a minha irmã, a espumar e a deitar lume pelos olhos e, à minha frente, vinda não sei de onde, a minha madrinha, possessa de raiva, de braços abertos para me barrar a passagem.
Senti a injustiça a queimar-me no cérebro e a indignação a alastrar pelas veias e a tomar conta do corpo e da alma. E eu indefeso e impotente, na eminência de me render à inexorabilidade de um destino imerecido! Mas, repentinamente, o impossível aconteceu e uma airosa saída faiscou na minha frente! A meio, a Quelha alargava para dar lugar a uma reentrância, a um pequeno beco sem saída, onde não passava ninguém e que, por não ser pisado, se tornara num viveiro de urtigas que se agigantavam, engrossando como cordas e igualando as giestas em altura. Vendo-me cercado, foi para aí que eu me atirei, escondendo-me naquela floresta selvagem que ninguém ousaria franquear para me prender. De facto, houve comentários, choros, gritos e exclamações, mas ninguém se atreveu a ir-me buscar. E até hoje, ainda continuo à espera de sentir as picadelas daquelas ervas bravias e o incómodo prurido que o seu contacto provoca no corpo! Será que a raiva contra a injustiça é antídoto anestesiante?
COM A POESIA, TENDO JÁ PARTICIPADO EM DIVERSAS PUBLICAÇÕES.
NO CAMPO DAS ARTES VISUAIS
DEDICA-SE AO DESENHO E À PINTURA, CONTANDO JÁ COM VÁRIAS
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS. PUBLICOU RECENTEMENTE O LIVRO DE POESIA “O TEMPO E AS COISAS” PELA EDITA-ME.
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CONTA-ME
POR HENRIQUE NORMANDO COGITAÇÕES No espelho anamórfico dos monstros invasores, há uma noite de tragédia grega que se abate sobre nós, um oráculo que adivinha as piores tempestades punitivas, como se o crime não adviesse do inferno, das labaredas especulativas e das máquinas tenebrosas de ficcionar dinheiro. E neste pesadelo histórico que não termina, vai caindo a guilhotina sobre o pescoço dos desprotegidos, enquanto sebosos ciclopes dão lições de economia e finanças. No vale dos deuses, os corpos levantam-se e arregalam os olhos com estupefação, perante a imoralidade à solta, a inefável hipocrisia e a desumana brutalidade.
Revista Me n 5
A sociedade atingida vai alargando o seu deserto interior, cavando uma depressão suicida que a conduz ao buraco negro de uma colossal solidão. Eram estas as minhas reflexões amarguradas, enquanto me dirigia a pé ao Banco Central, para levantar algum dinheiro do multibanco para satisfazer o pagamento de algumas despesas de rotina.
A QUEDA Infelizmente, no final do percurso, tropecei no passeio e dei uma queda algo aparatosa, magoando-me bastante no joelho direito.
Passou por mim uma rapariga loira, de olhos azuis melancólicos, a quem pedi ajuda para me levantar. Ela olhou para mim de forma alheada e disse-me para pedir ajuda a outra pessoa, dado que não me conhecia de parte nenhuma.
Fiquei desesperado e desiludido. Olhei em volta e não vi mais ninguém nas proximidades. Tentei levantar-me. Não consegui. Apareceu então um homem de meia-idade que, ao ver a minha dificuldade, me perguntou se queria ajuda. Disse-lhe logo que sim, agradecendo reconhecido. Ele ajudou-me a ir até ao meu carro que se encontrava ali perto, sentando-me eu no assento, com bastante dificuldade.
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Dirigi-me para casa com grande prudência, meti-me no elevador e subi ao 3º andar, onde habitava. Apressei-me a fazer um curativo ao joelho que entretanto inchara bastante. Deitei-me no sofá da sala, com a perna magoada estendida, de modo a doer-me o menos possível. Como tinha ligado a televisão, fui fazendo zapping na esperança de encontrar um programa que me interessasse. Como não vi nada de interesse, acabei por adormecer. Por pouco tempo. Não tinha ainda passado uma hora, quando a campainha tocou. Tocou com insistência. Olhei para o relógio. 6 horas da tarde. Decidi levantar-me e, a coxear, fui espreitar pelo ralo, para ver quem era. Fiquei surpreendido. Era um homem mascarado, usando uma máscara branca, um pouco ao estilo de Guy Fawkes. Usava uma t-shirt com a inscrição “Rebeldes”. Sem abrir a porta, perguntei-lhe o que queria. Respondeu-me que pertencia a um movimento recentemente criado e que lhe tinham dito que eu poderia estar interessado em aderir. Perguntei-lhe quem lhe tinha dado semelhante informação. Disse-me que era algo que só me poderia dizer se eu lhe abrisse a porta e o deixasse entrar, a fim de trocarmos impressões pessoalmente. Respondi-lhe que não estava interessado, mas que se ele quisesse, poderia deixar-me um ou mais panfletos no correio sobre o movimento para eu poder estudar o assunto. Não me respondeu. Percebi que se afastou, ao ouvi-lo descer apressadamente a escada. Fui preparar um chá quente. Entretanto introduzi um CD de Mascagni na aparelhagem. Sentei-me no sofá e liguei a televisão, cortando-lhe o som.
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Revista Me n 5
CONTA-ME
Passaram alguns minutos. Voltaram a tocar à campainha.“Porra !”- exclamei entredentes. Quem seria agora ? Espreitei pelo ralo. Era Joana, a minha vizinha do 2º andar. Perguntei-lhe o que queria. Numa voz que denotava alguma preocupação, disse-me que estava sem luz e queria saber se eu a poderia ajudar. Disse-lhe que sim, apesar de estar em más condições físicas, por causa de uma queda que tinha dado. Ela respondeu-me que se não me desse jeito, iria tentar pedir ajuda ao vizinho do 4º andar. Abri a porta e disse-lhe para não se preocupar. E desci coxeando, até à casa de Joana. Ela, entretanto, disse-me que estava com uma amiga, chamada Isabel, que infelizmente também não percebia nada de problemas que tivessem relação com a eletricidade. Entrei no apartamento, cumprimentei a Isabel que estava semi-iluminada por uma vela que tinham acendido e dirigi-me para o quadro elétrico que era semelhante ao meu.
Era um problema simples de resolver. Um disjuntor estava desligado. Disse à Joana para desligar um dos aparelhos ligados. Sugeri-lhe que desligasse o calorífico. Ela assim fez e a luz foi facilmente reposta.
A Joana ofereceu-me um lugar no sofá da sala e perguntou-me se aceitava um uísque. Disse-lhe que sim e conversámos por algum tempo. Olhei mais atentamente para a Isabel. Até que não tive dúvidas. Tratava-se da rapariga loira que tinha recusado ajudar-me quando caí em frente ao Banco. Ela não pareceu reconhecer-me.
O VISITANTE Tocaram à campainha. Olhei para Joana. Ela disse-me para não me preocupar. Era um amigo de Isabel que ia ficar lá em casa, nessa noite. A Joana foi abrir a porta e apareceu na sala acompanhada pelo visitante. O visitante era o misterioso mascarado. Trazia a máscara na cara e usava a mesma t-shirt com a palavra “Rebeldes” gravada na zona do peito. E eu pensei... que mais me irá acontecer ainda hoje? A Joana fez uma breve apresentação, a que correspondi vagamente, e o mascarado sentou-se junto de Isabel. A Isabel perguntou ao mascarado se não se queria ir deitar. Ele disse que não. Apesar de estar cansado por ter tido um dia muito fatigante, preferia relaxar um pouco ali na sala.
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E conversámos um pouco sobre diversos temas. Mas o mascarado pareceu-me pouco à vontade. Estive para lhe perguntar porque não tirava a máscara. Mas receei que ele pudesse estar a ocultar algum defeito físico, pelo que decidi nada lhe dizer sobre o assunto.
A EXPLOSÃO A nossa conversa manteve-se, incidindo sobre a vida atual dos portugueses, sobre as dificuldades das famílias, sobre os problemas da juventude, sobre a crescente deslealdade entre as pessoas, sobre a separação dos casais, sobre a fome e a miséria, sobre o desmembramento da classe média que estava reduzida agora à sua expressão mais simples, bem como sobre os assuntos mais prementes que atormentavam quase toda a gente, de uma forma geral, quando de repente se ouviu uma brutal explosão que abalou fortemente o edifício, seguida de uma forte gritaria e pedidos de socorro que vinham do exterior. Corremos para a janela e vimos que o Palácio dos Tiranetes, que ficava em frente ao nosso prédio,
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tinha sido praticamente destruído, certamente com bombas que lá foram colocadas. O nosso prédio, com o efeito da tremenda explosão, ameaçava ruir a todo o momento. Decidimos sair dali o mais depressa possível, correndo em direção às escadas. Saltámos os degraus, o mais depressa possível, ficando eu para trás por causa das minhas deficientes condições físicas.
No exterior, a confusão era indescritível. As pessoas atropelavam-se, o fogo alastrava, os bombeiros que entretanto iam chegando mal se conseguiam movimentar. O Palácio dos Tiranetes estava praticamente desintegrado, com exceção de uma torre que ainda resistia.
O AUXÍLIO No meio de toda aquela confusão, Isabel caiu, sendo pisada por várias pessoas que corriam em debandada. Corri para ela com muita dificuldade e agarrei-a ao colo. Estava bastante mal tratada. Sangrava do lado direito da cabeça e queixava-se com dores nas costas. Com uma sorte enorme consegui metê-la numa ambulância que passava por nós naquele momento. Deixaram-me entrar como acompanhante. Enquanto nos afastávamos, olhei para trás, através do vidro da porta da viatura que nos transportava e vi o mascarado
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Revista Me n 5
CONTA-ME
HENRIQUE NORMANDO, PSEUDÓNIMO DE MANUEL H. MARTINS DE CAMPOS.
no alto da torre, hasteando uma bandeira com a palavra estilizada que ele usava na t-shirt... ”OS REBELDES”.
Debrucei-me sobre a Isabel e afaguei-lhe o rosto. Ela olhou para mim. Pareceu reconhecer-me. Uma lágrima corria-lhe pela face. O enfermeiro que nos acompanhava, sorriu para ela e disse-lhe que tinha tido muita sorte em ter tido alguém para a auxiliar, bem como no facto de a ambulância ir a passar naquele momento crucial. Ela sorriu. Balbuciou-me algumas palavras que eu consegui entender. Desculpe... desculpe não o ter ajudado.
