ISTOÉ 2016 (Dezembro de 2010)

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NÚMERO 36

DOPING: O PERIGO À ESPREITA DE NOSSOS ATLETAS

ISTOÉ 2016

VERÃO 2011

UM ENSAIO SENSUAL COM AS NOVAS MUSAS DO ESPORTE BRASILEIRO

FLAMENGO O FUTEBOL VAI MAL. MAS O ESPORTE OLÍMPICO, QUANTA DIFERENÇA...

EXCLUSIVO

O EX-PRIMEIRO-MINISTRO BRITÂNICO TONY BLAIR TRAZ AS LIÇÕES DE LONDRES PARA O BRASIL

PERSONAGEM A INTIMIDADE DE

CARLOS ARTHUR NUZMAN, O

TORBEN GRAEL: “CORREMOS O RISCO DE DAR VEXAME INTERNACIONAL”

TODO-PODEROSO DA RIO 2016

DEZEMBRO 2010

AS BATALHAS NAVAIS

DE TORBEN

ELE É O PRINCIPAL MEDALHISTA BRASILEIRO EM OLIMPÍADAS E UM DOS MAIORES VELEJADORES DA HISTÓRIA. MAS A RIO 2016 ESTÁ DANDO UM NÓ EM SUA GARGANTA. O QUE ENFURECE ESTE IMPERADOR DOS MARES?

Parte integrante da revista ISTOÉ. Não pode ser distribuída separadamente. Ano 1 • Edição 36 • Dezembro/2010 • www.istoe2016.com.br


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NÓ NA GARGANTA Com a autoridade de quem possui cinco medalhas olímpicas, Torben Grael reclama da poluição dos mares cariocas e critica as instalações das provas de vela. Para não fazer feio em 2016, é bom ouvir o que ele tem a dizer

POR DÉBORA CHAVES FOTOS DARYAN DORNELLES/FOTONAUTA Debruçada sobre o mar, na encosta da Estrada Fróes, em Niterói, a casa do iatista Torben Grael, 50 anos, ocupa uma posição estratégica. Ela fica ao lado do Iate Clube Brasileiro, onde Torben joga vôlei duas vezes por semana com amigos, e está distante apenas 500 metros do Rio Yacht Club, local de descanso de sua flotilha – o veleiro Star que compartilha com o parceiro Marcelo Ferreira, o S40 Magia Mitsubishi e o Lady Lu, um barco de cruzeiro. A residência, um autêntico paraíso para um velejador, é hoje motivo de inquietação. Em abril de 2010, fortes chuvas fizeram uma barreira desabar e um carro que passava na rua foi arrastado para dentro

de sua garagem. Torben salvou mãe e filha que estavam no veículo, mas o pai morreu. Até hoje, especialmente nos dias em que há prenúncio de tempestade, o iatista, sua mulher, Andréia, e os filhos, Martine e Marco, não conseguem dormir, assustados com a possibilidade de a tragédia se repetir. “Não dá para apagar da cabeça o que aconteceu”, diz Torben. Atleta brasileiro com o maior número de medalhas olímpicas (dois ouros, uma prata e dois bronzes), velejador que mais vezes subiu ao pódio na história dos Jogos, seis vezes campeão mundial, 12 vezes campeão continental membro do Hall da


ENGASGADO "Á água da Baía de Guanabara tem cor de café e o lixo flutuante é absurdo", diz o multicampeão


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Fama do Iatismo, vencedor das lendárias Volvo Ocean Race e Louis Vuitton Cup, Torben Grael é um dos maiores esportistas de todos os tempos. O rosário de conquistas, porém, não é suficiente para aplacar a sua irritação. Torben está preocupado – e não apenas com a segurança de sua família em Niterói. A ira volta-se contra a degradação ambiental do Rio de Janeiro, uma degeneração sombria e silenciosa que, na visão do iatista, coloca em risco a própria organização da Olimpíada de 2016. “Quando eu era garoto, tomava banho de mar em frente ao Iate Clube”, diz. “Hoje em dia é impossível. A água tem cor de café e o lixo flutuante é absurdo.” As críticas ganham volume diante da autoridade de quem as projeta. No Brasil,

explica os motivos: “Se houver uma ressaca durante as provas, ninguém sai da Marina. Como o enrocamento nunca foi terminado, as ondas entram na Glória com facilidade, o que impede que parte dela possa ser utilizada.” Há também o problema de falta de vagas para todos os barcos. Uma Olimpíada, explica o velejador, tem 11 classes, com uma média de 30 barcos participantes em cada uma delas. Isso dá aproximadamente 300 embarcações que disputarão medalhas, mas o total pode chegar a 500, considerando o contingente de treinadores e equipes de apoio. “É um número alto demais e exige uma infraestrutura adequada que ainda está muito longe de acontecer”, afirma o multicampeão.

“Mas isso também é resultado do próprio estilo dele, avesso a qualquer tipo de marketing pessoal.” Dentro de um barco, é famoso pela obstinação em vencer. “Quando velejávamos juntos e não estávamos ganhando, o Torben ficava maluco”, diz o irmão Lars Grael, dono de duas medalhas de bronze no iatismo olímpico. “Ele podia estar com dor, cansado, sangrando, o que fosse, mas dava tudo para ultrapassar o adversário.” A superação é marca registrada dos Grael. Em 1998, Lars foi atropelado por um iate e perdeu uma das pernas. A tragédia não foi suficiente para afastá-lo do mar e das competições. “O Torben foi um dos maiores responsáveis pela minha volta à vela depois do meu acidente”, afirma Lars. “Foi

TORBEN DIZ QUE A MARINA DA GLÓRIA, ONDE SERÃO REALIZADAS AS PROVAS DE VELA, NÃO TEM, HOJE EM DIA, A MENOR CONDIÇÃO DE RECEBER UMA COMPETIÇÃO DE PORTE OLÍMPICO: “SE HOUVER UMA RESSACA DURANTE AS PROVAS, NINGUÉM SAI DA MARINA”

ninguém tem mais peso para falar sobre os mares cariocas do que Torben Grael. “Eu mesmo já encontrei vários cadáveres em minhas velejadas na Baía de Guanabara”, afirma Torben. “Não me lembro de ter velejado em uma água pior do que essa.” A poluição, diz o iatista, não é impedimento para a realização dos Jogos de 2016. Trata-se, antes de tudo, de um grande constrangimento. “Quando você está competindo e um plástico se prende no leme, na bolina ou nos apêndices do barco, isso prejudica imediatamente o desempenho, o que pode condicionar o resultado da competição. Imagine o vexame internacional se isso acontecer.” Quando o assunto é a infraestrutura necessária para a realização das provas de vela nos Jogos de 2016, Torben faz uma análise realista. “Hoje, a Marina da Glória não tem a menor condição de abrigar uma competição desse porte”, diz. Ele

Apesar da gravidade das críticas, Torben jamais levanta a voz, não dispara ameaças, evita acusações que descambem para o campo pessoal. Seu estilo é outro. É firme sem ser indiscreto, eloquente sem parecer presunçoso. Essas características, aliadas à personalidade forte, o tornaram admirado dentro e fora do ambiente esportivo. “Além de ser um velejador excepcional, o Torben é um grande sujeito, um companheiro de verdade”, diz Robert Scheidt, bicampeão olímpico e octacampeão mundial de iatismo na classe Laser. “No começo da carreira, me espelhei nele, em tudo o que representava.” Para Ricardo Baggio, superintendente da Confederação Brasileira de Vela e Motor, Torben, pelo que fez e conquistou, merecia ser mais reconhecido no País. “As pessoas em geral não sabem da sua importância”, diz Baggio.

