SeLecT nº 9

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arte

design

C U LT U RA C O NTE M P O R â n e A

t e c n olo g i a

bernard frize Claudia Andujar Franz Ackermann Casey Reas Agatha Olek

O NOVO NOVO

Grimes, Ariel Pink e Flying Lotus recuperam o passado do pop na trilha do futuro

Filoso fia do agora

Nicolas Bourriaud detalha paisagem conceitual do nosso tempo

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Fantasmas das novas óperas

dez/jan 2013 ANO 02 EDIÇÃo 09 R$ 14,90

dez / jan 2013

O novo feminismo mostra o peito, saca agulhas de tricô e ataca o senso comum

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Mulherzinha é a sua avó

Caroline Ribeiro em foto de Renan Christofoletti

N a contramão da história

Instituições brasileiras ignoram as novas mídias

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O novo novo

A nova estética de James Bridle aparece para dizer o que é novo depois que tudo ficou velho

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Em uma esquina do passado A retromania esvazia o p rese nte d a p ossib ilid ad e d e criar saud ad es no futuro

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94 ENTREVISTA

98 VISUAIS

104 PERFIL

106 CURTO-CIRCUITO

112 L I T E RAT U RA

Nicolas Bourriaud

Abstração high-tech

Do físico ao digital

Conexão total

New Weird

O crítico altermoderno faz revisão de seus conceitos

Artistas atualizam a tradição da pintura com dispositivos e ideias do século 21

Publisher e programador, James Bridle explica o que a nova estética

As redes transformam a experiência da subjetividade e são humanas demais

Os esquisitões revigoram a ficção científica mas não têm espaço no mercado

FOTO: REPRODUÇÃO DA ILUSTRAÇÃO DO CARTAZ DA VERSÃO ORIGINAL DO FILME BARBARELLA

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index 116 TERRITÓRIO

Brasil, país do futuro?

Os sucessos dos últimos 15 anos não põem fim aos impasses culturais da nação

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ARTES VISUAIS

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MODA

Neo-retrô

Como um artista

A moda reinventa o passado, passeando entre mitos imemoriais e ficções futuristas

Colecionador destrói trabalho de Ai Wei Wei e torna-se protagonista de nova obra de arte

54 SOFWARE ARTE

Novíssimas mídias

Rotinas de programação sobem as paredes na obra de Casey Reas

SEÇÕES 10 EDITORIAL | 14 CARTAS | 16 NAVEGAÇÃO | 28 TRIBOS | 30 MUNDO CODIFICADO | 119 REVIEWS 124 CRÍTICA | 126 COLUNAS MÓVEIS | 127 SELECTS | 128 DELETE | 129 OBITUÁRIO | 130 REINVENTE

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01.12.2012 > 12.01.2013

scopic landscapes

isaac julien

01.12.2012 > 23.02.2013

buzz curadoria vik muniz

#21

avenida europa 655 s達o paulo sp brasil t 55 (11) 3063 2344 info@nararoesler.com.br

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editorial Paula Alzugaray

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Feliz ano-novo de novo Hora de zerar o cronômetro. A edição de dezembro/janeiro de seLecT é dedicada à necessidade atávica de renovação que nos permitimos sentir, sempre e cada vez mais, nesta época do ano. Aproveitamos a efeméride para apresentar aos os nossos leitores um projeto teórico que nasceu no Tumblr do pesquisador James Bridle, se difundiu nas redes e começa a repercutir no circuito de arte: a nova estética. Mesmo que o sistema de arte já tenha cortado, há duas gerações, com o ciclo de morte e renascimento que determinou a evolução das vanguardas históricas do século 20, eis que surge um projeto estético que se diz “novo”. Nada de novo no front. Mas, ao investigar as interseções entre cultura e tecnologia, entre o físico e o digital, a nova estética é a cara da seLecT. Afinal, temos como projeto observar onde as artes visuais convergem com a tecnologia e o comportamento. Nesta edição, as trocas e influências entre virtual e real se expressam também na moda e nas artes gráficas. No design, a partir de agora, usamos como fonte oficial da revista a ultranova Freight, que foi concebida originalmente para iPad e está sendo infiltrada no meio impresso. Na capa e no editorial de moda, temos o trabalho de Renan Christofoletti, que fotografa e pós-produz ao mesmo tempo. Sua fotografia não é simplesmente uma composição, mas é o objeto de uma programação, resultante da equalização de camadas, efeitos e variantes que vão muito além das capacidades da câmera. Nas páginas de moda temos, portanto, um exemplo pungente do conjunto de tratamentos que foram observados pelo teórico francês Nicolas Bourriaud para escrever seu livro Pós-Produção – Como a Arte Reprograma o Mundo Contemporâneo. O leitor terá a chance de conhecer e/ou aprofundar seus conhecimentos sobre essa e outras “ferramentas teóricas” propostas por Bourriaud, em entrevista exclusiva. Mesmo que não se identifique como um teórico do “novo”, Bourriaud aponta para uma “nova pergunta” que surge hoje, de todos os lados: “Para onde vamos?”

Paula Alzugaray

Ricardo van Steen

Giselle Beiguelman

Juliana Monachesi

Nina Gazire

Hassan Ayoub

Mariel Zasso

Kareen Sayuri

Roseli Romagnoli

Diretora de Redação

Angélica de Moraes

Ronaldo Bressane

Ilustrações: Ricardo van Steen, a partir do aplicativo face your mangá

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VISITAÇÃO 27 DE NOVEMBRO A 13 DE JANEIRO TERÇA A DOMINGO DAS 9H ÀS 21H ENTRADA FRANCA CAIXA CULTURAL BRASÍLIA GALERIA PRINCIPAL SBS QUADRA 4 LOTES 3/4 EDIFÍCIO ANEXO À MATRIZ DA CAIXA (61) 3206 9448 | (61) 3206 9449 WWW.CAIXA.GOV.BR/CAIXACULTURAL CAIXACULTURAL.DF@CAIXA.GOV.BR

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expediente

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY

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DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY EDITORA-CHEFE: GISELLE BEIGUELMAN DIREÇÃO DE ARTE : RICARDO VAN STEEN EDITORA-ADJUNTA: JULIANA MONACHESI REPÓRTER: NINA GAZIRE REPÓRTER ONLINE: MARIEL ZASSO COLABORADORES

Andrei Speridião, Angélica de Moraes, Bernardo Gutiérrez, Jorge Caldeira, Lara Gerin, Lucas Rampazzo, Mara Gama, Marion Strecker, Monique Oliveira, Renan Cristofoletti, Ronaldo Bressane, Valéria Hevia

PROJETO GRÁFICO

Cassio Leitão e Ricardo van Steen

DESIGNER SECRETÁRIA DE REDACÃO

Kareen Sayuri Roseli Romagnoli

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA

Leticia Palaria

COPY-DESK E REVISÃO

Hassan Ayoub

PRÉ-IMPRESSÃO

Retrato Falado

CONTATO SERVIÇOS GRÁFICOS MERCADO LEITOR ASSINATURAS

faleconosco@select.art.br GERENTE INDUSTRIAL: Fernando Rodrigues COORDENADORA GRÁFICA: Ivanete Gomes DIRETOR: Edgardo A. Zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: Wanderlei Quirino SUPERVISORA DE VENDAS: Rosana Paal DIRETOR DE TELEMARKETING: Anderson Lima GERENTE DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: Elaine Basílio GERENTE DE TRADE MARKETING: Jake Neto GERENTE DE PLANEJAMENTO E OPERAÇÕES: Reginaldo Marques GERENTE DE OPERAÇÕES E ASSINATURAS: Carlos Eduardo Panhoni GERENTE DE TELEMARKETING: Renata Andrea GERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen GERENTE DE VENDA AVULSA: Luciano Sinhorino

VENDA AVULSA OPERAÇÕES

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OUTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEMAIS LOCALIDADES: 0800-7750098, 0800-8882111 COORDENADOR:Jorge Bugatti ANALISTAS: Pablo Barreto, Thiago Macedo, Ricardo Cruz e Fabio Rodrigo SHOPPING 3: Dayane Aguiar DIRETOR: Gregorio França SECRETÁRIA ASSISTENTE: Yezenia Palma COORDENADOR GRÁFICO: Marcelo Buzzo ASSISTENTE: Luiz Massa ASSISTENTE JR.: Paulo Sérgio Duarte AUXILIAR: Aline Lima COORDENADORA DE LOGÍSTICA E DISTRIBUIÇÃO DE ASSINATURAS: Vanessa Mira ASSISTENTES: Denys Ferreira, Karina Pereira e Regina Maria OPERAÇÕES LAPA: Paulo Paulino

MARKETING PUBLICIDADE

DIRETOR: Rui Miguel GERENTES: Débora Huzian e Wanderly Klinger REDATOR: Marcelo Almeida DIRETOR DE ARTE: Álvaro Carvalho ASSISTENTE DE MARKETING: Marciana Martins e Thaisa Ribeiro DIRETOR NACIONAL: José Bello Souza Francisco GERENTE: Ana Lúcia Geraldi SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADM. DE PUBLICIDADE: Maria da Silva GERENTE DE COORDENAÇÃO: Alda Maria Reis COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho e Rose Dias AUXILIAR: Marília Gambaro CONTATO: publicidade@select.art.br RIO DE JANEIRO-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito Grossi GERENTES EXECUTIVAS: Adriana Bouchardet, Arminda Barone e Silvia Maria Costa COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 SP/CAMPINAS: Mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de Mkt e Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (19) 3579-6800 SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 MG/BELO HORIZONTE: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 PR/CURITIBA: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 RS/PORTO ALEGRE: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/RECIFE: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./Fax: (81) 3227-3433 BA/SALVADOR: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & Marketing Ltda.; Tel./Fax: (71) 3347-2032 SC/FLORIANÓPOLIS: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./Fax: (48)3224-0044 ES/ VILA VELHA: Didimo Benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./Fax (27)3229-1986 SE/ARACAJU: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales: GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: gilmargsf@uol.com.br MARKETING PUBLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli GERENTE: Maria Bernadete Machado COORDENADORA: Simone F. Gadini ASSISTENTES: Ariadne Pereira, Regiane Valente e Marília Trindade 3PRO DIRETOR DE ARTE: Victor S. Forjaz REDATOR: Bruno Módolo

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA BRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / Fax: (11) 3618-4100. COMERCIALIZAÇÃO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS PARA TODO O BRASIL: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000 IMPRESSÃO: Log & Print Gráfica e Logística S.A.: Rua Joana Foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000

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Detalhes de obras dos alunos: Laís Rabello, Pedro Geraldo, Roberta Schioppa, Rafael Santacosta, Edith Popluhar, Estela Miazzi, Antonio Lee

A Anual de Arte incentiva a inovação e a prática artística contemporânea, oferecendo aos alunos da FAAP a oportunidade de expor sua produção artística, com o intuito de promover a reflexão sobre novas ideias e percepções sobre a arte na atualidade. Os melhores trabalhos são premiados com bolsas de estudos. A exposição apresenta ainda obras de dois artistas que participaram do Programa de Residência Artística proporcionado pela FAAP, na Cité des Arts, em Paris: o professor Thiago Honório e o ex-aluno Henrique César. Museu de Arte Brasileira da FAAP – Salão Cultural 13 de novembro de 2012 a 10 de fevereiro de 2013 Terça a sexta-feira, das 10h às 20h. Sábados, domingos e feriados, das 13h às 17h. (Fechado às segundas-feiras, inclusive quando feriado) Rua Alagoas, 903 Higienópolis São Paulo SP 11 3662-7198 Entrada gratuita.

www.faap.br

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cartas

arte

design

C U Lt U r a C O n t e M P O r â n e a

t e C n O LO g i a

D O RA LO N GO BA H I A G E N E RA L I D E A SA N T I AGO S I E R RA ANDRÉ LIOHN fA B I O CO B I ACO

A seLecT mundo-cão está o máximo! Parabéns mil vezes! Malu Maia, Sesc Online, via Facebook

CAC h O R RA DA eST É T I CA A rtI stA V I rA P O O D L E E L At E PA rA O M E rCA D O

A bAndA podre dA políticA, dA notíciA e do entretenimento

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MUNDO-CAO

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Tarantino (2012), por Dora Longo Bahia

out/nov 2012 Ano 02 EDIÇÃo 08 R$ 14,90

Parabéns pela edição de outubronovembro! Muito boa, principalmente o artigo sobre o “design canalha”, me diverti muito! Giovana Ramos, via Facebook

jornalista e curadora

A V I N GA N ç A D O h O m e m CO m U m S E L ECT D E N U N C I A A I N D ú st r I A DO D Es I G N CA N A L H A

08

Sou jornalista e adoro a revista seLecT. Hoje ri muito com a nota no site sobre as luminárias “AMY”. Também faço minha eleição particular de pior release! Guta Nascimento, jornalista

Nessia Leonzini,

BA N GU e - BA N GU e tA rA N t I N O VO LtA À L I N H A D E t I rO CO M O FA rO Est E DJA N GO L I V r E

I R m à OS CO RAG e m D O I s FOt Ó G rA FOs ExP E rts E M M O rt E CO N tA M CO M O FA Z E M PA rA A FUG E N tA r Os FA N tAsM As

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A seLecT está incrível! Parabéns!!! Raquel Kogan, artista plástica

Adoro a seLecT, leio e considero, sem dúvida, a melhor revista de arte no País. Gostei muito do editorial “A beleza será convulsiva”, primeiro por ser fotógrafo e pensar nessas questões incluídas no texto, depois por ter morado em Nova York os últimos 20 anos e vivenciar o 11 de Setembro e, por último, por ser um fã incondicional de Susan Sontag. Diante da Dor dos Outros é um livro incrível e que é preciso reler. Adriano Fagundes, fotógrafo

MUNDO -CÃO

A revista é maravilhosa! Diagramação bonita e diferente, moderna e de leitura agradável, com conteúdo cultural bastante eclético!!! Vale a pena comprar! Rogerio Rodrigues, via Facebook

OUT / NOV 2012

Estou amando conhecer a seLecT. Muito bom. Não sei como vocês conseguem estar tão atualizados em termos de novidades internacionais. O texto é superinformativo, focado e delicioso de ler. Adoro as estatísticas. Parabéns!

Foi mal

Diferente do que foi publicado na seção Mundo Codificado de seLecT08, o assassinato do casal Manfred e Marísia von Richthofen ocorreu em 2002

escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

revistaselect revistaselect www.select.art.br faleconosco@select.art.br

Top 10 site seLecT OUT/NOV Mulheres de plástico A boneca que queria ser mulher e vice-versa, por João Carrascosa − http://tinyurl.com/d86tbdt A sangue-quente André Liohn já encarou o front sem colete à prova de balas, por Fernando Costa Netto − http://tinyurl.com/d76vf5x Viciados em residências artísticas Os depoimentos de Kika Nicolela, Fernanda Chieco e Wagner Morales, artistas que trocam de caixa postal como quem troca de suporte, por Juliana Monachesi − http://tinyurl.com/ cw7fbww

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“The power 100”: arte sem artista? Luisa Strina, Bernardo Paz e Adriano Pedrosa também estão na lista dos bambambãs do mundo das artes, por Mariel Zasso − http:// tinyurl.com/d93o3k5 Divirta-se Confira o editorial da seLecT 08, por Paula Alzugaray − http://tinyurl.com/cqt2age Os 500 gays mais poderosos do mundo André Fischer, José Celso Martinez Corrêa, Luiz Mott e João Silvério Trevisan estão na lista, por Giselle Beiguelman − http://tinyurl. com/bnkp88e

Ai Weiwei style Versão de sucesso coreano é uma crítica à censura chinesa, por Nina Gazire − http://tinyurl.com/bnq5yqh Crowdfunding cultural Afinal, de que se trata?, por JM − http://tinyurl.com/cjx6m4e Uma galáxia chamada internet Infográfico foi desenvolvido por equipe de designers da Rússia, por Nina Gazire − http://tinyurl.com/d424pys Apresento-lhe AMY! Inauguramos a seção “O release do dia”, com a fantástica luminária Amy, por JM − http://tinyurl.com/caktg7f

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colaboradores

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Monique Oliveira Repórter da revista ISTOÉ e fundadora do coletivo de cultura digital Synthorchestra (http://www.synthorchestra.org) – selects

Andrei Speridião

Marion Strecker

Trabalha há mais de seis anos com computação gráfica e está no fim do curso de Design na Universidade de São Paulo. – design P 38

Jornalista, cofundadora do UOL e colunista da Folha de S. Paulo. – delete P 128

P 127

Bernardo Gutiérrez

Mara Gama

Jornalista, escritor e fundador da rede de inovação internacional Futura Media (futuramedia.net, @futuramedia). É autor dos livros Calle Amazonas (Editora Altaïr) e #24H (Editora dpr-barcelona), uma obra copyleft. – colunas móveis P 126

Jornalista com especialização em design. É consultora de qualidade de texto da Folha de S.Paulo. Participa de comissões julgadoras de diversos prêmios de design no País. Fez parte da direção editorial do portal UOL. –

Jorge Caldeira Autor e editor, escreveu História do Brasil com Empreendedores (Mameluco Edições) e Mauá, Empresário do Império (Cia. das Letras). – território P 116

design P 38

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Lucas Rampazzo

Lara Gerin

Renan Cristofoletti

Designer, artista visual e (quase) músico nas horas vagas. E nas ocupadas também. – mundo codificado P 30

Modelo de sucesso nos anos 1990, foi capa de inúmeras revistas. Hoje é personal stylist e assina editoriais de moda. Como Dj é dona de um set animadíssimo. – moda P 64

Fotógrafo, é um dos nomes mais requisitados do mundo fashion. Já clicou ensaios para revistas como Vogue Brasil e grifes como Carmen Steffens. – moda P 64

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1 . A r m á r i o Ma r acat u, I r m ã o s Ca m pa n a 2 . Ca d e i r a d e b a l a n ç o, Pat r i c i a U r q u i o l a 3 e 4 . E s c r i va n i n h a , C h r i st i a n L i a i g r e 5 . R e d e , At e l i e r O i 6. Ca d e i r a , Maa r t e n Baa s 7. Ba n q u i n h o, Pat r i c i a U r q u i o l a 8 . Lu m i n á r i a , N e n d o 9 e 1 0. Ba n q u i n h o, At e l i e r O i

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fotos: divulgação

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NOTÍCIAS + TENDÊNCIAS + TRANSCENDÊNCIAS

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DESIGN

CAIXAS DE SURPRESAS Peça exclusiva dos Irmãos Campana integra série de objetos nômades da Louis Vuitton em exposição em Miami

A Maison Louis Vuitton foi fundada em 1854, em Paris, pelo jovem Louis Vuitton, que até então havia sido o responsável pela fabricação das malas e pelo acondicionamento das bagagens da imperatriz Eugênia, esposa do imperador Napoleão III. O talento do artesão levou-o a produzir objetos que iam muito além das rústicas malas de couro do viajante-padrão. A produção de itens exclusivos e únicos para clientes especiais já era sua prática desde então. Atendendo a solicitações de oficiais viajantes e exploradores, realizou peças tão engenhosas como um baú que virava cama, um armário que virava charrete e até mesmo um baú flutuante. Essa história épica da marca se reflete hoje na série Objets Nomades (Objetos Nômades), coleção de itens

exclusivos e de tiragem limitada que primam pela transformação. A série é composta de malas que se desdobram em camas, redes, mesas, cadeiras, escrivaninhas e todo tipo de mobiliário útil para uma viagem de última hora. As peças são assinadas por designers de todo o mundo, como o holandês Maarten Baas, o italiano Andrea Branzi e a eslovena Nika Zupanc. A dupla brasileira Humberto e Fernando Campana assina a mais recente peça da coleção, o armário portátil Maracatu, feito de tiras do melhor couro Haute Maroquinerie da Louis Vuitton. Com três prateleiras no interior e um gancho, a peça pode ser pendurada em um galho de árvore, como uma fruta. A coleção será exposta na loja do Design District de Miami, concomitantemente à feira Art Basel Miami Beach. PA

Objets Nomades, a partir de 6 de dezembro, Louis Vuitton, Design District, Miami, EUA

ARTES VISUAIS

FATIA DO HORIZONTE Retrospectiva resgata meio século da emblemática obra de Amelia Toledo

Amelia Toledo – O Olhar Atual, até 24 de janeiro de 2013, Dan Galeria , Rua Estados Unidos, 1.638, São Paulo-SP www.dangaleria.com.br

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A artista Amelia Toledo completou 50 anos de uma carreira marcada pela experimentação em diferentes suportes e técnicas, que o público poderá conhecer na mostra O Olhar Atual, que abarca a produção da artista a partir de 1970, passando pelas famosas instalações realizadas dos anos 1990, como os penetráveis Oceânico e Caderno de Terra, até obras atuais da artista. O trabalho com arte aplicada é também uma característica marcante de sua multiplicidade. Exemplo é sua série em ourivesaria chamada Joias Cinéticas: adornos de metal, pedras ou bronze. A investigação do espaço continua na instalação Fatia do Horizonte, formada por chapas que refletem a paisagem produzindo um horizonte vertical e suspenso, e é também um dos destaques da retrospectiva que fica em cartaz até janeiro. NG

E S C U LT U R A M A N I P U L Á V E L D E A M E L I A TO L E D O

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artes visuais

Luz, câmera e arquitetura Do colonial ao moderno, Candida Höfer mostra imagens inéditas em exposição na Galeria Leme

A exposição Luz, Linhas e Lugares é uma oportunidade inédita para o público conhecer grandes monumentos da arquitetura nacional clicados pela fotógrafa Candida Höfer. Um dos maiores nomes da fotografia contemporânea, em 2005 a alemã esteve no Brasil a convite do Instituto Goethe, quando realizou uma série de imagens da arquitetura colonial de Salvador e do Rio de Janeiro, e de edifícios modernistas, como o Palácio do Planalto e o Palácio do Itamaraty, em Brasília. O resultado pode ser conferido na exposição que reúne 11 fotografias que dão ênfase à perspectiva formalista da artista, bem como à intensa luminosidade dos trópicos sob a arquitetura brasileira. Além das obras realizadas no Brasil, Höfer mostra trabalhos feitos durante residência na Espanha, em 2007, e a famosa foto do teatro Cuvilliés, localizado em Munique, clicado em 2009. NG

Congresso N ac i o n a l e A n e xo s Brasília I (2005), de Ca n d i da H ö f e r

Candida Höfer – Luz, L i n h a s e L u ga res , até 22 de dezembro, na G a le ria Le m e, Av. Valdemar Ferreira, 130, São Paulo-SP www.galerialeme.com

fotos: Candida Höfer / VG Bild-Kunst, Bonn, e, demais, divulgação

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P raia v ista de cima , da s é rie R io ( 1 9 6 2 ) , de A l b er to F erreira

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MERCADO

DE OLHO NO VINTAGE Com público de 10 mil visitantes, a SP-Arte aponta nova tendência do colecionismo de fotografia

Em sua sexta edição, a SP-Arte Foto consolidou-se como o maior evento dedicado à fotografia na América Latina. Cerca de 10 mil pessoas circularam pelo evento realizado em novembro, no shopping JK Iguatemi, em São Paulo, – mil a mais do que na edição passada – e tiveram a oportunidade de conhecer o trabalho de 271 artistas representados por 23 galerias do País. Fernanda Feitosa, diretora do evento, aponta que a fotografia vintage foi a grande tendência da edição. “A fotografia vintage é aquele trabalho revelado pelo próprio artista e que, geralmente, possui apenas uma cópia”, explica Feitosa, que acaba de iniciar uma coleção de fotografias vintage que já conta com 70 itens. Outra tendência apontada pela organizadora é a preferência das galerias por projetos-solo. A Galeria Millan limitou-se a apresentar Sofia Borges e Matheus Rocha Pitta, a Galeria Celma Albuquerque levou só as obras dos fotógrafos mineiros Pedro Motta e João Castilho, e a Galeria Logo chamou atenção com o ensaio de autorretratos realizados pelo fotógrafo skatista Fabiano Rodrigues, na Pinacoteca. “Essa escolha das galerias de mostrar trabalhos de poucos artistas é algo que percebo como uma tendência mundial das feiras de arte. As galerias estão econômicas e cuidadosas na seleção de trabalhos, porque o público também está mais exigente”, diz ela. NG