DEPOIS DE UMA CARREIRA ACADÉMICA E PROFISSIONAL LIGADA À GESTÃO
EMPRESARIAL, NUNCA PERDEU DE VISTA A SUA VOCAÇÃO LITERÁRIA E
ARTÍSTICA, TENDO COLABORADO E
RECEBIDO FORMAÇÃO NO CAMPO DAS ARTES, COM O MESTRE JOÃO HOGAN E MARIA GABRIEL.
NO PLANO LITERÁRIO COLABOROU COM ALGUNS JORNAIS E REVISTAS.
EDITOU, TAMBÉM, ALGUNS LIVROS NO CAMPO DA POESIA.
Só então tive a certeza que me tinha reconhecido.
Obras publicadas pela EditaMe:
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Verdade é a coisa mais valiosa que possuímos. Então, vamos tratar de economizá-la. - Mark Twain
POR JOAQUIM DE MATOS PINHEIRO
Deixem que me apresente: o meu nome é Luís Esteves. Só.
Nasci na cidade da Alegria, uma cidadezinha escondida lá no norte de Minas, num dia de Natal: faço hoje quinze anos. Meu pai chamava-se Luís Esteves, como eu.
Nunca conheci meu pai, porque ele morreu quando eu não tinha ainda um ano, com aquela doença ruim, que vem do barbeiro1. Minha mãe chama-se Ana Luísa. Só.
Ela ficou em Alegria com meus irmãos menores: Tonho, Maria, Ana, Paulo, Zé, Chica, Miltinho e Luísa, que são filhos do meu padrasto.
Na missão dos padres redentores, lá na minha cidade de Alegria, aprendi a ler e a escrever e fui até à terceira série, mas não tenho nenhum papel que diga isso. Aqui, em Belo Horizonte, eu tirei os meus documentos para poder trabalhar.
Aqui tenho carteira de identidade e carteira de trabalho, só aquela coisa de CIC2 é que eu ainda não tenho.
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CONTA-ME
Há grandes e compridos números, cheios de pontos, traços e letras nos meus documentos. E tenho sempre de os copiar com todo o cuidado ao preencher os papéis nas lojas, quando vou procurar emprego. Ou melhor: quando ia procurar emprego, pois já faz um bocado de tempo que eu não trabalho.
Primeiro diziam que eu não tinha idade, que não tinha tamanho, ou que não tinha força, ou que não tinha instrução. E que andava mal vestido. Depois achavam que eu andava sujo, que a minha roupa não tinha apresentação, que eu não servia para o trabalho deles, por isto ou por aquilo…
Lá em Alegria, se bem me lembro, não tinha nada dessas coisas: pé no chão, calção roto, corpo sem camisa, ninguém se preocupava com isso, que até os homens andavam assim. Por isso até que eu ganhei algum dinheiro lá, trabalhando em obras, lavando o carro azul do seu Manel Português, da loja, carregando lenha para a padaria, trabalhando duro na roça, descalço.
Mas vida, vida mesmo, essa vida que a gente via na televisão do bar do Coxo, essa vida só existia na cidade grande. Por isso eu vim, já fez dois anos, para Belo Horizonte. Quando viajei, minha mãe arrumou para mim umas calças que ganhou do seu Fernando, do Cartório, uma camisa que ele também deu, e umas sandálias já velhas, que eu não sei de quem eram. E meteu no meu bolso uma nota de cem cruzeiros, para o que desse e viesse, durante a viagem, e até encontrar o primo Bernardo, que trabalhava numa oficina de automóveis, à saída da estrada para Sabará. Ou melhor: ela pensava que ele trabalhava ali, mas eu nunca o encontrei lá, nem noutro lugar qualquer.
O meu primo Bernardo devia estar à minha espera na Rodoviária, quando cheguei.
Mas quando o dia e a noite passaram e eu fiquei ali sentado, à espera, sem que ele aparecesse, um policial pegou-me por um braço, meteu-me na mala traseira de um carro sem janelas e mandou-me para a Delegacia: foi lá que eu comi comida quente, pela primeira vez, depois que saí de casa. Da Delegacia mandaram-me para o Juizado de Menores. Do Juizado mandaram-me para uma coisa chamada Febem3.
Foi aí que arrumei os meus documentos; foi lá que todas as promessas foram feitas. E foi lá, também, que eu apanhei dos mais velhos, todos os dias, quando não eram os guardas a bater. Por isso, assim que pude, fugi e fui à vida, sem medo e com fome. A fome, meu Deus, a fome era o meu maior problema!
Por isso comecei a aparecer no mercado central para carregar os sacos com as compras das donas. Uma banana apanhada aqui, uma cenoura tirada ali ajudavam, no começo, a enganar a fome. Vez por outra, cada vez com mais frequência, era uma linguiça roubada no açougue, um abacaxi surripiado da banca, até ver se aparecia trabalho. Mas de trabalho, trabalho mesmo, nada! A roupa suja, de dormir debaixo do viaduto ou escondido no parque municipal, era outro problema que eu tinha e eu tinha de arrumar uma maneira de me vestir e de parecer melhor! Foi quando vi, naquela loja, a meio da manhã e a abarrotar de gente, as coisas expostas à porta, sem um guarda a tomar conta. Então me resolvi
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a tentar a sorte – e tive sorte: as calças e a camisa estavam à minha medida, como nunca as tivera antes, e eu fiquei um pimpão.
Depois lavei o rosto numa torneira qualquer, vesti a roupa nova no banheiro de um bar e fiquei um senhor. Só faltava o sapato.
No mesmo dia, numa lojinha da Rua dos Caetés, peguei um par de sapatos e saí correndo, sem ninguém ver. Que sorte! Calçavam como uma luva: agora eu estava pronto para ir trabalhar! Um serviço aqui, outro ali, algum dinheiro começando a crescer no meu bolso, tudo era uma alegria nova. A boa sorte, no entanto, durou pouco.
Outra vez na rua, voltei a fazer o que aprendera em Alegria: lavava carros, com um balde de água suja, enquanto os doutores almoçavam nos restaurantes ou faziam os seus negócios nos bancos. Mas o que eu ganhava a lavar carros dava para pagar um barraco na favela, para viver com os meus amigos novos, o Tião e o Carlos. No dia em que fiz catorze anos, eu estava só e senti muitas saudades da mãe e dos meninos.
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Como estariam eles? Será que teria morrido algum? Será que teria nascido outro?
A minha vida precisava mudar! Não fora para isso que eu deixara Alegria e viera para Belo Horizonte?
A minha vida tinha de mudar! A minha vida iria mudar!
E um dia, no banco do carro que eu lavava, o doutor deixara a sua pasta preta, cheia de coisas importantes: que tentação! Havia um relógio, uma caneta que parecia de ouro, o porta-chaves vazio, que belas coisas! – “Leva elas, cara!” – o Tião…
– “O cara não vai saber…” – o Carlos. E levei.
Depois de o medo passar – como foi fácil! – o dinheiro deixou de ser problema para mim. Seu Henrique, o dono daquela lojinha da rua Carijós, amigo de Tião, sempre tinha alguma grana para comprar as coisas que a gente levava. Eu, o Carlos e o Tião andávamos agora sempre juntos,
1 O barbeiro, que também é conhecido como chupão, chupança, bicudo, fincão, ou procotó, é um inseto de grandes dimensões, que prolifera
em todo o continente americano e que, no Brasil, é conhecido por ser um dos mais importantes vetores de transmissão da Doença de Chagas ao ser humano.
2 CIC – Cartão de Identificação de Contribuinte, no Brasil. 3 FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, organismo do Governo do Estado de Minas Gerais, dedicado à proteção e recuperação de menores carenciados.
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CONTA-ME
combinando a melhor maneira de fazer as coisas para não ser preso outra vez. A gente sabia como escapar para o outro lado da avenida, por entre os carros, correndo, e sabia ainda melhor como desaparecer antes que os caras vissem bem a cara da gente. E como as coisas corriam certo!
Seu Henrique deu outro jeito na nossa vida.
Vez por outra, a gente pegava aqueles pacotinhos de cigarros fininhos e ia vender à porta dos colégios, na zona sul. Dava uma nota valente! Até era um gozo, puxar uma fumaça naqueles cigarros, ver como as coisas ficavam diferentes à nossa volta, voar, ir longe, feliz, tranquilo, sem problemas…
Aos poucos, alguns pelinhos de barba começaram a pintar sobre o meu lábio. Debaixo do braço e junto ao sexo, uns tufozinhos encaracolados já tinham aparecido antes, e a minha voz ficou mais grossa, quase de repente. Tudo isso foram grandes mudanças para um ano só, que aconteceram à mistura com o desejo, que fervia na gente, de dormir a primeira vez com uma mulher.
Mas elas, cadelas danadas, riam-se da gente na Rua Mauá, pivetes da rua, mulatos danados, ladrões: insultos. Por isso foi preciso ganhar coragem, farejar o cio das gatinhas, tentar a aventura. E ganhar a seguir um mundo novo, diferente – um gozo! Um fascínio indescritível! A descoberta…
Mas isso, meu Deus, esse gozo e esse prazer, como foram pagos por um preço tão alto!
No jornal do outro dia, as letras gordas dos títulos anunciavam que a moça tinha morrido: “Seviciada por desconhecidos, filha de delegado de Polícia morre nas mãos dos bandidos”. Medo. Medo, apenas. E receio. E terror… Um terror imenso de olhar para as pessoas que passavam na rua, durante o dia.
Um asco, um nojo, ao sentir o esperma quente e viscoso nas mãos, nas alucinações pavorosas da noite. O medo de ser preso de novo. O medo de ser violentado por guardas selvagens. O terror – sim, o terror – o terror de ser enjaulado outra vez, no meio de insultos como das outras vezes, e de ficar trancafiado com aqueles homens tenebrosos, que sempre encontrávamos no xadrez das Delegacias… O receio que cresce, o pavor que aumenta, o horror da noite sem dormir, a vontade de acabar… A confissão. E tudo isso, minha Nossa Senhora de Aparecida, para chegar até aqui, hoje. Até ficar parado, de mãos algemadas, como um palhaço, ou um animal do circo, encostado à parede, tremendo, em frente às luzes ofuscantes dos fotógrafos sensacionalistas dos jornais que perguntam e insistem, sedentos de coisas
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bárbaras, no meio da festa dos meus quinze anos, espetáculo nojento que eles armam para se divertir e para se vingar de mim. Agora, vê-se pela janelinha do xadrez, a tarde está a findar, parece que esse confuso circo já acabou e que tudo está outra vez calmo, estranhamente calmo à minha volta. Hoje, eu já tenho quinze anos. Os quinze anos que eu completo hoje são os meus quinze anos finais. Então penso: como eu gostaria de voltar para a minha pequena cidade de Alegria. Sonho e penso em como seria bom poder voltar para casa, em como seria bom poder voltar para junto de minha mãe e dos meninos meus irmãos. Voltar para casa e lavar outra vez o carro azul de seu Manel português da loja… Mas eu já não posso – e eu também sei, cá bem no fundo de mim mesmo, que eu nunca mais voltarei a ver a minha pequena cidade de Alegria. Isso porque eu sei que tudo vai terminar assim, incompleto e irremediável, aqui e agora, nas minhas mãos. É que eu estou acabando com a minha vida, estou morrendo, duas vezes criminoso: porque matei brincando e porque me mato agora, chorando, chorando só e triste, com medo de morrer. Esta é a verdade! Esta é a minha verdade…
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JOAQUIM DE MATOS PINHEIRO
NASCEU EM SERPA E RESIDE NA MAIA.