ele que me convenceu de que eu poderia continuar a competir e vencer na classe Star.” Curiosamente, hoje em dia os dois são rivais. Numa das etapas do campeonato mundial, realizada no início de 2010 no Rio, Torben terminou em terceiro lugar e Lars, em quarto. A família Grael vive para a vela. Andréia, a mulher de Torben, de vez em quando corre com o marido como tripulante. “Ela chegou a ser campeã brasileira da classe Laser e continua velejando até hoje”, diz o iatista. Ele não admite, mas está radiante com o fato de a prole estar seguindo os seus passos. A filha, Martine Grael, compete ao lado de Isabel Swan, medalha de bronze nos Jogos de Pequim, na classe 470, e tem boas chances de representar o País na Olimpíada de Londres, em 2012. “A Martine tem uma tarefa dura pela frente porque vai se defrontar com



CAPA DISPUTA Torben vai brigar com o bicampeão olímpico Robert Scheidt por uma vaga nos Jogos de Londres 2012

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outra medalhista olímpica, a Fernanda Oliveira.” O filho Marco também sonha em disputar os Jogos. “Ele está treinando em Porto Alegre com André Fonseca, o Bochecha, para ver se consegue uma vaga para 2012 na classe 49er”, diz Torben. O sobrenome é um peso extra que os filhos carregam. “Eu e o Lars passamos pela mesma coisa, pois nossos tios Axel e Erik eram campeões mundiais de Snipe quando começamos”, diz Torben. Ele garante que não coloca pressão para que os rebentos brilhem nas águas. “Sempre incentivei os dois a curtirem a velejada, a gostarem do esporte, mas a parte de competição é muito pessoal”, diz. “Não adianta insistir se a pessoa não tem aquela força dentro de si.” Pai coruja, ele enxerga nos filhos esse espírito

quistados nos campeonatos sul-americano e mundial, a segunda colocação no pré-olímpico brasileiro e o sexto lugar no pré-olímpico de Londres. “Foram resultados excelentes para um período tão curto de preparação, mas as seletivas de 2011 serão muito mais acirradas.” O nível da disputa para uma vaga na classe Star será altíssimo. Além de Torben, estarão na briga Lars Grael e Robert Scheidt, entre outras feras. Para as pretensões do Brasil, que sonha em bater seu recorde de medalhas em 2012, não é uma boa notícia. Significa que grandes campeões ficarão pelo caminho. Mas, afinal, o que explica o número excessivo de atletas de ponta nessa classe? “O Star é um barco que permite que o conhecimento técnico supere o de-

“É claro que aos 50 anos o rendimento físico não é mais o mesmo, mas a experiência e a técnica compensam essa desvantagem”, diz Torben. “Enquanto eu me achar competitivo, vou continuar.” Para 2016, porém, não é certo que a Star permanecerá no programa olímpico. Os delegados da Federação Internacional de Vela (Isaf) querem reduzir de 11 para dez o número de pódios na modalidade e pediram recentemente que a Star seja sacrificada. A reação foi imediata. Em carta enviada à entidade, Robert Scheidt argumentou que a força da Star no Brasil e nas Américas “certamente atrairá interesse do público e da mídia para os Jogos do Rio”. Torben divide a mesma opinião, refutando a ideia de exclusão. A

A FAMÍLIA GRAEL VIVE PARA A VELA. ANDRÉIA, MULHER DE TORBEN, FOI CAMPEÃ BRASILEIRA E OS FILHOS DO CASAL BRIGAM POR VAGAS NOS JOGOS DE LONDRES. ISSO SEM FALAR NO IRMÃO DE TORBEN, LARS GRAEL, DONO DE DUAS MEDALHAS OLÍMPICAS

competitivo. “Parece que eles têm esse algo a mais.” Se Torben, Martine e Marco conseguiram as respectivas vagas para a Olimpíada de 2012, o feito representará mais um recorde. Pela primeira vez na história dos Jogos, pai e dois filhos representarão um país na mesma competição. O próximo desafio de Torben é conseguir uma vaga na seleção brasileira que vai disputar os Jogos de Londres. Como ele abriu mão de participar da Olimpíada de Pequim para buscar o título na competição de volta ao mundo Volvo Ocean Race, façanha que alcançou na edição de 2008, só em 2010 voltou a treinar e a competir com Marcelo Ferreira, seu velho companheiro na conquista do ouro olímpico. “Fizemos um calendário modesto, mas com regatas importantes de Star, e conseguimos alguns resultados interessantes”, afirma Torben, enumerando os dois terceiros lugares con-

sempenho físico”, diz Torben. “É por isso que todo mundo acaba migrando.” Outras categorias de veleiros são indicadas para esportistas mais jovens. A Finn e a Laser, por exemplo, exigem grande forma física, enquanto a 470 é para pessoas com pouco peso. “Na 49er, é preciso ser meio malabarista e esse não é o meu caso”, diz Torben. O fato de a Star ser uma das poucas classes olímpicas que permitem uma tripulação de peso e idade maior só favorece Torben, que estará com 52 anos em 2012 e 56 em 2016. “Na vela, a experiência e a técnica compensam o menor rendimento físico”, diz Torben, do alto de seu 1,85 m e 85 quilos. Seu exemplo é o dinamarquês Paul Elvström, um dos melhores iatistas de todos os tempos, dono de quatro medalhas olímpicas de ouro consecutivas na classe Finn, que competiu em Seul, na categoria Tornado, com 60 anos completos.

decisão final da Isaf deve sair apenas em maio de 2011. Apesar de estar focado nos treinos da Star, Torben não deixa de incluir na agenda as participações especiais em categorias de vela oceânica, como as classes S40 e TP52, e velejadas relaxantes a bordo do barco Lady Zu, um veleiro vintage, dos anos 1960, que acabou de trazer para o Rio, depois de uma longa reforma em um estaleiro em Florianópolis. Trata-se de um dos primeiros barcos de fibra de vidro feito em série na Califórnia. “É um barco pesado, de linhas clássicas, o que é bom porque não dá nem para pensar em correr regata”, diz o iatista. “O Lady Zu é direcionado para passeio mesmo.” Além de velejar ao sabor dos ventos, sem compromisso com competições, outra atividade que traz felicidade para Torben é o Projeto Grael. Nascida em


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NO REINO DAS ÁGUAS

A ligação de Torben Grael com o mar transcende o âmbito esportivo Torben Grael é um sujeito diferente. Não é raro um esportista de destaque desejar, pelo menos por um período de tempo, ficar distante da modalidade que o consagrou. O craque Ronaldo Fenômeno diz que nas férias não consegue chegar perto de uma bola e que detesta ver futebol pela tevê. Michael Jordan, o maior jogador de basquete de todos os tempos, chegou a afirmar que as quadras o entediavam. Torben, ao contrário, tem uma ligação mais do que esportiva com o mar. O que ele faz nas férias? Sai para velejar com a família. O que busca nos momentos em que

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precisa de paz interior? Pega o barco e parte ao sabor dos ventos. Recentemente, trouxe um veleiro de Florianópolis para o Rio de Janeiro, quando poderia ter pedido que outro iatista ou mesmo alguém da equipe que fabricou o barco fizesse isso para ele. Para as fotos que ilustram esta reportagem, Torben Grael dispensou o carro oferecido pela 2016. “Tem muito trânsito na ponte Rio-Niterói”, disse. Ele preferiu ir pelo mar, com seu inseparável veleiro, numa decisão civilizada nestes tempos em que o mundo busca soluções ecológicas que possam salvar o planeta.