DESIGN

HOOLIGANS NATALINOS Finalmente, uma opção às bolinhas coloridas e luzinhas brilhantes

O Natal é uma época de celebração, mas para muitos pode ser um tormento. Trânsito infernal, pessoas loucas nas ruas em busca de presentes e decorações de gosto duvidoso nos shoppings e espaços urbanos. Se você é avesso à maratona festiva e tem preguiça de encher sua árvore com bolinhas e luzinhas brilhantes, talvez os enfeites HO HO HO, criados pelo casal de designers Sebastian e Amanda Reymers, sejam ideais para a ocasião. O nome não é só uma onomatopeia para a famosa risada atribuída ao Papai Noel. É também a sigla de Horrible Holiday Hooligans, que em português significa “horríveis arruaceiros do feriado”. Os adereços são feitos artesanalmente com feltro, metal e madeira e, quando pendurados na árvore, se transformam em uma horda de pequenos homens armados com serras, machados e fósforos prestes a botar abaixo o maior símbolo do Natal. Vendidos em trio ou separadamente, os enfeites custam cerca de US$ 36 e podem ser encontrados na Etsy, loja online especializada em artigos artesanais. NG FOTOS: cortesia dos artistas e divulgação

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a pintura incidente p r o f u n d o, d e r o b e r to c a b ot, i n t e g r a a c o l e t i va b u z z , n o r o e s l e r h ot e l

Buzz, curadoria de Vik Muniz, de 1º de dezembro de 2012 a 16 de fevereiro de 2013, Galeria Nara Roesler, Av. Europa, 655, São Paulo-SP www.nararoesler.com.br

Artes visuais

A vulnerabilidade da matéria Laura Vinci realiza primeira mostra individual na Bahia, apresentando as obras No Ar e Diurna na Capela do MAM

A instalação No Ar, de Laura Vinci, que já foi vista em São Paulo em espaços institucionais e comerciais, chega ao público baiano transfigurada, porque ocupa a área central de uma capela do fim do século 17. O espaço faz parte do Solar do Unhão, conjunto arquitetônico colonial que abriga o Museu de Arte Moderna de Salvador. A obra é composta de um piso de mármore levemente inclinado, em cujo centro há uma forma arquitetônica em baixo-relevo, de onde se elevam vapores frios, agregando sentidos à atmosfera já contemplativa e silenciosa do local. Do lado de

fora, uma obra inédita da artista paulistana, Diurna, trata da passagem do tempo por meio de textos aplicados nas paredes e da entrada contínua de luz pelas dez janelas da capela, que permanecerão abertas. “O texto fala da situação espacial da capela em relação ao movimento do sol, sua relação com o poente, com a luminosidade de diferentes momentos do dia que penetra o espaço, e nossa relação com esse espaço”, diz Vinci. Em março, a artista lança, também no MAM-BA, um livro que reúne sua produção artística de 1997 a 2012, pela editora Cosac Naify. JM

No ar, i n sta l ac ã o d e l au r a v i n c i

Laura Vinci, de 15 de dezembro a 17 de março, Capela do Museu de Arte Moderna da Bahia, Av. Contorno, s/nº, Solar do Unhão, Salvador-BA

fotos: divulgação

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Artes visuais

Buzzzzzzz Vik Muniz aprimora sua carreira de curador em exposição sobre o novo estado de evolução estética da op art

Vik Muniz, curador. Mais de 70 obras de 55 artistas ocupam o Roesler Hotel, projeto institucional da Galeria Nara Roesler, que funciona em seu recém-inaugurado anexo. Depois da curadoria do mexicano Patrick Charpenel, diretor da Colección Jumex, a exposição Buzz, assinada por Muniz, promete distorcer a percepção visual dos visitantes. O curador mescla obras dos pioneiros da op art, como Aluísio Carvão, Jesus Rafael Soto, Carlos Cruz-Diez, Abraham Palatnik, Bridget Riley e François Morellet, com trabalhos de Roberto Cabot, Fred Tomaselli, Jim Isermann, Karin Davie, Tauba Auerbach e Wayne Gonzales. “Sempre quis realizar uma mostra de op art, que vive um novo estado de evolução estética, mais instintivamente conectado ao seu conceito tecnológico e emancipado da tirania da avaliação crítica”, afirma Muniz. Em paralelo à abertura de Buzz, a galeria inaugura individual de Isaac Julien. JM

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Untitled #466 ( 2 0 0 8 ) , d e c i n dy sherman

fotografia

Foto fantasia Após o sucesso de público no MoMA, em Nova York, retrospectiva de Cindy Sherman chega ao Brasil em 2013

Autora da foto mais cara da história (Untitled #96, vendida por R$ 3,8 milhões em leilão), a americana Cindy Sherman terá sua primeira retrospectiva em solo brasileiro no próximo ano. Programada para acontecer no segundo semestre na Pinacoteca de São Paulo, a mostra foi produzida pelo Museu de Arte Moderna de Nova York e bateu recorde de público por lá, entre fevereiro e junho de 2012. Sherman é uma das mais importantes artistas da atualidade e é conhecida por se autorretratar interpretando diferentes personagens. Serão apresentados 170 trabalhos que compreendem a carreira da norte-americana desde o início, nos anos 1970, até hoje. Entre as obras famosas presentes na exposição está a série fotográfica United Film Stills, realizada entre 1977 e 1980, em que a artista se fotografa vestida como heroína de filmes de cinema e duas imagens da recente série de fotografias em grande dimensão produzidas contra paisagens monumentais e românticas. NG

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Ulysses, de José Rufino, até 17 de fevereiro, Casa França-Brasil, Rua Visconde de Itaboraí, 78, Rio de Janeiro -RJ www.casafrancabrasil. rj.gov.br

Au to p i sta d e l S u r , d e Leon Ferrari, é uma r e p r e s e n ta ç ã o d e c i r c u i to f e c h a d o, n a c o l e ç ã o d o M A M -SP

Circuitos Cruzados – Centre Pompidou Encontra o MAM, de 22 de janeiro a 31 de março, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, Portão 3

Audiovisual

Circuitos compartilhados Exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo promove encontro entre seu acervo e o do Centre Georges Pompidou

As instalações do acervo do Pompidou, em Paris, que se valem de câmeras de circuito fechado, estão entre as obras mais emblemáticas da experimentação em vídeo dos anos 1970. Cinco dessas peças da coleção francesa, de artistas como Dan Graham, Bruce Nauman e Vito Acconci, nunca mostradas no Brasil, foram escolhidas pelas curadoras Paula Alzugaray e Christine van Assche para estabelecer um diálogo com obras contemporâneas da coleção do MAM de São Paulo. O circuito fechado é a tecnologia de vídeo usada nos sistemas de vigilância contemporâneos. Uma estratégia da curadoria foi identificar,

no acervo do MAM, de que maneiras o conceito do circuito fechado reverbera em obras realizadas em outras mídias, como, por exemplo, na heliografia Autopista del Sur (1982-2007), de Leon Ferrari. Entre os brasileiros estão Cildo Meireles, Rosangela Rennó, Laura Lima e Felipe Cama. À conversa entre acervos soma-se a iniciativa de comissionar dois novos trabalhos, um da brasileira Lia Chaia e outro do norte-americano Tony Oursler. Esse último, obra da célebre série das “cabeças falantes”, consiste em projeções noturnas de faces sobre as copas das árvores do parque. JM

fotos: divulgação e Sergio Araújo / divulgação (rufino)

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Artes visuais

Entre Macunaíma e Odisseu José Rufino embarca no mito homérico e constrói representação de Ulysses com material garimpado

“Mais que uma imensa escultura, Ulysses é uma odisseia pela Baía de Guanabara e pela cidade do Rio de Janeiro. É uma transmutação da Odisseia de Homero para as águas, ilhas, mangues, rochedos, rios e terras cariocas. É uma aventura que passa pelo mito homérico, pela saga do personagem de James Joyce e chega aos heróis e anti-heróis da cidade”, diz o artista José Rufino sobre o conceito por trás de sua intervenção homérica na Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro. Na obra de 190 m3, que ocupa todo o vão central do espaço é uma espécie de recriação de Ulysses a partir de materiais garimpados no Rio de Janeiro ao longo de três meses. Madeiras, pedras, ferros, concreto, conchas, cerâmicas etc. são recuperados do descarte e reinseridos em um sistema de valores simbólicos, reciclados, portanto, material e culturalmente, para constituir o corpo do herói monumentalizado, a um só tempo relíquia e ruína. JM

pintura d e pau lo meira

Artes visuais

Gardel em descompasso Em exposição individual no Rio, Paulo Meira usa o tango como figura de linguagem para abordar a relação entre o artista e a técnica

La Cumparsita tem autoria do uruguaio Gerardo Matos, mas foi na voz de Carlos Gardel que se tornou o tango mais difundido do mundo. Agora o clássico é interpretado pelo pernambucano Paulo Meira e torna-se tema de um vídeo que aborda a relação entre o artista e suas técnicas. Nesse trabalho, um homem dança ao som do tango tendo com parceira uma estrutura metálica de 1,78 metro, em forma de um compasso, o instrumento de medição. Artista revelado pelo programa Pa u lo Me i ra – L a Rumos Visuais do Itaú Cultural, de 1999/2001, premiado pelo Cumparsita, a partir Instituto Sérgio Motta de Arte e Tecnologia, em 2007, Meira de 22 de janeiro de 2013, faz sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro, na Galeria Laura Marsiaj, Galeria Laura Marsiaj. A mostra também é composta de pinRio de Janeiro turas que, como apontou a crítica Cristiana Tejo em texto sobre obra anterior, são sempre um manancial que se infiltra nas outras linguagens exploradas por Meira. PA

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artes visuais

Maxwell está chegando Gustavo Rezende interpreta a escultura pós-campo expandido

Thompson, Gus e Maxwell são alguns dos personagens enigmáticos que habitam a produção de Gustavo Rezende, todos esculpidos à imagem e semelhança do próprio artista. Investigador incansável das implicações contemporâneas do tridimensional, Rezende realiza até fevereiro sua segunda individual na Galeria Marília Razuk, Maxwell Vindo. A primeira exposição individual na casa nova, em 2009 (o artista foi do time da Triângulo por muitos anos), recebera o nome Crepe Sexy Thing, título da instalação feita com relevos de fita crepe sobre as paredes, que continham narrativas picantes. Em Maxwell Vindo, Rezende ocupa as paredes com nova instalação, de caráter mais bucólico e contemplativo, que serve de ambientação à escultura em tamanho natural que retrata Maxwell como engrenagem de uma superestrutura pós-industrial e arcaica a um só tempo - lúcida interpretação do trabalho da escultura pós-campo expandido. JM

Dudi Maia Rosa, até 20 de dezembro, Galeria Mi lla n , Ru a Fra diqu e Coutinho, 1. 360, São Paulo-SP www.galeriamillan.com.br

Gustavo Rezende Maxwell Vindo, até 8 de fevereiro, Galeria Marília Razuk, Rua Jerônimo da Veiga, 131, São P aulo-SP www.galeriamariliarazuk.com.br

sofá (2012), aq ua r e l a d e d u d i m a i a r o sa n a galeria millan

artes visuais

Aquarela, cinema e paisagem Em mostra individual, artista mescla suas obras abstratas em fibra de vidro com trabalhos inéditos sobre papel, que retomam a figuração

Dudi Maia Rosa figurativo? Fazendo aquarelas em papel? Por improvável que pareça, esse é o assunto de sua exposição em cartaz na Galeria Millan. Famoso desde os anos 1980 pela técnica que desenvolveu em seus “fibers” (obras em fibra de vidro que exploram questões tanto da pintura quanto da escultura), o artista apresenta aquarelas realistas que discutem a tradição da paisagem, da natureza-morta, além de reproduzirem cenas de cinema e imagens para projetos não realizados. JM FOTOS: divulgação e Raoul Kramer / divulgação (blok k)

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Connecting Concepts - Design Holandês e Processos de Criação, até 20 de janeiro, Museu de Arte Brasileira da Faap, Rua Alagoas nº 3, Prédio 1, São Paulo-SP

Artemídia

do mega ao micro José Wagner Garcia sintetiza 20 anos de arte em livro organizado por Lucia Santaella b lo k K ( 1 9 9 9 ) , d e NL A r c h i t e cts , n o m ab - faa p

design

Made in Holanda Mostra itinerante inédita no Brasil agrega conceitos e obras de designers de diferentes lugares por onde passa, revelando conexões culturais insuspeitas

Revelar a conexão entre o design holandês e a produção artística brasileira, e de outros países do mundo, é um dos principais objetivos da exposição Connecting Concepts. Em cartaz no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado, a mostra conta com a curadoria do holandês Ed van Hinte – criador da fundação Eternally Yours, localizada em Amsterdã e dedicada a pesquisas sobre o design de produto. Além de destacar o design do País, a iniciativa traz ao Brasil o conteúdo de cada local por onde já passou, como Índia, China, Alemanha e Turquia. Entre os clássicos do design holandês apresentados está a famosa Knotted Chair (Cadeira de Nós), de Marcel Wanders, que combina a arte tradicional de macramê – técnica de tecelagem manual – com materiais contemporâneos. NG

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A Eco e a Tecnociência na Arte de José Wagner Garcia, Organização Lucia Santaella, Editora Jatobá, 144 págs, R$ 40

Arquiteto, artista e visionário, José Wagner Garcia é nome obrigatório em qualquer história séria sobre a artemídia brasileira. Com projetos que transitam em diferentes escalas, das dimensões mega dos satélites àquelas invisíveis dos sistemas ecológicos, ele não se prende a nenhum tipo de interface específica. Garcia trabalha com diversos materiais – de holografias a radares – e inúmeras áreas do conhecimento e da ciência, como geomorfologia, astrofísica e ótica. Em livro organizado pela professora Lucia Santaella, coordenadora da pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP, a obra de Garcia é contemplada por especialistas de campos tão heterogêneos como os da sua produção. Entre outros autores, escrevem sobre a obra do artista o crítico de cinema Arlindo Machado, o filósofo Nelson Brissac, o artista Julio Plaza, a curadora Priscila Arantes e o astrofísico Jorge de Albuquerque Vieira. GB

a c a n to r a V â n i a B a sto s e u m a e sta ç ã o d e c o m p u ta ç ã o g r á f i c a n o início dos anos 1980

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design

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s u st e n ta b i l i da d e

Redesign para um mundo melhor Rafael Vasconcellos desenha coleção de utilitários fazendo uso apenas de material descartado nas ruas de São Paulo

Arquiteto de formação, o designer paulistano Rafael Vasconcellos convive com a requalificação de material descartado desde a infância, passada entre artesãos e artistas em Tiradentes e no Vale do Matutu, em Minas Gerais. Com o reaproveitamento de madeira de árvores caídas e troncos de queimadas, ou que desciam pelo rio, ele construiu sua primeira casa, ainda adolescente, no interior de Minas. Há um ano de volta a São Paulo, Vasconcellos deixou de lado a criação de mobiliário de candeia, madeira comum na região em que vivia, para se dedicar a vasculhar as ruas da cidade grande recolhendo tudo que pudesse encontrar de madeira. O impulso deve-se ao verdadeiro choque que teve ao se deparar com o desperdício em escala megalomaníaca do cotidiano de uma metrópole. Todo o material co-

letado é desmontado, impermeabilizado, e recebe diversas camadas de tinta e outros componentes para se assemelhar aos módulos de móveis rústicos do interior. Recombinados, os fragmentos de descarte tornam-se gaveteiros, cachepôs, revisteiros, bancos, criados-mudos, fruteiras e até jardins verticais. As peças são vendidas na própria oficina do designer, na Vila Ipojuca, apostando na reinserção na sociedade do lixo que esta descarta. O nome da coleção é Lixo Luxo. JM Lixo Luxo RV www.rafaelvasconcellos.com.br patrocínio:

Foto: divulgação

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tribos do design

Retromaníacos 28

O futuro entra em ritmo de retrospectiva, turbinado por novos materiais. Velhas formas são renovadas para encher os olhos e esvaziar os bolsos de uma legião de neoconsumidores

Phantom Corsair Criado por Rust Heinz em 1983, este carro tem o seu design inspirado no sedan Cord Winchester de 1936

Berço Ameise Design Com design 100% brasileiro, este berço estiloso tem o desenho inspirado em uma televisão dos anos 1950

Sapatos Prada Em sua coleção primavera /verão 2012, a Prada inspirou-se nos automóveis dos anos 1950 para criar essas sandálias

Luna Personal Robot Projetado pela RoboDynamics, este robô de 1,80 m pode ser programado para fazer tarefas domêsticas, como levar o seu cão para dar um passeio

Moto Adbad Vermelha Esta motocicleta-conceito que se parece com um foguete foi projetada pelo russo Michael Smolinov

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Frigobar Brastemp O BRA08AV é um minirrefrigerador em estilo retrô com capacidade para armazenar 76 litros

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Batedeira KitchenAid Esta linha de batedeiras vem em várias cores e com design com cara de cozinha de avó

Philco PC Inspirado pelo design dos anos 1950, este computador da Philco possui teclado parecido com o de uma máquina de escrever

Sofá Marshmallow Um clássico do design de móveis, este sofá foi criado em 1956 por George Nelson

Leica M7 Edição Hermets Modelo clássico da Leica com lente de 35 mm foi relançado em edições limitadas

Fotos: divulgação

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mundo codificado

Espaço

Tecnologias emergentes

Energia Recarga sem fio

Os principais avanços esperados nas Tecnologias que já são de ponta Até 2050, nosso cotidiano vai ser cada vez mais mediado por dispositivos integrados ao corpo. As máquinas terão inteligência e comportamento próprios e as distâncias entre a Terra e o espaço sideral serão sensivelmente encurtadas. O avanço nas telecomunicações, na pesquisa e desenvolvimento de interfaces e os novos materiais estão na base do admirável mundo novo pesquisa e texto: Giselle Beiguelman infográfico: lucas rampazzo

O campo eletromagnético é usado para transferir energia entre dois objetos, fazendo o carregamento da bateria por meio de ondas. Pode ser importante no desenvolvimento do carro elétrico

Material

Biotecnologia Impressão de órgãos Produzidos pela combinação de células e engenharia de materiais para reposição de funções biológicas

Sensores

Internet Guerras cibernéticas Operações de invasão de servidores nacionais por outros países

Inteligência artificial

Cirurgias robóticas

Expandirão as habilidades dos cirurgiões e diminuirão as rotinas invasivas, com instrumentos telecontrolados

Fontes: http://envisioningtech.com/envisioning2012 http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-43/so-no-site/ray-kurzweil-e-o-mundo-que-nos-espera

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Habitações Lunares

Elevador Espacial

Estenderão as possibilidades de habitação para além da Terra

Para transportar coisas da Terra ao espaço

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Vidraças fotovoltaicas

Energia maremotriz

Geração de energia a partir da força motriz das marés

Convertem energia solar em eletricidade

Metamateriais

Com propriedades que não se encontram na natureza, poderão auxiliar no monitoramento de terremotos e gerenciamento de usos de energia solar

Engenharia climática

TWR

Manipulação do clima por meio de interferências programadas que permitirão, por exemplo, reverter o aquecimento global

Arquiecologia

Capas ópticas de invisibilidade

Conjunto de regras projetuais para implantação de hiperestruturas integradas orientandas (sistemas comerciais, residenciais, agrícolas etc) para minimizar o impacto ambiental

Tecnologias de camuflagem que permitirão aos objetos se fundirem com o espaço circundante

NANOMontador

Exoesqueleto

Dispositivo que guiará as reações químicas e poderá, no limite, máquinas com perfil orgânico capazes de autorreplicar-se e alimentar-se

Uma “carcaça” high tech com recursos energéticos adicionais, proverá ao corpo a força necessária para movimentação dos membros

Carregadas pelo sangue, permitirão assistir vídeos, simular tatuagens e até fazer o corpo ser um computador ou um telefone

Retinas Artificiais

Programas sofisticados analisarão o mercado e enviarão informações sobre oportunidades de negócio que podem estar abertas apenas por alguns segundos

Internet Interplanetária

Uma internet da energia na qual geradores de força e sensores estão conectados em uma rede dedicada melhorando a eficiência da entrega

Uma forma de propulsão de espaçonaves que utiliza a pressão da radiação para gerar a aceleração

Materiais programáveis

Processarão informações e poderão ter suas propriedades físicas alteradas em conformidade com as demandas do usuário ou automaticamente

Desenvolvidas com células-tronco promoverão rejuvenescimento de tecidos e o retorno a uma idade anterior

Microcâmeras embutidas em óculos capturarão imagens que serão enviadas ao olho, por meio de pulsos

Instalados no corpo humano, serão controlados por interfaces cerebrais

Vela solar

Drogas antienvelhecimento

Telas subcutâneas

Membros assistidos

Comércio HI-FI

Reator nuclear capaz de funcionar cem anos sem recarregamento de combustível que converte fertilizantes em fósseis e gera combustível

Neuroinformática Ramo da ciência que integra os sistemas neurológicos aos computacionais

Enernet

Uma internet da energia na qual geradores de força e sensores estão conectados em uma rede dedicada, melhorando a eficiência da entrega

Cognição Maquínica

bóticas

bilidades iminuirão as, com econtrolados

Novos sistemas de interação homem-máquina baseados em uma superinteligência, 1 bilhão de vezes mais rápida que o nosso cérebro

Robôs domésticos

2018

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2020

2030

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Giselle Beiguelman

Um museu de grandes novidades (velhas) A cultura pop celebriza o passado na mĂşsica, na moda, no design, na arquitetura e no entretenimento, transformando o momento em monumento ao presente que nĂŁo foi

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J ov e n s d e 2 0 e p o u c o s a n o s h i s t é r i c a s pa r a v e r Pa u l McCartney. No carro, o rádio anuncia prêmios para quem tirar a melhor foto inspirada na capa de um dos discos dos Beatles. Outra estação toca, em sequência, uma nova – mais uma – versão de To Sir With Love (música tema do filme Ao Mestre com Carinho, de 1967) e depois uma novíssima regravação de Can’t Take My Eyes Off You. Sucesso original de 1967, foi regravada por Diana Ross, Gloria Gaynor, Julio Iglesias e remixada nos anos 1990 pela banda Pet Shop Boys e sabe-se lá quantos mais... Logo depois, começa a tocar a trilha ícone do desespero 1980, The Smiths, também regravado, pelo seu eterno vocalista Morrissey. Outras bandas ressurgem com ídolos uva passa, por vezes esticados com algumas gotas de Botox. Nem sempre. Muitos parecem trazer nas fotos todas as marcas do tempo, em barbas e bigodes esbranquiçados pelos anos de várias décadas. A compensação? Ver as fotos de nossos ex-novos-ídolos, quando eram bem mocinhos e mocinhas, estampadas em caixas de CDs para colecionador. Aquela tal box de Natal que vai fazer o papai recordar todas as

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E M S E n t i d o h o r á r i o, c e n a e p ô st e r d e b a r b a r e l l a , f oto s d o e l e n c o o r i g i n a l d e da l l a s e d o r em a k e d e Da l l a s , p ô st e r d e N a s c e u m a E st r e l a e c e n a s d e d i rt y da n c i n g

FOTOs: divulgação

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trilhas de sua época e o filhinho inventar as suas. No meio disso tudo, pode apostar, tem “aquela” que ninguém nunca ouviu nem vai lembrar. Melhor que isso só os tais cults que saem em LPs. Grandalhões e “muito superiores” aos CDs. Basta ter um toca-discos em casa. Se não tem, compre ou encontre um tocador de mp3 retrô. Dá na mesma. Agora, se for para arrasar mesmo, o melhor é achar um com cara de toca-fita. Tem aos montes na internet. Corta para o cinema e a televisão. Filme sobre a Tropicália traz cenas de arquivo raras. “É quase um documentário de época”, diz o diretor Marcelo Machado. Sonho de consumo da molecada é comprar uma Lomo analógica no Natal. Quem pode, pode. Quem não pode, que meta um filtro tipo Polaroid no seu Instagram. Se der sorte, pode até embrulhar seu celular com um case irado de fita cassete – só quem não viveu o suplício dessas geringonças que enroscavam e se partiam pode ter saudade disso – ou de Leica. O blog Next Movie anuncia que estão previstos para 2013/2014 nada menos que 50 remakes de filmes hollywoodianos de sucesso. Entre eles, Carrie a Estranha (1976), Robocop (1987) e Dirty Dancing (Ritmo Quente, 1987). Até Barbarella (1969), com substituta indefinida para a diva Jane Fonda, vai voltar. E também alguns clássicos, como Os Sete Samurais (Akira Kurosawa, de 1954), Os Pássaros (Alfred Hitchcock, de 1963) e Nasce uma Estrela (eternizado pela versão com Judy Garland, em 1954, mas que já foi filmado três vezes – uma antes, em 1937, e depois, em 1976). Nesse, verdadeira obsessão do remake, agora com direção de Clint Eastwood, Beyoncé chegou a ser cotada para ser a mocinha que sonha ser artista. Anunciou recentemente que não o fará. Alguma outra bombshell a substituirá com toda pompa. E ainda tem a continuação da série Star Wars prevista para chegar aos cinemas em 2015.