ECONOMISTA POR FORMAÇÃO E GESTOR POR OFÍCIO, DESENVOLVEU A SUA
ATIVIDADE AO SERVIÇO DE VÁRIAS
EMPRESAS, SEM NUNCA DESCURAR UMA INTENSA LIGAÇÃO À
COMUNICAÇÃO SOCIAL. ARTIGOS SEUS ESTÃO DISPERSOS POR JORNAIS E
REVISTAS NACIONAIS E ESTRANGEIROS.
ENQUANTO EDITOR, DIRIGIU A EDITORIAL CULTURANG, EM LUANDA, SOB CUJA
CHANCELA PUBLICOU IMPORTANTES
AUTORES ANGOLANOS. FEZ PARTE DO
PRIMEIRO CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, APÓS A CRIAÇÃO DESTE ÓRGÃO CONSULTIVO DO GOVERNO,
TENDO OCUPADO CARGOS DE DIREÇÃO EM DIVERSAS ASSOCIAÇÕES CÍVICAS E CULTURAIS.
Obras publicadas pela EditaMe:
ENTREVISTA-ME
CADA AUTOR É UM SER INDIVIDUAL. CONHECÊ-LO É TÃO IMPORTANTE COMO CONHECER AS SUAS OBRAS. EM CADA EDIÇÃO SERÁ ENTREVISTADO UM AUTOR, PARA UM POUCO DA PARTILHA DO SEU SER E DA SUA PRÓPRIA VISÃO SOBRE AS SUAS OBRAS.
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ENTREVISTA-ME
ALEXANDRA MALHEIRO, MÉDICA DE PROFISSÃO E ESCRITORA DE PAIXÃO, ENCONTRA NAS PALAVRAS UMA SEGUNDA VIDA (OU ATÉ MESMO PRIMEIRA?).
COM 5 LIVROS PUBLICADOS, APRESENTOU RECENTEMENTE GEOGRAFIAS DISPERSAS UM NOVO LIVRO DE POESIA. EMBORA TODAS AS OBRAS PUBLICADAS SEJAM DE POESIA, É ESCRITORA ASSÍDUA DE PROSA, EM FORMA DE CRÓNICAS, QUE PUBLICA DE FORMA REGULAR EM DIVERSOS LOCAIS.
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Alexandra, queres comentar a introdução?
Quero. Não concordo nada com a forma como está feita. Aquilo do “médica de profissão e escritora de paixão”, ui! Passa a ideia que não tenho paixão nenhuma na minha arte como médica, o que não é verdade, e quanto a ser escritora por paixão, é mais por imposição interior, não é uma paixão, é uma inerência, uma servidão, como diz o Pina. Hum..., então o que é e de onde vem essa vontade permanente de escrever? Para início de conversa, é uma ilusão. Não existe vontade permanente, muitas vezes não existe sequer nenhum tipo de vontade de escrever. Passo dias, meses, tempo infinito sem escrever nada e sem nenhuma vontade, outras vezes até tenho vontade mas não sai nada. Quanto a o que é, é ser uma espécie de incêndio que me arde por dentro e escapa pelos dedos. Digo isso num poema, é um poema muito pessoal que diz assim “Às vezes ardem-me os poemas nas pontas dos dedos/como um incêndio.”
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De que forma esse fogo nas pontas dos dedos se imiscui com o teu dia a dia? Não tenho agenda para escrever, quando o tal incêndio surge, ou o deixo fluir e recolho aquilo que deixa ficar, ou então acabo por lhe perder o fio e não escrevo nada.
Esta tua alternância permanente entre a prosa e a poesia é uma procura por uma alternativa, ou uma “expansão”?
Sabes, eu acho que a escrita literária é toda uma mesma coisa. Nós gostamos de subdividir, rotular, meter tudo nas suas gavetinhas, mas se reparares o que separa a poesia da prosa? A forma? É a rima, a métrica? Escrevo quase sempre sem métrica e muitas vezes sem rima. É o escrever linhas curtas que vão por ali abaixo a imitar versinhos? Eu acho que a poesia é um estado, uma sensibilidade, dentro de uma entidade mais alargada que é a literatura que engloba a poesia, o romance, a novela, o conto e mesmo a crónica, creio que falas disso quando me perguntas sobre a alternância.
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Sim. Nesse caso, o que é para ti um(a) poeta, e o que o(a) distingue de um autor de prosa?
Nada. Atendendo à resposta anterior, nada. Ser poeta é um modus vivendi, no qual tenho certas dúvidas se me enquadro. Não considero poeta o sujeito que escreve versos, ser poeta é um estado de ser, uma evolução de um estado de espírito, é, digamos, um estado de espírito que permanece, por isso “estado de ser”. Conheço prosadores absolutamente poéticos e muitos poetas que nunca escreveram uma linha nem em prosa nem em verso. Ser poeta tem a ver com sentir, não com escrever, tem a ver com ler os outros, não necessariamente ler no sentido de juntar as letras. Já agora dou um exemplo que acho curioso, o Manuel Alegre, acho uma poesia intensíssima na prosa que escreve, encanto-me muito mais com essa poesia do que na maior parte da poesia dos seus poemas. Muito bem. Mudando de tema, tu que defendes que, no limite, só se escreve sobre a vida e a morte, onde consideras que estão os melhores temas de escrita: nos autênticos “mortos-vivos” da sociedade, ou nos mortos que se tornam lendas e vivem eternamente? Hum… perguntinha complicada. A existir um tema para escrever, esse só pode ser algo que
nos toque por dentro. O que me toca a mim não tem de ser o que te toca a ti e aquilo que me toca agora pode não me tocar amanhã ou noutro estado de espírito qualquer. A vida e a morte são o yin e o yang, a energia positiva e negativa, e são tudo o que temos. Tudo o que sentimos e vivenciamos acontece em vida e passamos parte dela angustiados com a certeza da morte. E isso é triste e reconfortante. Não sei se consegui responder. Fala-se muito da quantidade de livros editados. Pouco se fala dos seus autores. Na tua opinião e experiência, qual a maior dificuldade que um(a) escritor(a) não mediático sente no seu dia a dia?
(risos) Assim à cabeça lembro-me de uma vantagem ao invés de uma desvantagem, sente que ninguém lhe liga puto na rua, o que é muito agradável, sente que o fotógrafo da «Caras» ou da «Lux» se estão marimbando se tens um namorado novo ou se tens celulite a espreitar da minissaia e tudo isso é muito agradável (embora na verdade no que toca a escritores, mesmo os mediáticos também não têm assim tanta procura. Mas creio que a questão desemboca nas dificuldades que todos os ditos “não mediáticos”, onde obviamente me incluo, têm em conseguir que alguém os leia. A começar pelos críticos, ninguém se dá ao trabalho sequer de fazer uma recensão a
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um livro de autor desconhecido, o resto vai por arrasto, dificuldade na promoção, na distribuição dos livros nas livrarias, enfim, uma sucessão de entraves que facilitam que os livros se acumulem em belos armazéns cheios de pó, fantásticos alimentos para as traças que gostam muito de ler.
“Somos, não poucas vezes, confundidos então com o cargo e pouco com a Obra. Deslumbrados ficamos com os títulos e desprezamos a vertigem da Alma.” Está tudo aqui, não é?
Nenhum. A crítica não se debruça sobre os não mediáticos, não chega a lê-los, pelo que papel nenhum. Poderia ou até deveria ter, o de aguçar a curiosidade dos presumíveis leitores, para o bem ou para o mal, mas é uma raridade. Consegui que o meu anterior livro tivesse duas recensões na imprensa escrita e uma online. Fiquei muito, mesmo muito satisfeita. Suponho que ter um prefácio pelo Pedro Abrunhosa possa ter marcado a diferença. Não me incomoda nada porque gosto muito do Pedro Abrunhosa – ou de outra forma não lhe teria pedido o prefácio – e gosto muito do prefácio que ele escreveu, porém tenho pena que o prefácio, ou melhor o seu nome e o seu mediatismo, tenham de servir como bilhete postal promocional, ao invés de ser apenas aquilo que de facto é – um preliminar afetivo aos meus poemas, um poema maior antes dos meus poemas. O Pedro, aliás, fala disso numa frase desse mesmo magnífico prefácio, diz ele a páginas tantas
Da mesma forma que o descreveria a um velho. Tenho, aliás, uma frase bombástica, de marketeer, para o descrever, diria – “É um livro indescritível! Só lendo!”
E qual pensas ser o papel da crítica para um(a) escritor(a) não mediático(a)?
Voltando-nos agora para as tuas obras, o teu último livro editado tem por título Geografias Dispersas. Como o descreverias a um(a) adolescente?
(risos de ambos)
Tendo já diversas obras publicadas, o que torna cada uma delas especial aos teus olhos? O que as distingue? A forma como os outros as leem. Tudo que eu tenho publicado foi escrito por mim e tem um valor mais ou menos idêntico para mim. É claro que há poemas que prefiro a outros e livros que considero melhores ou mais bem acabados como produtos, mas a existir algo que torne algum deles especial ou diferente, ou nem que seja um único poema, isso vem de quem lê. Um livro só faz sentido se for lido, de outra forma
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não vale a pena publicar, escreve-se e guarda-se numa gaveta. Quando é lido por outro, alguém que não o escreveu, então aí ganha vida e a tal “especialidade”. O que é mágico é que cada um faz a sua leitura e torna o livro especial para si.
determinada ordem, etc., esse processo é o mais complicado e moroso e onde muitos poemas eventualmente publicáveis perdem vez e ficam num limbo, a ver se têm oportunidade noutro livro qualquer.