O SENHOR DOS MARES Por que Torben Grael é considerado um dos maiores velejadores de todos os tempos

Foto: Pavlos Makridis/EFE

5 medalhas olímpicas: ouro em Atlanta (1996) e em Atenas (2004) na classe Star; prata em Los Angeles (1984) na classe Soling e bronze em Seul (1988) e em Sydney (2000) na classe Star 3 títulos mundiais de Snipe: primeiro lugar nos campeonatos de San Diego (1978), do Porto (1983) e de La Rochelle (1987) e segundo lugar no campeonato de Karatsu, no Japão (1989) 1 título mundial de Star: primeiro lugar no campeonato de Cleveland (1990) e terceiro lugar no campeonato deste ano, no Rio de Janeiro e 5 vezes vice-campeão (1991-1995-1998-2002-2005) 5 títulos como campeão europeu de Star (1989-1990-1991-2001-2003) 5 títulos sul-americanos de Star: 1991-1995-1996-2002-2004 1 título mundial de One Tonner: primeiro lugar no campeonato de Skovshoved, na Dinamarca (1992) e segundo lugar na Bélgica (1991) 1 título mundial de 12 Metre: primeiro lugar no campeonato de Saint-Tropez, na França (1999) 1 medalha de ouro dos Jogos Pan-Americanos: medalha de ouro em Caracas( 1983) na classe Soling

Foto: AFP Photo/Peter Muhly

45 títulos brasileiros em oito classes diferentes: 10 vezes na Star 7th District, 8 vezes na Star Nationals, 7 vezes na Soling, 7 vezes na Snipe, 4 vezes na Match Race, 2 vezes na Laser, 3 vezes na Finn, 2 vezes na IMS e 2 vezes na IOR Regatas Oceano: primeiro lugar na Louis Vuitton Cup (America's Cup) de 2000, na Nova Zelândia, e segundo lugar na de 2007, em Valencia; primeiro lugar na Volvo Ocean Race de 2008

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Moda Lucio Fonseca Beleza Rômulo Flores Objetos Bárbara Carauta // Torben veste: Terno Emporio Armani / Camisa VR Mens Wear

2000 como uma escola de vela para jovens carentes, a iniciativa evoluiu ao longo dos anos e atualmente oferece cursos de educação ambiental e profissionalizantes. “Eu queria mostrar que a vela não é um esporte elitista e que não é preciso ter barco para poder competir”, diz Torben, citando o próprio parceiro, Marcelo Ferreira, como exemplo de atleta que começou como mero tripulante. “No início, o Marcelo não tinha dinheiro nem para ser sócio de um clube, mas nem por isso deixou de crescer como atleta.” Instalado no imóvel onde funcionou o lendário restaurante e hotel Samanguaiá, em Jurujuba, que estava abandonado depois de anos de brigas judiciais, o Projeto Grael proporciona aulas de iniciação para uma série de atividades ligadas ao mercado náutico. A sede ainda pre-

cisa de obras complementares, mas já funciona como um verdadeiro clube, com direito a oficinas, garagem e cais para barcos. Os seis cursos profissionalizantes – entre eles, mecânica de motores e eletroeletrônica – atendem alunos de escolas públicas, na faixa etária entre 9 e 25 anos, e formam cerca de 600 profissionais a cada seis meses. O projeto vai além do âmbito educativo. Ele mantém uma equipe de competição, a Estrela do Mar, e promove várias ações ambientais, como a coleta de lixo flutuante. Do alto de sua casa, Torben consegue enxergar o que se passa em sua ONG, que fica no lado oposto da enseada. “Tenho um binóculo poderoso e estou sempre atento para ver como estão as coisas”, diz. Nada parece mesmo escapar aos olhos do maior atleta olímpico brasileiro.

ALEGRIA A forte personalidade e o estilo disciplinador não ocultam outro lado de Torben: uma pessoa ligada à família e que se diverte profundamente com aquilo que faz

Colaborou Lucas Bessel

Use o código ao lado para ver mais fotos do velejador Torben Grael


PERFIL

TODO PODE ROSO Aos 68 anos, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro há uma década e meia e comandante do Rio-2016, Carlos Arthur Nuzman, diz que já realizou os sonhos e encarou os desafios que podia no esporte, com roupa de atleta ou caneta de dirigente. Só falta saltar de paraquedas

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POR SERGIO TORRES FOTOS FREDERIC JEAN



PERFIL

ALTAR DE PARAQUEDAS é o sonho ainda não realizado de Carlos Arthur Nuzman, mais importante dirigente da história do esporte olímpico brasileiro. Se vai mesmo algum dia pular, ele não sabe. Mas seria mais um desafio entre os muitos que enfrentou ao longo de 68 anos de vida. O primeiro deles foi superar a morte precoce da mãe, vítima de um acidente doméstico banal – a explosão de uma garrafa de álcool. Ele tinha 10 anos e viu tudo. Foi no esporte que encontrou alento e amigos para seguir em frente. Nas areias de uma Copacabana ainda bucólica à época – fim dos anos 40 e início dos 50 do século passado –, o então estudante conheceu o voleibol. Ladeado por colegas, como ele, na faixa dos 10 anos, Nuzman deu os primeiros saques e cortadas. Desde então, não se afastou do esporte. Só mudou a forma. Passou do amadorismo mais puro, a brincadeira de meninos, para o profissionalismo exigido daqueles que exerceram e exercem funções diretivas no esporte mundial. Passados quase 60 anos das disputas de pé descalço na praia, o ex-presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e atual presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) comanda os preparativos para os Jogos do Rio. Trabalha, no mínimo, 12 horas por dia. Há muito tempo não saca nem corta. Pelo menos numa quadra. Para quem começou na areia sem maiores pretensões, Nuzman foi muito, muito longe. No vôlei de quadra, estreou no tradicional colégio Mello e Souza, onde ficou do jardim de infância ao pré-vestibular, prestado para a faculdade de direito da hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, antes Universidade do Brasil. As primeiras competições foram os intercolegiais. As boas atuações o levaram ao Clube Israelita Brasileiro (CIB), frequentado pela comunidade judaica. Pela agremiação, foi campeão regional e nacional. Aos 15 anos, tornou-se atleta federado de voleibol. Dois anos depois, chegou à seleção carioca pela primeira vez. Mais tarde, Nuzman passou para o Botafogo, participando de parte dos 11 títulos que o clube conquistou nas décadas de 1960 e 1970. Na posição de cortador, com 1,85 m de altura – praticamente um anão no vôlei moderno – e boa impulsão, defendeu a seleção brasileira na Olimpíada de Tóquio (1964) e nos Campeonatos Mundiais da então União Soviética (1962) e Tchecoslováquia (1966). Não foi à Olimpíada do México, em 1968, embora convocado, porque tinha obrigações profissionais com o pai, Izaac Nuzman, advogado com quem já trabalhava. Esse é seu grande arrependimento, pois viu-se alijado também da disputa, quatro anos depois, da Olimpíada de Munique. Tinha 30 anos. Presume que estaria no auge da carreira, encerrada naquele ano, no Botafogo. Em 2009, Nuzman foi apontado por duas publicações especializadas como uma das pessoas mais influentes do esporte mundial. A revista alemã “Sport Intern” considerou-o a terceira mais importante personalidade olímpica, atrás do velocista jamaicano Usain Bolt e do presidente do Comitê Olímpico Interna-