Esquina do passado

Séries e novelas de televisão são reapresentadas em “novas” versões a rodo, de Hawaii Five-0 a Guerra dos Sexos, passando por Dallas, Chiquititas e Carrossel, um tsunami de imagens de antigamente invade a grade da tevê aberta e a cabo, em diferentes horários e em diversos lugares. E assim Gabriela volta, toda cravo e canela, e o remake de O Astro ganha prêmio no Emmy. O Led Zeppelin reúne-se outra vez e os Beach Boys mostram que ainda dão um caldo, embalados numa surfing Califórnia que nunca foi governada – duas vezes – por Arnold Schwarzenegger. Em que século estamos? No 21, uma esquina do passado em que lambretas, milk-shakes, bananas-split, cadeiras pés-palito e até baby bliss fazem sucesso em busca da saudade de um passado não vivido. Tem calça jeans toda rasgada e estropiada, que você compra hoje para parecer que usa desde os anos 1960, apesar de ter nascido nos anos 1990 e bem poucos. Têm carros da era quase pré-mecânica e até, acredite, frigobar colorido. Entre fuscas que viraram “beetle”, Mini Coopers, Fiat 500 e Chrysler PT Cruisers inspirados no modelão célebre dos anos 1930, o design retrô se impõe e ganha fiéis seguidores.

Curadores-arquivistas

Séries e novelas são reapresentadas em “novas” versões a rodo, de Hawaii Five-O a Guerra dos Sexos, um tsunami de imagens de antigamente invade a grade da tevê aberta e a cabo

Difícil discordar do crítico britânico Simon Reynolds, quando afirma, em Retromania: Pop’s Culture Addiction to its Own Past, que “ao contrário de ser sobre si, os 2000 são sobre todas as décadas anteriores, acontecendo de novo, de uma só vez”. Inaugura-se um novo tempo: o do presente que não foi. É tudo “re” (remakes, regravações, reedições, revivals) e está tudo à venda. Inclusive no cartão. Em dez vezes sem juros, ou mais. Uma brasa, mora? Tudo isso acompanhado de muita cozinha de fórmica ressuscitada, penteados rockabilly e hippies e punks de butique de todas

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e m s e n t i d o h o r á r i o, m i n i c o o p e r e c h rys l e r PT C r u i s e r r e v i s i ta m o d e s i g n d o s a n o s 1 9 3 0 ; o r e to r n o d o LED z e p p e l i n , a d i s n e y pa r i s i e n s e , c e n a s d o r e m a k e da n ov e l a G u e r r a d o s s e xo s e a c â m e r a lo m o

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as raças, gêneros e nacionalidades. Nem a praia escapará dessa invasão. Vai ter muito lacinho, bustiê armado com quilômetros de bojo, maiô inteiro e duas-peças de deixar sua avó com inveja. É, ao menos, o que desejam os estilistas mais in. De Marc Jacobs a Amir Slama, está todo mundo apostando no bye-bye fio-dental. Mais um sopro de conservadorismo travestido de fashion trend? “A vanguarda tornou-se retaguarda”, afirma Reynolds. “E no lugar dos inovadores, o que temos agora são curadores-arquivistas”, diz. Afinal, nunca o passado nos foi tão fácil de acessar. Está a um clique de distância de nossas mãos. A esse respeito, Kenneth Goldsmith, editor e curador do site Ubuweb, um dos maiores acervos online de arte experimental e cultura contemporânea, diz: “Os modos como a cultura é distribuída e arquivada tornaram-se profundamente mais intrigantes do que o artefato cultural em si. O que experimentamos é uma inversão do consumo, uma vez que passamos a nos envolver de maneira mais profunda com atos de aquisição do que com o que estamos adquirindo; ou a preferir as garrafas ao vinho”.

Cenarização do passado

O problema não é a preservação do passado, mas a transformação do momento em monumento a-histórico e em objeto de consumo fácil. “Antigamente, as mercadorias faziam promessas, sobretudo com o futuro. Hoje, toda uma classe (predominante) de mercadorias existe para inventar uma história, um tempo perdido de intimidade e estabilidade, de que todo mundo afirma se lembrar, mas que ninguém teve”, escreveu o crítico norte-americano T. J. Clark. No ensaio O Estado de Espetáculo (2005), pergunta ainda o que significa todo esse aparato de fabricação do passado, “senão uma tentativa de expulsar da consciência a banalidade do presente?”. Em tempos de aceleração tão vertiginosa do cotidiano,

parece que a única alternativa é “criar outro presente para ocupar o lugar do que foi expulso”, diz. Não se trata apenas de um vazio do presente. Umberto Eco mostrou, em um best seller dos anos 1980 – Viagem na Irrealidade Cotidiana –, que esse tipo de movimentação pavimentava também “uma filosofia da imortalidade enquanto duplicação”. Como se não pudéssemos conviver com o passado e só fosse possível fazer sua cópia, não sua preservação pela memória. Não se pode deixar de notar o quanto isso fomenta uma abordagem temática das instituições e espaços de convívio, que consolidam a cenarização permanente do passado na forma de arquitetura. O professor de pesquisa social da Universidade de Loughborough (Inglaterra) Alan Bryman explica, em A Disneyficação da Sociedade (2004), que o processo “retromaníaco” tem razões econômicas. Em um estágio do capitalismo dominado cada vez mais por serviços semelhantes, a economia passa a funcionar como “economia de experiências, em que os consumidores buscam serviços que os entretenham e sejam memoráveis. Do ponto de vista dos prestadores de serviços, eles sabem que muitos consumidores estão se cansando dos serviços e ambientes padronizados que encontram o tempo todo. A temati-

O processo retromaníaco tem razões econômicas, explica Alan Bryman, autor de A Disneyficação da Sociedade

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zação ajuda a diferenciar um serviço, ou contexto, dos demais”. O resultado é a disseminação do espírito de Las Vegas em mares nunca dantes imaginados. Você pode ir para Paris e, além de conhecer o Louvre, transportar-se, como em um passe de mágica, ao reino encantado de Walt Disney, sem sair do Velho Continente. Basta escolher um hotel, como o Cheyenne, e você já estará no “lendário Velho Oeste” – norte-americano, of course – apesar de estar na Europa no século 21. Se não apetecer, pode escolher o Santa Fé, que promete “noites estreladas do Novo Mundo entre conquistadores espanhóis e índios americanos”. Imperdível. Emerge daí um presente não necessariamente assombrado pelo fake e pelo vintage, mas um processo de esvaziamento da história, em que ao passado cumpre apenas a função de fornecer uma capa divertida ao presente. Restaura-se tudo, de GIFs animados – tecnologia de animação da primeira época da internet – a filmes clássicos e blockbusters, a estéticas do VHS e games populares dos anos 1980, como o Atari. Entre lixos e obras-primas, fica a pergunta: do que sentiremos saudade no futuro, se o nosso presente é pura “re”produção do passado?

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e m s e n t i d o h o r á r i o, r e e n c o n t r o da b a n da b e ac h b oys , o l e g e n d á r i o s gt p e p p e r ’ s , pau l M c C a r t n e y h oj e , e cenas do documentário T r o p i c á l i a , d e m a r c e lo m ac h a d o : to m z é , m u ta n t e s , c a e ta n o v e lo s o r e v i s i ta n d o a juventude

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A TERCEIRA re vo l u ç ã o i n d u s tria l MARA GAMA

No futuro próximo, os birôs de fabricação digital dividirão as esquinas com os carrinhos de pipoca e cachorro-quente. Com as impressoras 3D, o design viaja de forma barata, qualquer geometria é exequível e torna-se possível fundir coisas que não podiam ser misturadas, como música e volumes tridimensionais em ferro

Vozes e ruídos dos bairros do Grajaú, Cidade Tiradentes e da região da Santa Ifigênia, em São Paulo, se fundem ao desenho de cadeiras ícones do design paulistano. Um pote raro de cerâmica marajoara é clonado e estudado pelo mundo afora, sem risco de quebrar. Uma família manuseia uma réplica de seu bebê em gestação. São alguns projetos de designers brasileiros com impressão 3D, ou fabricação digital aditiva. A fabricação digital é um processo em que desenhos feitos ou transformados no computador são materializados. Há três técnicas: aditivas, subtrativas e conformativas (ou formativas). As aditivas produzem objetos pela sobreposição de camadas sucessivas de material líquido ou em pó, como resina, plásticos diversos, gesso ou metal, que são solidificadas, umas sobre as outras. As subtrativas removem material de um bloco, como uma escultura, com cortadoras, perfuradoras e fresas. As técnicas conformativas ou formativas moldam e curvam chapas. A tecnologia já existe desde os anos 1950, mas as máquinas eram extremamente caras e tinham muitas limitações quanto ao tamanho dos objetos produzidos. Por causa disso eram usadas por grandes fábricas apenas para testar seus projetos. Ficaram conhecidas como máquinas de prototipagem rápida. Com o aprimoramento constante – mais tipos de materiais para compor os objetos, possibilidade de produzir itens maiores e mais complexos – e barateamento de hardware e software, as máquinas deixaram de ser apenas adequadas para fazer testes e passaram a ser usadas para produzir efetivamente. Aí o salto. Se ainda não está disponível em cada esquina, como imagina o projeto Kiosk, a fabricação digital está disseminada e gerando frutos em alguns escritórios, ateliês e laboratórios no País, seja no formato dos FAB LABs, criados pelo pesquisador Neil Gershenfeld, do Centro para Bits e Átomos do Massachusetts Institute of Technology (MIT), como é o da FAU-USP, seja em centros ligados a institutos de tecnologia e arquitetura, como são o Núcleo de Experimentação Tridimensional (Next), da PUC do Rio, do Instituto Nacional de Tecnologia, e do Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (Lapac), da Unicamp.

Ilustração: Andrei speridião

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Ca d e i ra s - m a n i f e sto As cadeiras Nóize foram criadas pelo arquiteto Guto Requena. As matrizes são a Girafa, de Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki, a Oscar, de Sérgio Rodrigues, e a cadeira São Paulo, de Carlos Motta. Depois de captadas e modeladas em plataforma digital 3D reproduzindo seu molde físico, foram submetidas a uma deformação – com a linguagem Processing – por meio de um arquivo de áudio, obtido em gravações nas ruas dos três bairros paulistanos. O arquivo digital resultante desse processo de mixagem foi enviado via web para a Bélgica, diretamente para uma máquina de impressão 3D da empresa I-materialize, uma das mais atuantes na área. Após a impressão em ABS – o mesmo material de alta resistência de que são feitas as peças de Lego –, as três cadeiras foram despachadas para o Brasil. São quase iguais às suas mães, mas parecem vibrar. “A forma final é o que menos importa. Ela é incômoda. Não foi a beleza que me guiou. O bom design tem de contar uma boa história, antes de mais nada”, diz Requena. A série foi encomendada para uma mostra do coletivo Amor de Madre, em que três designers não paulistas criaram odes à “beleza escondida” de São Paulo. Não foi a primeira experiência de Requena com o mix digital com propósito poético. Para a Semana de Design de Milão de 2012 ele criou a coleção Era Uma Vez, para a empresa de vidros Guardian. Registrou pelo celular, em mp3, a voz da própria avó contando fábulas. Os registros foram usados como parâmetro e se transformaram em volumes tridimensionais, gerando as formas finais dos vasos. Mas, na hora de fabricar, Requena optou pela técnica artesanal da moldagem por sopro, em formas de ferro. O designer se diz fascinado com a riqueza de possibilidades digitais: “Quando tudo pode virar bit, tudo pode virar a mesma coisa, códigos numéricos. E você pode fundir coisas que antes não podiam ser misturadas”, diz.

forma final é o que menos importa. Ela é incómoda. Não foi a beleza que me guiou. O bom design tem de contar uma boa história diz o arquiteto Guto Requena

Fotos: OTaVIO PACHECO; na página ao lado, roberto stelzer

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f á b r i ca d o m é st i ca O mesmo entusiasmo tem o autor Chris Anderson, editor da Wired, no seu recente Makers – The New Industrial Revolution. “A Era da Web liberou os bits; eles são criados de forma barata e viajam de forma barata também. Isso é fantástico”, escreve. Anderson defende que a “fábrica doméstica” engendra uma nova revolução industrial, porque muda o circuito da produção. “Vimos como o modelo de democratização inovador da web impulsionou o empreendedorismo e o crescimento econômico. Imagine só o que um modelo similar pode fazer na macroeconomia do Mundo Real. Isso já está acontecendo. Há centenas de empreendedores emergindo hoje do Maker Movement, industrializando o espírito do DIY (doit-yourself, faça você mesmo)”, escreve o autor. O designer carioca Jorge Roberto Lopes dos Santos concorda com Anderson. “Espero por isso há muito tempo. Com a possibilidade cada vez maior de as próprias pessoas interferirem digitalmente em modelos virtuais 3D e com o rápido avanço das impressoras 3D imprimindo em materiais diversos, teremos num futuro breve o mesmo impacto que os braços robôs tiveram na indústria. Com a impressão 3D, a cadeia lógica de produção é quebrada, pois se passa a não ter moldes, matrizes etc. E qualquer geometria passa a ser exequível, o que dá uma incrível liberdade projetual para os designers”, diz. Lopes acaba de voltar da primeira 3D Printshow, em Londres, evento novo que reúne cientistas, programadores, engenheiros e designers, e cujo slogan é algo como “A internet mudou o mundo nos anos 1990. O mundo está em vias de mudar de novo”.

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E n d l ess : u m a ca d e i ra f e i ta co m r esto s d e g e l a d e i ra Endless, de Dirk Vander Kooij, ganhou prêmio na DMY, Festival Internacional de Design de Berlim, em 2011. Surgiu como trabalho de conclusão de curso para a Academia de Design de Eindhoven, na Holanda. Endless evoca as infinitas possibilidades do material sintético. O designer reprogramou um robô industrial antigo para a impressão de objetos. O robô compõe o desenho em camadas, com um fio de material obtido da reciclagem de peças de interior de geladeiras. A ideia foi fazer um processo de produção flexível. “Pouco tempo atrás, móveis de plástico só poderiam ser fabricados por moldagem por injeção. Os moldes são caros e só vale a pena fazer para grandes tiragens. Este novo processo permite que o designer modifique o projeto cada vez que uma peça é produzida, sem despesa adicional, seja para aprimorar algum aspecto, seja para atender o pedido de algum usuário”, explica.

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A s e rv i ç o da c i ê n c i a Com o paleontólogo Sergio Azevedo, do Museu Nacional, Lopes expôs na 3D Printshow diversos trabalhos seus, como modelos de um crânio de crocodilo extinto, uma múmia egípcia de gato tomografada – mostrando o esqueleto dentro da múmia – e dois vasos marajoaras raros escaneados e impressos em 3D. Além de dez modelos de fetos em diferentes fases gestacionais. O designer é reconhecido internacionalmente por esse projeto, o de imprimir modelos de fetos, já patenteado e com o qual tirou seu Ph.D., em 2009, no Royal College of Art (RCA), em Londres, sob orientação do designer Ron Arad. Um modelo do filho Lucca ainda na barriga da mãe faz parte da coleção permanente do Science Museum, em Londres. Lopes começou a trabalhar com impressão 3D ainda na década de 1990. Em 1997, entrou para o Instituto Nacional de Tecnologia, onde criou o primeiro laboratório de impressão 3D do Brasil, o Laboratório de Modelos Tridimensionais (Lamot). Ali foi colocada também a primeira impressora 3D do Brasil. Atualmente, ele trabalha na PUC-Rio como pesquisador do Departamento de Design e coordenador do Núcleo de Experimentação Tridimensional. É no Next que acompanha um trabalho de impressão 3D para construção civil, para imprimir casas – baseadas na análise de composição da casa do pássaro joão-de-barro. E desenvolve artigos esportivos digitalmente personalizados para atletas para a empresa Tecnologia Humana 3D. “Estamos escaneando atletas e imprimindo para eles óculos de natação, caneleiras e capacetes.” Na Bienal de Design de Belo Horizonte, encerrada no fim de outubro, Lopes participou do painel Emergent Technologies, em que apresentou para a plateia de designers presentes a impressora Rep Rap, que tem por princípio a própria replicação. “Li uma matéria no The New York Times, em 2003, em que um pai dizia para o filho: ‘Se você se comportar, mais tarde vou te imprimir um brinquedo’. Finalmente, hoje em dia é uma realidade. Fiz isso com meu filho Lucca. Ele imprimiu o dinossaurinho que desenhou.”

eu filho Lucca imprimiu o dinossaurinho que desenhou”, diz o designer Jorge Roberto Lopes dos Santos

Fotos: JORGE ROBERTO LOPES DOS SANTOs; na página ao lado, roberto stelzer e divulgação

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I m p r i m a s e u P h i l i p p e Sta rc k n o q u i o s q u e ao l a d o 43

Kiosk, baseado na novela homônima de Bruce Sterling, de 2007, é um projeto do coletivo belga Unfold, que explora a ideia de um futuro próximo em que os birôs de fabricação digital serão ambulantes e dividirão as esquinas com os carrinhos de pipoca e cachorro-quente. No Kiosk, você pode materializar uma cópia pirata de um design famoso, como o espremedor de sucos de Philippe Starck ou o vaso de ondas de Alvar Aalto, de plástico, ou imprimir um objeto criado por você. O projeto quer provocar discussão sobre autoria, originalidade e sobre o papel do designer quando os produtos viram projetos digitais e podem ser apropriados. O Kiosk foi exposto na mostra After the Bit Rush – Design in a Post Digital Age, em Eindhoven, na Holanda, em 2011, e no Salão de Milão de 2012.

Coletivo belga Unfold questiona autoria e originalidade por meio da impressão 3D A s p e ç a s da s é r i e St r at i o n g r a p h i c P o r c e l a i n d o c o l e t i vo U n f o l d t ê m u m c ó d i g o f o n t e pa r t i c u l a r a ca da u m a , o q u e d e t e r m i n a o n ú m e r o d e fac e s d e c a da o b j e to

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Fa l a Ga b r i e l a C e l a n i

a I m p r e s s ã o 3 D r e vo lu c i o n a o d es i g n , t ra n s f o r m a o a r q u i t e to e m t ra d u to r d e d e s e n h o s e m o d i f i ca o s pa ra d i g m as d o d i r e i to au to ra l

A arquiteta Gabriel Celani conduz o laboratorio de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (Lapac) da Unicamp, em Campinas, um centro de pesquisa e educação onde se experimenta a automatização desde o projeto arquitetônico até a produção. Frequentado por alunos e professores, tem equipamentos para várias etapas da fabricação digital: cortadora a laser, impressoras 3D, scanners e termoformadora para maquetes. Mestre pela FAU-USP e Ph.D. pelo MIT, Celani é também livre-docente pela Unicamp e pós-doutora pela Universidade Técnica de Lisboa. Prepara-se para, em 2013, fazer um mapeamento dos escritórios de arquitetura e empresas que estão usando a fabricação digital aplicada ao edifício no estado de São Paulo. No Brasil, a fabricação digital é usada na arquitetura? Gabriela Celani : Não faltam equipamentos no parque industrial brasileiro, mas os arquitetos não sabem que as indústrias têm as máquinas e não sabem utilizá-las. As indústrias não sabem que usos podem fazer. Por aqui, o emprego do 3D se resume à fase de projeto. Falta ainda a conexão entre o projeto e a produção. Ainda há muito que fazer, principalmente, no ensino. Muitos arquitetos ainda ignoram as novas tecnologias. Na Europa, a indústria da construção civil já está preparada para receber arquivos digitais em 3D para desenvolver peças de construção. Qual seria a principal contribuição da fabricação digital para a arquitetura?

O desenvolvimento de uma produção de mais qualidade e a eficiência. No

Celani:

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“A fabricação digital vai proporcionar peças mais personalizadas, permitindo que se tenha um rebuscamento de formas. Essas formas foram erradicadas no Modernismo e na arquitetura minimalista por motivos ideológicos, mas também pela questão do custo, pois implicavam processos artesanais interferindo muito no preço”

design, a indústria moveleira do Sul e o setor automobilístico já incorporaram. E abre-se um novo tipo de emprego para os arquitetos, que é fazer a transição entre o escritório de arquitetura e a fábrica. O arquiteto como um tradutor que consegue, a partir do desenho de outro arquiteto, estudar e colocar as especificações num arquivo para que as máquinas possam ler. Nos próximos cinco anos, para onde esse uso vai se expandir? Celani : A fabricação digital vai proporcionar

peças mais personalizadas e tratamentos mais artísticos aos materiais. Nas fachadas e na arquitetura de interiores vai haver grande desenvolvimento, porque a fabricação digital permite que se tenha um rebuscamento de formas. Essas formas foram erradicadas no Modernismo e na arquitetura minimalista por motivos ideológicos, mas também pela questão do custo, pois implicavam processos artesanais interferindo muito no preço.

Em que países a fabricação digital é mais utilizada? Celani : Estados Unidos, Japão, Europa, Austrália

e China. Na América do Sul, em países como Colômbia, Peru e Brasil. É uma tendência que tem uma característica importante – a ligação com as universidades. No mundo todo, nesse setor, há cooperação entre a universidade e a indústria.

Quais são as tendências e os projetos mais inovadores nessa área? Celani : A construção caminha para a

industrialização. Numa primeira fase, peças

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standard e, na segunda fase, a personalização em massa, que é a fase mais avançada. O uso da robótica está avançando. Diversas indústrias automotivas estão aposentando braços mecânicos, que são “reeducados” para trabalhar na construção civil. E são desenvolvidas ferramentas diferentes para acoplar a esses braços mecânicos. Um dos casos mais emblemáticos é o da parceria entre o escritório suíço Gramazio e Kohler e a Faculdade de Arquitetura ETH, de Zurique, na construção de estruturas de tijolos com formas variáveis. O braço robótico pega cada tijolo, passa cola e empilha. Foram experimentadas várias formas de empilhamento, algumas sinuosas. Conseguiram fazer paredes e pilares formados por tijolos com desenhos supersofisticados. E algumas dessas estruturas resultaram na pré-fabricação de pilares.