Sim. Creio que sim, embora só os leitores o possam afirmar. Nós não somos iguais agora ao que éramos há dez anos, há cinco, etc., evoluímos, por isso a nossa escrita evolui também – pode é não ser para melhor! (risos)
A minha leitura não me desperta grande coisa, os poemas são meus, conheço-os desde o seu esqueleto, por isso não me entusiasmo com a minha leitura, mas com a dos outros sim. É sempre mágico, mesmo quando outros me leem mal ou ao supetão e engasgando-se porque é sempre o perceber a visão do outro, a leitura do outro, há um processo de recriação que acho mágico. Nalguns casos, com bons leitores, chego a ficar pasmada, a pensar “bolas, eu escrevi aquilo?” Soam-me bem, é bonito.
Pensas que se pode falar de “evolução” de escrita, ao lê-las?
E nos momentos “antes livros”, no decorrer do processo de escrita, é importante teres em consideração que o escrito que estás a produzir, pode vir a ser editado em livro? Tens isso presente enquanto escreves?
Não, nada, nunca. Escrevo porque sim, guardo e só muito depois me reencontro com o que escrevo. Aí, sim, escolho o que possa ser publicável. Há uma percentagem elevada de coisas impublicáveis que escrevo, algumas acabo por deitar fora e outras guardo apenas para mim. Só dentro do que é publicável, já num trabalho mais complicado, de oficina, tento encontrar linhas estéticas condutoras onde os poemas possam fazer sentido num mesmo livro, por uma
Que tipo de sentimentos despoleta em ti a leitura (própria e por terceiros) dos teus escritos?
E qual a situação mais deliciosa pela qual já passaste enquanto escritora?
Se delicioso é entendido como alguma coisa que me deliciou, de facto lembro-me de algumas coisas espantosas que alguns leitores me disseram sobre o meu último livro. Fiquei mesmerizada com algumas coisas, surpreendida mesmo até com alguma adjetivação usada. Se é delicioso no sentido do caricato, há 3 situações
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ALEXANDRA MALHEIRO NASCEU EM 1972 NO PORTO, EM MIRAGAIA, MAS VIVE DESDE SEMPRE NO BONFIM. É LICENCIADA EM MEDICINA E
deliciosas que ocorrem periodicamente e que passo a referir – a da pessoa que sabendo que acabei de editar um livro me pergunta “então para quando o próximo?”, a da pessoa que depois de saber que escrevi um livro de poesia me pergunta “então e é sobre o quê?” e da pessoa que acabada de chegar do lançamento de um livro meu de poesia me pergunta: “porque é que não escreve antes prosa?”. Uma delícia, as três! (risos de ambos)
De facto, são perguntas deveras pertinentes. Aproveitando a deixa, o que mais valorizas num leitor?
Primeiro, que seja leitor, só isso já é um sucesso. Depois ,a capacidade de se deixar levar, de sonhar, de transcender. Ler, ou ler bem, é transcender. Uma última palavra para os nossos escritores? Bem, se é a última: Adeus.
Agora a sério: leiam muito. O Carlos do Carmo conta uma história que se passou entre ele e sua Mãe, Lucília do Carmo, também fadista. Ele, ainda jovem, cantor em início, perguntava à Mãe, artista experiente, como devia fazer e a Mãe respondia-lhe “ó filho, canta até aprenderes”. Eu acho que nisto da escrita se aprende escrevendo, claro, mas muito mais se aprende lendo. Portanto leiam muito e escrevam, sim, mas menos, bem menos do que o que leem.
ESPECIALISTA EM MEDICINA INTERNA E É TAMBÉM NO PORTO QUE EXERCE.
AUTORA DE CINCO LIVROS DE POESIA,
ENTRE OS QUAIS GEOGRAFIAS DISPERSAS E LUZ VERTICAL QUE CONTA COM
PREFÁCIO DE PEDRO ABRUNHOSA.
TEM TAMBÉM POEMAS EM ALGUMAS
ANTOLOGIAS E ARTIGOS ESPALHADOS AQUI E ALI EM JORNAIS E REVISTAS,
COLABORAÇÕES PONTUAIS QUE LHE DÃO MUITO GOZO.
TEM UMA PÁGINA DE AUTOR EM
www.alexandramalheiro.no.sapo.pt QUE CONVIDA A VISITAR.
Obras publicadas pela EditaMe:
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POR CARLOS LOPES
Numa época em que proliferam um pouco por todas as instituições de ensino as semanas da leitura e as feiras do livro e em que é grande a azáfama relacionada com a participação dos nossos autores nas mesmas, dei por mim, num desses eventos, a constatar que a esmagadora maioria das obras neles presentes observam as normas do novo acordo ortográfico.
Naquele momento, como sempre que este assunto é comigo ou por mim abordado, veio-me imediatamente à memória a entrevista que o ministro da educação, então recém-empossado, deu a um jornalista durante a qual, à pergunta “Qual é a sua opinião sobre o novo acordo ortográfico?”, ele respondeu: “Já não é uma questão de opinião.”
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Penso que, naquela altura, ele definiu bem a questão. Já não é uma questão de opinião. Quando todos os manuais escolares observam já as novas regras, quando os nossos jovens aprendem já segundo as mesmas (e eu tenho uma filha com 10 anos, que frequenta o 4º ano do ensino básico) e é segundo elas que lhes é definido “como escrever corretamente”, eu questiono-me que sentido faz, ainda, discutir-se sobre ele? Não vou ocultar o facto de me ser particularmente estranho escrever segundo as novas regras. Aliás, não fosse o auxílio dos meios informáticos, penso inclusive que (ainda) não o conseguiria fazer corretamente. Nem tão-pouco vou ocultar a minha particular estranheza, no que respeita à perda do hífen do verbo haver, em que é conseguido o “milagre da multiplicação” de escrever uma palavra, recorrendo a duas. E sempre que penso sobre este assunto, vem-me igualmente à memória José Saramago e a sua “questão” com a palavra “farmácia”, em contraposição com a palavra “pharmácia”. E não vou igualmente ocultar que foi um pouco devido à minha própria “inaptidão” para o novo AO, que formulei o convite à Drª Ana Salgado, no sentido da sua participação nesta publicação e a consequente criação da secção “Re(c)tifica-me”. No entanto, não assumo uma “posição radical” sobre o AO. Nem a favor, nem contra. Penso que tem aspetos positivos e negativos.
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Pessoalmente, enquanto encarregado de educação, ativo e presente, de uma aluna do 4º ano de escolaridade, tento escrever segundo as normas do AO.
Profissionalmente, enquanto responsável de uma editora, segui o exemplo da maioria das editoras adotando igualmente o AO, porque enquanto editores temos o dever de escrever segundo as regras estipuladas do que se entende por “escrever corretamente”. E enquanto o período de transição estiver em vigor (até 13/05/2015), caberá ao autor a opção, com a exceção lógica, das obras infantojuvenis. Há uns dias descarreguei para o meu ebook reader “As Farpas de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, Chronica Mensal Novembro a Dezembro de 1882”, e foi grande o sorriso que se formou, quando constatei a diferença abismal entre o que era a escrita naquela época e o que é hoje em dia, com palavras deliciosas como: “summario”, “sciencias”, “mysttificações”, “catholicos”, “portugueza”, “applicações”, “litteraria”, “reapparição”, “approva”, “commoda”, “ecclesiasticos”, “sacristães”, “villas”, “eccoando”, “apparecer”, “elle”, “emquanto”, “effeito”, “symbolico”, “presupposto”, “systema”, “sahir”, “philosophos”, ... Hoje, escrevo este artigo num computador portátil. Terminado, gravo-o num ficheiro de dados, que envio por email, via internet, para
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os restantes profissionais da nossa organização e, de seguida, se necessário for, envio uma sms a informá-los que o mesmo já se encontra na sua caixa de correio eletrónico. A revisora tratará de rever o texto e de seguida enviá-lo-á para o designer, que o tratará digitalmente e produzirá esta revista. Eletrónica. E a mesma será disponibilizada, para todo o mundo. Via internet. Gratuitamente. Aquando da sua disponibilização, utilizarei as redes sociais para informar que a mesma já está disponível. Ainda me lembro que quando nasci (e durante uns bons anos ainda) o telefone era um meio de utilização comum na família. E não de todas. E não andava connosco, estava em casa. E não enviava mensagens. O computador era algo de que se ouvia falar, caríssimo, que ocupava salas inteiras e era utilizado para tarefas específicas, daquelas de enviar homens para o espaço. Internet... bom... para nós, nem sequer existia. Conversar era uma atividade que era desenvolvida pessoalmente, cara a cara, de olhos nos olhos e de viva voz.
Hoje em dia, se me esqueço do telemóvel, volto a casa. É um utensílio indispensável. Com ele faço chamadas, envio sms e (via internet) consulto o meu email, a minha agenda, a previsão do tempo, ouço música, navego com o gps, etc. A qualquer momento e em qualquer lugar, ligo o portátil e executo uma qualquer tarefa necessária, sem necessitar de ir ao escritório.
Tal como comecei noutro dia uma intervenção para jovens: “Imaginam um mundo sem telemóveis, sem computadores pessoais, sem internet, sem email, sem facebook? Eu nasci nesse mundo!” Durante algum tempo, assisti a muitos que diziam que nunca iriam trabalhar com um computador (alguns até se reformaram antecipadamente), ou que nunca iriam ter um telemóvel. Hoje, raras são as pessoas que não possuem mais do que um de cada um destes utensílios. Tudo evolui. O mundo evolui. A tecnologia evolui. As pessoas evoluem. Porque não há de a língua também evoluir, independentemente das motivações, gostos ou preferências?
E depois de a evolução estar já implementada, com os nossos filhos a aprender segundo ela, faz ainda sentido continuar a discuti-la? Continua a ser uma questão de opinião?
Talvez porque tenha sido sempre um homem da tecnologia, habituado às constantes evoluções tecnológicas, às transformações que as mesmas impõem à vida de todos e às “forças resistentes à mudança”, confesso que me causa algum desconforto pensar até que ponto, daqui a uns anos, os nossos jovens não irão olhar para nós e ver-nos como uns “velhos do Restelo”, avessos à mudança, porque nos recusámos a escrever “exato” sem o “c”, “primavera” com “p” minúsculo ou “há de”, sem hífen e em duas palavras.
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RE(C)TIFICA-ME
ESTA NOVA ÁREA, DE CARÁCTER PERMANENTE, É DEDICADA AOS PRAZERES E CURIOSIDADES DA NOSSA TÃO RICA E DIVERSIFICADA LÍNGUA. COM A ASSINATURA DE ANA SALGADO.