cional (COI), Jacques Rogge, empatados em primeiro lugar. A publicação creditou a escolha ao sucesso de Nuzman nos trabalhos que levaram à definição do Rio como sede dos Jogos de 2016. Na internet, o site Around the Rings, dos EUA, indicou os 25 dirigentes esportivos de 2009. Nuzman ficou em 18o lugar. Em primeiro, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, seguido por Rogge. A batalha pela indicação do Rio foi árdua. Nuzman lembra que visitou 41 países, muitos deles mais de uma vez. Acumulou mil horas de voo e 500 mil milhas viajadas entre o Pan-Americano de 2007, disputado na mais famosa cidade brasileira, e a solenidade em Copenhague, em que a consagração carioca foi presenciada até pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso em pouco mais de dois anos. Entre os amigos, sabe-se que Nuzman é impulsionado por obstáculos e não se omite na tentativa de superá-los. Pelo contrário, busca a visibilidade, “a tribuna”, como costuma dizer. “Preciso de desafios”, resume. Mas não aprovou um deles: andar de balão. Jamais repetirá o passeio, revela, por não ter gostado do pouso. Os demais desafios, ele lista com prazer e uma pitada de orgulho. Primeiramente, participar de uma Olimpíada como atleta. Depois, como presidente da CBV – que assumiu em 1975 e permaneceu por 22 anos –, fazer a seleção brasileira, até então em 13o lugar no ranking mundial, disputar medalhas olímpicas. Na se-

TORCEDOR FANÁTICO DO FLUMINENSE, ELE CARREGOU TELÊ NAS COSTAS PARA FESTEJAR O CARIOCA DE 1969 quência, realizar “o melhor Pan da história”. Em seguida, a escolha do Rio como sede da Olimpíada. Agora, a organização do evento. Mas nem tudo são glórias e, na sua coleção de momentos em que é preciso levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, há a decepção pela dispensa às vésperas do Pan-Americano de 1963, em São Paulo. “Fui o último atleta cortado da seleção brasileira antes da disputa. Aquilo me motivou a treinar, treinar e treinar para conquistar uma vaga nos Jogos Olímpicos de Tóquio, no ano seguinte.” Sócio de uma empresa de compra e venda de imóveis e advogado atuante no escritório que pertencia ao pai, Nuzman orgulha-se de, desde os 17 anos, vestir-se com paletó e gravata. Traje habitual até hoje, no trabalho e em recepções, geralmente acompanhado da jornalista, escritora e apresentadora de tevê Márcia Peltier, com quem casou há 12 anos. Ele é pai de Larissa, 27 anos, filha do primeiro casamento com Patrícia Nuzman, morta em 1996. Discreto sobre a vida pessoal, ao lado dos nomes das duas mulheres com quem se casou só aparece mais um, o da ex-miss Brasil Marta Rocha, com quem andou circulando no final dos anos 1980.


Foto: AFP Photo / Olivier Morin

Apesar do pouco tempo que sobra, Nuzman mantém o hábito de torcer pelo Fluminense Futebol Clube, onde praticou natação, basquete e tênis. Hoje é um torcedor bem mais comedido do que era na juventude. Um exemplo de sua devoção ao tricolor carioca foi resgatado há poucos anos, quando ficou conhecida a identidade de um fanático que invadiu o gramado do Maracanã para comemorar a conquista do Campeonato Estadual de 1969. Publicada em jornais, a fotografia mostrava um sorridente rapaz de cabelos claros que carregava nos ombros o treinador vitorioso, Telê Santana (1931-2006). O Fluminense acabara de derrotar o Flamengo por 3 a 2, diante de 171.599 pagantes. Nuzman era o invasor. Mesmo vinculado como atleta ao rival Botafogo, não hesitou. Disparou pelo campo assim que o árbitro assinalou o fim da partida, agarrou um espantado Telê pelas pernas, erguendo-o. “Desde pequeno meu pai me levava para ver o Fluminense. Hoje acompanho mais pela tevê. Vibro muito como todo torcedor. Se não posso ver, procuro sempre saber o resultado dos jogos do Fluminense”, conta ele. Seis anos depois da invasão, Nuzman assumiu a presidência da CBV. Antes, ainda tentou ser técnico de vôlei. Treinou A Hebraica por dois meses e desistiu da carreira por falta de paciência com atletas que demoravam a absorver seus ensinamentos. Em 1995, tornou-se presidente do COB, cargo que tentara sem sucesso anos antes. Até 1997, acumulou a Confederação com o Comitê Olímpico. A obsessão de Nuzman pelo sucesso é destacada por aqueles que trabalharam e conviveram com ele. Quando no início de outubro completaram-se 365 dias da escolha do Rio como sede olímpica em 2016, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) enalteceu o papel desempenhado pelo presidente do COB. “É uma pessoa com muita habilidade para conviver com tantos políticos. Passaram por ele [os ex-governadores fluminenses] Garotinho, Rosinha, [Sérgio] Cabral [Filho], [o ex-presidente da República] FHC [Fernando Henrique Cardoso], [o presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva]. Não é mole. Nossa espécie não é fácil. E eu me incluo nisso, claro”, brincou o prefeito.

COMANDANTE Nuzman comemora a vitória carioca para sediar a Olimpíada de 2016


PERFIL

Nuzman é pouco afeito à vida noturna. Não costuma ser visto nos locais da moda. Não chega a ser um recluso, mas é um homem que, quando está no Rio, prefere ficar com os parentes e amigos mais chegados na casa em que vive no Jardim Pernambuco, condomínio no Leblon, bairro nobre da zona sul carioca. “À noite, se não tenho algum jantar de trabalho, procuro ficar em casa, assistindo à tevê ou lendo.” Entre os vizinhos, há artistas (poucos) e empresários (muitos). Alguns dos mais conhecidos são o comediante Hélio de La Peña (“Casseta & Planeta”) e o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. O Jardim Pernambuco é uma espécie de área de segurança absoluta, propiciada por cancelas, vigilantes e câmeras, raridade na Região Metropolitana do Rio. Foi em sua mansão, no palco montado à beira da piscina, que Nuzman recepcionou, na noite de 1º de setembro deste ano, o amigo Sérgio Cabral Filho, governador recém-reeleito. Os convidados eram 300, entre eles o neurocirurgião Paulo Niemeyer, o escritor Arnaldo Niskier e empresários como Daniel Sauer (da joalheria Amsterdam Sauer) e Luiz Severiano Ribeiro (da rede de cinemas que leva o seu sobrenome), vizinho no Jardim Pernambuco. Em 17 de maio deste ano, o presidente do COB deu um tempo em seu lado mais recluso e foi à casa de shows Viva Rio parabenizar a aniversariante da noite, Jandira Feghali, deputada federal do PCdoB. Na ocasião, conversou sobre os Jogos do Rio com a então pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Repetiu o

NO TEATRO E NO CINEMA, ELE PREFERE MUSICAIS. GOSTOU DOS FILMES “MOULIN ROUGE” E “HAIR” E DAS PEÇAS “A NOVIÇA REBELDE” E “SASSARICANDO”. O ÚLTIMO LIVRO DE QUE GOSTOU FOI “O MONGE E O EXECUTIVO” ROTINA Durante os tempos em que jogou pelo Botafogo, ajudou o time a levantar parte das 11 taças que conquistou nos anos 1960 e 1970