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Você acha que estamos vivendo uma terceira Revolução Industrial? Celani : Sim. Com a segunda revolução veio

o fordismo, a produção em série, produtos idênticos para baixar os custos. Nesta terceira Revolução Industrial, eles podem ser diferentes. É interessante, porém, apontar um gargalo. Quem vai desenhar todas essas formas? Antes era necessário pensar muito e chegar a um bom projeto. Agora temos de pensar muito e chegar a um sistema generativo de projetos, que é um sistema capaz de gerar combinações. Ou seja, para cada desenho que venha a ser customizado precisa haver antes um planejamento de todas as variações que se quer disponibilizar. Essas variações ou personalizações podem ser feitas por valores gerados ao acaso ou pela vontade de um usuário. A cadeira de Guto Requena é um exemplo desse sistema. Ela tem um parâmetro – a cadeira antiga – e abre uma variável, que no caso é aleatória, como a música ou o ruído. No lugar da música poderia ser um usuário a incluir modificações.

E como ficam os direitos autorais?

Não vamos mais poder trabalhar com a ideia de patente de objeto único, como foi um dia. Talvez possamos pensar em patentes de sistemas geradores de desenho. É uma nova maneira de pensar a autoria.

Celani:

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NINA GAZIRE

Grimes, Ariel Pink, John Maus, Rainbow Arabia, Dudu Tsuda e Flying Lotus são alguns dos músicos assombrados por demiurgos superstars; conheça o mirabolante fenômeno da “hauntologia”

O pop morreu. Ele deu seu último suspiro no dia 25 de junho de 2009, quando Michael Jackson, o artista mais rico da história – único a faturar US$ 7 bilhões ao longo da carreira – teve uma parada cardíaca na sua mansão na Califórnia. Na realidade, o pop já andava meio moribundo mesmo. Michael Jackson havia se tornado uma espécie de zumbi: de negro com ginga e groove a um homúnculo que se escondia por trás de um chapéu e uma máscara; de pele alva, quase ciano.

Segundo o teórico e blogueiro britânico Mark Fisher, a morte de Jackson foi o sinal dos tempos. Desde 2003, Fisher vem se dedicando a escrever em seu blog – que assina com a alcunha de K-Punk – sobre o status quo da cultura, em especial sobre o estado da música pop. Para Fisher, a morte corporal de Jackson foi apenas um evento simbólico. Sua verdadeira morte deu-se – como uma forma de profetizar aquilo que ele se tornaria – quando o cantor se transformou em lobisomem e dançou com zumbis no videoclipe de Thriller, faixa do álbum homônimo que até 2006 permaneceu no Guinness Book como o mais vendido de todos os tempos.

Foto: Tommy Chase Lucas / Divulgação

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a canadense grimes t e m p r oj e to m u s i c a l i n ova d o r , c o m r e f e r 锚 n c i a s da n e w ag e e d e e l e t r 么 n i c a

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Assim como outros teóricos culturais mundo afora, Fisher vem trabalhando desde 2006 com a apropriação do conceito de “hauntology” para definir o cenário da cultura pop midiática. Em português, significa “fantasmagologia”, mas costuma ser traduzido por “hauntologia”, e o termo em francês – cunhado pelo filósofo Jacques Derrida – vem da junção das palavras haunt (assombrar) e ontology, campo da filosofia que estuda a realidade e a natureza do ser. Derrida pensou no trocadilho para designar os fantasmas e os espectros do comunismo, que ainda assombravam o mundo após a queda do Muro de Berlim.

Escutar um álbum do DJ Flying Lotus é uma experiência e atestado desse estado quântico da cultura: já se ouviu isso antes, porém não se sabe muito bem onde O pop musical chamado de “hauntológico” define uma espécie de espírito dos tempos. A música atual é feita de partes virulentas que um dia emanaram de demiurgos superstars: Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, James Brown, Kraftwerk, Sex Pistols, Jimi Hendrix, Janis Joplin, e por aí vai. E a música pop, que um dia foi sinônimo de novidade, inventividade cotidiana e que flertava com o popular, tornou-se remix, pastiche, influência, sample. Há um fantasma de Madonna assombrando Lady Gaga, há um fantasma do U2 assombrando bandas como Coldplay e Muse, e um encosto do krautrock – rock produzido por bandas alemãs durante a década de 1970 – nas costas de bandas como Radiohead e Deerhunter. Nem mesmo o punk rock escapa da onda fantasmagórica. O movimento que um dia tentou, por meio do improviso e do anarquismo sonoro, contestar a comoditização do rock-n’-roll não ficou livre de se tornar um espírito etéreo molestador dos inúmeros riffs “guitarrísticos” de bandas como The Strokes e Arctic Monkeys. Não que a hauntologia signifique necessariamente o fim do gênio criador da musicalidade. O que se descobriu foi que essa ideia de som original era uma falácia. “O autor está morto”, escreveu Roland Barthes certa vez, condenando à morte também o deus da guitarra flamejante.

O vodu dos teclados

Em 1964, durante um congresso realizado no Columbia-Electronic Music Center, em Nova York, o engenheiro e inventor Robert Moog mudaria para sempre o mundo da música. Na ocasião, apresentou o sintetizador Moog, também conhecido como Moog Modular Synthetizer, uma espécie de piano unido a um sistema elétrico, ou seja, um aparelho analógico que criava sons a partir do teclado acoplado.

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n a p á g i n a ao l a d o, o DJ F ly i n g Lot u s ; ac i m a , l a dy g ag a a s s o m b r a da p e lo fa n ta s m a d e m a d o n n a e o b r a s i l e i r o d u d u ts u da , q u e m e s c l a s at i e a st e r e o l a b

Sua música é uma espécie de Atari indo de encontro não só do jazz, mas de outros contemporâneos da música eletrônica, como Aphex Twin, e até mesmo o rock do Radiohead, do qual o DJ remixou a música Reckoner. Com mais de quatro álbuns lançados, Flying Lotus é um dos exemplos do que a cultura ou, mais especificamente, a música pop se tornou. Mesmo sendo considerado um músico experimental e um virtuoso, e sem alcançar níveis de fama astronômica como Michael Jackson, o som de Ellison é definido por sua multirreferencialidade. Não só devido aos diferentes estilos musicais remetidos, fermentados pelos sintetizadores e pickups, mas também pela menção aos seus colegas da música. Escutar um álbum do artista é uma experiência e atestado desse estado quântico da cultura: já se ouviu isso antes, porém não se sabe muito bem onde. E ao mesmo tempo tem-se a certeza de estar diante de algo completamente sui generis. No Brasil, os sintetizadores tiveram vez a partir dos anos 1960, quando Lafayette, depois de tocar com outro rei do pop, Roberto Carlos, passou a executar versões românticas e sucessos da Jovem Guarda no seu órgão Hammond. Bebendo na fonte romântica de Lafayette, o músico e artista paulistano Dudu Tsuda lançou recentemente o disco Soloworks, produzido com referên-

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O sintetizador, vale por uma banda. Seus circuitos podem guardar os sons de todos os instrumentos musicais e também os samples (trechos de músicas prévias. Ele é a égide do estilo faça-você-mesmo e o assassino da noção de originalidade no mundo da música. “É um instrumento de natureza transgênica. Sua flexibilidade e abrangência são propensas à diversidade de naturezas estéticas díspares. Nele está incrustada a rave, o dubstep, o g-funk, o hip-hop, o techno e, claro, o pop como um todo”, comenta Fisher em seu blog ao descrever a música do DJ Flying Lotus em post recente. Seu primeiro álbum, 1983, foi lançado em 2006 e já trazia a veia transgênica na qual a música pop vem pulsando. Batidas de nu-jazz são misturadas aos sons chip-tune – estilo musical em que os sons são criados com microchips, bem ao estilo videogame. Fotos: Josh Olins / Divulgação (retrato de Lady gaga) e, demais, divulgação

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cias da clássica chanson française. Tsuda mistura o passado aos teclados eletrônicos de uma música não tão distante no tempo, a da banda Stereolab. Na música Le Jour Où Erik Satie A Recontré Stereo Lab, propõe uma genealogia sonora que vai do piano minimalista de Satie aos seus descendentes eletrônicos, como é o caso da banda inglesa. No álbum também é possível ver a fantasmagoria com a qual a máquina de fazer música dá vida ao cantor Serge Gainsbourg. A da voz aveludada de Tsuda é de estilo semelhante ao do mestre francês e está acompanhada por teclados de estilo retrô.

que tanto a assombra. O resultado foi muito mais impactante visualmente, já que numa tentativa de inovar pela repetição o videoclipe de Alejandro fazia um mashup direto da estética VHS de videoclipes como Like a Prayer e o próprio La Isla Bonita. A música pop mercadológica estaria perdendo a memória, sofrendo de um Alzheimer coletivo, em que as únicas lembranças boas são aquelas que foram sucesso de marketing na passada era analógica? Mark Fisher discorda. Há uma série de artistas crescidos durante os anos 1980 que incorporam os fantasmas de maneira muito mais irônica e incidental. Os sons da cumbia, o funk carioca, a música árabe, o kuduro e o reggaeton viajam pela internet tornando-se entidades que vão sendo apropriada pelo mainstream. A cantora M.I.A, nascida no Sri Lanka e radicada na Inglaterra, incorporou as batidas do DJ Marlboro em seu disco Arular, sucesso de 2005. Mas é da canadense Claire Boucher o mais novo título de rainha dos teclados multiculturais. Sob o nome Grimes, seu projeto musical começou

J o h n M a u s ( n o a lto ) e a r i e l p i n k , q u e a d e r e m à e st é t i c a r e t r ô d o v h s ; N a p á g i n a ao l a d o, a p r o m e s sa p o p g r i m e s

Música digital, estética VHS

Mais do que simplesmente trazer ao presente fantasmas do passado, encarnando-os como espírito do novo, o pop atual possui uma diferença em relação ao seu mito de origem. Apresentado como uma espécie de versão universal da cultura popular – antes territorializada pelos limites do capitalismo norte-americano –, hoje o pop é de natureza multicultural. Nos anos 1980, Madonna voltou-se brevemente à música latina para mostrar, ainda que de maneira estereotipada, sua visão desse ritmo no hit La Isla Bonita. Quase 30 anos depois, Lady Gaga resolveu trazer à tona sua verve latina com a música Alejandro, em que fazia referências explícitas ao espectro

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Estética mangá

A canadense Claire Boucher, mais conhecida como Grimes, é a nova rainha dos teclados multiculturais: bebe nas fontes do new age, do pop-chiclete coreano e da experimental Björk quando ainda cursava a faculdade em Vancouver. A cantora, de apenas 24 anos, tem sido apontada como a mais nova esperança da música pop, como se esta necessitasse de um renascimento. Entre as influências de Grimes estão a música new age de Enya, a eletrônica experimental de Björk e, sobretudo, a sonoridade do pop-chiclete coreano, que, por sua vez, foi enormemente influenciado pelas boys bands americanas dos anos 1990.

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Grimes tem sido a principal atração de festivais que comumente apontam referências para o mercado musical, como o CMJ, em Nova York, onde tocou no mês de outubro, e o Pitchfork Festival, promovido pelo site especializado em música indie Pitchfork. Acompanhado de teclado e sintetizadores, seu som é ao mesmo tempo etéreo, dançante e abastecido por vocais que parecem vir de uma garotinha japonesa de 10 anos. A paixão pela cultura pop oriental também está estampada em seus videoclipes, em que se veste como as fashionistas do distrito de Harajuku, localizado em Tóquio, fazendo referência ao universo dos mangás e animes. Outra banda, menos conhecida que Grimes, é Rainbow Arabia, formada pelo tecladista Denny Preston e sua esposa, Tiffany. A dupla também mescla ritmos marroquinos e música oriental ao pop dançante. Com estilo semelhante ao da canadense, Tiffany Preston possui vocais agudos e infantis. A banda, que se apresentou no Brasil no início de 2010, gravou videoclipes coloridos e de estilo retrô. Além disso, Denny e Tiffany compartilham com o DJ Flying Lotus o efervescente cenário multicultural de Los Angeles. Dessa cidade surgiram outros nomes que ganharam destaque no cenário da música global. Não tão multiculturais, porém não menos acompanhados por espectros musicais, são Ariel Pink e sua banda Haunted Graffiti, e o músico John Maus. Pink, nascido em 1977, produzia suas músicas de maneira amadora desde os 11 anos de idade. Seu som lo-fi, feito propositalmente com baixa qualidade, parece saído das fitas cassete guardadas no porão de sua ensolarada casa, nos subúrbios de Beverly Hills. Assim como Ariel Pink, Maus é formado pelo California Institute of the Arts (CalArts) e também usa amplamente teclados e sintetizadores para criar uma sonoridade semelhante ao estilo HNRG. Também conhecido como high energy, esse é um tipo de música eletrônica que surgiu nos fins da década de 1970, vindo da disco music, e que permaneceu muito tempo no ostracismo das pickups. Como Lady Gaga, Maus e Pink se apropriam da estética retrô do VHS, mas sem a posterior limpeza digital perpetrada por Gaga. O VHS é o suporte para seus videoclipes que, para os desavisados, poderiam muito bem ser um trabalho de faculdade realizado por algum jovem lá em 1985.

Fotos: Mark Blower (maus), Tommy Chase Lucas (grimes) e divulgação

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música pós-internet

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grimes diz que foi o b c e c a da p e l a m ú s i ca da b a n da O s M u ta n t e s

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Grimes:

“Me considero um computador” Quando lançou seu terceiro álbum, Visions, em janeiro de 2012, nos Estados Unidos, a canadense claire Boucher, de 24 anos, não imaginava que o sucesso do disco a arrebataria da cena underground da música eletrônica de Montreal, levando-a para as capas das revistas mais descoladas da América do Norte e da Europa. “É um dos álbuns mais impressionantes do ano”, escreveu Jon Camarica, crítico de música do The New York Times sobre Visions, o disco que colocou Boucher nas listas de melhores álbuns do ano da revista americana Rolling Stone e a do jornal britânico The Guardian. Conhecida como Grimes, Boucher é natural de Vancouver e começou a carreira quando se mudou para Montreal para estudar neurociência. Com ajuda de uma amiga, aprendeu a fazer música com o software Garage Band da Apple. Em entrevista por e-mail, Grimes fala a seLecT sobre cultura pop e sobre a influência da tecnologia em sua produção musical. De que maneira o aspecto amador e experimental da cena underground da música eletrônica de Montreal ainda te acompanha? Esse meu background é a essência do que faço. Sempre brinquei com os sons da música pop, mas de uma maneira experimental e isso também é a essência desse projeto. Acho legal poder colocar referências pop de diferentes contextos culturais em um mesmo lugar, como faço na minha música. O álbum Visions possui uma espécie de estética do videogame e dos quadrinhos japoneses. Por que a cultura oriental é tão presente no trabalho? Minha música e minha arte são o resultado de tudo a que fui exposta. É claro que sou muito influenciada pela cultura pop norte-americana, mas a influência do Oriente está presente de maneira intensa porque cresci em Vancouver. A cidade possui um grande número de imigrantes japoneses, coreanos e chineses. Depois que conheci uma banda coreana chamada F(x), fiquei interessada no K-pop, que é a música pop coreana, e no J-pop, música pop do Japão, e então comecei a pesquisar sobre isso.

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Você usa a expressão “pós-internet” para definir o modo como as gerações mais novas fazem a música pop atual. O que o termo “cultura pop” significa para você? Acho que o pop pode ser definido de diferentes maneiras. Tem a cultura pop, que é definida pelo conceito de cultura popular, aquilo que possui uma representação mainstream – como é o caso de artistas como Lady Gaga. Mas também tem o pop que pode ser usado para descrever aquilo que faz uma espécie de “costura” com elementos de diferentes lugares do mundo. Penso que esse sentido está mais próximo da minha música, mesmo que ela não seja tão ubíqua como a de outros artistas. Você começou seus experimentos musicais em 2008, usando um software e sem nenhum treinamento anterior em piano ou qualquer instrumento. Você é viciada em tecnologia? Sim, eu amo tecnologia. Eu não sou assim uma especialista em resolver problemas com os meus gadgets, mas me considero parcialmente um computador. Hoje, provavelmente, todos nós somos uma espécie de computador. Você já declarou ser fã e ter sido influenciada por bandas como Cocteau Twins, Nine Inch Nails e Mariah Carey. Você conhece algo sobre música brasileira? Não conheço muito sobre a música do Brasil ou sobre a música latino-americana, mas, quando ainda estava no colégio, eu era obcecada pelo grupo Os Mutantes. Eu os acho incríveis. Eu também fiquei fã de Seu Jorge depois que ele fez o filme A Vida Marinha de Steve Zissou, de Wes Anderson. Existem alguns artistas mexicanos que gosto e descobri depois de fazer uma turnê por lá. O que você tem escutado? Que tipo de artista ou ritmo musical tem te atraído? Gosto muito do Majical Cloudz Stuff e do Blue Hawaii, que foram lançados pelo meu selo. Mas também tenho escutado muito Taylor Swift e Lady Gaga. Amei as novas músicas de Sky Ferreira, compostas por Dev Hynes.

Foto: raphael ouellet / divulgação

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A forma do codigo Casey Reas transforma algoritmos em experiência visual e cognitiva, ocupando os espaços da arte contemporânea

Giselle Beiguelman

Foto: cortesia do artista

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S u r fac e ( S u p e r f i c i e , 2 0 0 9) , F o r m ato i n sta l at i vo d o P r o c e ss o 1 3

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Artista, designer, professor e desenvolvedor de software, Casey Reas combina rigor matemático com estética e agenciamento. Sua marca pessoal são imagens generativas, ou seja, que se reproduzem organicamente, porém, segundo estruturas rígidas e limpas de programação. Formado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), leciona na Universidade da Califórnia (Ucla), em Los Angeles. Acumula prêmios e destaques, como o Golden Nica do Ars Electronica (2004), considerado o Oscar da artemídia, e referências em publicações prestigiosas, como a lista dos 100 mais poderosos da arte da ArtReview (2008).

Fotos: cortesia do artista

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Processes (Processos, desde 2004) Processes de Casey Reas são uma série em desenvolvimento contínuo, em que desenhos variados são disparados por textos, por meio de uma tradução algorítmica. Cada Processo é um ambiente que reúne um texto que descreve um conjunto de instruções e associa uma forma geométrica a um ou mais comportamentos (movimentar-se em uma velocidade determinada ao longo de uma linha, por exemplo). O ambiente determina como os elementos serão visualizados e as relações entre eles. Cada Processo gera não apenas infinitas imagens, mas tem diversas saídas (instalação, vídeo, impressões etc.).

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Entre suas obras mais importantes figuram Cronograph (2011), mural de 650 metros quadrados especialmente criado para o New World Center, projetado por Frank Gehry, em Miami, e a série Process, produzida em vários formatos, desde 2004. Além da estética computacional e da capacidade de combinar software com arte, que o levaram a transitar em diferentes espaços da arte contemporânea e do design internacional, o que individualiza o trabalho de Casey Reas é a generosidade intelectual. Processing, uma plataforma de desenvolvimento e uma linguagem de programação aberta, exclusivamente destinada para o trabalho com imagens, animações e estruturas interativas, é a maior evidência disso. Utilizada por dezenas de milhares de pessoas no mundo todo, é par-

te do currículo de universidades de renome e kit básico de criação de várias empresas e estúdios de arquitetura. Autor de diversos artigos e livros importantes, como Processing: A Programming Handbook for Visual Designers and Artists (com Ben Fry, MIT Press, 2007) e Form+Code in Design, Art, and Architecture (com Chandler McWilliams e LUST), mantém um blog, no qual se pode acompanhar não só as últimas de sua carreira artística, mas inúmeras sínteses bibliográficas e pensatas sobre como os novos formatos de codificação e programação alteram os modos de criar e produzir novas ideias. O resultado dessa multiplicidade de facetas é sua obra artística, que conjuga como poucas o desafio à percepção humana com o universo quantitativo da cultura digital.

Fotos: Joshua White e, na página ao lado, claudia uribe

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Casey Reas criou com ben fry a Processing, uma

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linguagem de programação aberta, exclusivamente dedicada ao trabalho com imagens e estruturas interativas

Immuring

cronograph

(EMPAREDAMENTO, 2010)

(Cronografia, 2011)

Protótipo de sistema de revestimento para residência projetado pelo escritório de arquitetura davidclovers. Os efeitos produzidos pelo software de Casey Reas, criado para sua obra Process 4, foram manipulados pelos arquitetos para produzir as formas de sua experimental Casa Lunar, feita com fibra de vidro e concreto reforçado. O projeto foi exposto na 12 a Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2010.

Mural de software criado em parceria com Tal Rosner para o prédio do New World Center de Miami, explora as relações entre música, arquitetura e matemática. Tem por base milhares de fotos da construção do edifício e da paisagem art déco de Miami Beach. Programado para ser projetado a cada mudança de hora, o painel revela, ao todo, 365 composições resultantes de recombinações de cor, geometria e padrões extraídos de suas imagens originais, movendo-se de acordo com ritmos musicais.

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SIGNAL TO NOISE (SINAL - RU铆DO, 2012)

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Software 1 Yes No e Signal to Noise (na página anterior) são resultado da captura em vídeo de imagens generativas produzidas pelo Software 1, do artista. Com alteração de parâmetros de configuração, o programa produz repertórios visuais distintintos.

Fotos: cortesia do artista

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YES NO

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(SIM Não, 2012)

Artista, professor, ensaísta e desenvolvedor de software, Casey Reas conjuga o desafio à percepção humana com o universo quantitativo da cultura digital

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Caroline Ribeiro esconde o rosto e mostra as faces do retrô renovado. Incorpora de deusas medievais a mulher-gato e revisita os mitos do toureiro e do Exterminador do Futuro. Entre um Orixá pixelizado e um Mad Max tropical, ela mescla neste ensaio o glamour do vintage aos extremos da ficção científica

f oto s R E N A M C H R I S T O F O L E T T I S t y l i n g L ara G erim

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Vestido e faixa Ronaldo Fraga

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À e s q u e r da , V e st i d o L i n o V i ll av e n t u r a ; C o l a r D ua r t e U m a ; Ca b e ç a G r ac i e ll a Sta r l i n g ; M e i a- ca l ç a T r i f i l ; S a n d á l i a Fernando Pires C a b e ç a L i n o V i ll av e n t u r a ; C o l e t e , B o dy e B lu s a d e f r a n j a s A n i m a l e ; M e i a - ca l ç a T r i f i l ; Sc a r p i n Wa l e r i o A r auj o

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ร e s q u e r da , V e st i d o A r n a l d o V e n t u r a ; C a s q u e t e D u r o c h i ; M รก s c a r a G r ac i e l l a Sta r l i n g ; S a pato R o n a l d o F r aga B lu s a e C a l รง a C h a n e l ; Ca b e รง a B r u n o O l i v e i r a ; S a pato Yo o n H e e L e e ; M e i a - c a l รง a Ta r a n t u l a ; B r i n c o C h r i sto p h e r A l e x a n d e r

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ร e s q u e r da , V e st i d o e s a pato p e d r o lo u r e n รง o ; v i s e i r a s j a d s o n r a n i e r i ; pulseiras casa juisi V ESTIDO H ER M ES ; Ca b e รง a B r u n o O l i v e i r a ; SA N D รก l i a j i mm y c h o o

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À e s q u e r da , V e st i d o e s a pato yo o n h e e l e e ; c a b e ç a wa l e r i o a r auj o ; Meia-calça trifil;

v e st i d o g a b r i e l a s a k at e ; Cabeça Bruno Oliveira

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Lino Villaventura (011 3083-5937); Fernando Pires (011 3068-8177); Graciella Starling (011 98299-6399); Animale (011 3171-1513); tRIFIL (011 3721-5518); Walerio Araujo (011 97239-8383); Arnaldo Ventura (011 99884-7620); Ronaldo Fraga (011 3816-2181); Durochi (011 95385-3631); Chanel (011 4302-2810); Yoon Hee Lee (011 99951-6076); Bruno Oliveira (011 99247-3024); Pedro Lourenço (011 3097-0879); Jadson Ranieri (011 99369-5503); Casa Juisi (011 3063-5766); Hermès (011 3552-4500); Jimmy Choo (011 3552-2052); Gabriela Sakate (011 98218-3246); Glória Coelho (011 3186-5765); uma (011-3813 5559)

onde encontrar:

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Novo feminismo usa arte, nudez, rock, redes sociais e até tricô para protestar

De mulherzinha a

mulherão nina gazire

D ia 1 7 d e ag o s t o d e 2 0 1 2 . Na Rú s s ia , a s t r ê s integrantes do coletivo punk feminista Pussy Riot são sentenciadas a dois anos de prisão. Na Ucrânia, a ativista do grupo feminista Femen, Inna C hev tc he n ko, de 21 a no s , m un i da de uma motosserra, corta ao meio uma cruz em memória dos presos políticos da capital, Kiev, como forma de protesto contra a sentença das russas, companheiras de causa. Reconstituindo: no dia 21 de fevereiro de 2012, Nadejda Tolokonikova, de 22 anos, Maria Alyokhina, de 24, e Yekaterina Samutsevich, de 30, invadiram uma igreja ortodoxa russa, vestidas com roupas coloridas e cabeças cobertas, cantando Oração Punk: Nossa Senhora, Afaste-nos de Vladimir Putin. Exigiam igualdade política para as mulheres, questionavam o mandato do presidente Vladimir Putin, acusado de fraudar as últimas eleições, e criticavam o patriarca da igreja ortodoxa, Cirilo I – favorável ao governo. A prisão veio depois de cinco dias e a sentença, seis meses depois. A invasão da igreja pelas meninas do Pussy Riot evidenciou os métodos nada ortodoxos do novo feminismo. Para brigar pela participação das mulheres na sociedade russa, elas usam roupas espalhafatosas, escondem o rosto e são performáticas. Entre os locais de apresentação, já escolheram o telhado de uma prisão, o metrô de Moscou e a Praça Vermelha.