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RE(C)TIFICA-ME CURIOSIDADES DA LÍNGUA
“ E Depois E depois, Há aqueles dias Em que por uma qualquer razão Sem razão nenhuma Nos parece que o tempo Que perdemos a tentar viver, Não faz sentido E nos foge, sentido, Sem que o possamos parar. ” in CELESTE PEREIRA, Bordar a vida, p. 15
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POR ANA SALGADO Caro leitor:
Como pronuncia a forma verbal possamos no final do poema? Será /possâmos/ ou /póssamos/? Tenho a certeza que pronunciou corretamente. Sim, é mesmo /possâmos/, não tenha dúvidas. Mas se porventura se questionou acerca da minha pergunta, deixo-lhe aqui a razão da mesma. Ele há pronúncias…
A forma verbal possamos pertence ao verbo «poder» e trata-se da primeira pessoa do plural do presente do conjuntivo. Há muito boa gente que pronuncia incorretamente e diz /póssamos/, isto é, acentua a antepenúltima sílaba da forma verbal, o que torna a palavra esdrúxula. A pronúncia incorreta deve-se à analogia (confusão) com as restantes formas do mesmo tempo verbal acentuadas na primeira sílaba «(que) eu possa, (que) tu possas, (que) ele possa,
(que) eles possam». Lembre-se do seguinte: na sua generalidade as formas verbais são graves (o acento tónico cai na penúltima sílaba), sendo assim não diga /póssamos/, mas sim / possâmos/. Conjugar e pronunciar bem as formas verbais portuguesas é tarefa para todos. E porque também tenho dias assim, tal como a Celeste Pereira descreve neste lindo poema, dou por terminada a curiosidade deste número da revista. CONSULTÓRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA Faça as suas perguntas para retifica-me@edita-me.pt e veja as suas dúvidas esclarecidas.
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RE(C)TIFICA-ME ARTIGO
NEOLOGISMOS NA LÍNGUA
POR ANA SALGADO
As alterações de comportamento do sexo masculino no final do século XX e início do século XXI estão a dar origem a vários neologismos na língua portuguesa, nomeadamente no que toca ao mundo masculino. Surgem palavras para fazer referência às novas gerações de homens: a do «metrossexual» e a do «retrossexual». Para facilitar a compreensão destes conceitos, talvez seja mais fácil referir figuras públicas que os encarnem. Lembre-se do Cristiano Ronaldo ou do David Beckham e estaremos a falar dos primeiros e pense em José Mourinho ou em George Clooney e falaremos dos últimos.
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O DEPARTAMENTO DE DICIONÁRIOS DA PORTO EDITORA Como todos sabemos, a língua não é estática e todos os dias criamos palavras novas e sentidos novos, fruto da necessidade de designar novos conceitos e novas realidades. Por outro lado, há palavras que vão deixando de ser usadas. Esta evolução linguística exige uma constante atualização e revisão das bases de dados lexicais de dados da Porto Editora.
Diariamente, uma equipa de lexicógrafas efetua tarefas bastante diversificadas de manutenção e atualização do vasto repositório lexical português: introdução de neologismos, enriquecimento da informação lexical, revisão do conteúdo dicionarístico, entre muitas outras tarefas. Os dicionários da Porto Editora são obras essencialmente descritivas, pelo que esta equipa tem como responsabilidade e tarefa analisar e explicar as palavras e o seu uso em contextos reais.
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COMO SURGIRAM ESTES TERMOS? Os conceitos foram criados pelo jornalista inglês Mark Simpson e são anglicismos, isto é, são palavras de origem inglesa que foram integradas na língua portuguesa. O vocábulo «metrossexual», do inglês metrosexual, nasce da aglutinação das palavras metropolitan (urbano, citadino) e (hetero)sexual (heterossexual). Com este novo vocábulo, o seu criador pretendia fazer referência aos homens que cuidavam da aparência e mostravam preocupações com a moda, com o seu corpo e com a beleza em geral. Já o termo «retrossexual», também do inglês retrosexual, vem da junção de retrograde (retrógrado) e (hetero)sexual (heterossexual) e define o indivíduo que gosta de realçar o seu lado masculino convencional. Será que não podemos dizer que o último surge como reação oposta ao primeiro? Não serão os retrossexuais esses homens tradicionais que conhecemos? Esses que não se preocupam em demasia com a sua aparência?
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RE(C)TIFICA-ME ARTIGO
ENTRADA NOS DICIONÁRIOS Os primeiros dicionários portugueses a albergar estas palavras são os dicionários da Porto Editora. Embora a palavra «metrossexual», mais antiga, já tenha entrada noutros dicionários portugueses, «retrossexual» é uma palavra mais recente e já ocupa o seu devido lugar no dicionário online desta editora. Pela consulta online do Dicionário da Língua Portuguesa (Infopédia, Porto Editora), ficamos a saber que «metrossexual» é um «indivíduo jovem, moderno e com elevado poder de compra, que habita um meio urbano, excessivamente preocupado com a aparência e o seu estilo de vida» e «retrossexual» é definido como um «homem heterossexual de meia-idade que aparenta não se preocupar com a sua imagem». Esta palavra nova pode causar alguma estranheza por causa do prefixo «retro-», uma vez que podemos ser levados a pensar em homens antiquados ou retrógrados, e não em homens que até podem ter algum charme com a sua barba por fazer.
QUANDO É QUE UMA PALAVRA ENTRA NUM DICIONÁRIO? Em primeiro lugar, o facto de uma palavra não se encontrar dicionarizada não significa que não exista na língua. É ainda de notar que nem todos os neologismos são objeto de registo nos dicionários gerais da língua. A sua introdução nas obras lexicográficas depende da avaliação do seu grau de integração e frequência no sistema linguístico. Só após algum tempo é que se pode avaliar se a palavra é, de facto, usada num determinado sistema. A integração é certificada pelo registo nos dicionários. UM POUCO MAIS SOBRE CADA UM DELES Os metrossexuais demonstram preocupações acentuadas com a sua imagem, gostam de ter o corpo depilado e recorrem, cada vez mais, a cosméticos, compram roupas de marca e vão frequentemente ao ginásio.
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ANA SALGADO NASCEU EM 1978 NA CIDADE DO PORTO.
É LICENCIADA EM LÍNGUAS E
LITERATURAS MODERNAS, VARIANTE DE ESTUDOS PORTUGUESES, RAMO CIENTÍFICO, PELA FACULDADE DE
LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO. DESDE 2002, TRABALHA NO
DEPARTAMENTO DE DICIONÁRIOS
DA PORTO EDITORA, ONDE EXERCE AS FUNÇÕES DE COORDENADORA,
REDATORA E REVISORA. TEM DEDICADO
Os retrossexuais têm geralmente mais de 40 anos, cabelo grisalho, a pilosidade corporal não os incomoda e apresentam uma aparência mais rude. Não diria que não são vaidosos (acham que o José Mourinho não o será?), talvez não se preocupem com uma barba de dois ou três dias por fazer, mas a postura e atitude para eles não deixam de ser fundamentais.
Por fim, e a título de curiosidade, pois não sei se todos conhecem o termo, também existem os «gastrossexuais». E não pense, prezado leitor, que me refiro a homens com problemas de estômago, não, bem pelo contrário, até são excelentes cozinheiros. Eles dedicam-se à culinária de forma a conquistar e a impressionar as suas queridas amadas. Sejam todos bem-vindos: os metrossexuais e os retrossexuais! Homens inseguros é que não… Assim me despeço até ao próximo número.
A SUA CARREIRA AO ESTUDO DA
LÍNGUA PORTUGUESA, COLABORANDO EM VÁRIOS PROJETOS DE EDIÇÃO E
DE PROCESSAMENTO DE LINGUAGEM
NATURAL. NESTE ÂMBITO, COORDENOU A EDIÇÃO DO VOCABULÁRIO
ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA, SOB A ORIENTAÇÃO CIENTÍFICA DO
PROFESSOR JOÃO MALACA CASTELEIRO, BEM COMO AS ÚLTIMAS EDIÇÕES
DO DICIONÁRIO EDITORA DA LÍNGUA PORTUGUESA SEGUNDO A NOVA
ORTOGRAFIA E AS OBRAS ACORDO
ORTOGRÁFICO – O QUE MUDA E ACORDO ORTOGRÁFICO NO ENSINO BÁSICO. SENDO UMA DAS RESPONSÁVEIS PELA PÁGINA DO CONVERSOR ORTOGRÁFICO DA
PORTO EDITORA, É UMA DAS PESSOAS
MAIS ENVOLVIDAS NA APLICAÇÃO DAS NOVAS REGRAS ORTOGRÁFICAS EM
TODO O GRUPO PORTO EDITORA E UMA DAS FORMADORAS SOBRE O TEMA.
OPINA-ME
PORQUE É IMPORTANTE A PARTILHA DE TUDO O QUE GOSTAMOS, AQUI SE FARÁ REFERÊNCIA A OBRAS DE OUTRAS EDITORAS, PELA OPINIÃO DE CELESTE PEREIRA.
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Revista Me n 5
OPINA-ME
POR CELESTE PEREIRA – “Já lhe falei da história do homem-zebra? Quer ouvir? Conto-lha tal como Marcos Sacatepequez a escreveu.” Assim começa, desta forma prontamente cativante, o último livro de Manuel Jorge Marmelo lançado no início do último mês de Outubro pela Quetzal.
E é assim que os companheiros de autocarro do nosso contador da história vão conhecendo e entrando, com os personagens, nas muitas histórias que por aqui se vão desdobrando.
O criador de algumas destas é Óscar Schidinski, escritor húngaro, judeu, autor do livro A Cidade Conquistada com que o nosso narrador se passeia ostensivamente pelos transportes públicos da cidade do Porto.
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Apenas um senão, o livro é falso e o autor uma invenção deste outro, do nosso narrador. Se é verdade que existe o objeto/livro, devidamente montado com um milhar e qualquer coisa de páginas, bem encadernado e vistoso, é também verdade que este não passa de um molho de páginas copiadas de trabalhos diversos de outros autores, organizadas aleatoriamente sem qualquer tipo de continuidade. E o autor, Schidinski, não passa de uma personagem que o nosso narrador vai compondo ao sabor da sua vontade, bem como da necessidade de alguma coerência por respeito para com os seus companheiros/ouvintes de viagem. É o primeiro livro que leio de Manuel Jorge Marmelo e confesso que fiquei absolutamente rendida.
Encontrei um romance que desafia a estrutura do romance tradicional, o qual, como sabemos, reclama a existência de uma história como suporte, uma história pré-definida. Em Uma Mentira Mil Vezes Repetida o enredo é a construção do próprio romance. Este surge perante os nossos olhos sem qualquer pré-conceção (pelo menos aparente).