Fotos: AFP Photo / Dominic Favre

ARTICULADOR Para site americano, o Rio não teria os Jogos sem a atuação de Nuzman

que já vem dizendo há pelo menos 20 anos: que o esporte olímpico da forma como foi concebido – a máxima histórica “o importante é competir” – já não existe. “Aquele espírito, no meu modo de ver, terminou. O espírito, hoje, é o da vitória.” Em seus momentos de lazer, Nuzman gosta de ver noticiários, programas esportivos e filmes na tevê. No cinema, o último filme a que assistiu foi “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino. Diz também apreciar filmes históricos e musicais. Destaca “Moulin Rouge”, de Baz Luhrman, e “Hair”, de Milos Forman. Ainda na linha da música no cinema, afirma que gosta de um filme com o Elvis Presley do qual não lembra o nome. No teatro, também dá preferência aos musicais. Gostou muito de “Sassaricando”, de Sérgio Cabral e Rosa Maria Araújo, e de “A Noviça Rebelde”, encenado por Charles Moeller e Cláudio Botelho. O último livro que leu e gostou foi “O Monge e o Executivo”, de James C. Hunter. Também inclui na lista de favoritos recentes “Muito Longe de Casa – Memórias de um Menino Soldado” (Ishmael Beah), “O Verdadeiro Poder” (Vicente Falconi), “Fora de Série” (Malcolm Gladwell) e “Tirando os Sapatos: O Caminho de Abraão, um Caminho para o Outro” (Nilton Bonder). Em comum, há o fato de serem todos livros sobre liderança, superação, desafios. As viagens tomam muito de seu tempo e já o levaram a 140 países. Em outubro, passou uma semana no México, onde participou no balneário de Acapulco da Assembleia-Geral da Associação dos Comitês Nacionais Olímpicos (Acno) e do 1o Congresso Mundial de Esportes Olímpicos para Ministros de Estado. Em seu pronunciamento para 200 dirigentes esportivos e 120 ministros, falou sobre os preparativos para a organização dos Jogos de 2016 e elogiou a parceria entre os governos federal, estadual e municipal, condição, segundo ele, fundamental para a escolha do Rio. Certamente, o assunto não será outro nos próximos seis anos. Para muitos, Nuzman foi vitorioso até ao enfrentar o grave problema cardíaco que o deixou internado 25 dias em

2004 no Samaritano do Rio. No fim de novembro daquele ano, após assistir à prova de natação Travessia dos Fortes, em Copacabana, começou a sentir dores no peito. Hospitalizado às pressas, a suspeita inicial de infarto não se confirmou. O diagnóstico foi de dissecção aguda da aorta – laceração das paredes da mais importante artéria do sistema circulatório. O caso exigiu a realização de imediata cirurgia cardiovascular, da qual o paciente se recuperou bem. Nuzman voltou para casa às vésperas do Natal. Em conversas com os mais chegados, comentou que considerava sua recuperação uma espécie de renascimento. Sempre preocupado com a saúde, mas, como todo executivo de alto nível, sujeito a tensões e estresse, ele dobrou a atenção com as atividades físicas. Passou a se exercitar diariamente na bicicleta ergométrica, por cerca de 40 minutos. Faz ginástica e joga golfe. Melhorou a alimentação. A dieta o ajuda a continuar praticamente com o mesmo peso da época de atleta. Mas não dispensa o bacalhau, seu prato predileto. São seis horas diárias de sono, geralmente da meia-noite às 6h. Antes de sair para o trabalho, toma café, lê jornais e vê as notícias na tevê. Reza todos os dias. Cultiva quando pode seu hobby: a memorabília olímpica. Adora Lausanne (sede do COI, na Suíça). Define-se politicamente como “um homem de ideias liberais e a favor do desenvolvimento do esporte nacional”. Admira, “em ordem alfabética”, o barão Pierre de Coubertin (1863-1937, criador das Olimpíadas modernas), dom Pedro II (1825-1891), o cientista Albert Einstein (1879-1955), o pai da psicanálise Sigmund Freud (1856-1939), João Havelange, o ex-presidente do COI Juan Antonio Samaranch (1920-2010) e Pelé. A esta altura da vida de Nuzman faltam poucas realizações além do salto de paraquedas. Ele elenca apenas mais uma: “Também tenho vontade de dar a volta ao mundo com minha mulher, Márcia, sem compromisso de trabalho.” Não é preciso ser nenhum vidente para apostar que o salto vem primeiro.


BOXE

GAROTO INDOMÁVEL POR LUIZA VILLAMÉA FOTOS JOÃO CASTELLANO

David Lourenço sorri pouco, mas luta muito. Campeão mundial juvenil de boxe e medalha de ouro nos Jogos da Juventude, ele é uma das maiores promessas do esporte brasileiro

“BOXEADOR NÃO RI.” Essa é a resposta padrão de David Lourenço, campeão juvenil de boxe olímpico, quando pedem a ele que apareça sorrindo nas fotografias. Aos 18 anos, David parece tímido à primeira vista. Na verdade, no bairro humilde de Guarulhos (SP), onde nasceu e foi criado, ele é conhecido desde sempre como um garoto sério, de poucas palavras. Jamais se envolveu em brigas, mas, para justificar o temperamento fechado, nada como dizer que boxeador que honra a profissão exibe os punhos – não os dentes. E o médio-ligeiro, categoria de boxeadores com até 69 quilos, nunca teve tantos motivos para sorrir. Depois de começar 2010 na lona, ele fecha o ano preparando-se para uma temporada de treinamento na ilha de Cuba, com duas medalhas de ouro na bagagem. São os primeiros e decisivos movimentos que ensaia no ringue rumo à Olimpíada. O primeiro ouro David foi buscar em Baku, no Azerbaijão, em maio, quando se tornou o único brasileiro a conquistar o título mundial juvenil de boxe. O curioso é que, dois meses antes, ele havia desistido do esporte. “Estou cansado de apanhar por um salário mínimo”, reclamava, referindo-se à ajuda de custo que recebia. Sem outras perspectivas, arrumou emprego como segurança na mesma concessionária de carros onde trabalha o pai, o ex-boxeador Aílton Cardoso, 40 anos.

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BOXE

RAÍZES David com o caçula, Yan, no quarto que dividem com outros quatro irmãos em Guarulhos; aos 13 anos, quando treinava com pneu de caminhão no lugar de saco de pancada; com o pai e primeiro treinador, Aílton, que continua a dar aulas para meninos e meninas na mesma garagem onde o campeão mundial juvenil começou sua trajetória

Estava decidido até mesmo a retomar os estudos, abandonados na sétima série, por absoluta falta de sintonia com os livros. Como segurança do turno da noite, no entanto, David logo se revelou um fracasso. Em vez de fazer a ronda, ele desmoronava em cima da mesa, com uma televisão ligada à sua frente. “Muitas vezes pulei o portão para entrar na concessionária pela manhã”, conta Aílton, responsável pela segurança diurna da concessionária. “E ele estava lá dentro, dormindo.” Devido à insistência do pai, David voltou a se dedicar apenas aos treinos. Em casa, ouvia que, no futuro, ele poderia dar aulas de boxe e contar para os alunos que um dia disputara um mundial. Não por acaso, em 74 DEZEMBRO 2010 | ISTOÉ 2016

sua escala de valores, mitos como Joe Louis, Muhammad Ali e Mike Tyson não têm vez. Nem o campeão Éder Jofre, que acaba de comemorar os 50 anos da conquista mais importante do boxe brasileiro, ocupa o lugar mais alto no pódio particular de David. “O meu herói é o meu pai”, proclama o médio-ligeiro. “Ele me convenceu a disputar o mundial.” Três meses depois de ganhar o primeiro ouro no Azerbaijão, David repetiu a façanha em Cingapura, nos Jogos Olímpicos da Juventude. “Ele quebrou um jejum de 42 anos”, lembra o treinador Cláudio Aires, do Clube Escola Santo Amaro, da prefeitura paulistana, onde David começou a treinar há cerca de dois anos. “A última medalha olímpica do boxe brasilei-

ro havia sido em 1968, com o bronze de Servílio de Oliveira.” Com as vitórias, o garoto de Guarulhos virou atleta em tempo integral. Quando não está viajando para disputar ou abrir torneios, passa a semana treinando no clubeescola, com direito a treinador, preparador físico, médico e nutricionista. Divide com outros 15 jovens pugilistas uma casa nas imediações do clube, alugada pela Confederação Brasileira de Boxe. “De vez em quando a gente vai ao shopping, sai para passear”, conta David, que passa os finais de semana com a família em Guarulhos. Ídolo dos pais e dos cinco irmãos mais novos, ele é recebido com festa também pelos três pitbulls da casa. “A Piti, a mais velha, é louca por ele”, conta a