Foto: Associated press

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P u s sy r i ot: pa r a b r i g a r p e l a pa r t i c i pa ç ã o da s m u l h e r e s n a s o c i e da d e r u s sa , e l a s e s c o n d e m o r o sto e são performáticas

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Já o coletivo Femen, que teve início em 2008, quando a jovem Anna Hutsol, de 28 anos, criou grupos de discussão sobre desigualdades de gênero, usa a estratégia da nudez. O grupo possui 300 membros e oito delas formam uma espécie de elite privilegiada pelos seus corpos esculturais, sendo as únicas que aparecem com os seios de fora durante os protestos. Para a professora do bacharelado de Diversidade e Gênero da Universidade Federal da Bahia, Maíra Kubik Mano, o sucesso de grupos como o Femen e o Pussy Riot pode ser atribuído ao resgate de estratégias radicais que não são inéditas. “As pautas não são novas. O que mudou de um tempo para cá foi a maneira de se expressar e o modo como isso tem ganhado notoriedade. Passamos por um longo período que tinha como eixo principal o argumento de que ‘as mulheres já

Jazz Domino Holly: atitude rock-n’-roll Jazz Domino Holly cresceu em um ambiente onde criatividade e ativismo eram entendidos como coisas inseparáveis. Filha de Joe Strummer, o lendário líder da banda de punk rock inglesa The Clash, Holly utiliza técnicas manuais como bordado, tricô e patchwork como plataforma de protesto contra o consumismo exacerbado e como maneira de despertar a consciência em torno de questões como sustentabilidade e meio ambiente – prática chamada de craftivismo. Em entrevista por e-mail a seLecT, ela fala sobre o envolvimento com a causa feminista, o interesse no artesanato e sobre como a vida de seu pai a influencia em sua tecelagem revolucionária.

Por que usar o artesanato como uma forma de ativismo feminista? A arte e o artesanato foram historicamente considerados trabalhos

As pautas não são novas. O que mudou foi a maneira de se expressar

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femininos e, posteriormente, isso mudou. O artesanato ficou associado ao feminino, enquanto a arte é uma coisa mais masculina. Me envolvi com o craftivismo porque é uma maneira quase subversiva de

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as mulheres se reapoderarem dessas atividades e de dar ao artesa-

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nato um status maior ou igual àquilo que chamamos de arte. Acima de tudo, me sinto atraída pelo artesanato como uma plataforma de criatividade artística. Eu adoro a qualidade tangível, o ato de fazer algo com minhas próprias mãos.

Quais artistas mulheres você admira? Fui muito influenciada por artistas feministas dos anos 1970, em especial por Judy Chicago. Ela criou um trabalho importante, Dinner Party, uma instalação que funciona como uma mesa de jantar que seria ocupada por todas as mulheres importantes de nossa história. Também gosto muito da Miriam Shapiro, que fazia colagens com tecidos, chamadas de Femmages. Eu amo o modo como essas artistas celebraram as técnicas artesanais tradicionalmente femininas. Louise Bourgeois é outra artista que vale a pena mencionar. Suas esculturas feitas de tecido e tricô são muito provocativas. Também gosto muito da Tracey Emin, particularmente dos seus cobertores bordados à mão. Tem também o Grayson Perry, que, além de artista e ceramista, é também um crossdresser. Ele usa a cerâmica como um meio subversivo e possui uma série de tapeçarias que lidam com a questão da luta de classes. H o l ly v e st i n d o a ca m i sa d o pa i ; n a p á g . ao l a d o, m a n i f e sta n t e s d o F e m e n p r ot e sta m contra repressão islâmica às mulheres

tinham conquistado o mercado de trabalho’ – o que é um discurso bastante conservador. Acho que esses movimentos mais recentes surgem dessa lacuna deixada”, diz. Nem mesmo as táticas do Pussy Riot são coisa nova. As punks russas são fãs declaradas do Riot Grrrl, movimento feminista cuja principal área de atuação deu-se na infiltração no mundo masculino do rock-n’-roll, nos anos 1990. Além de tocarem um som parecido, elas devem a tática do anonimato às artistas feministas do coletivo Guerrilla Girls, surgidas na década de 1980, as quais, vestidas como gorilas, protestavam em frente às instituições culturais de Nova York e de outras partes do mundo contra a hegemonia masculina no mundo da arte. O coletivo nunca revelou a identidade de seus membros.

Vadias e santas O mérito da nova geração do feminismo é a consciência global que as jovens ativistas trazem para suas reivindicações. Ajudados pelo gene da Geração Y, estes novos grupos usam as redes sociais como arma para se espalhar viralmente pelo planeta. Bastou o policial Michael Sanguinetti, durante uma palestra sobre segurança em uma universidade do Canadá, em abril de 2011, aconselhar as estudantes a “não se vestirem como vadias, para não se tornarem vítimas de criminosos”, para virar febre nas redes. O conselho motivou as canadenses Sonya Barnett e Heather Jarvis a criar um evento no Facebook que convocava mulheres ofendidas a participar de uma marcha, Slut Walk (Marcha das

Vadias), em protesto contra a declaração. Jarvis e Barnett esperavam 300 pessoas, confirmadas via Facebook. Apareceram mais de 3 mil mulheres, que marcharam do Queen’s Park, em Toronto, até o quartel-general da polícia. Além de trazer cartazes que enfatizavam que “a culpa do crime sexual não estava na roupa, e sim no criminoso”, várias mulheres se vestiram de maneira considerada vulgar, lançando mão de meias-arrastão, cintas-liga e salto alto. A marcha espalhou-se pelo mundo e ganhou versões na América do Sul, Europa e Ásia. No Brasil, a passeata aconteceu em várias capitais e cidades do interior. “A Marcha das Vadias conseguiu tocar em um ponto sensível à questão feminista brasileira, que é a da propriedade do corpo.

Fotos: Gonzalo Fuentes / reuters (esquerda) e cortesia da artista

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E, apesar de ser um movimento importado do Canadá, ele tem um reflexo de reverberação muito forte na sociedade brasileira. Faz sentido aqui, devido ao histórico que temos em relação ao nosso estereótipo de mulher”, explica Kubík Mano. Outro grande trunfo que as novas manifestações feministas possuem é a mobilização em massa de mulheres jovens, algo que a causa feminista não atingia. A apropriação de estereótipos universais, a nudez e a sensualidade fazem com que esses movimentos se internacionalizem e, ao mesmo tempo, graças à internet, alcancem certa flexibilidade para se regionalizar.

Tricotar é coisa de mulher?

No dia em que a sentença das Pussy Riots foi proferida, um grupo de mulheres neozelandesas tricotava balaclavas e cercas de um terreno baldio na cidade de Wellington. O projeto, chamado Free Pussy Riot Protest Fence, foi liderado pelo grupo Wellington Craftivism Collective. O coletivo tem como característica o uso das artes aplicadas como forma de protesto contra a subvaloração das práticas artesanais associadas ao universo feminino. A palavra craftivism, que em português foi traduzida para craftivismo, união das palavras craft (artesanato) e ativism (ativismo), é um movimento que vem ganhando adeptos, apesar de não chamar tanta atenção. Trata-se de uma prática que busca incentivar o aprendizado do bordado, do tricô, do crochê e do patchwork, dentre outros, como forma de questionamento ao consumismo, à tecnologia e aos problemas do meio ambiente. Mulheres jovens vêm se interessando pelo movimento, como é o caso da inglesa Jazz Domino Holly, de 29 anos, filha do ex-líder da banda The Clash Joe Strummer. No ano passado, Holly lançou o livro Queen Fotos: cortesia das artistas

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Ac i m a e à e s q u e r da , K n i t t i n g i s f o r p u s s i e s , d e ag ata o l e k e , ao l a d o, a b a i xo, f r e e p u s sy r i ot p r ot e st f e n c e , e m W e l l i n gto n , N ova z e l â n d i a

O craftivismo é uma forma de contestação que se apropria de técnicas antes consideradas domésticas e inofensivas para fazer arte política of Crafts, não publicado no Brasil. Nele, além de discutir a importância do artesanato como atividade econômica feminina, reforça os princípios da reciclagem e o reaproveitamento de materiais. A artista polonesa Agata Olek, de 34 anos, já levou seu craftivismo para as ruas de diferentes cidades do mundo, inclusive no Brasil, onde esteve duas vezes. Postes, orelhões, carros e bicicletas envolvidos pelo crochê da artista dão vazão para um nova tática ativista que leva o passatempo associado a senhoras idosas e ociosas ao espaço urbano. Olek usa o crochê

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para tecer manifestos feministas e criar uma poética própria que nunca é feita em isolamento. Quando realizou sua última obra no Brasil, trabalhou com mulheres de uma comunidade carente para tricotar um enorme jacaré, que ficou exposto em um parque do Sesc-Interlagos. “As artistas feministas mostraram que é possível fazer arte com o crochê e com o tricô. Para mim, eles tornaram-se um meio de expressão, assim como a pintura”, explica a artista, para quem fazer bordado, tricô e crochê não é “coisa para mulherzinhas”, mas, sim, atividade para mulherões revolucionários e orgulhosos.

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política cultural

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Encruzilhada digital Criação em novas mídias ganha espaço e importância em museus pelo mundo, enquanto, no Brasil, sofre sucateamento nas instituições culturais

J U L I A N A M O N AC H E S I

Cinco anos atrás, São Paulo gozava de um cenário estimulante no que se refere à interseção entre arte e tecnologia: tinha instituições públicas e privadas especializadas na criação em novas mídias, tais como o Museu da Imagem e do Som (MIS) sob a diretoria de Daniela Bousso, o medialab do Itaú Cultural, o Instituto Sérgio Motta, além de pujantes festivais anuais ou bienais voltados à investigação e ao mapeamento da produção de ponta no setor, como FILE, Videobrasil, emoção

art.ficial e as próprias mostras resultantes do Prêmio Sérgio Motta de Arte e Tecnologia. Em 2012, a cidade testemunhou a extinção do emoção art.ficial – a bienal de novas mídias do Itaú Cultural –, e do Prêmio Sérgio Motta, depois da ressaca da transformação do MIS em museu da televisão e da fotografia tradicional, no ano anterior, sob a gestão de André Sturm. No exterior, por outro lado, as principais instituições de arte vêm trilhando um caminho oposto: o Whitney Museum, em Nova York, abriu espaço para uma série de retrospectivas de importantes nomes da artemídia,

Fotos: fotomontagem de ricardo van steen a partir de imagens das obras Reflexão #3 (2005), de Raquel Kogan, e Ultranature (2008), de Miguel Chevalier

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como Cory Arcangel (2011) e Wade Guyton (leia texto nesta edição sobre a obra do artista), em cartaz até 13 de janeiro. O New Museum inaugurou, em 2012, um setor de netart, intitulado First Look: New Art Online, que comissiona obras de arte digital para serem hospedadas em seu site. Na Europa, o meio digital se fortalece e consolida a olhos vistos – vide instituições fortíssimas como o ZKM, museu alemão inteiramente dedicado à artemídia, o Ars Electronica, festival que existe desde 1979 e acontece anualmente na Áustria, e a Fundación Telefónica, que mantém o prêmio Vida há 14

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anos. Outro sintoma significativo da crescente relevância conferida no exterior à criação em novas mídias foi a edição comemorativa de 50 anos da principal revista de arte internacional, a Artforum, em setembro, dedicada inteiramente ao tema, seguida do lançamento, em outubro, da versão digital da tradicionalíssima revista (leia nesta edição o review sobre o número de aniversário da Artforum). Em face do contraste entre os contextos nacional e internacional da política cultural voltada para a arte em novas mídias, seLecT ouve representantes do setor para desvendar o retrocesso que as políticas para

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política cultural

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a cultura digital aparentam vivenciar hoje no Brasil. De acordo com o diretor-superintendente do Itaú Cultural, Eduardo Saron, o novo posicionamento do instituto, com o término das ações específicas em torno da criação em novas mídias – a Bienal de Arte e Tecnologia emoção art.ficial e o programa Rumos Arte Cibernética – é, na realidade, um aprofundamento da estratégia voltada para a arte digital. “Com o reposicionamento, o Itaú Cultural intensifica suas ações, projetos e debates em torno de arte e tecnologia, pois passa a aproximar essa produção da arte contemporânea sem mais considerá-la um nicho, mas antes uma parte do universo da arte contemporânea”, afirma em entrevista a seLecT. Ele destaca, entretanto, um aspecto da produção digital que não será olhado genericamente: sua conservação. “O Itaú Cultural passa a contar com um acervo especificamente voltado para arte e tecnologia, pois entende que o problema da manutenção dessas obras demanda um know-how suficientemente especializado, assim como um repertório para garantir que elas sigam vivas daqui a cem anos”, explica Saron. Assim como a coleção de videoarte do instituto, o acervo de novas mídias será objeto de programas de difusão pelo Brasil, investindo em uma nacionalização do debate sobre arte digital, por meio de mostras itinerantes.

Metas digitais A questão da memória, ou do “patrimônio digital”, como o denomina, é central na análise que Patricia Canetti, artista, diretora do Canal Contemporâneo e conselheira do MinC para arte digital, faz sobre o tema. “Não existe política cultural para a patrimonialização de cultura e arte digital. As expressões material e imaterial são contempladas, mas o MinC não entende o digital como parte do escopo do patrimônio cultural”, afirma ela. Do período de cinco anos atuando no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) do MinC, Canetti destaca conquistas importantes, como a inclusão, entre as metas do Plano Nacional de Cultura, de itens relevantes: a meta de 37% dos municípios brasileiros com cineclube – que recebam, além da produção audiovisual, resultados de experimentações, manifestações de videoarte, videodança, arte digital e novas mídias –, e a meta

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Fa la (2012) , insta la ção de Reja ne Can to n i e L eo n a r do Crescenti a presenta da no emo ção art. f ic i al 6.0, n o i taú cultura l ; na o bra , 40 celular es r es po n de m à s vozes ca pta das, gera ndo pa lav ras semel h an t es à s escu tadas

Não existe uma política para o patrimônio digital, critica Patricia Canetti de 100% das unidades da federação com um núcleo de produção digital audiovisual e um núcleo de arte tecnológica e inovação, por exemplo. Porém, uma dificuldade que perpassa tanto o trabalho como conselheira de arte digital quanto como artista à frente de uma plataforma digital, segundo Canetti, é a invisibilidade do setor. “Todas as vezes que inscrevi um projeto do Canal Contemporâneo em um edital, esbarrei na dificuldade de encaixá-lo num foco preestabelecido. As instituições sempre esperam que você se enquadre em uma categoria, e o que acontece com criações que não se enquadram em nenhuma das categorias previstas?”, pergunta. Diferentemente do que advoga Saron, que afirma ainda que o reposicionamento do Itaú Cultural aprofunda a provocação feita dez anos atrás ao separar arte digital de arte contemporânea, Canetti entende que a criação em novas mídias de-

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manda, sim, espaços especializados: “A arte digital lida com coisas que não são foco de interesse do contexto da arte contemporânea, com temáticas e processos que fogem às regras e aos cânones da arte contemporânea. Então, se não houver um local focado na produção digital, onde é que essas pesquisas serão desenvolvidas? Trabalhos de difícil assimilação, em geral, carecem de espaço para ser vistos”, argumenta a artista. Já para Saron, “chegou a hora de promover a reaproximação desses campos, que em realidade são e sempre foram um só”.

Mercado restrito Para galeristas paulistanos que contam, em seu time de artistas, com nomes que atuam predominantemente no campo das novas mídias, a dificuldade de assimilação dos trabalhos digitais vem sendo vencida aos poucos. “O colecionador que compra obras em suporte digital tem um perfil muito específico. É um mercado mais restrito. A boa notícia é que começam a surgir coleções especializadas”, afirma Daniel Roesler, que representa nomes como Abraham Palatnik, Alice Miceli e Cao Guimarães. O diretor da galeria Nara Roesler afirma ainda que os museus estão começando a colecionar arte digital e defende que, por se tratar de um universo novo com potencial de crescimento, alguém que esteja iniciando uma coleção possivelmente vai ter acesso a obras de primeiro nível, o que não ocor-

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Você Não Está Aqui (2012) , de gise l l e b e i g u e l m an e ferna ndo velázquez ; a ba ixo, OP_ E RA So n ic D i m e n s i o n (2005) , de Reja ne Ca nto ni e Dan i e l a Ku tsch at

re no contexto dos suportes convencionais da arte contemporânea. “Existem grandes artistas e poucos colecionadores, o que significa que obras excelentes estão disponíveis no mercado”, explica. Mas a especificidade dessa produção ainda demanda ações pedagógicas, acrescenta. Para o galerista Fabio Cimino, da Zipper, que representa artistas como Fernando Velázquez e Katia Maciel, a formação de público é um dos fatores que o levam a expor obras de grande complexidade. “Mesmo não sendo uma mídia nova institucionalmente, comercialmente a arte digital é mais recente, então não é possível fazer uma exposição desse tipo com o objetivo único de vender. Portanto, a galeria investe no artista, apostando que a mostra vai favorecer também a formação de público e dos jovens profissionais do meio”, afirma ele. Cimino explica que a relação entre galeria e artista envolve, inclusive, conversas sobre adequação da obra ao mercado. “A venda precisa acontecer para financiar a continuidade do processo de criação. Então é importante o artista considerar uma formatação comercial também. Mas isso não interfere na concepção da mostra, até porque, ao comprar uma obra, a pessoa está adquirindo todo o pensamento contido naquele trabalho”, diz. No contexto institucional, e na contramão do su-

Fotos: Leonardo Crescenti (OP_era) e, demais, Edouard Fraipont / divulgação

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política cultural

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Oi Futuro aposta na cena de arte tecnológica, que não tinha no Rio muitos espaços de representação

N o a lto, v ista da exp osi ç ão M i n dscap es, d e fer na ndo velázquez , na z ipper; ac ima , E luc i dat i n g F e e dback, d e Be n Jack, a presenta da no FILE 2012, e , à d ir e ita , vi sta da exp osi ç ão Tran sp erforma n ce II , a mbas no o i futu ro

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cateamento testemunhado em São Paulo com a extinção do projeto de ponta do MIS e do Prêmio Sérgio Motta, um exemplo do Rio de Janeiro lança luz sobre o papel de um espaço para as novas mídias. O Oi Futuro foi criado em 2005 (com o nome Centro Cultural Telemar) especialmente para abrigar e fomentar a produção de arte digital.

Novo conceito de museu Maria Arlete Gonçalves, diretora de cultura do instituto, explica por que a arte e a tecnologia são as pedras fundamentais do Oi Futuro, que hoje possui dois centros culturais no Rio e um em Belo Horizonte: “Ao longo da história, as instituições buscam acompanhar os movimentos artísticos de seu tempo. Por exemplo, quando os museus de belas artes deixaram de suprir as demandas da arte moderna, surgiram os museus de Arte Moderna. A arte contemporânea também demandou uma nova categoria para si, fazendo surgir os centros de produção de arte e tecnologia, que transcendem o conceito do antigo museu”, afirma Maria Arlete sobre o campo de atuação do Oi Futuro. “Com o surgimento do centro cultural sediado no Flamengo, em 2005, passamos a impulsionar a cena de arte tecnológica, que, até então, não tinha muitos espaços de representação, discussão e produção. Em paralelo, atuamos no fomento à produção, ao patrocinar a produção e implantação do Núcleo de Arte & Tecnologia do Parque Lage, no Rio de Janeiro.” Instituição que trouxe mostras marcantes de Tony Oursler, Andy Warhol, Gary Hill e Nam June Paik, o Oi Futuro vem dedicando boa parte de sua programação a traçar um panorama da produção brasileira de artemídia, com exposições individuais ou retrospectivas de nomes como Lenora de Barros, Wally Salomão, Letícia Parente, Marcos Chaves e Sonia Andrade. “Nas artes visuais, somos 100% novas mídias, contemplando tanto as high tech quanto as low tech, já que acreditamos que uma mídia não anula a outra”, afirma Maria Arlete. E quanto ao patrimônio digital? “Temos um projeto de aquisição de acervo em andamento, o que exige tempo e cuidado. Antes de formar uma coleção, priorizamos o fomento à produção artística, patrocinando-a e exibindo-a.”

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Sli ce (2012) , de George Legra dy, no e m o ç ã o art. f ic i al 6.0, derra deira edição da biena l de art e m í di a do i taú cu lt ural

Vídeo ô mega 3 (2011) de Sa ra não tem no me

Em busca de um nicho O desejo antigo de criar um mecanismo de difusão e comercialização de filmes de artista e trabalhos em vídeo levou o curador e pesquisador de audiovisual Roberto Moreira S. Cruz a lançar em novembro a Duplo Galeria. A plataforma online possibilita que se assista na íntegra aos vídeos dos artistas representados pela Duplo, como Carlosmagno Rodrigues e Felipe Barros e a videoartista Sara Não Tem Nome. “Além dos artistas que trabalham predominantemente com o audiovisual, a Duplo vai mostrar obras importantes dos anos 1960 a 1980, que ficaram num limbo da história porque não existia atenção ou cuidados específicos em torno da preservação desses trabalhos”, conta o curador e, agora, galerista. Nos primeiros meses, a Duplo vai funcionar apenas virtualmente, mas Cruz adianta que, a partir de 2013, a galeria começa a participar de feiras voltadas para o audiovisual e também a estabelecer parcerias com o circuito especializado.

Fotos: Odir Almeida (transperformance) e, demais, Divulgação

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artes visuais

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50 metros de cor Giselle Beiguelman, de Buenos Aires

INAUGURADA NO INÍCIO DE NOVEMBRO, A EXPOSIÇÃO DO ARTISTA ALEMÃO FRANZ ACKERMANN NO FAENA ARTS CENTER TEM 50 METROS DE COMPRIMENTO E CERCA DE 10 METROS DE ALTURA. oBRA ESPECIALMENTE COMISSIONADA PELO CENTRO CULTURAL - INAUGURADO EM 2011 COM INTERVENÇÃO DO BRASILEIRO ERNESTO NETO - FOI PRODUZIDA NO ESTUDIO DO ARTISTA, EM BERLIM, E FINALIZADO NO LOCAL.

