O QUE FICA DO QUE ESCAPA:
Este texto surge, originalmente, em 2001 e foi sendo reescrito por 17 anos até que se transforma numa outra versão, em 2018, no livro de poemas A pesar, a pedra
E desta observação atenta, pois era a única atividade que pude exercer neste abrigoolhar a paisagem - o tempo esgarçou o tempo, palavras emergiram entre ruídos e sussurros, entre balbucios e vontade voluntariosa da palavra se projetar feito uma flecha do arqueiro.
O texto surge como fruto da observação atenta e lenta do jogo entre a nuvem que passa e a montanha de pedra que fica. Nesta época passei um bom tempo no Matutu, uma dobra de montanha mineira, assistindo a paisagem passar - como quem caminha sem sair do lugar. Fiquei sozinha numa casa por uns 10 dias e choveu demais - sem comunicação por terra e nem por ar, nem sinal de internet. Fiquei no modo insular. A casa era bem em frente à Pedra do Pico do Papagaio - Aiuruoca - e de frente a esta condição monumental acompanhei os movimentos de idas e vindas do ciclo das águas - as nuvens passando pelo alto do pico e por vezes cobrindo a montanha toda. Um duelo entre a pedra e a nuvem e o vento que ali fazia e desfazia a tecelagem instantânea vaporosa. Observei a constante mudança – a passagem do tempo em forma de luz.
Comecei a pesquisar o poder imagético das palavras e a natureza escritural que uma sequência de imagens podem estabelecer como narrativa. Junto com as anotações insistentes, eu fotografava e desenhava. Ao voltar para meu atelier na cidade de SP, pude imprimir as imagens e começar a articular relações entre estas, invertendo o céu e a terra, explorando as imagens dispostas lateralmente pelas bordas do papel, fazendo com que o leitor girasse o livro nas mãos. Ao mesmo tempo colava papel japonês sobre as imagens ampliadas em papel fotográfico, criando rugosidade na materialidade da imagem e voltava a escanear a imagem. Foi uma intensa pesquisa das relações coreográficas, não só do jogo entre a nuvem que vai e a montanha que fica, mas também das modulações entre a natureza da palavra e da imagem; quando a imagem é lida e quando o texto ´visto. Neste momento entrei em contato com o tratamento de imagem por photoshop visando a regulagem e calibre das cores por conta da impressão digital. O tom ferruginoso avermelhado deu um certo tônus carnal na dramaturgia visual, interceptada com textos impressos em papel vegetal, portanto, transparentes e porosos, como oposição à concretude das imagens. Os textos foram odos justificados pelo meio de modo que o texto ficasse meio instável no papel vegetal, imprimindo uma imaterialidade às palavras enunciadas.
O QUE FICA DO QUE ESCAPA formato fechado_17,5X14,5 cm _formato aberto_ 17,5x29,5cm impressão_digital tiragem_100 exemplares numerados e assinados edições A_2001