INSTIGADO COM A IDEIA DE UM RETRATO COM SÍMBOLOS OPOSTOS AOS SEUS, DAVID ESCOLHE UM URSO DE PELÚCIA E A CHUPETA DO PRIMO KAUÃ mãe de David, Creuza, 34 anos, que trabalha como balconista de uma padaria. Na vizinhança, o som da pregação de uma igreja evangélica se mistura ao funk ensurdecedor de um boteco, mas basta abrir a porta da casa de David para perceber que nela impera o boxe. Rente à rua, a garagem de pé-direito alto é repleta de sacos de pancada e antigos aparelhos de ginástica. Na parede da direita, um painel improvisado exibe a bandeira do Brasil e 14 medalhas conquistadas por David antes do Azerbaijão e de Cingapura (as de ouro estão guardadas com os pais). Na parte de cima da construção, com a entrada vigiada pelos pitbulls, ficam a cozinha e os dois quartos. Mesmo quem não teme as feras da família prefere ficar no cômodo próximo à rua tortuosa de Guarulhos. Afinal, a garagem convertida em sala de treino é a alma da construção desde que David era muito pequeno e Aílton, que não é seu pai biológico, treinava para o tradicional campeonato Forja de Campeões. Um dia, aos quatro anos, ele pediu ao pai que o ensinasse a lutar. Começou socando chinelos de borracha que Aílton colocava nas mãos. Com o decorrer do tempo, passou a treinar socos na barriga do pai, devidamente envolvida por um cobertor. Mais tarde, na falta de saco de pancada, treinava em pneus de caminhão. “O treino era


BOXE

CONVOCADO A CITAR UMA REFERÊNCIA NO BOXE, DAVID COLOCOU EM SEGUNDO PLANO OS GRANDES MITOS DO ESPORTE: “O MEU HERÓI É O MEU PAI. ELE ME CONVENCEU A DISPUTAR O MUNDIAL” debaixo de garoa, de sol forte, do tempo que tivesse”, diz Aílton, contando que naquela época a garagem era descoberta. Dos 4 aos 16 anos, David foi treinado pelo pai, que nas horas de folga ainda hoje dá aulas de boxe na garagem, para garotos e garotas do bairro. Embora se empenhe no treino de novos alunos, Aílton não esconde de ninguém que, para ele, David é o melhor boxeador que já conheceu. “Ele luta bem na curta distância, na longa distância e tem uma guarda perfeita”, garante. “O David ataca quando precisa e foge quando necessário.” O entusiasmo do pai é partilhado pelo treinador Cláudio Aires. “Até agora, ele concretizou todas as nossas expectativas”, diz Cláudio. “Londres não fica longe, mas estamos investindo 100% nele para 2016, no Rio de Janeiro.”

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Humilde, o próprio David lembra que 2012 será difícil, porque antes dele, na fila, estão atletas mais experientes, como o paraense Mike Carvalho. “Tenho de trabalhar duro”, resume. Ao mesmo tempo que treina, tenta mudar a vida da família. De três meses para cá, sua ajuda de custo saltou para R$ 2,5 mil. Além de pagar um curso de computação para um de seus cinco irmãos – Igor,12 anos –, ajuda nas despesas da casa e comprou um Fiesta vermelho 2008 a prestação. O sonho é comprar um terreno e construir uma casa melhor para todos. Mas David não se estende ao falar de seus planos. É quase sempre lacônico. Quando voltou de uma visita ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, em Brasília, o máximo que sua mãe conseguiu arrancar dele era que Lula estava “descontraído”.

David sempre foi assim. Muitas vezes não consulta ninguém para tomar uma decisão. Aos 12 anos, apareceu em casa com as orelhas furadas, ostentando brincos, como gosta de fazer até hoje. Não costuma reclamar de nada. Uma das exceções é ter comido frango quase todos os dias na primeira temporada de treinos em Cuba, antes dos Jogos Olímpicos da Juventude. De volta a Guarulhos, visitou a casa da namorada, a boxeadora Bianca, 14 anos, e lhe serviram frango. “Não acreditei”, lembra David. Apesar de parecer o tempo todo concentrado em seus próprios pensamentos, ficou interessadíssimo ao saber que o fotógrafo João Castellano prepara uma série retratando personagens com símbolos opostos aos de sua imagem. Instantes depois, David estava diante da câmera, com a chupeta do primo Kauã, de 2 anos, e abraçado a um urso de pelúcia.

Use o código ao lado para ver vídeos e fotos do boxeador David Lourenço


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As novas musas do esporte brasileiro ostentam beleza de tirar o fôlego – mas também quebram recordes, conquistam medalhas e se tornam referência em suas modalidades

POR RODRIGO CARDOSO FOTOS MARCELO FAUSTINI

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ENSAIO

DAIENE DIAS Braçadas ágeis e pernas fortes

LARA E NAYARA Piscina, só com maquiagem

CAROL E MARIA CLARA O biquíni é o uniforme delas

“Tudo posso naquele que me fortalece.” Depois de sussurrar essa frase, a nadadora capixaba Daiene Dias, 21 anos, mergulha na água e inicia as braçadas. Na natação, sua baixa estatura – 1,60 m – é um problema, mas ela não se intimida diante das gigantes que costuma enfrentar. “Antigamente, no balizamento, eu não olhava para as competidoras do meu lado para não ficar aterrorizada com o tamanho delas.” Daiene consegue rivalizar com atletas muito maiores graças à agilidade e à impressionante capacidade de concentração. A prova em que cravou o recorde sul-americano para os 100 metros borboleta, em 2007, é exemplo disso. “Caí na água e só fui perceber que estava nadando no meio da piscina”, conta. “Acordei numa espécie de transe.” Apesar de baixinha, como é chamada pelas amigas, Daiene é altamente competitiva. Além de ter no currículo um recorde do continente: foi medalha de bronze nos 200 metros borboleta no Pan do Rio de Janeiro, em 2007. Recentemente, alistou-se na Marinha, pré-requisito para que pudesse disputar os Jogos Militares, e jurou bandeira de coque no cabelo e farda. “Fica bonito também”, diz a nadadora, que não esconde a vaidade. Fora da água, adora se olhar no espelho. “Gosto de ver como estou”, afirma. “Graças à natação, não tenho pneuzinho na barriga e a perna fica fortinha.”