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Parte do vasto empreendimento de 3.500.000 metros quadrados do empresário Alan Faena, que inclui um hotel – o Faena Hotel –, e um conjunto de prédios residenciais e áreas públicas, o Faena Arts Center, localizado no edifício de um antigo moinho, abriga agora também o L.E.A., Laboratório de Arte Experimental, devotado ao trabalho processual de jovens artistas, e um prêmio – Premio Faena de Artes, no valor de 75 mil dólares para o artista selecionado. Nesse ambiente de fartura e de renovação urbana

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Franz Ackermann apresenta obra inédita no Faena Arts Center, em Buenos Aires, e planeja a primeira pintura em preto e branco, depois da experiência fotográfica na capital argentina

apoiada na combinação entre especulação imobiliária e cultura, em Puerto Madero, floresce, entre muitos Fs estampados em tapetes vermelhos e nas fachadas, o Faena District, onde seLecT encontrou Ackermann. Para produzir a obra, Ackermann ficou em Buenos Aires durante dez dias, tendo feito várias vezes o percurso da linha do trem que passa em Puerto Madero, de bicicleta e a pé. Esteve devotado ao projeto durante três meses, pintando e resolvendo questões técnicas acerca do suporte, em seu estú-

dio, em Berlim, com uma equipe de dez pessoas. “Havia uma ideia inicial de combinar uma pintura em grande escala com fotografia, mas não sabia como”, contou o artista. “Ao conhecer o local, no contato com o rio (da Prata) e a linha férrea, decidi que faria duas grandes linhas. Depois, veio o enfrentamento com a questão técnica – como fazer e transportar uma obra com essas dimensões?” Encontrou um tipo de madeira leve e produziu a obra nela, em pranchas de 6 metros cada, que acabaram resultando

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pintura de franz ac k e r m a n n , em buenos aires

Fotos: divulgação

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artes visuais

Walking South articula a paisagem das linhas férreas e do Rio da Prata em pintura de 50 metros

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o a r t i sta a l e m ã o f r a n z ac k e r m a n n , q u e p r o d u z i u wa l k i n g s o u t h pa r a e x p o s i ç ã o n o fa e n a a r ts c e n t e r

em 21 telas pintadas. “No fim, essas são as questões mais importantes. São as que decidem se a obra vai desabar ou não”, diverte-se. Na conversa a respeito da obra, ele narra suas impressões sobre Buenos Aires e as primeiras ideias de uma obra futura, que talvez seja sua primeira pintura em preto e branco. Você trabalha com o conceito de mapas mentais na sua pintura. O que você particularizaria nesses mapas de Buenos Aires? A principal questão sobre Buenos Aires é a relação entre essa nova área, Puerto Madero e o Faena District, com a cidade como um todo e sua longa tradição histórica. Procurei conectá-las pelos seus meandros, pelo que existe entre a água – o rio – por um lado, e o subúrbio, por outro. Achei que seria interessante juntar tudo, inserindo uma série de imagens que não são de pontos bonitos da cidade, mas que são parte dela e é importante que constem para que se capture uma imagem da cidade em sua plenitude.

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Como você relaciona as cores que pintou e produziu com as imagens da cidade? Muito mentalmente. Eu chamei essa obra de Walking South, porque é a única maneira de se caminhar por aqui. Ir da Boca a Palermo é uma relação muito forte de deslocamento entre o sul e o norte. Mas o processo todo é muito mental e numa dimensão dessas, dessa escala de pintura, é impossível calcular previamente cada foto, cada cor, cada imagem. Então optei por trabalhar em “capítulos”, focalizando cruzamentos de estradas, janelas, um cachorro, um grande estádio. Fale um pouco sobre o processo de criação das cores. Algumas carregam tons bastante artificiais. As cores artificiais são mais importantes do que as naturais. Todas são integralmente compostas de mistura de tinta, sem nenhuma passagem por teste em computador ou simulação. A etapa crucial é calcular a luz natural, as condições de iluminação e as vizinhanças das cores pintadas, que é o que cria as diferenças de percepção e contexto, de um mesmo rosa, ou um mesmo violeta, ao longo do quadro. Testo bastante as telas na luz do dia e de noite, mas é preciso ter em mente que não se pode controlar totalmente o processo, pois a luz muda muito ao longo do dia e em cada lugar. Se você tivesse que definir Buenos Aires para alguém que não conhece a cidade, o que diria? Uma das coisas que diria é bastante conhecida e diz respeito à arquitetura, que é uma espécie de colagem. Não tem uma linha contínua nas edificações e isso dá à cidade um aspecto cosmopolita, com influências da França, Inglaterra etc., misturadas a algo próprio, muito sul-americano. Essa situação de descontinuidade, de padrões que se configuram em determinados pontos, tentei reproduzir na obra.

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Em Walking South, a fotografia teve um papel importante na elaboração e finalização da obra. Como você relaciona a pintura com a fotografia? O que mais me chamou atenção foi a passagem do analógico ao digital. A portabilidade das imagens, a nossa capacidade de capturar e transmitir de qualquer ponto do globo é impressionante e poderosa hoje, especialmente do ponto de vista documental. E tudo aquilo que se pode adicionar depois, transformando essa documentação em outra coisa, é o mais importante. Pessoalmente, abre-me todo um novo horizonte de possibilidades criativas, de confronto entre o cotidiano e as formas de ilusão, em que ambas confluem para uma nova experiência da liberdade. Um trabalho como esse, 20 anos atrás, seria proibitivo ou, no mínimo, um desastre. Algum motivo para que as fotos sejam em preto e branco? Produzi-las em preto e branco é mais um gesto de artificialidade. Além disso, há o confronto com a cor da pintura. Penso que, mais cedo ou mais tarde, aparecerá em meu trabalho uma faixa de fotos coloridas. Daí, logicamente, eu talvez produza minha primeira pintura em preto e branco. Nada como realizar um trabalho para que apareça uma ideia nova....

o b r a s d e j ov e n s a rt i sta s a r g e n t i n o s e m e x p o s i ç ã o i n a u g u r a l d o l a b o r at ó r i o e x p e r i m e n ta l d e a rt e s d o fa e n a a r ts c e n t e r

Fotos: divulgação

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artes visuais

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A última fronteira? Colecionador sai do papel de patrocinador, destrói uma das mais icônicas obras da arte chinesa recente e com isso se iguala e desafia o autor da obra que copiou: Ai Weiwei

J U L I A N A M O N AC H E S I

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“ O qu e ac o n t e c e r i a s e o a pa r e n t e m e n t e intocável Ai Weiwei se tornasse vítima de seu próprio conceito, o culpado sendo seu maior colecionador? Quanto mais eu pensava nisso e em todas as implicações decorrentes, mais parecia óbvio que isso precisava ser feito. Foi assim que Fragments of History surgiu.” Parece a narração em off de um trailer de filme de suspense artsy. Mas o thriller teve lugar na vida real, quando um ilustre desconhecido convenceu seu tio, que vem a ser um colecionador também ilustre, a destruir uma das mais icônicas obras da arte chinesa recente, protagonizando (como performer?) uma segunda (suposta) obra, que relê, por sua vez, outra das mais icônicas obras da arte chinesa recente.

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F ragm e n ts o f hi story (F ragmentos da H istó ria , 2012) , tríptico foto gráfico assina do po r M a nu e l Salv i sb e rg

Explicando: Manuel Salvisberg, jovem empreendedor suíço, fotografou Uli Sigg, maior colecionador de arte contemporânea chinesa, derrubando no chão a famosa Urna Coca-Cola (1994), de Ai Weiwei, escultura cujo título original – Han Dynasty Urn with Coca-Cola Logo – explicita seu conteúdo, ou seja, um vaso produzido por um habilidoso artesão por volta de 100 a.C., era de inovação cerâmica na China, por sua vez “destruído” por Weiwei quando aplicou com algumas camadas de tinta o logo do refrigerante sobre muitas camadas da história de seu país. Explicando melhor, nos anos 1990, o dissidente chinês e darling da arte contemporânea Ai Weiwei comprou um conjunto de cerâmica da dinastia Han (206 a.C.-9 d.C.), que utilizou em vários trabalhos, sendo o mais famoso

aquele em que derruba um vaso milenar e registra o momento em que este se espatifa no chão, fotografado nos três momentos-chave da destruição: antes (inteiro, entre as mãos do artista, semblante sério), durante (vaso no ar) e depois (aos cacos no chão). A confecção de Dropping a Han Dinasty Urn (1995) “gastou” dois vasos da coleção de Ai Weiwei, porque na primeira “derrubada” o fotógrafo perdeu o “instante decisivo”. “O colecionador é autorizado a sair de seu papel estritamente definido como simples patrocinador e cliente de um grande mercado? Quanto de elasticidade é possível? E quais os direitos que ele tem sobre a arte que adquiriu legal e moralmente?” Essas são outras perguntas que o novo artista devolve em entrevista a seLecT. Artista? Vejamos.

Fotos: cortesia do artista

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artes visuais

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D ro p p in g a H an Di n ast y Ur n ( de r ru band o u m vaso da dinastia ha n, 1995) , de a i w eiw ei

Fato 1: Manuel Salvisberg foi catapultado, em menos de seis

meses, da condição de financiador para empresas em crescimento para a de artista contemporâneo blue chip, com fotografias sendo vendidas por 10 mil euros aos maiores colecionadores de arte chinesa do mundo.

Fato 2: Diante da pergunta – Afinal, você é mesmo um artista? –, ele responde: “Na Suíça, para ser artista, disseram-me que é preciso dedicar no mínimo 60% de tempo ativo para a criação de arte como profissão. Eu não faço isso. Tampouco fui educado formalmente em artes. Por essa definição, assumo eu, não sou um artista. De fato, dedico a maior parte do meu tempo para a construção de jovens empresas de tecnologia e start-ups, fornecendo-lhes financiamento e apoiando seu crescimento. Amo fazer isso. É muito gratificante e diversificado. Minha outra paixão é a arte. Minha família sempre colecionou arte (principalmente dos antigos mestres suíços) e, especialmente um membro da família, Uli Sigg, tornou-se importante para o cenário da arte contemporânea chinesa. Através dele, desenvolvi um interesse e comecei a colecionar arte contemporânea chinesa no ano 2000 (naquele tempo, as obras estavam muito acessíveis e eu pude construir uma bela coleção). Por meio dela estive muito envolvido com artes durante os últimos 11 anos”. Fato 3: Fragments of History foi sua primeira obra. “Eu sempre tive vontade de produzir algo eu mesmo, mas abandonei

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Artista como crítico, marchand como curador, curador como artista. Quando a gente pensa que já viu de tudo, uma nova combinação se anuncia no horizonte: o colecionador como artista

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as ideias anteriores até que o conceito de Fragments me atingiu em cheio. Tenho acompanhado AWW ao longo do tempo e fiquei intrigado com a ideia de ver como ele reagiria se fosse feito com ele o mesmo que ele fez com os outros (ou seja, cujas obras ele ‘usou’). O que aconteceria se o aparentemente intocável AWW se tornasse vítima de seu próprio conceito, o culpado sendo seu maior colecionador? Quanto mais eu pensava nisso e em todas as implicações decorrentes, mais parecia óbvio que isso precisava ser feito.”

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Fato 4: Sua primeira obra está nas coleções do artista mais

influente do mundo (Ai Weiwei é o terceiro no ranking da ArtReview, depois de Carolyn Christov-Bakargiev e Larry Gagosian) e do maior colecionador de arte chinesa do mundo, Uli Sigg, seu tio e protagonista da obra em questão. “Eu precisava me decidir a respeito de onde eu deveria colocar as obras. Era imperativo para mim que elas deveriam estar em coleções de alta qualidade, a fim de ser apreciadas e, com sorte, mostradas no futuro. Uma foi para AWW, claro (a edição 1/8). Uma foi para a coleção particular de Uli. Uma foi para a doação de Uli ao museu M+ HK, o que me torna parte da arte contemporânea chinesa para sempre (como artista). Uma foi para Urs Meile, galerista e colecionador de AWW. O resto eu vendi para colecionadores importantes por 10 mil a 13 mil euros cada (que vai tudo voltar para o circuito das artes).”

Fato 5: Ele contou com a maior divulgação que o trabalho

iconoclasta poderia ter, feita pelo próprio autor da obra que ele havia copiado e também da que ele havia destruído. “AWW mostrou o trabalho para Chin-chin Yap, da revista Art Asia Pacific, que escreveu um artigo (Devastating History, publicado na edição de maio/junho da revista), que teve muita repercussão nas feiras Art HK e Art Basel. De repente, estava sendo convidado para jantares de galeria e eventos como o artista que fez Fragments.”

Fato 6: Ele tem plena consciência do sistema que valida o

que é arte hoje – o qual ele denomina, criticamente, de circo. “Olhando para o desenrolar dos acontecimentos, sinto que o circo da arte me fez um artista, não importa o meu histórico, formação ou a quantidade de tempo dedicado a isso. Você me contatou como um artista. Mas é uma pergunta interessante que eu continuo me fazendo e que pode conceitualmente aparecer no meu próximo trabalho.”

Fato 7: Sim, ele tem outras obras em vista. “Estou pensando em outra obra que pode ser relativamente ousada, dependendo

H a n Dynast y U r n w i t h Co ca- Co l a Lo go ( vaso da dinast i a h an co m lo go da co caco la , 1 9 9 4), escu lt u ra de ai w e i w e i

de todas as coisas funcionarem do jeito que espero. Desta vez junto e não contra o artista. Eu gosto de criar realidades desafiadoras como um meio fundamental. Essa é, provavelmente, a essência de como gostaria de fazer arte e espero que eu tenha mais algumas boas ideias no futuro – se isso vai se qualificar como uma ‘carreira de artista contemporâneo’, eu não sei.” E o que foi que Ai Weiwei achou disso tudo?, pergunto, por fim. “Uli e eu visitamos AWW em seu estúdio, no início de 2012, para entregar uma das cópias. Ele não tinha ideia de que eu estava trabalhando nisso. Coloquei as três fotos na mesa, deixando à mostra apenas a primeira (Uli com o vaso intacto). AWW circulou ao redor três ou quatro vezes sem palavras, murmurando ‘eu conheço esse trabalho’. Ele, provavelmente, não sabia se devia ficar animado ou chocado. Depois de alguns momentos, ele riu, todos rimos e nós três fomos jantar e começamos a especular sobre possíveis interpretações, como Sigg abandonando seu melhor amigo, Sigg abandonando a arte contemporânea chinesa etc. – a China oficial teria gostado.” Uma dança das cadeiras no jogo de papéis desempenhados pelos profissionais de arte inclui sem maiores sobressaltos à sensibilidade contemporânea o artista como crítico, o marchand como curador, o curador como artista, o marchand como crítico, o crítico como curador, e assim por diante. Mas, quando a gente pensa que já viu de tudo, uma nova combinação se anuncia no horizonte: o colecionador como artista.

Fotos: cortesia do artista e galerie urs meile, beijing-lucerne

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entrevista

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Nicolas Bourriaud: Para onde vamos? Desenvolver uma abordagem dinâmica das formas artísticas é o novo desafio para a crítica, afirma o curador francês que se notabilizou por teorias como a estética relacional e o altermoderno Pa u l a A l z u g a r ay e G i s e l l e B e i g u e l m a n

Nicolas Bourriaud, 47 anos, personifica bem o perfil hiperativo do profissional de arte contemporânea. É curador, ensaísta, crítico de arte, foi diretor de instituição de arte (Palais de Tokyo, Paris, 1999-2006), criou e dirigiu revistas especializadas e hoje é diretor da Escola de Belas Artes de Paris. Só não foi artista e esse aspecto específico causou certo desconforto no meio acadêmico francês, ao ser nomeado para um cargo que, normalmente, é ocupado por artistas plásticos. Diferentemente de seus pares, Bourriaud é autor de ensaios que rapidamente ganharam a dimensão de teorias de arte e atingiram notoriedade mundial, sendo traduzidos para 15 línguas. Seu primeiro trabalho, Estética Relacional (1998), teoriza as práticas artísticas que eclodiram no fim dos anos 1990 com artistas como Philippe Parreno, Dominique Gonzalez-Foerster ou Rirkrit Tiravanija. Em 2009, sua curadoria da Trienal do museu Tate Britain, em Londres, tornou-se a plataforma de lançamento para uma teoria estética, o altermoderno, um sistema de leitura crítica articulado com teorias econômicas e geopolíticas, como a alterglobalização. Nesse entretempo, viriam ainda os conceitos de pós-produção e radicante. “Todos os meus livros tentam nomear algumas realidades específicas que foram preguiçosamente descritas como ‘pós-modernas’”, esclarece, em entrevista a seLecT. E agora, para onde nos levará Bourriaud? O curador está implementando na Escola de Belas Artes um programa para o espaço expositivo que vai reabrir em abril com um novo nome: Palais des Beaux-Arts. A primeira exposição individual deve levantar polêmica. Será dedicada ao brasileiro Glauco Rodrigues, cujo trabalho o francês descobriu em sua viagem ao Rio. O p ó s - m o d e r n i s m o r o m p e c o m a d i n â m i ca d o n ovo e co m o pa p el h i st óri co d o modernismo de superar o passado. Mas o pós-modernismo também foi superado, afinal? O que foi o pós-moderno: um período histórico, um conceito ou um estilo?

Acho que foi as três coisas. Historicamente falando, o termo “pós-moderno” apareceu na época da crise do petróleo de 1973, um evento que levou o mundo a perceber que nossas reservas de energia eram limitadas – ou seja, colocou um fim à ideia de superabundância, de progresso infinito, da cultura como projeção para o futuro... A crise do petróleo representa para mim o “momento primordial” do pós-modernismo. Desde então, a economia foi desligada dos recursos naturais e reorientada para a “financeirização” imaterial, cujos limites vemos claramente agora, com o colapso parcial do sistema. Enquanto a economia cortava seus laços com a geografia concreta, a cultura se divor-

Fotos: henry roy

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d e ta l h e da O b r a d e G l a u c o Ro d r i g u e s , q u e t e r á e x p o s i ç ã o i n d i v i d ua l e m 2 0 1 3 n o Pa l a i s d e s b e a ux-a rts , e m Pa r i s , n ovo e s pa ç o d i r i g i d o p o r Bo u r r i a u d

ciava da história como cenário coerente. O pós-modernismo foi a história desse desligamento, levando a uma concepção reificada das “origens”. Como conceito, o período pós-moderno foi ativo em nivelar as diversas “versões” de tempo e espaço em todo o planeta, ao promover a sua desocidentalização, o que foi um passo importante. Mas a sua grande questão era: “De onde você vem?”, que era a base do seu discurso pós-colonial, essencialista e pós-político. Mas uma nova pergunta surge hoje, novamente, de todos os lados: “Para onde vamos?”. E nós sabemos que essa pergunta está ligada à modernidade. O gesto moderno por excelência é o desenraizamento, o êxodo, a caminhada para o futuro. A diferença é que só podemos chegar a esse destino, agora, onde quer que ele seja, pelo vagar. A nova versão da antiga interrogação modernista é agora inseparável do vagar: o modernismo era linear, estamos ligados hoje a figuras complexas, redes, constelações, arquipélagos... O

altermoderno,

conceito

criado

em

sua

c u ra d o r i a pa r a a T r i e n a l da Tat e B r i ta i n , d e 2 0 0 9, f o i u m a a lt e r n at i va ao p ó s - m o d e r n o ?

O prefixo “pós” está realmente circunscrevendo um vazio teórico, um espaço em branco que parece que temos medo de qualificar. O que significa nos posicionarmos “após” a história, em outras palavras, em seus subúrbios? “Pós” é a pontuação gramatical de um espaço-tempo em branco, o signo de uma não decisão. O artista David Robbins descreve os subúrbios americanos como “árvores-e-trânsito”: não é uma cidade, não é o campo, é uma “pós-cidade”, de alguma forma. Nós poderíamos até comparar o pós-modernismo a uma favela global: tanto além quanto paralelo ao seu contexto, deixada a um estatuto vago, um encontro humano sem orientação ou definição precisas. Esse espírito que eu chamo de “altermoderno” é um passo para incluir a favela dentro da cidade: vamos ousar nomear o nosso próprio período histó-

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rico, vamos tentar pensar a sua especificidade e os conceitos que produz, dentro de um contexto histórico mais amplo. Vo c ê c o n st r u i u o c o n c e i to d o a lt e r m o d e r n o em

to r n o

q u e st õ e s

da

i m ag e m

r e l ac i o n a da s

do à

a r q u i p é l ag o a lt e r i da d e .

e

de

Q ua l a

a p l i ca ç ã o d e s s e c o n c e i to h oj e ? Vo c ê c o n t i n u o u t ra ba l h a n d o c o m e l e d e p o i s da T r i e n a l?

O modernismo do século 20 foi “continental” em seu princípio, baseado em um esperanto formal, cuja abstração geométrica era o principal componente. Essa grade abstrata foi a chave para a “modernização” do mundo, tornou-se a nossa realidade cotidiana: em sua essência, o capitalismo é abstração. O arquipélago é o padrão privilegiado do altermoderno, porque liga diferentes lugares sem apagar suas singularidades; é baseado em relações, não em padronização. O arquipélago, como a constelação, é uma rede. Desde o livro Radicante (2009), eu tenho trabalhado sobre a oposição entre o altermoderno e a teoria pós-colonial, que está congelada em um sistema binário, acentuando o antagonismo entre “nós” e “eles”, norte e sul, o colonizador e o colonizado. E o pensamento pós-colonial se desenvolve por via da fetichização das origens. Estou chamando a atenção para um relativismo generalizado, não binário: o mundo como um arquipélago sociocultural, não reduzido à luta entre dois polos. Co m o o s co n c e i to s d e est é t i ca r e l ac i o n a l , a lt e r m o d e r n o , p ó s - p r o d u ç ã o e r a d i c a n t e s e relacionam entre si e com o pós-moderno?

Todos eles poderiam ser descritos como ferramentas teóricas contra a filosofia das origens, como diferentes tentativas para quebrar as regras metafísicas que encerram a estética em sistemas sem volta: se você se concentrar no “relacional”, a obra de arte nega o artista como sua origem única, trata-se de uma si-

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Bourriaud menciona a primeira exposição de Yves Klein, no Centre P o m p i d o u , c o m o a m a i s m a r ca n t e : “ E l a r e a l m e n t e a b r i u m i n h a m e n t e ”

“O modernismo do século 20 foi ‘continental’ em seu princípio, baseado em um esperanto formal, cuja abstração geométrica era o principal componente. Essa grade abstrata foi a chave para a ‘modernização’ do mundo, tornouse a nossa realidade cotidiana: em sua essência, o capitalismo é abstração”

como a hera, que produzem raízes no processo d e s e u d e s l o c a m e n t o . A b o t â n i c a ta m b é m e s t á p r e s e n t e e m u m d o s c o n c e i t o s f u n d a m e n ta i s d a f i l o s o f i a , o r i z o m a d e D e l e u z e e G u at ta r i . O q u e a b ot â n i ca t e m a e n s i n a r ao s f i l ó s o f o s ?