No meu ponto de vista, deparei-me com um texto autorreflexivo brilhante. Um texto que ironiza a sua própria condição de texto escrito numa linguagem literariamente muito cuidada, se bem que descomplicada . Bom, voltemos ao que interessa, o livro. Temos um narrador que, com o intuito de escapar a uma vida de anonimato inventa um livro porque inventá-lo é, para ele, muito melhor do que
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escrevê-lo. Inventa um escritor e um universo de histórias passadas um pouco por todo o mundo, que vai contando aos seus companheiros de jornada. Mais atentos uns, mais alheios outros, em todos julga o nosso narrador deixar a semente do inesquecimento.
Assim vamos partilhando o autocarro com ele e com Marcos Sacatepequez, escritor de Belize, cujo corpo, após a sua morte, acaba por ficar insepulto e à deriva por esses mares; com o homem-zebra, produto do imaginário literário do personagem anterior; com Albrecht marinheiro, amaldiçoado para sempre por se ter cruzado com o cadáver de Marcos; com o carteiro de Granada que troca a correspondência toda; com Yvan Hache pintor expressionista com uma mania incomum; com Afonso Cão; com Cassiano Consciência; com Oscar Schidinski, escritor húngaro, judeu, autor do livro A Cidade Conquistada. Enfim, como podemos imaginar um nunca acabar de histórias que se entrelaçam umas nas outras ao sabor da vontade do nosso narrador até que a vontade se consome e a história se solta e se prende a uns olhos rasgados como os de uma mulher persa… Não menos interessantes e, consequentemente, inultrapassáveis, são as reflexões do nosso narrador que fazem a ponte entre a divagação literária e o real; entre o que pode ou não ser invenção e aquilo que nunca o é, as nossas vivências, os nossos anseios, os paradoxos do nosso quotidiano.
Mais um livro a não perder, mais um jovem valor que se confirma no panorama literário nacional.
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foto por Paulo Pimenta retirada do site p3.publico.pt
COMO JÁ VAI SENDO HABITUAL, MAIS UMA VEZ FAREI ACOMPANHAR ESTA MINHA OPINIÃO COM UM PEQUENO CONJUNTO DE PERGUNTAS A QUE MANUEL JORGE MARMELO, MUITO FRANCAMENTE, SE PRONTIFICOU A RESPONDER. CONSTATO AFINAL QUE OS AUTORES DE GRANDE QUALIDADE LITERÁRIA SÃO TAMBÉM GENEROSOS! É VERDADE, A ESTES NÃO SE LHES PEGOU A VAIDADE. E SE SÃO BONS!
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Olá Manuel Jorge Marmelo! Gostaria de, se achar por bem depois de ler a opinião que pretendo publicar na Revista-Me acerca do seu livro Uma Mentira Mil Vezes Repetida, lhe colocar algumas questões com vista a proporcionar a quem nos lê um melhor conhecimento de si como autor mas também como Manuel Jorge. Permita-me então começar.
Celeste Pereira – Já alguém lhe falou da história do homem-zebra? Agora a sério, como é que lhe surgem todas estas histórias tão díspares, tão improváveis? São coisas que ouve? Ideias que lhe surgem assim do nada? Esforça-se deveras para que lhe ocorra algo? Enfim, qual é o seu processo criativo? É sempre algo que as pessoas gostam de saber…
Manuel Jorge Marmelo – Depende dos casos. A história do homem-zebra – da qual já me falaram, claro, na maior parte das vezes para elogiarem, mas também, por exemplo, para criticarem e considerarem que retira força ao início do livro – tem uma génese que consigo identificar perfeitamente: estava a correr na Foz e, ali por altura do Castelo do Queijo, começou a tocar
no iPod uma música da Cesária Évora chamada “Zebra”. Enquanto corria, os pensamentos fizeram um determinado caminho, sempre misterioso, e ocorreu-me criar uma história em torno de um homem mestiço que tivesse essa mestiçagem visível na pele. Na maior parte das vezes é assim que as coisas acontecem, que as histórias aparecem, meio por acaso e a partir de coisas ínfimas e banais.
Celeste Pereira – Uma Mentira Mil vezes Repetida é o título deste seu último romance. E não serão todas as obras de ficção mentiras repetidas tantas vezes quantas as que são lidas? As suas não são? Sim, claro. A literatura é, de algum modo, uma arte que vive da mentira, da ficção e da falsificação. O que não deixa de ser paradoxal, na medida em que essa mentira serve, ou devia servir, para tentar chegar a uma verdade, para refletir em torno dela.
No seu ponto de vista, o autor do livro imaginado é um mitómano completamente louco ou, pelo contrário, tremendamente lúcido? Porquê? É um mitómano, claro, e bastante louco, e também muito solitário e a precisar de
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companhia. O que não o impede de fazer reflexões muitíssimo acertadas. Lá diz o ditado que é da boca das crianças e dos tolos que saem as maiores verdades. Diz-se por aí que a literatura tende a imitar a realidade. Está de acordo? Se concorda, que realidade ou realidades é que este seu último livro imita ou, se não imita, pretende abordar?
Não sei se a literatura imita a realidade. Creio que, às vezes, tenta imitá-la, e essa literatura interessa-me pouco. O que me estimula mais é a possibilidade de, partindo da realidade, criar alguma coisa que descola da realidade e constitui uma entidade autónoma, um mundo falso e, porém, verosímil, a partir da qual se pode, depois, eventualmente, regressar aos temas da realidade e refletir sobre eles.
Desculpe mas tenho de perguntar: porquê Marcos Sacatepequez e não José Pereira ou mesmo Jorge Marmelo???? É que é um nome eventualmente impronunciável, não acha? É uma boa pergunta para a qual eu não tenho nenhuma boa resposta. A dado passo da escrita apeteceu-me fazer aparecer ali um personagem sul-americano, que fosse também uma espécie de homenagem a uma das literaturas com que mais me identifico enquanto leitor. A partir daí
surgiu a hipótese do Belize, que é uma amostra de país, e o nome Sacatepequez apareceu enquanto pesquisava sobre o país. O resto foi aparecendo aos poucos, a biografia, a paisagem... Pessoalmente gosto muito da forma que utilizou para a escrita deste livro. Utiliza a literatura e o próprio livro como personagens (metaliteratura (?)). Entretanto li O Amor É para os Parvos, em que já não utiliza esta estratégia mas do qual gostei, igualmente, muito. Como lhe é mais confortável escrever?
Depende do momento e da história que se quer contar. Esses dois livros foram escritos com mais de dez anos de intervalo e a pessoa que os escreveu, sendo a mesma, já não é a mesma. Hoje, se calhar, não escreveria o O amor é para os parvos, embora reconheça que seja um livro que criou os seus leitores e que deixou marcas até em diferentes gerações de pessoas. Há tempos descobri um blog de uma rapariga muito novinha, cujo título é uma homenagem a este livro. Nesse sentido, é um livro que deixou de me pertencer, passou a ser também, e se calhar sobretudo, das pessoas que o leem e que com ele se identificaram. O Uma Mentira... é outra coisa. Faz parte de uma espécie de tetralogia (com Os Fantamas de Pessoa, Aonde o Vento me Levar e As Sereias do Mindelo) em que o assunto é a própria literatura e o modo como quem escreve se posiciona no mundo e perante os problemas que temos.
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CELESTE PEREIRA NASCEU A 19 DE JUNHO DE 1954 EM CHAVES, ONDE VIVEU ATÉ AOS 10 ANOS.
FOI ENTÃO QUE VEIO PARA O PORTO,
O Manuel Jorge ao escrever busca: satisfação pessoal, reconhecimento ou perpetuação literária? Ou apenas comunicar com muitas pessoas?
Escrevo essencialmente porque gosto de o fazer e porque me dá um enorme gozo ver aquelas pessoínhas de letras a saírem-me das mãos e a ganharem vida própria. Mas este jogo só faz sentido se, depois, essas pessoínhas encontrarem os seus leitores do outro lado. Infelizmente quase nunca são muitas pessoas. São até relativamente poucas e eu gostava que fossem mais. Também escrevo para que gostem de mim ou, pelo menos, daquilo que eu faço. Só na perpetuação é que não acredito muito... Quantas pessoas leem hoje Camilo? E Rodrigues Miguéis? Ou Gil Vicente? E o Padre António Vieira? Quem é, a sério, o Manuel Jorge Marmelo?
Não faço ideia. Se calhar é isso que eu ando a tentar saber enquanto escrevo livros.
ONDE ESTUDOU, TIRANDO O CURSO DO MAGISTÉRIO PRIMÁRIO NO CONTURBADO ANO DE 1974.
FEZ AINDA UMA BREVE INCURSÃO
PELAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO COMO COMPLEMENTO NECESSÁRIO PARA O SEU EXERCÍCIO DOCENTE E UMA
LICENCIATURA EM HISTÓRIA PARA PURO DELEITE PESSOAL.
ESTEVE, NA MAIOR PARTE DA SUA
CARREIRA DE DOCENTE, LIGADA À GESTÃO ESCOLAR.
Obras publicadas pela EditaMe:
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AVENTURA-ME
COMO NÃO PODIA DEIXAR DE SER, TERIA DE EXISTIR UMA ÁREA INFANTIL NA NOSSA REVISTA. PEDRO BRANCO (PROFESSOR DO ENSINO BÁSICO) TOMA AS RÉDEAS DESTA SECÇÃO, COM UMA PROPOSTA TRIPARTIDA, ENVOLVENDO CRIANÇAS (ALUNOS), PAIS E PROFESSORES. ESTA ÁREA SERÁ AINDA COMPLEMENTADA COM CONTOS PRODUZIDOS POR OUTROS AUTORES.
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AVENTURA-ME CRIANÇAS
POR PEDRO BRANCO
Jeremias era um menino muito curioso, daqueles que adoram tudo o que é assunto de Ciências. O seu passatempo favorito era ler livros e textos da internet onde pudesse aprender muitas coisas! Por isso, Jeremias sabia de quase todos os temas do mundo. Uma vez a Ana Paula, uma colega de escola, disse-lhe: – Aposto que não conheces tudo!
– Então pergunta lá… – desafiou o Jeremias.
Ana Paula, malandra, procurou no baú das coisas difíceis do seu pensamento, vasculhou o mais que pôde e atirou: – Quantas raças de cães é que existem?
– 357. – Respondeu automaticamente Jeremias, sem pestanejar. A rapariga caiu para o lado, desmaiada… Então surgiu o Vasco:
– Quem inventou o micro-ondas? – Percy Spencer, em 1945.
E o rapaz revirou os olhos, deu duas voltas sobre si próprio e… caiu redondo no chão, mesmo por cima da Ana Paula, que ainda estava desanimada. Nesse momento aparece, matreiro, o João Paulo, que tinha assistido às cenas anteriores e já ia preparado para tentar levar a melhor sobre o Jeremias:
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– Diz-me lá, ó sabichão do 4º A, quantas vezes é que o Benfica foi campeão nacional de futebol? – Ele sabia que o colega não gostava nada deste desporto e seguramente não ia conseguir responder… – 32! – Foi a resposta imediata do Jeremias.