Lara Teixeira, 22 anos, e Nayara Figueira, também 22, formaram dupla no nado sincronizado em 2007, um ano antes dos Jogos de Pequim. Elas são muito diferentes – e talvez por isso o casamento profissional tenha dado tão certo. A carioca Lara funciona melhor durante o dia e tem gosto musical mais eclético do que a paulista Nayara, fã de pagode, notívaga e mais emocional. Lara é morena e quase 10 centímetros menor do que Nayara, pele alva, olhos azuis e 1,70 m. Em 2008, representaram o Brasil na Olimpíada e alcançaram um honroso 13º lugar. Elas estão em evidente ascensão. Recentemente, conquistaram a sétima colocação no Mundial da China, resultado inédito para o Brasil e que as coloca como candidatas a medalha em 2012 e 2016. E tome treinamento puxado. São seis horas por dia na piscina, de segunda a sábado, e uma hora e meia de preparação física em um parque, três vezes por semana. Sacrifício mesmo é a transformação visual antes das competições. Elas vão para a água com uma maquiagem espalhafatosa, exagerada mesmo (são as regras da modalidade), cabelo preso com mais de 40 grampos e lambuzados de gelatina incolor. “Acordamos uma hora mais cedo para nos aprontar”, diz Nayara. Como revelam as fotos deste ensaio, elas são belas de qualquer jeito – preparadas ou não para cair na piscina.

É de biquíni que elas vencem as oponentes e, portanto, ganham a vida. São filhas de Isabel, musa do voleibol que nos anos 80 fazia da camisa número 7 da seleção brasileira um símbolo de garra, graça e talento. Maria Clara, 27 anos, e Carolina Salgado, 23, cresceram com uma rede estendida no quintal de casa, mas juram que não sofreram pressão materna para praticar vôlei. Em 2003, formaram dupla no vôlei de praia, tomaram a mãe como técnica (cargo que Isabel já deixou) e seguiram fazendo exatamente o que a ex-camisa 7 fazia. Combinando competência e charme ao tocar a bola, se tornaram uma das duplas mais admiradas do País. Afinal, o corpo perfeito sempre em evidência durante as partidas faz muitos marmanjos suspirarem. “O biquíni é o nosso uniforme de trabalho”, afirma Maria Clara. Supersticiosas até um tempo atrás, as duas evitavam entrar em quadra exibindo unhas pintadas com cores escuras e sempre usavam o mesmo brinco e colar da sorte. “Levamos pau em um jogo e minha mãe proibiu qualquer superstição”, diz, aos risos, Maria Clara. Hoje, o segredo delas, duas vezes vicecampeãs do circuito brasileiro de vôlei de praia e sextas colocadas no ranking mundial, são o treinamento compulsivo e a concentração em quadra – sem dar bola para as cantadas que muitas vezes vêm dos torcedores. E claro, a confiança no gene vencedor.

Stylist: Ale Duprat (ABÁ MGT) // Maquiagem: Érica Monteiro (ABÁ MGT) e Carla Biriba (ABÁ MGT)


ISABEL SWAN Uma grande mulher

TATIANE SAKEMI Marcas que são uma beleza

Do alto de seu 1,80 metro, a carioca Isabel Swan anuncia que está, enfim, assumindo a estatura. Com esse tamanho desde os 13 anos, a atleta, hoje com 26, vem usando salto alto pela primeira vez na vida. “Antigamente, me sentia deslocada com 1,90 m”, diz. “Agora, me sinto bem.” A medalha de bronze conquistada na Olimpíada de Pequim, em 2008, transformou Isabel numa das estrelas do esporte brasileiro. Esguia, bela e talentosa, posou para revistas masculinas, sempre com pouca – ou quase nenhuma – roupa. Ela tinha experiência na área. Dos 13 aos 17 anos, foi modelo profissional, até que o esporte a fisgou de vez. Antes de ser velejadora, jogou vôlei, na posição de meio de rede. Mas foi a vela, esporte praticado pelo pai, que ficou à altura dos desejos de Isabel. “A vela me fez rodar o mundo”, diz. E a fez vencedora: é tetracampeã brasileira e campeã sulamericana na classe 470. Atualmente, focada no Mundial de 2011, a carioca treina também para ganhar até três quilos de massa muscular. Terá que, novamente, ficar um pouco maior. Mas, hoje, ela está mais calejada com a situação – suas mãos, marcadas pelo esforço de controlar o barco, que o digam. “Não tem problema. Quando termino uma competição, solto o cabelo, cuido da unha”, afirma. “Volto a ser mulher.” Uma grande mulher.

Especialista no nado peito, a paulista Tatiane Sakemi, 24 anos, vai disputar nos próximos dias o Mundial de Natação, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Em 2008, ela competiu na Olimpíada de Pequim. Em 2007, brilhou no Pan-Americano do Rio de Janeiro e subiu ao pódio para receber a medalha de bronze no revezamento 4x100 medley. Não fosse uma fratura exposta no braço esquerdo, que deixou uma cicatriz visível até hoje, Tatiane talvez não tivesse tido a oportunidade de mostrar seu talento em todas essas competições. O acidente ocorreu aos 6 anos, quando a atleta, então praticante de ginástica olímpica, levou um tombo. Para se recuperar, passou a nadar como parte do tratamento fisioterápico. A piscina virou seu habitat, um passaporte para grandes conquistas. Uma delas, porém, deixou um gosto amargo. Rebeca Gusmão estava dopada no 4x100 no Pan do Rio e o quarteto de nadadoras teve de devolver o bronze. “Fiquei um ano enrolando para entregar a minha medalha”, diz Tatiane. “Quis mostrar que era uma injustiça, porque as outras três estavam limpas e não deveríamos pagar por um erro que não foi nosso.” Essa neta de japoneses de 1,70 metro, 57 quilos e cabelos compridos beirando a cintura diz que todo o seu fôlego está reservado para as piscinas. Os torcedores agradecem.

DAIENE CRAVOU UM RECORDE SUL-AMERICANO. LARA E NAYARA ALCANÇARAM O SEU MELHOR RESULTADO NA HISTÓRIA. CAROL E MARIA CLARA ESTÃO ENTRE AS LÍDERES DO RANKING. ISABEL SWAN TEM MEDALHA OLÍMPICA E TATIANE SAKEMI, UMA NO PAN. ELAS SÃO COMPETENTES – E BELAS

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ARTIGO

“O BRASIL SIMBOLIZA O ESPÍRITO DO SÉCULO XXI” Em artigo exclusivo para a 2016, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair escreve sobre os desafios de organizar a Olimpíada de Londres, em 2012, e apresenta as lições que podem ser úteis para os Jogos do Rio ILUSTRAÇÃO TOLLER

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Brasil fez um excelente trabalho ao ganhar a disputa para sediar os Jogos Olímpicos. O País não apenas convenceu a comunidade internacional de que é hora de termos a Olimpíada no Rio de Janeiro como também mostrou a si mesmo o que é possível fazer quando há decisão, visão clara e diferentes grupos trabalhando em conjunto para organizar um evento de nível mundial. Depois dessa primeira vitória, no entanto, vem o trabalho. Seis anos de tra-

novamente um inovador centro financeiro em expansão. Especialmente para aqueles setores que precisam de uma boa infraestrutura e de um ambiente inspirador – indústrias ligadas ao conhecimento, aos serviços e à criatividade, por exemplo, ou mesmo empresas de logística. Em Londres, nossa meta é usar a Olimpíada para transformar radicalmente a zona leste, uma parte da cidade que, até agora, tinha sido deixada de fora da história de sucesso econômico e social do país.

portante para que erros ou desentendimentos possam ser detectados logo. 2. Beneficie-se da experiência e do financiamento do setor privado. Financiar os Jogos Olímpicos e a infraestrutura necessária é um grande desafio. Algumas cidades-sede levaram anos para pagar suas dívidas. Por isso, o governo deverá ter um papel central em financiar, mas é preciso haver soluções inteligentes para envolver o setor privado, beneficiando-se de sua experiência e de seu poder financeiro.