A botânica poderia ser descrita como uma ciência de movimentos, um discurso sobre as formas de vida e seus modos de crescimento. Vista como tal, não está tão longe da arte. Artistas inventam, antes de tudo, trajetórias: produzem caminhos ao longo de signos, objetos ou formas. Como crítico de arte, eu tenho de avaliar a qualidade e a produtividade de uma trajetória: é um estudo de balística. Desenvolver uma abordagem dinâmica das formas artísticas é o novo desafio para a crítica. Não podemos apenas imaginar a arte como um conjunto de objetos estáticos, tuação compartilhada, que implica o espectador. Vista como mas temos de explicitar a dinâmica das obras de arte. Isso é ainda “pós-produção”, a obra de arte não é mais uma página em branco mais importante no contexto atual de superprodução. preenchida pela inspiração do criador, mas vem de reciclar o já existente. E, sendo “radicante”, significa uma dessacralização to- S e u l i v r o P ó s - Pr o d u ç ã o ( 2 0 0 4 ) d e u c o n t e x t o tal das raízes – você não depende delas, você as cultiva. Não há c r í t i c o a u m a m o d a l i d a d e d e c r i a ç ã o q u e o origens, mas construções, a elaboração de um assunto por meio m e r c a d o d e a r t e r e s i s t e pa r a i n c o r p o r a r . de um processo errante. Aí vem outro padrão, que é a minha crí- C o n t u d o , n ã o e n t r a m n e s s a d i s c u s s ã o – n e m n a tica constante ao processo de desumanização, que assume formas s u a , n e m n a d o m e r c a d o – p r o j e t o s d e a r t i s ta s múltiplas. Todos os meus livros tendem a abordar os avanços da v o lta d o s à i n t e r n e t, q u e o p e r a m e x ata m e n t e reificação, e tentam fornecer ferramentas para resistir a ela, den- n e s s a d i r e ç ã o , p o r m e i o d e a p r o p r i a ç õ e s e tro da esfera estética. E todos eles tentam, também, nomear algu- m a s h - u p d e c ó d i g o s . P o r q u ê ? mas realidades específicas que foram preguiçosamente descritas Vejo a tecnologia exercendo uma influência indireta sobre a arte: como “pós-modernas”: o meu esforço consiste em lançá-las para a invenção da fotografia, primeiro, produziu a técnica impressiofora de sua órbita e inscrevê-las na paisagem econômica, sociopo- nista da pintura. No seu início, a internet modificou profundalítica e tecnológica dos nossos tempos. mente a consciência dos artistas sobre interação, partilha, relações humanas etc. Agora os tempos estão maduros para produções R a d i c a n t e , q u e v o c ê u s a pa r a d e f i n i r a e s t é t i c a online que vão além da mistificação tecnológica. E noções como d a g l o b a l i z a ç ã o , é u m t e r m o i m p o r ta d o d a s “códigos” ou o movimento “copyleft” são, obviamente, promissoc i ê n c i a s b o t â n i c a s pa r a d e s c r e v e r p l a n ta s ras e estão atualmente conduzindo uma nova geração de artistas.

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V o c ê i n s e r i r i a Ly g i a Cl a r k e H é l i o O i t i c i c a n a r e f l e x ã o s o b r e e st é t i ca r e l ac i o n a l?

Claro. Só que eu tinha um fraco conhecimento do seu trabalho quando escrevi o livro, por volta de 1995. Mas acredito que a estética relacional permitiu, ou impulsionou tremendamente, o seu reconhecimento pelo mundo da arte global. Antes eles eram vistos como seguidores do movimento conceitual, e a estética relacional os transformou em pioneiros, que eles merecem totalmente. Pode-se dizer o mesmo sobre Tom Marioni ou Wilson Ian, cujas obras foram revistas por completo desde este novo ângulo. Vo c ê d i z q u e , n o m u n d o g lo ba l i za d o, a d i m e n s ã o

Yves klein: referência

Qua l o cu ra d or com qu em vo cê mais se ide ntifica

p o rt á t i l d o s da d o s n ac i o n a i s to r n o u - s e m a i s

e a ex posi ç ã o ma is ma rca n te na sua formação?

i m p o r ta n t e d o q u e a s u a r e a l i d a d e l o c a l . J á

Tentei evitar qualquer tipo de identificação, mas tenho um diálogo sério com Harald Szeemann ou Hulten Pontus. Ambos foram freelance e diretores de instituições, como eu. A exposição, foi certamente a primeira de Yves Klein, no Centre Pompidou, quando eu tinha 17 anos. Realmente abriu minha mente.

B r u n o L at o u r a f i r m a q u e a s c o i s a s e s e u s u s o s n o s c o n e c ta m m a i s q u e a s r e l a ç õ e s d e i d e n t i d a d e o u t e r r i t ó r i o . v o c ê s fa z e m a m e s m a l e i t u ra d o co n t e xto g lo ba l ( e l e , d o p o n to d e v i s ta p o l í t i c o , v o c ê d o e s t é t i c o ) ?

O trabalho de Bruno Latour me parece epistemológico e não plenamente político. Ele é tão político dentro do seu campo como eu no meu. Mas eu certamente diferiria dele sobre o papel central que ele dá às “coisas”. Sim, elas estão dominando a nossa existência, mas observando essa evolução desde o campo artístico, tenho uma firme posição contra ele, e imploro por uma reinserção do humano onde quer que seja possível. O movimento filosófico chamado “realismo especulativo” toma um caminho semelhante, privilegiando o objeto sobre o ser humano. A Estética Relacional foi um manifesto pelo inter-humano, não pelo velho humanismo; Radicante foi também uma defesa do sujeito – não uma defesa humanista, outra vez –, mas um sujeito com base em trajetórias e diálogos com os solos pelos quais ele passa. Q u e m s ã o s e u s a u t o r e s fav o r i t o s e o s t e ó r i c o s que mais o influenciaram?

É claro que eu tenho uma dívida imensa para com os estruturalistas franceses, de Althusser a Deleuze e Guattari, ou Foucault. Mas Walter Benjamin ou Sigfried Kracauer também me assombraram. E não devo esquecer escritores como Jorge Luis Borges, Victor Segalen ou mesmo Diderot. Entre os historiadores de arte, penso em Linda Nochlin e Kubler George. Mas a minha inspiração vem principalmente dos próprios artistas.

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Em que conceito ou exposição você está trabalhando atualmente?

Estou implementando na Escola de Belas Artes um novo programa para o espaço expositivo de 1.000 metros quadrados, que vai reabrir em abril com um novo nome, o Palais des Beaux-Arts. Vou propor exposições temáticas três vezes por ano. Todas elas serão constituídas em quatro partes: uma coletiva com artistas contemporâneos, uma individual com um artista da segunda metade do século 20, uma exposição incluindo a coleção do Belas Artes (que contém mais de 450 mil obras de arte), e um pequeno espaço dedicado aos nossos alunos formados. O programa de abertura, Anjo da História, vai abordar o problema da ruína histórica: como os artistas de hoje usam artefatos históricos ou documentos como prova. Hoje, o passado é o último continente a ser explorado: vou focar uma geração de artistas que escavam a história, a fim de produzir efeitos específicos da verdade sobre o nosso presente. Spammers históricos? Por último, mas não menos importante, a exposição individual será dedicada a Glauco Rodrigues, cujo trabalho eu descobri no Rio: ele foi importante na década de 1960 por inventar um tratamento original da história brasileira, misturando o tupi e os conquistadores, re-explorando os contos de colonização com um toque pop britânico. Ele me aparece como um elo perdido e espero que o seu trabalho seja redescoberto por esta exposição.

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Os norte-americanos Wade Guyton, Tauba Auerbach e o francês Bernard Frize atualizam o tradicional discurso da pintura abstrata por meio de equipamentos, técnicas e conceitos do século 21

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JULIANA MONACHESI

É possível fazer pinturas abstratas depois d e t o da s a s e x p e r i ê n c i a s n e s t e c a m p o empreendidas pelas vanguardas históricas e a s n e ova n g ua r da s d o p ó s - g u e r r a ? A a bst r ação já foi geom ét r ica, i n for m a l , h a r d-edge , soft-edge , neoe x pr essionista, performática, povera, minimalista e pattern & decoration. Hoje ela está em visível processo de reinvenção, como na abstração high-tech, presente nos trabalhos de Wade Guyton, Tauba Auerbach e Bernard Frize. Guyton é um artista que, aos 40 anos, ganhou uma retrospectiva de sua obra no Whitney Museum, em Nova York, o que faz dele um dos raríssimos exemplos de jovem artista a receber tal reconhecimento. A exposição segue em cartaz

até 13 de janeiro no museu, sob o título Wade Guyton: OS. O sistema operacional a que se refere o trocadilho do título consiste na criação de pinturas abstratas de tocante beleza e sensibilidade, desenvolvidas inteiramente por meio de um computador, um scanner e uma impressora. Guyton cria uma espécie de layout pictórico no computador, que imprime repetidas vezes na mesma tela de linho - usando uma impressora de grande formato e altíssima resolução. As diversas passagens da tela pela máquina conferem o aspecto “humano” que sua pintura possui, cheio de imperfeições e acasos típicos do processo tradicional de pintar. “Seu vocabulário de pontos, listras, faixas e blocos, bem como de Xs e Us muito ampliados, e ocasionais imagens digitalizadas, combina os motivos abstratos do modernismo genérico e as estratégias de reciclagem de Andy

Foto: © Tauba Auerbach / Cortesia Paula Cooper Gallery, Nova York

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Warhol e dos artistas da Pictures Generation, como Richard Prince e Sherrie Levine”, reflete a crítica Roberta Smith em sua elogiosa resenha no jornal The New York Times sobre a mostra do Whitney. Tauba Auerbach é outra jovem artista americana que, em anos recentes, teve suas obras incluídas em mostras do porte da Trienal do New Museum (2009), da Bienal do Whitney (2010) e do panorama de arte emergente que o MoMA realiza a cada 5 anos no P.S.1, Greater New York (2010). Aos 30 anos, fez sua estreia em uma das galerias mais respeitadas de Nova York, a Paula Cooper Gallery, que representa nos EUA artistas como Sophie Calle, Hans Haacke e Sherrie Levine. Atualmente, a artista participa de uma exposição coletiva na galeria Nara Roesler, com curadoria de Vik Muniz, intitulada Buzz. Em sua pintura, emprega processos de dobra, estampagem e enrugamento para aplicar camadas multidirecionais de tinta spray que, após esticada a tela, assemelham-se a representações de um ambiente eletrônico ou digital repleto de estática ou dead pixels. “Eu comecei a fazê-las enquanto eu estava lendo muito sobre topologia. Estou um pouco temerosa diante do fato de que quase tudo é definido pela topologia – a arquitetura específica das conexões, tanto macro e micro. E é particularmente interessante que sejamos fluentes em uma tradução topológica bastante sofisticada,

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S h at t e r V I ( 2 0 1 0 ) , ac r í l i ca e vi d r o s o b r e m a d e i r a , d e ta u b a a u e r b ac h ; n a p á g i n a a n t e r i o r , E m b o ss m e n t Pa i n t i n g 4 ( 2 0 1 1 ) , o b r a d e Au e r b ac h

Tauba Auerbach dobra, estampa e enruga a tela para aplicar camadas multidirecionais de tinta spray e, assim, criar representações de um ambiente eletrônico ou digital repleto de estática ou dead pixels

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Na obra do francês Bernard Frize, um dos principais destaques da Trigésima Bienal de São Paulo, a tecnologia vem sobretudo da pesquisa de componentes químicos e dos procedimentos matemáticos

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M e l d i ( 2 0 1 2 ) , d e b e r n a r d f r i z e ; a b a i xo, K a r o l i n ( 2 0 0 3 ) , ac r í l i ca e r e s i n a s o b r e t e l a d e f r i z e

que nos permite entender o significado 3D processado em uma superfície 2D. Dobra (fold), relevo (embossment) e ondulação (corrugation) foram todas técnicas que eu usei para alterar a identidade dimensional do plano do quadro, trazendo-o para três dimensões, aplicando pigmento a ele naquele estado e depois esticando-o para trazê-lo de volta ao plano achatado. O plano da pintura pode ser uma superfície, mas pode também ser um portal para um espaço teórico, um estado anterior, ou uma identidade dimensional fraccionada”, explica Auerbach em entrevista a seLecT. Na obra do francês Bernard Frize, um dos principais destaques da Trigésima Bienal de São Paulo, a tecnologia vem sobretudo da pesquisa de componentes químicos e dos procedimentos matemáticos. “Estes têm sido os componentes do meu trabalho há 30 anos; a autoria ou a sua ausência são um assunto com que eu tenho lidado. Eu não valorizo o meu ego o suficiente para torná-lo o tema de uma Fotos: © Tauba Auerbach / Cortesia Paula Cooper Gallery, NY; fotos das obras de Frize, Cortesia Galerie Perrotin, Hong Kong & Paris

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artes visuais

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pintura. Acaso, procedimentos matemáticos, figuras emprestadas ou policromia são meios para evitar fazer escolhas pessoais. O processo de pintura em si carrega esse significado sem pronunciar qualquer palavra”, conta o artista a seLecT. O conjunto de pinturas de Frize exposto na Bienal de São Paulo deixou muita gente atônita – e muito artista intrigado. Na maior parte das telas, Frize utiliza resina durante a construção da obra e também em sua finalização. A última camada de resina é acrescentada para remover qualquer brilho e, em seguida, a superfície é selada para fazer a pintura ficar com o aspecto de um produto “industrial”, segundo Frize. “Eu prefiro dizer que a qualidade da superfície que eu uso cria uma distância entre o espectador e a pintura, algo semelhante ao que você sente observando uma grande fotografia ou uma impressão: um sentimento de objetividade, uma neutralidade – paradoxal, no sentido de que você está olhando para pinceladas artesanais. Eu não estou apenas aplicando uma camada de resina sobre o trabalho terminado, estou pintando com resina, o que me dá a superfície insondável, em frente da qual pode-se ficar observando trilhas congeladas.” Abstração hoje E qual a opinião dos artistas sobre a possibilidade de fazer abstração hoje? “É claro que é possível! Claro, não há nada de verdadeiramente novo no universo - as mesmas velhas coisas só estão sendo recombinadas de diferentes maneiras, em diferentes proporções, ou se movendo de forma diferente - mas as possibilidades são quase infinitas. Eu acho que o mesmo é verdade para a pintura ou qualquer outra coisa. Conforme o tempo passa estamos diante de mais história e fica mais difícil ser “original”, mas há também uma riqueza acumulada de ideias às quais resFotos: Lamay Photo (no alto) e Lothar Schnepf / cortesia museu whitney

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ponder, construir e descartar, para não falar de novas tecnologias e materiais, que tornam este tempo distinto de qualquer outro. Cada ponto no tempo é único”, responde Tauba Auerbach. Para Frize, “a pintura é, e sempre vai ser, difícil, mas será sempre também a mais interessante forma da arte a conectar o visível com o que pode ser pensado. Haverá sempre os artistas que se destacam em relação ao seu tempo, mas com uma compreensão do futuro. Novidade nunca é um problema; a pintura é sobre a adição de uma nova camada à nossa compreensão do mundo. Como Hannah Arendt apontou, a história nos empurra para a frente pela cabeça, do passado para o presente.

Para a crítica do NYT Roberta Smith, o vocabulário de pontos, listras, faixas, blocos, Xs e Us ampliados de Wade Guyton combina os motivos abstratos do modernismo genérico e as estratégias de reciclagem da Pictures Generation

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U n t i t l e d ( 2 0 0 6 ) , Wa d e G u y to n , E ps o n U lt r aC h r o m e j ato d e t i n a s o b r e l i n h o ; a b a i xo, U n t i t l e d ( 2 0 1 0) , i m p r e s s ã o E ps o n U lt r aC h r o m e e m j ato d e t i n ta s o b r e o i to pa i n é i s d e l i n h o, d e gu y to n

O que quer que pareça importante hoje tem raízes no passado e, eventualmente, ilumina o futuro. Se algo existe, tem de vir de um imperativo que um indivíduo ou um grupo trazem, uma urgência para que isso aconteça. O presente sempre será opaco para si. Tendências nos fazem acreditar que captamos agora algo da realidade. Dia após dia, elas são muito divertidas. O evidentemente referencial e o intrinsecamente nostálgico mobilizam as pessoas facilmente. Minhas pinturas não estão preocupados com cinismo ou provocação. Tanto pior se isso leva tempo; tenho mais diversão com ideias e filosofia. A abstração é uma qualidade para definir o meu trabalho? Houve sempre, desde que a humanidade usou o termo abstração, duas maneiras diferentes de entendê-la: elas permanecem entre a neutralização de singulares e a coleção de semelhanças. O resto é design gráfico. Eu acho que há um subtexto murmurando através de minhas figuras abstratas, às vezes mais perto da alegoria”.

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perfil

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James Bridle

ganha espaço crítico com “a nova estética”, propondo uma abordagem da coprodução do real por pessoas e tecnologias em rede

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Um futuro muito mais contemporâneo G i s e l l e B e i g u e l m a n e Pa u l a A l z u g a r ay

The New Aesthetic – a nova estética – é uma pesquisa em andamento do profissional multimídia inglês James Bridle. Seu objeto Diz respeito a tudo que reflete a “erupção do digital no físico”. Toma exemplos da arte e de todas as esferas da vida: da tecnologia ao design gráfico, da moda à publicidade, da cultura bélica à cultura de consumo, da literatura às notícias. “A vida contemporânea é coproduzida por pessoas e redes”, diz Bridle a seLecT. “Podem-se ver as bordas dessas produções nas costuras entre o físico e o digital, embora os efeitos mais fortes estejam no intangível, em nossas experiências diárias mediadas pela tecnologia.” A pesquisa começou, em 2011, em um Tumblr – um tipo de blog que privilegia imagens e textos curtos – e ganhou o mundo. Destaque na última edição do festival de tendências South by Southwest (em Austin, Texas), em abril, Bridle e seu conceito de nova estética vêm desde então ganhando espaço. Blogues de renome, como Beyond the Beyond, de Bruce Sterling, veiculado na revista Wired, livros sobre o tema, como New Aesthetic, New Anxieties, (V2, 2012) e exposições como Coded Perception (outubro/novembro, no Setup, em Amsterdã), são alguns entre muitos exemplos da repercussão. Nada foi planejado por esse pesquisador independente, formado em computação e inteligência artificial, com uma intensa trajetória como editor. Entre diversos links ligados a Bridle, destaca-se o blog booktwo.org, no qual ele discute literatura, tecnologia e o futuro dos livros, e o famoso Tumblr da nova estética. Mal imaginava ele que o tema se tornaria tão relevante nas discussões contemporâneas, de exposições a debates acadêmicos. Em outubro, foi convidado a debater o tema no New Museum, em Nova York. “A atenção é sempre uma surpresa. Eu esperava que despertasse algum interesse no meio dos designers, do marketing e da publicidade, que está sempre com fome desse tipo de coisa. A atenção do mundo da arte – e, especificamente,

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da comunidade da artemídia – foi menos esperada. Parece que esse mundo estava procurando determinados tipos de validação e de expressão, e o mundo da arte, em particular, está sempre precisando de novos modos, condições e movimentos. A nova estética pareceu para eles caber nesse molde.” Considerada por alguns críticos como “mais do mesmo”, por falar do que a cultura digital fala desde os seus primórdios, e, por outros, como continuidade de tendências históricas em curso pelo menos desde o construtivismo russo, a New Aesthetic é polêmica. Entre as discussões que suscita, aponta-se como um dos seus maiores paradoxos o fato de que, apesar de pressupor a imbricação entre o digital e o físico, só consegue fazer valer suas teses quando reintroduz seus exemplos em um ambiente puramente digital – o Tumblr, desprovendo as obras de sua força na realidade além da tela. Outra ressalva é de que sua interpretação da estética digital é por demais literal, com formas pixelizadas e referências explícitas à web. Mas o que a discussão de James Bridle tem de mais importante, contudo, é ser reativa a uma cultura essencialmente retrô, que não consegue dar conta das possibilidades que se abrem com as novas formas de colaboração e produção que surgem com a disseminação das redes. Aposta na cumplicidade entre homens e máquinas, vivenciada por todos em plataformas populares como o Facebook e o Gmail, e que se tornam cotidianas, nos aeroportos e bancos, com sistemas de reconhecimento facial e interpretação de dados biométricos. “Uma das coisas mais legais sobre a nova estética é que ela é mais frequentemente encontrada no banal, no aparentemente normal, no ‘novo normal’”, continua ele. “Passamos tanto tempo procurando futuros fracassados que, aparentemente, não percebemos a chegada de um futuro muito mais contemporâneo. Como resultado, muitas das coisas podem não ser realmente novas, mas elas passaram despercebidas e desconexas, até agora.” Sem apelar para longas argumentações, nem para discursos acadêmicos empolados, James Bridle, em si, é uma proposta nova, com discurso fresco e poroso às transformações do nosso tempo

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Leia a entrevista com James Bridle em: http://www.select.art.br

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Em 1 minuto NA WEB:

530 mil 700 mil updates de status São feitos no facebook

Tweets são disparados

GISELLE BEIGUELMAN

Estamos ficando doentes por compartilhamento em redes sociais ou obcecados por nós mesmos?

A NOVA SUBJETIVIDADE Fonte: http://psychologydegree.net / ilustração lucas rampazzo

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3,6 mil fotos

são publicadas no Instagram

72 horas de vídeo

são disponibilizadas no YouTube

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A explosão das redes sociais e os novos sistemas de armazenamento de dados transformaram o cotidiano, o trabalho e as formas de expressão e memorização. Criaram novas doenças e intensificaram comportamentos. Para discutir o que as redes sociais trazem de novo à experiência da subjetividade, seLecT conversou com a psicanalista e colunista da Folha de S.Paulo Anna Verônica Mautner, o teórico da cibercultura e professor da UFBA André Lemos, referência mundial no tema, e Abel Reis, formado em filosofia e engenharia e presidente da Agência Click e da Isobar no Brasil. Eles não concordam em nada, mas são unânimes em um ponto: as redes são humanas, demasiadamente humanas.

Das postagens feitas no Facebook, 80% são sobre a própria pessoa. Estamos ficando obcecados pelas redes sociais ou por nós mesmos?

Anna Verônica Mautner Nem um nem

outro. O que temos hoje é uma nova intimidade. Os meios de comunicação, especialmente, os mediados por som, são instantâneos e quase perfeitos. Estamos no mundo do áudio e não da imagem. Falo com o sujeito que está na China e com o do sétimo andar. Mas a pessoa que está ao lado do meu apartamento é muito mais distante. Com o homem de Xangai, na China, eu constituí algo em comum – família, trabalho, amigos. Já com o vizinho, só sei que ele tem um cachorro (porque faz barulho).

André Lemos As duas coisas. Pelas redes sociais podemos nos mostrar e compartilhar o que sentimos, gostamos, fazemos, revelando uma dimensão ao mesmo tempo egocêntrica e gregária. O sujeito está cada vez mais voltado para o compartilhamento e é, ele também, produto do que outros compartilham com ele. Os primeiros agrupamentos em rede nos anos 1990 eram o que chamávamos de “comunidade virtual”. Na maioria delas, o usuário era anônimo e, a comunidade, de interesse por assuntos. O modelo de “rede social” era o de pessoas anônimas, discutindo temas específicos. Não eram centradas na pessoa (meus amigos, minhas fotos etc.). O “lugar” de encontro não estava nas mãos de grandes condomínios empresariais como Facebook, YouTube e Twitter. A era das redes sociais online de hoje é certamente mais egocêntrica do que era a das “comunidades virtuais”. Mas esse sujeito é também, hoje, mais enredado, é um “indivíduo-rede”, não esgotando o caráter associativo de suas experiências. O perigo que sempre nos ronda, na rede e fora dela, é ficarmos restritos apenas ao que conhecemos.

Anna verônica mautner

“Estamos no mundo do áudio e não da imagem; nas redes não se escreve, grita-se. Descrever o mundo interno é muito difícil. Não basta anotar os sentimentos”

Fotos: rodrigo cancela (acima) e acervo pessoal

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“Pelas redes sociais podemos compartilhar o que sentimos e fazemos, revelando uma dimensão ao mesmo tempo egocêntrica e gregária”

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Abel Reis Acredito que estamos obcecados e empenhados no contínuo aperfeiçoamento de nossos autorretratos – e um dos meios pelos quais fazemos isso são as redes sociais. Tais plataformas nos permitem, minuciosamente, coletar conteúdos, remixá-los, planejar audiências e monitorar em tempo real as repercussões de nossas projeções. Passamos assim a exercer uma espécie de “prática de PR” (Public Relations, Relações Públicas) contínua que até bem pouco tempo só tinha sentido para celebridades ou marcas publicitárias. A vida mediada por redes sociais e seus recursos de personalização de conteúdo está criando novas formas de ação política, marcadas por formas emergentes de solidariedade, ou bolhas existenciais de jardins murados?