Coitado do moço… queria ser malandreco e… deu-se mal, acabando o seu dia no “monte” dos espantados, que é uma forma de dizer, em cima dos outros colegas, que ainda se encontravam desmaiados! Foi aí que surgiu a Beatriz, uma rapariga muito perspicaz, que tem sempre uma na ponta da língua: – Diz-me lá, ó Jeremias, quantos anos tens?
Jeremias ficou muito vermelho, começou a chorar, ainda esboçou uns gemidos e… caiu junto dos seus colegas, o que deixou Beatriz num ataque de riso tal que a fez perder o controlo de si própria e… tombar de cansaço perto dos amigos que já estavam no chão… Nesse momento entra o professor, o senhor Tó Zé, que, ao ver os alunos no chão, ficou tão aflito que… perdeu os sentidos, indo parar (e ficar) precisamente juntos deles! Entretanto o dia ia passando e começou a anoitecer.
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Como os alunos não foram para casa porque estavam desmaiados, os seus pais, preocupados, puseram a polícia em campo.
Claro que o primeiro local a ser visto foi a escola! No entanto, assim que o polícia entrou na sala e se deparou com aquela cena, teve um ataque de pânico, que fez com que fosse igualmente parar ao chão. E o chefe da polícia também foi à procura dele e ficou lá… E a mulher do chefe da polícia também foi à procura dele e ficou lá…
E o filho da mulher do chefe da polícia também... E a namorada do filho da mulher do chefe da polícia… E os pais da namorada do filho da mulher do chefe da polícia… E os patrões dos pais da namorada do filho da mulher do chefe da polícia… Enfim… assim num abrir e fechar de olhos, toda a cidade estava desmaiada no chão da sala de aula do Jeremias. Por isso o autor deste texto ficou sem personagens para continuar a sua história… Então temos de a acabar, certo?
E como? Hum… Pensa… Repensa… Volta a pensar… Volta a repensar… e…
Moral da história: NUNCA COMAM A WIKIPÉDIA!
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AVENTURA-ME PROFESSORES
POR PEDRO BRANCO
Saber ouvir é um dos maiores segredos dos Homens. Cada vez mais acredito nisto. Como pai e como educador, tenho a convicção firme e teimosa de que é pelo diálogo e pelas interações mediadas pela linguagem que nos desenvolvemos. Uns com os outros. Ainda mais numa sociedade marcada pela falta de tempo e pelo cansaço, onde com o pretexto de termos cada vez mais solicitações e acesso a tudo vamos aumentando a nossa solidão, estamos menos disponíveis, mais perdidos ou completamente embrenhados nas infinitas teias que as nossas vidas e necessidades nos vão tecendo. Por isso, devíamos procurar o tempo que não temos. Devíamos tentar encontrar nas rotinas diárias momentos de rutura, de nos desafiar a nós mesmos para um estádio de uma maior entrega uns aos outros.
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Muitos consideram que as “fugas” mais ou menos conscientes para o mundo virtual significam esse espaço de partilha e de verdadeira comunicação. Confesso que me sinto menos tolerante relativamente a isso. Com efeito, as novas modalidades de circulação da informação e das pessoas fizeram eclodir inúmeras formas de nos pormos “em contacto” uns com os outros. Passámos de consumidores a produtores num ápice: veja-se o caso dos blogues ou do Facebook, onde nos podemos ir “exprimindo” através das nossas escolhas. Estes espaços, infinitos e cheios de tanta criatividade e vazio também, no entanto, têm-nos roubado, penso, a capacidade de ouvir e, simultaneamente, vão-nos tirando o ar de respirar, tão essencial, afinal, à verdadeira sobrevivência.
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Que dizer de uma bela gargalhada numa esplanada, junto dos amigos? De um piquenique no parque com as crianças? De uma sessão de poesia e cantorias em família? De um serão com um jogo social? De uma sessão de contos? Da aventura da construção de imaginários com a utilização de materiais reciclados? Da partilha de desenhos? Um passeio junto ao rio? Pois a mim parece-me essencial que possamos reinventar as nossas formas de estarmos uns com os outros e de fazer reviver possivelmente aquelas que ao longo dos séculos nos ajudaram a desenvolver a nossa espécie, em dinâmicas assentes no ouvir e no falar, cara a cara, cheiro no cheiro, como se fôssemos, verdadeiramente, donos do tempo!
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AVENTURA-ME PAIS
POR PEDRO BRANCO
“Uma Escola é um centro de Cultura.” Revejo-me bastante nesta ideia, que infelizmente vai parecendo estar, a cada dia que passa, por motivos vários, mais arredada das vontades e realidades dos professores, das Instituições e das políticas educativas. Gostava que as salas de aula se pudessem transformar em verdadeiras oficinas de produção de obras culturais, com os alunos envolvidos e motivados no planeamento, na construção e na partilha de produtos que, tal como no resto da sociedade (como se a Escola fosse algo à parte...), fazem parte da existência humana.
Refiro-me a livros, jornais, cartazes informativos ou publicitários, folhetos, jogos... enfim, um manancial de possibilidades que, para além de fazer as delícias das crianças, lhes proporcionariam verdadeiras e desafiantes oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. Não tenho, quanto a isso, dúvidas. Acreditem. Não me parece muito difícil do ponto de vista estrutural. No 1º ciclo, em que estamos com os alunos 25 horas semanais (pelo menos), poderíamos, na minha opinião, dividir o tempo em função desta premissa – A de que as salas de aula são centros de produção cultural.
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Vejamos, assim de uma forma superficial e rápida, as seguintes questões:
• Em primeiro lugar, era importante pensar-se que antes de tudo se deveria, em equipas pedagógicas locais, refletir sobre a forma de como se poderia dividir o tempo. Por exemplo:
o Tempo de produção, onde verdadeiramente os alunos se dedicariam à construção das suas obras, passando pelas várias fases do trabalho, desde o planeamento à revisão.
o Tempo de experimentação, que poderia ser importante e fundamental na medida em que possibilitaria aos alunos, em contacto com especialistas das diversas áreas artísticas, a vivência de situações lúdico-pedagógicas que lhes suscitassem e estimulassem a curiosidade, assim como a passagem por atividades que pudessem ser significativas na construção da sua capacidade criativa e de intervenção social e cultural. o Tempo de treino, onde naturalmente cada aluno, no apoio direto do professor e uns dos outros, incidiria o seu trabalho no desenvolvimento de propostas de que visassem a consolidação das suas competências em determinada área.
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o Tempo de comunicação, imprescindível para dar sentido social ao trabalho e às aprendizagens dos alunos, mas também como forma de validação das suas competências e produções pelos seus pares. Tal como acontece, por exemplo, no trabalho científico, não é só quando depois se partilham as descobertas e as experiências entre os membros dessa comunidade que estas ficam acreditadas?
o Tempo de avaliação, importante na medida em que se considera a sala de aula como uma comunidade educativa e, portanto, repleta de relações e dinâmicas que importa avaliar e regular. Este tempo serviria, também, para melhorar a qualidade das relações que se estabelecem entre os vários membros desta comunidade que, sendo humanas, se revestem de equívocos e situações de tensão e conflito. Para além deste aspeto, do âmbito social, nestes momentos, mais do que seriar ou provar as capacidades individuais de cada um (porque estas se evidenciam no próprio produto cultural construído), deveriam servir de motivações de planeamento, pois ao efetivar uma reflexão comunitária, organizada e estruturada relativamente a algum aspeto do processo ou da aprendizagem de um indivíduo ou de um grupo, pretende-se que esta tenha como finalidade
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PEDRO BRANCO NASCEU EM PARIS EM 1965.
primeira o reformular de um projeto de trabalho. Temos, pois, neste caso, uma avaliação que visa mais o âmbito das outras aprendizagens.
• Seguidamente, em cada um destes momentos, parece-me importante que se construam, clara e envolventemente, com os alunos, as regras de funcionamento de cada um, se definam as dinâmicas de trabalho e se preparem os materiais de apoio ao desenvolvimento das várias atividades.
Poderíamos, pois, nós, professores, contrariar a lógica “escolástica” do ensino, transformando as nossas salas de aula em centros onde se produzam coisas e os nossos alunos em cidadãos mais capazes, mais críticos, mais interventivos?
Poderíamos participar, nós, professores, na mudança da instituição Escola para algo mais inteligente, onde em vez de se formatarem as vidas das crianças se pudessem verdadeiramente emancipar, para a construção de um futuro diferente? Saberíamos, então, nós, professores, utilizar a nossa força para melhorarmos o que nos diz inequivocamente respeito? Ou permaneceremos inertes, ao sabor de um vaivém legislativo que na maior parte das situações pouco se importa com estas (ou outras) questões verdadeiramente mais importantes para o desenvolvimento das nossas crianças, tornando-nos cúmplices de tudo o que acontece, ao mesmo tempo que ao não assumir a nossa condição de trabalhadores intelectuais nos vamos acomodando a... deixar tudo como está?
PROFESSOR DO 1º CICLO,
DESENVOLVE TAMBÉM A SUA ATIVIDADE NO CAMPO DA
MÚSICA, TEATRO E POESIA.
Obras publicadas pela EditaMe:
ILUSTRA-ME
VÁRIAS OBRAS NOSSAS SÃO ILUSTRADAS. NESTA ÁREA SÃO APRESENTADAS, PELA MÃO DE MIGUEL MINISTRO, ILUSTRAÇÕES QUE POVOAM OS NOSSOS LIVROS.
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POR MIGUEL MINISTRO
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MIGUEL MINISTRO NASCEU EM LISBOA NO ANO DE 1985.
É LICENCIADO EM DESIGN DE
COMUNICAÇÃO PELA ESAD DE MATOSINHOS.
COLABORA COM A EDITA-ME
COMO ILUSTRADOR E DESIGNER.
Obras publicadas pela EditaMe:
AS ILUSTRAÇÕES PRESENTES NESTA SECÇÃO REPRESENTAM UMA SELEÇÃO RECOLHIDA DO LIVRO LUZ VERTICAL DE ALEXANDRA MALHEIRO, PUBLICADO PELA EDITA-ME.
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COMPÕE-ME
A MÚSICA É UM ELEMENTO FUNDAMENTAL NA VIDA DA EDITA-ME. COMO TAL, PENSÁMOS QUE FARIA SENTIDO UMA SECÇÃO DESTINADA A ELA. PEDRO LOPES, MÚSICO RESIDENTE DA EDITORA, É QUEM ASSINA ESTA RUBRICA.