PARA TONY BLAIR, O BRASIL É UM PAÍS QUE COMBINA PROGRESSO ECONÔMICO E SOCIAL COM ESPÍRITO DEMOCRÁTICO, SENSO DE JUSTIÇA E CONSCIÊNCIA AMBIENTAL. POR TUDO ISSO, SIMBOLIZA O QUE ELE CHAMA DE ESPÍRITO DO SÉCULO XXI balho duro. E a história mostra que nem toda cidade que sedia os Jogos Olímpicos sai como a vencedora no final. Muitos erros foram cometidos em Olimpíadas anteriores, muita dívida foi acumulada e muitos “elefantes brancos” foram construídos. Dito isso, há uma razão óbvia que explica por que a corrida para virar uma cidade olímpica é hoje uma das mais acirradas competições internacionais. Exemplos de sucesso mostram que as Olimpíadas podem transformar uma cidade, uma região ou mesmo um país de maneira sem paralelos. Barcelona, por exemplo: antes uma cidade esquecida na beira do mar, nas sombras do florescente centro financeiro de Madri. Os Jogos Olímpicos não apenas transformaram Barcelona em um dos mais importantes pontos de turismo e cultura da Europa, mas também criaram as fundações para que a cidade virasse

O Brasil claramente tem a oportunidade de usar os Jogos Olímpicos para transformar a cidade e o Estado do Rio de Janeiro – muito mais do que outras cidades-sede. E muito pode ser aprendido a partir da experiência de outros países. Deixe-me levá-lo por algumas das lições que vimos em outros lugares e que foram aplicadas à nossa capital. 1. Acerte na governança. Projetos enormes com frequência falham por questões de governança. Órgãos que tomam decisões e processos não estão claramente definidos, competências de gestão de programas e projetos estão fragmentados ou completamente ausentes, interfaces estão pouco claras ou confusas e não há coordenação adequada. Será importante definir os padrões adequados cedo e, então, melhorar continuamente sistemas e processos. Transparência também é im-

Para fazer isso de forma bem-sucedida, o governo precisa entender o interesse das empresas privadas, precisa apresentar modelos que sejam financeiramente viáveis no longo prazo e, então, criar o ambiente certo para os investimentos. O governo também deve se beneficiar da experiência do setor privado em administrar megaprojetos, da experiência em gerenciamento de programas e de sua orientação baseada em desempenho. De fato, a cidade e o Estado podem usar a Olimpíada para introduzir técnicas de gerenciamento mais modernas que muitas empresas no setor privado já aplicam há algum tempo. 3. Foco no legado. Todos os esforços e o financiamento não devem abranger apenas as três semanas dos jogos. O foco precisa estar no legado de transformação da cidade e do Estado. Os Jogos Olímpicos

133 DEZEMBRO 2010 | ISTOÉ 2016


ARTIGO

EM LONDRES, NOSSA META É USAR A OLIMPÍADA PARA TRANSFORMAR RADICALMENTE A ZONA LESTE, UMA PARTE DA CIDADE QUE TINHA SIDO DEIXADA DE FORA DA HISTÓRIA DE SUCESSO ECONÔMICO E SOCIAL DO PAÍS

devem ser usados como um catalisador de desenvolvimento social e econômico. Isso significa que o legado dos locais de jogos e a nova infraestrutura precisam ser construídos para o longo prazo. Por exemplo: a cidade não deve se planejar apenas para os muitos visitantes e convidados que a Olimpíada vai trazer. Em vez disso, o Rio precisa de um detalhado plano geral de turismo, com uma estratégia clara para triplicar ou quadruplicar a renda e os postos de trabalho que vêm do turismo na próxima década. Todo mundo sabe que o legado é o ponto-chave. Mas, na realidade, as ações nem sempre são planejadas com essa preocupação. A discussão do legado às vezes começa muito tarde ou fica em segundo plano diante do estresse de aprontar a infraestutura direta para os jogos. O Brasil precisa ter consciência desse risco e precisará fazer um esforço extra para garan-

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ANTES UMA CIDADE ESQUECIDA, BARCELONA SE TRANSFORMOU, DEPOIS DA OLIMPÍADA, EM UM DOS MAIS IMPORTANTES PONTOS DE TURISMO E CULTURA DA EUROPA E UM CENTRO FINANCEIRO EM EXPANSÃO

tir o legado. Se isso não for feito, muitos dos esforços serão desperdiçados no longo prazo e a grande oportunidade será perdida. 4. Use o poder transformador do esporte. Os gregos já sabiam que esporte é muito mais do que “apenas” um jogo. O esporte pode transformar a comunidade. O esporte pode unir pessoas, criar espírito de equipe e, ao mesmo tempo, instalar um espírito de competição e jogo limpo. Ele também pode dar às pessoas senso de dignidade e orgulho. Assim sendo, o esporte pode ser usado, por exemplo, como uma poderosa ferramenta contra o crime. Ou como um poderoso elemento de uma nova política de saúde, num mundo em que a obesidade é um problema. Seja criativo nesse campo e ache maneiras de se beneficiar dessa oportunidade. 5. Mostre ao mundo a cara do novo Brasil. Mais de quatro bilhões de pes-

soas assistirão à Olimpíada do Rio de Janeiro em suas tevês ou seus computadores. Elas irão ver e ouvir jornalistas e atletas falar não apenas sobre os eventos esportivos, mas também sobre o Brasil. Essa é uma oportunidade única de dizer ao mundo que o Rio de Janeiro e o Brasil não são apenas um grande lugar para estar, mas também que o Brasil de hoje é um país moderno, dinâmico e inovador – um país que mostra a importância cada vez maior da América Latina. Um país que combina progresso econômico e social com espírito democrático, senso de justiça e consciência ambiental. O Brasil é um país “em movimento” e, como tal, simboliza o espírito do século XXI. O mundo está olhando para vocês com a esperança renovada. Por isso, a Rio 2016 tem tudo para ser uma grande Olimpíada.


NÚMERO 36

DOPING: O PERIGO À ESPREITA DE NOSSOS ATLETAS

ISTOÉ 2016

VERÃO 2011

UM ENSAIO SENSUAL COM AS NOVAS MUSAS DO ESPORTE BRASILEIRO

FLAMENGO O FUTEBOL VAI MAL. MAS O ESPORTE OLÍMPICO, QUANTA DIFERENÇA...

EXCLUSIVO

O EX-PRIMEIRO-MINISTRO BRITÂNICO TONY BLAIR TRAZ AS LIÇÕES DE LONDRES PARA O BRASIL

PERSONAGEM A INTIMIDADE DE

CARLOS ARTHUR NUZMAN, O

TORBEN GRAEL: “CORREMOS O RISCO DE DAR VEXAME INTERNACIONAL”

TODO-PODEROSO DA RIO 2016

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AS BATALHAS NAVAIS

DE TORBEN

ELE É O PRINCIPAL MEDALHISTA BRASILEIRO EM OLIMPÍADAS E UM DOS MAIORES VELEJADORES DA HISTÓRIA. MAS A RIO 2016 ESTÁ DANDO UM NÓ EM SUA GARGANTA. O QUE ENFURECE ESTE IMPERADOR DOS MARES?

Parte integrante da revista ISTOÉ. Não pode ser distribuída separadamente. Ano 1 • Edição 36 • Dezembro/2010 • www.istoe2016.com.br


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