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fotos retiradas do site de Joshua Bell
POR PEDRO LOPES
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É claro que é o músico que faz o palco, mas não é de todo descabido dizer que o palco também faz o músico. Joshua David Bell começou a estudar violino com quatro anos de idade. Aluno brilhante, Bell, com apenas catorze anos, apareceu como solista da Orquestra de Filadélfia dirigida por Riccardo Muti. Estudou violino na Indiana University Jacobs School of Music, e tem diploma de Bloomington High North School em 1984. Joshua Bell fez a sua estreia no Carnegie Hall em 1985 com a Orquestra Sinfónica de Saint Louis. Em 1989, recebeu um Artist Diploma In Violin Performance pela Universidade Indiana.
Ganhou um Grammy em 1993 e interpretou um solo no filme The Red Violin de John Corigliano, onde ganhou um Oscar como melhor banda sonora. Participou também na banda sonora de outros filmes como Ladies in Lavander, e apareceu também no filme Music of the Heart, uma história sobre o poder da música, com outros notáveis violinistas.
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Já perceberam que Joshua Bell não é um músico qualquer! O seu violino é um Stradivarius, feito em 1713 durante a conhecida como Antonio Stradivarius “Golden Era”. Violino este que foi roubado duas vezes até chegar às mãos do anterior proprietário, Bronislaw Huberman. Bell comprou-o por cerca de quatro milhões de dólares. A primeira gravação feita com o mesmo foi Romance of the Violin (pela Sony Classical) em 2003, e vendeu mais de 5 milhões de cópias, permanecendo no topo das tabelas de música clássica por 54 semanas.
Bell é parceiro artístico de Saint Paul Chamber Orchestra (na temporada 2004-2005) e professor na Royal Academy of Music, em Londres, e professor no Massachusetts Institute of Technology. Aclamado mundialmente como violinista virtuoso, numa das suas tournés, no dia seguinte de ter esgotado uma das mais prestigiadas salas de concertos de Washington, com bilhetes a partir de $150 dólares por pessoa, a 12 de Janeiro de
2007, Bell aceita o desafio de Gene Weingarten de tocar incógnito, o mesmo repertório que tinha tocado na noite anterior, na Estação de Metro L’Enfant Plaza em Washington D.C. Durante aproximadamente 45 minutos de atuação, passaram 1.097 pessoas e apenas sete pararam para o ouvir, das quais apenas uma o reconheceu. Bell conseguiu arrecadar $32.17 dólares provenientes de 27 passantes (tirando $20 vindos da pessoa que o reconheceu).
Weingarten, com este artigo, ganhou o Pulitzer Prize 2008. The Washington Post colocou o vídeo da atuação no You Tube. Porém... não é só o palco que faz o músico, mas também toda a “máquina” que o envolve. Começando por uma editora que faz a divulgação e distribuição da obra, passando pelo manager e promotores que agenciam os concertos, até ao staff que está a trabalhar “por de trás do pano” para que o músico consiga brilhar. Refiro-me aos Roadies que montam o palco e os instrumentos,
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PEDRO LOPES NASCEU EM 1975
NO PORTO, ONDE EFETUOU OS SEUS ESTUDOS MUSICAIS.
TENDO-SE TORNADO PIANISTA E EXERCIDO ESTA ATIVIDADE EM
DIVERSOS LOCAIS DE EXCELÊNCIA, NÃO DEIXOU NUNCA DE ACEDER AOS PROJETOS QUE LHE FORAM SENDO APRESENTADOS.
e assistem os músicos durante um concerto, ao técnico de som que está escondido em cima do palco, que trata do som que os músicos ouvem no palco (diferente para cada um dos músicos e diferente do som que sai para os espetadores), ao técnico de som da sala (geralmente situado a meio ou ao fundo da mesma) que trata do som que sai para o público, os técnicos de luzes e audio-visual do palco, ao responsável pelo catering e condições dos bastidores, e em casos mais extremos, aos elementos de segurança pessoal. O músico faz o palco, mas a imponência do mesmo e a “dignidade” do local em sintonia com equipa envolvente, também fazem o músico.
TENDO JÁ ABRAÇADO DIVERSAS
VERTENTES NA MÚSICA, FOI EM 2009 FUNDADOR DA 575 BAND, ONDE DESEMPENHA AS FUNÇÕES DE
“TECLADOS” E PRODUÇÃO MUSICAL.
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ESTA SECÇÃO DESTINA-SE A OPINIÕES SOBRE FILMES, COM A ASSINATURA DO AUTOR ADRIÃO PEREIRA DA CUNHA, DANDO RESPOSTA A UMA SUGESTÃO DO MESMO, QUE PASSA A ASSUMI-LA DE FORMA REGULAR.
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FILMA-ME
POR ADRIテグ PEREIRA DA CUNHA
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A nível mundial, o cinema brasileiro dos anos 70’ perdia ou não tinha impacto. Os dias de descoberta de Gláuber Rocha e outros passaram. O exotismo já não se impõe nos festivais, desde 1974, em que um golpe militar de direita derrubou o governo esquerdista de Jango Goulart e, pouco a pouco, instalou-se uma máquina de censura, forçando os cineastas a refugiarem-se nas alegorias ou em abstrações. Mas a força de uma realidade múltipla e variada em tipologia humana, uma rica tradição cultural popular e um sentido de latinidade com matizes nacionalistas foram-se impondo por si próprios. O «cinema novo» deu brado mas, a longo prazo, muitas das carreiras dos seus pioneiros estavam interrompidas. Os Herdeiros de Carlos Diegues e A Vida Provisória de Maurício Gomes Leite, este último filme uma ficção política passada em Brasília, avançavam já alguns epitáfios sobre essa geração quebrada, embora falando doutros sectores. Passou a produzir-se para a classe média e com uma ideologia de classe média. Por outro lado, o cinema recebia influências das telenovelas, um verdadeiro furor no Brasil.
Com o golpe de misericórdia vibrado pelo regime militar na criatividade ideológica e combativa dalguns nomes de guerra do «cinema novo», a tragicomédia fez a sua entrada em cena. É nesse sentido que devem entender-se os filmes de Arnaldo Jabor, Toda a Nudez Será Castigada e … O Casamento.
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A tragicomédia pode ser ainda uma maneira de dizer verdades que seriam impossíveis em outros tipos de película.
A situação económica do cinema não é famosa e passou o tempo também em que os bancos se promoviam financiando filmes vanguardistas. Obter créditos tornou-se difícil, senão impossível, exceto para argumentos «sem problemas».
Os E.U.A. exportavam para o Brasil perto de 690 filmes por ano, dominando o mercado duma maneira absoluta. A coprodução é fomentada pelo Instituto do Filme Brasileiro, mas muitos preveem para essa política resultados funestos num cinema em que uma cultura nacional altamente personalizada deve representar um importante papel. O estilo barato começa a ser uma válvula de escape e a importação para o cinema das famigeradas telenovelas, uma regra. O Governo nomeia para os institutos de cinema funcionários políticos para posições-chaves, onde podem, com autoritária facilidade, controlar uma indústria decapitada. XICA DA SILVA confirma a extraordinária estatura de Carlos Diegues, um cineasta com menos plasticidade do que Ruy Guerra, menos temperamental do que Gláuber Rocha, mas profundo na sua visão e na sua capacidade de definir artisticamente o grande e contraditório país em que vive. Uma administração tipo
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entreposto instalou-se. Fizeram-se fortunas fabulosas, umas derivadas da habilidade, outras da rapinice, apesar de todo o rigor de Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), primeiro ministro de D. José e que governava Portugal e os seus estabelecimentos no Ultramar com mão de ferro. O Marquês de Pombal, que introduziu o absolutismo iluminado neste país tão cruzado por tempestades agrestes e tão batido por ventos desabridos, não impediu que, no Brasil, a mais rica das colónias do rei, se estabelecesse uma sociedade multirracial. Embora reportada à época colonial em que os Portugueses administravam o Brasil.
«Xica da Silva» diz-nos muito sobre a sociedade contemporânea. Trata-se da história de um inspetor da Coroa que se deixa seduzir por uma negra com fogo no corpo. Ao mesmo tempo, João Fernandes – é esse o nome do homem – controla as riquezas de uma localidade da zona mineira e cria um pequeno reino de corrupção, onde detém poderes quase absolutos. Faz de Xica da Silva, que era uma escrava, uma rainha, enchendo-a de luxo e honrarias. A explosão deste caso de amor louco escandaliza a pequena comunidade colonial. Assustada, a corte de Lisboa, alertada pelas intrigas, decide atuar. Um enviado do rei chega, para ver o que se passa. Há em «Xica da Silva» diversos mundos.
O talento de Carlos Diegues demonstra-se na maneira como os faz coexistir, como os funde na mesma engrenagem. No entanto, a última resposta, a última gargalhada é libertadora. A heroína, nos seus exageros, nas suas explosões, na sua negritude, parece representar forças do futuro, que um dia – virá longe, virá perto? – assumirão toda a plenitude da sua condição revoltada. Xica ultrapassa as contingências da vida, porque é a própria essência das coisas, a sensualidade das noites, a irreverência, a alegria quase dionisíaca de existir. O «feitio» de Xica da Silva é a sua força popular.
Revista Me n 5
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ADRIÃO PEREIRA DA CUNHA NASCEU EM 1960.
POSSUI UMA FORMAÇÃO ACADÉMICA
ECLÉTICA E UMA VIDA PROFISSIONAL QUE LHE PERMITIU CONHECER O
MUNDO E SUAS DIVERSAS CULTURAS.
Contacto US
Direção Roteiro
Montagem
Direção de Arte Música
Fotografia
Luz Mágica
New Yorker Films Carlos Diegues
Carlos Diegues e João Felício dos Santos Luiz Carlos Ripper
Roberto Menescal e Jorge Ben José Medeiros
Coprodução
Embrafilme e Helio Ferraz
Distribuição
Embrafilme
Elenco
Duração
CONHECER O HOMEM NAS SUAS
DIVERSAS VERTENTES. PUBLICOU PELA EDITA·ME O LIVRO DE POESIA POEMAS SUADOS A NEGRO EM 2009 E YONAH OS ELEITOS EM 2011 SOB O PSEUDÓNIMO FREY KARL.
Mair Tavares
Produtor Executivo José Oliosi Produtor
FUNDAMENTALMENTE PERMITIU-LHE
Jarbas Barbosa
Zezé Motta, Walmor Chagas, Altair Lima, Elke Maravilha, Stephan Nercessian, Rodolfo Arena e José Wilker. 107 minutos
Obras publicadas pela EditaMe:
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