Mautner Não há personalização. Há facilidade

de acesso. Quando me comunico com o outro, eu “me” apresento ao outro. O teor é predominantemente pessoal, individual. Contudo, o si próprio não precisa ser o objeto da expressão... O que ocorre no Facebook e nessas novas maquininhas é uma democratização da escrita. Todos podem escrever, mas nem todos sabem escrever. E quem não sabe escrever escreve como fala. Essa democratização é muito importante, não há dúvida. Mas quem escreve nas redes não escreve, grita. Descrever o mundo interno, os sentimentos, inoculá-los, é muito difícil. Não basta denominá-los e anotá-los. Lemos De novo, penso que temos as duas coi-

sas. Twitter, YouTube ou Facebook são serviços que podem ser usados para mostrar pequenas coisas de um indivíduo qualquer, ou conectar esse indivíduo a outros para fazerem juntos uma revolução. Tudo vai depender das formas associativas que são cria-

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andré lemos

das com esses objetos. Podemos nos fechar nos filtros-bolhas ou ir para as ruas, fazer contato, potencializar a circulação da informação e a transformação pela produção, consumo e distribuição de conteúdo informacional, de baixo para cima. Não é uma coisa ou outra, mas e, e, e, e... Reis A dinâmica das redes sociais nos obriga ao exercício de um estilo de ci-

vilidade em que nos preocupamos em ser percebidos da melhor forma possível, afinal, o que publicamos ou curtimos projeta uma imagem pública de nós. Há um lado positivo nisso, porque de algum modo tais projeções tendem a refletir padrões éticos para conduta pública, o que em si já é saudável. Não vejo isso como algo incompatível com a emergência de novas formas de ação política, o que é um fato, dada a capilaridade da rede e seu poder de conexão em tempo real.

A intensidade e a aceleração da indústria de bens relacionados à comunicação impõem uma cultura da novidade em que ficar outdated é a paranoia do século 21. A palavra de ordem é update or die?

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Mautner Isso não é uma novidade. Nos anos 1950, entrou na moda o new look, um lançamento de Dior. Era um vestido mais comprido, e isso bastou para que não usássemos o mais curto. Depois veio Mary Stuart e a minissaia. Encurtamos o comprimento. O tempo das mudanças tem a ver com a tecnologia (seja da indústria, seja do comércio, seja da comunicação). Tínhamos tempos diferentes. Tudo demorava mais. Mas, quando uma coisa entrava, ela entrava. A imitação, nesse processo, é muito importante. Imitar é uma forma de se atualizar, aceitar, de se adaptar. O que não se imita, sai de circulação. Quem não imita se trumbica. No mundo moderno, a imitação é muito mais importante, porque não se tem o tempo da aprendizagem. Imitamos de uma vez. Olhamos e fazemos. Mas também olhamos e excluímos. E algumas coisas se podem imitar, outras não. Lemos Sim, acho que tem algo mesmo de “fetiche” nos novos objetos comunicacionais. Eles têm algo de “feitiço”. Eles são quase-objetos, na expressão de Michel Serres, comunicativos e performáticos. Parecem vivos por ser objetos capazes de fazer circular as vozes de seus consumidores. A obsolescência e o desejo de consumo de novidades não é algo do século 21, mas hoje essas capacidades “animistas” dos objetos comunicacionais nos colocam na busca desenfreada por novidades, como se quiséssemos adquirir o “novo ser” que acaba de nascer sempre. Reis Sim, a sobrevivência profissional e da repu-

tação pessoal depende da constante atualização de competências e habilidades intelectuais e afetivas. Isso é próprio da lógica do capitalismo avançado, no qual o trabalho imaterial, ao invadir o cotidiano da vida (já não separamos nitidamente, por exemplo, a vida doméstica da vida produtiva do trabalho), acaba por afirmar a “cultura da novidade” como um imperativo de sociabilidade ao lado de outros que já tínhamos.

“Porque dispomos de infinita capacidade de armazenamento nos computadores podemos nos ‘desmemoriar’ e nos concentrar nas complexidades de mais alta ordem”

Mautner Guardamos muito. Felizmente, não usamos tudo. Senão, não te-

ríamos mais nada para fazer. Mas isso remete a outra coisa: a vontade de não morrer, ou o medo de morrer. Se o que fiz, o que sei, desaparece, desapareço eu. Esse medo não mudou, as formas de guardar é que são diferentes.

Reis Funes está mais para alter ego do Google do que do homem contemporâneo. Funes não abstraía; sua mente era um espetacular repositório de fatos e signos, infinitas particularidades. Como dizia Borges, “pensar é esquecer diferenças” e, nesse sentido, a tarefa que se impõe ao homem contemporâneo é construir generalizações e analogias com as quais insights e aprendizados se tornem possíveis. Porque dispomos de infinita capacidade de armazenamento nos computadores, podemos nos “desmemoriar” e nos concentrar nas complexidades de mais alta ordem. Lemos A questão do esquecimento é uma das discussões políticas mais importantes da cultura digital. No conto Funes, o Memorioso, Borges diz: “Era-llhe muito difícil dormir. Dormir é distrair-se do mundo”. Hoje é muito difícil distrair-se das delícias da conexão. Mas desconectar e apagar os dados e as lembranças são ações fundamentais para nos distrairmos do mundo. Guardamos os dados voluntariamente. Mas nossos dados (nossos rastros) também são guardados de forma involuntária pelo simples uso da rede. Essa memorização generalizada pode servir para controle, monitoramento e vigilância do sujeito ou para revelar laços sociais, associações que nos permitiriam compreender melhor o movimento da vida social. Para pensar, em algum momento, precisamos deixar a catalogação da informação de lado e articular coisas. Para isso precisamos esquecer, desconectar, para voltar mais adiante a conectar, catalogar e produzir mais e mais dados. As redes nos põem em contato com um acervo cultural de outras épocas que está criando uma legião de colecionadores de links. Isso está produzindo uma geração de maníacos pelo passado?

A iminência da perda dos dados, por um lado, e a facilidade de armazenamento, por outro, estariam transformando aquele triste per-

Mautner Viver um passado que não tivemos não é indicativo de uma re-

tromania. Pense na importância de Jesus Cristo, de Moisés...

sonagem borgiano, Funes, o memorioso, que se lembrava de tudo, no alter ego do homem contemporâneo?

Lemos Um dos usos da rede, e de sua riqueza, é justamente a possibilidade de encontrarmos o que a cultura industrial de massa jogou para debaixo

Foto: acervo pessoal

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como dizia Marshall McLuhan, eu e meus instrumentos. Portanto, eu sou meu telefone, minha máquina de escrever, eu sou meus e-mails. Eu incorporo. Eu me torno. A caneta é a continuação do meu dedo, e assim por diante. Portanto, quando me cortam o dedo, eu fico chateada.

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Lemos Não uso muito as redes sociais. Telefone

também não é muito a minha praia. Gosto do Twitter. Gosto de contato assíncrono. Não sou muito interativo e muito menos em tempo real pela rede. Isso dito, fico em conexão permanente e só gosto de perdê-la voluntariamente. Perder a conexão involuntariamente não me deixa ansioso, mas também não me deixa feliz. Não fico ansioso pela eventual perda de solicitação do outro ou por sentir que serei sempre solicitado. Reis Francamente, o que me deixa ansioso é expe-

rimentar a comunicação lenta ou truncada com o outro, por conta da baixa qualidade dos serviços de telecomunicação no Brasil.

a saúde tende a arcar com o sedentaris-

abel reis

mo que o nomadismo tecnológico promove. Você já sofreu de algum “mal de conexão”? Qual?

do tapete, por não ser do gosto médio, não ser rentável ou por não ser atual. A curadoria de informações de outras épocas permite que o passado seja atualizado, contextualizado. Temos muita informação e precisamos produzir sentido. Essa curadoria da informação me parece muito interessante para a produção de narrativas... Uma profusão de museus informacionais dinâmicos, mesclando temporalidades. Reis O passado é presente em nossas vidas. E assim é desde tempos imemoriais. Mais ainda: tendemos a ser “generosos” e seletivos em relação a nossas memórias porque, afinal, isso afeta nosso autorretrato e nossa narrativa existencial. Naturalmente, com incríveis recursos computacionais à mão – da câmera fotográfica digital ao Pinterest, passando pelo Photoshop – podemos exercitar mais e melhor nossa obsessão pelo que já fomos e vivemos.

Mautner Vivemos em uma época em que você

é o que você diz, o que você se ouve dizer. Estamos na era do áudio, repito, mas não é possível ficarmos nessa ânsia de nos expressar. Essa ânsia de nos expressar é nova. O homem atual só sente que existe quando está falando. Mas onde se dá a constituição do eu interior? Em silêncio. Falar não constitui. Só assegura que se está vivo. É pouco.

Lemos Tenho enxaqueca áurea por causa das te-

las iluminadas. Sou hiperconectado, mas posso ir para a selva sem Wi-Fi ou 3G. Mas vou parar aqui, pois a enxaqueca já está chegando e, como diz Borges no Funes, “a receosa claridade da madrugada entrou pelo pátio de terra”.

O que deixa você mais ansioso: ficar sem conexão, involuntariamente, ou saber que, mesmo voluntariamente desplugado, você pode estar sendo solicitado via e-mail, celular ou redes sociais?

Mautner Fico muito ansiosa se ficar sem telefone, internet etc. Eu sou,

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Reis O uso intensivo das telas de computador e celular, por certo, colaborou para degradar mais rapidamente a minha visão.

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Os nov os biz arro s

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A new weird, corrente literária nascida no início dos anos 2000 e ainda pouco conhecida no Brasil, propõe uma ficção científica mixada ao horror e à fantasia, com personagens que fogem ao embate bem x mal Ronaldo Bressane

E m 2 0 03, l e i t or e s e e s c r i t or e s d o mundo anglófono pe rc e be r a m u m a m u da nç a na f or m a c omo a l gu n s subgêneros liter ár ios estavam se fundindo. Ao ler o romance Perdido Street Station, de China Miéville, o crítico e escritor M. John Harrison lançou o termo new weir d, ou “novo bizar ro”, par a nomeá-lo. Pegou. O bem-sucedido livro de Miéville, que aproximou o mundo da fantasia do steampunk (ficção científica ambientada no passado) e da crítica social, conta a história de um cientista excêntrico, Isaac Dan der Grimnebulin, que alimenta uma lagarta com uma substância alucinógena chamada “dreamshit”, transformando-a numa borboleta gigante que vampiriza os sonhos alheios. Multipremiado, o romance (não publicado no Brasil) virou best seller – e símbolo dessa tendência literária que mixa horror, fantasia e ficção científica em bases sempre politicamente críticas e linguagem experimental.

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Antes, uma breve história do weird: teria começado com HP Lovecraft (Nas Montanhas da Loucura, A Cor Que Caiu do Céu), um norte-americano notável por suas histórias de horror – e pela influência sobre escritores como Jorge Luis Borges, Neil Gaiman e Michel Houellebecq. O “weird” refere-se ao elemento fantástico ou sobrenatural em várias dessas histórias, em modo literal ou simbólico; ao mesmo tempo, esse tipo de subgênero apareceu em livros e revistas “pulp” – livros para ser vendidos em larga escala. Mas a new weird também se alimenta de outros estilos, especialmente autores da chamada new wave (nada a ver com B-52s e Devo), gente como M. John Harrison ou o grande JG

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c h i n a m i é v i l l e , a u to r d o r o m a n c e q u e inspirou o termo new weird

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O movimento transgênero propõe discussão sobre natureza masculina e feminina por meio de seres exagerada e grotescamente deformados

Ballard, que gostavam de misturar gêneros, alta e baixa cultura, em uma linguagem engajada e borrando as fronteiras entre fantasia e ficção científica – pense nos ballardianos romances Crash e Terroristas do Milênio. Outro grande autor cultuado pelos novos bizarros dos anos 2000 e 2010 é Clive Barker. Incensado por Stephen King, mestre absoluto do horror moderno, na contracapa de seus famigerados Livros de Sangue (“Eu vi o futuro do horror e ele se chama Clive Barker”), o autor inglês adora tratar de modificações e dilacerações corporais (lembre dos seres assustadores de Hellraiser).

o a u to r i n g l ê s c l i v e b a r k e r é c u lt u a d o p o r st e p h e n k i n g

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Personagens engolidos por cidades

O livro que convergiu todas essas esquisitices em uma prosa elegante e clara – quase realista, aparentada ao sentimentalismo de Dickens – foi Perdido Street Station, de Miéville. O inglês, também ativista político de esquerda, bebeu na fixação por pragas esquisitas de M. John Harrison, no Multiverso de Michael Moorcock e nas transformações corporais, obsessões de todos os livros de Barker. Outros autores o seguiram na busca por uma prosa menos afeita ao “fandom” – como se diz do público leitor viciado em um gênero. Prepare-se para mais uma penca de livros nunca dantes publicados por nossos às vezes preguiçosos editores: na onda de Miéville surgiram livros como City of Limits (de Jeff Vandermeer), The Etched City (KJ Bishop), A Year in the Linear City (Paul Di Filippo), The Year of Our War (Steph Swainston). Todos esses autores transitam entre o horror e a ficção científica em uma chave muito realista – seus personagens poderiam ser nossos colegas de escola, de firma, de boteco –, fazendo uso de uma linguagem com olho afiado para técnicas literárias pós-modernas (gírias e referências à cultura pop, humor negro, metaficção, narrativas não lineares). Constroem paisagens urbanas luxuriantes e barrocas, locações ecléticas, cheias de sociedades multiculturais e multiétnicas de humanos, monstros e outras formas de seres híbridos, criando personagens complexos, sujeitos aos estranhos dilemas dos mundos em que vivem – mas tentando fugir ao embate bem x mal, tradicional nas narrativas de horror do século 19. Como um movimento transgênero, o tema da identidade sexual está sempre presente. Se uma das preocupações principais da chamada ficção especulativa – presente em escritores como a fundamental Margaret Atwood (O Ano do Dilúvio) – é

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nos desfamiliarizar com o mundo contemporâneo, projetando-o num futuro próximo para que possamos vê-lo melhor, o new weird propõe a discussão sobre natureza do masculino e do feminino por meio de seres exagerada e grotescamente deformados. Ou seja, a “miscigenação” de gêneros literários propõe, no nível do texto, criaturas que sejam ao mesmo tempo velhos e novos, homens e mulheres, reais e fantasmáticos, corpos e cidades. A mistura, para o new weird, é a chave para uma literatura perturbadora. Enquanto os autores da new wave, como Ballard, abriram a ficção científica para a chamada literatura mainstream, o movimento ciberpunk (de William Gibson, autor de Neuromancer, que originou a trilogia Matrix) explorou questões cruciais do avanço tecnológico, o new weird redescobriu a ficção fantástica como um playground alquímico, restabelecendo a necessidade de a literatura ter uma visão mais imaginativa da realidade – menos atrelada à já longa tradição do realismo urbano, hoje a corrente hegemônica em termos tanto críticos quanto comerciais.

Novo bizarro

E no Brasil? Apesar da quase ausência de autores publicados por aqui – só Rei Rato, de Miéville, foi lançado (Tarja Editorial) –, há escritores lidando com essas misturas de gêneros há um bom tempo. Se considerarmos que o Brasil tem uma tendência saudável a mudar gêneros literários de acordo com o nosso clima (no sentido atmosférico e antropofágico da coisa), até que não estamos mal. O mais conhecido é o rapper/ rapsodo carioca Fausto Fawcett. Inclassificável, em sua obra diversos elementos tangenciam a ficção científica, como Santa Clara Poltergeist, e o recém-lançado Favelost – neles, a cidade é mais importante que as pessoas. Escrito em inglês e só publicado nos EUA, The Remaker, de Fábio Fernandes, homenageia o Borges de “El Hacedor” e “Pierre Menard”, em uma história passada numa São Paulo do futuro próximo, onde as inteligências artificiais são mais relevantes que os humanos “normais”. Outro que só escreve new weird em inglês é o pernambucano Jacques Barcia, de histórias como To Dive into a Godling, Where Life Begins. Mas talvez o mais importante pre-

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o b r a d o r a p p e r ca r i o ca fa u sto faw c e t t beira a ficção-cientifica

cursor do gênero no Brasil seja Nelson de Oliveira, no livro Subsolo Infinito, em que cria toda uma nova cidade no subterrâneo em uma escrita neossurrealista. Seu pseudônimo, Luiz Bras (Nelson recentemente abandonou o uso de seu nome, sob o qual publicou cerca de 20 livros), autor de Sozinho no Deserto Extremo, também é digno representante do gênero. Mas, embora sejam autores inventivos, sua visibilidade não é a mesma que a de seus colegas dos EUA e da Europa. Ou seja, falta ambição aos nossos editores por uma literatura imaginativa, que fuja ao exaustivo cânone do realismo. Como diria Millôr Fernandes, “tem tanta gente escrevendo sobre o homem comum que parece que resolveram mesmo abandonar o homem extraordinário”. Bem-vindos os autores preocupados com os homens bizarros.

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Travessia da Avenida

Brasil

Reposicionado no mundo, em virtude do sucesso de suas políticas econômicas e sociais, o País ainda tem modelos mentais internos dominados por guetos como o Shopping Cidade Jardim e o Complexo do Alemão

Jorge Caldeira

O Brasil está ocupando um novo lugar no mundo. No início da década de 1990, era a décima quinta economia do planeta. At ua l m e n t e é a s e x ta . S e a mudança fosse para pior, não faltariam explicações, mas, como se trata de uma melhora relativa, ficam as perguntas: vamos passar da depressão de nação vira-lata para a euforia de país civilizado? O Brasil é a bola da vez no mundo? Não faltam sinais plásticos da mudança. Artistas que produzem artefatos com marca local Brasil fazem sucesso por todo o mundo. Nomes como Vik Muniz, Alex Flemming, Adriana Varejão, Beatriz Milhazes e Os Gêmeos circulam com sucesso variado nas esferas globais de sua arte. Mas há também presença em circuitos

bem menos prestigiosos – mas muito movimentados. Paulo Coelho é um dos escritores que mais vendem em todo o mundo (e é levado bem mais a sério no exterior do que em seu próprio país). Romero Britto também não tem problemas de freguesia – eventualmente produzindo ao som de Michel Teló.

Uma sucessão de sucessos

Depois de duas décadas em que a imagem do País só aparecia lá fora no noticiário policial, agora a cobertura também mescla explicações para o relativo sucesso econômico e social. Meio atarantados, jornalistas procuram entender como duas décadas de democracia geraram uma nação muito superior. Tanto melhor, porque ao menos eles pensam com certa seriedade numa série de sinais para os quais pouco ligamos, mas que são relevantes. Entre eles:

1) Distribuição de renda. A medida internacionalmente aceita para isso é o chamado Índice de Gini. O índice do Brasil é hoje igual ao dos Estados Unidos. 2) Expectativa de vida. Era de 66 anos em 1991; passou para 73 anos em 2009. 3) Mortalidade infantil. Era de 45,14 por mil habitantes em 1991; caiu para 22,47 em 2009. 4) Escola básica. Em 1991, 23% das crianças com 7-10 anos de idade estavam fora da escola. Em 2009, eram apenas 2%. A grande fábrica nacional de analfabetos foi praticamente fechada. 5) Ensino superior. A porcentagem de jovens na faixa 18-24 anos na universidade dobrou, passando de 6,9% para 13,9% apenas no período 1998-2008. 6) Rede de água. Cobria 73% das residências em 1992. Passou para 85% em 2009. 7) Telefones. Existiam em apenas 19% das residências em 1992. Estavam em 84% delas em 2009. 8) Computadores. Em 2001, apenas 12% das residências tinham um. Em 2009, 35% possuíam o aparelho. 9) Internet. Em 2001, 8% das residências tinham pontos de acesso; em 2009 eram 27,7%. Não é o paraíso, mas há direção uniforme. O progresso da economia brasileira em relação a outras economias no mundo foi acompanhado de uma constante melhora dos indicadores sociais internos. Ao longo desse período, o poder foi ocupado por representantes de todos os matizes políticos – sem que nenhum deles alterasse significativamente a direção geral. A combinação de desenvolvimento econômico com melhora de condições sociais foi obra comum de todos. Agora o principal: se os jornalistas estrangeiros lutam para entender, nós brasileiros mal começamos a nos imaginar como uma nação relativamente unificada e capaz. Os modelos mentais internos sobre “Brasil” são ainda dos tempos da extinta Guerra Fria, seja na vida política

Fotos: rede globo/ divulgação

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Ca r t Ăľ e s - p o sta i s da zo n a n o rt e c a r i o ca f o r a m sac r a m e n ta d o s n a s ĂŠ r i e S u b u r b i a , da r e d e g lo b o

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capitalismo – e conseguiu melhorar constantemente todos os indicadores sociais. Não bastasse isso, conseguiu a proeza de fazer tudo liquidando uma economia desorganizada, com inflação crônica, recessões constantes e queda permanente no ranking das grandes economias mundiais – e criando outra que vem mostrando organização, capacidade de crescer em meio a uma crise global.

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Do tecnobrega às Olimpíadas

C e n a da n ov e l a s a lv e j o r g e , q u e t e m c o m o pa n o d e f u n d o o a m o r e n t r e c a p i t ã o da p o l í c i a pac i f i ca d o r a e m o c i n h a da c o m u n i da d e d o a l e m ã o

A geléia geral brasileira é forte e produtiva, mas o desfile das escolas de samba também é um monumento à ordem

(esquerda – Muro de Berlim – direita), seja na social, onde ainda predominam guetos como o Shopping Cidade Jardim ou o Complexo do Alemão. Curioso é que a vanguarda de um novo entendimento tenha sido a travessia pela Avenida Brasil – a novela que ligou as duas pontas da cultura brasileira até então separadas. Vai dar casamento? As mentes seguem agora as tramas de Morena, moradora do Complexo do Alemão, e do Capitão Théo, da Polícia Pacificadora, protagonistas de Salve Jorge, na Rede Globo, de olho na utopia de união entre a ordem e a desordem, os ricos e os pobres, o orgulho nacional e a desonra – tudo isso tendo como pano de fundo a costura entre moral e política pelos artífices do Supremo Tribunal Federal. E os cartões-postais da zona norte foram sacramentados na série cult Subúrbia. O trabalho de construção da estrutura forte está feito. O Brasil conseguiu uma inserção no mundo econômico global, manteve o

Falta agora a cultura, onde as coisas começam a pulular. Remendos de explicação das mudanças, se feitos com as ferramentas mentais da Guerra Fria, só geram paradoxos: o nacionalista Itamar Franco privatizou a estatal-símbolo, a CSN; o social-democrata Fernando Henrique Cardoso governou fazendo aliança com os liberais; o socialista Luiz Inácio Lula da Silva largou seu programa-símbolo, o Fome Zero, para trocá-lo pelo claramente social-democrata (não do partido desse nome, mas no sentido de programa estruturado no emprego das receitas do governo no mercado para gerar gasto social) Bolsa Família. Muitos ouvintes de tecnobrega agora relembram o Tropicalismo: a geleia geral brasileira é forte e produtiva. Carnavalesca, é certo, mas o desfile das escolas de samba também é um monumento à ordem e os horários rígidos. Precisamos de ambos, porque existe até data marcada para um eventual enlace dos brasileiros entre si – e do mundo com o Brasil. Vem aí a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Dois momentos em que a exposição do País no mundo vai conhecer índices inéditos. Temos até lá para pensar em nosso novo lugar no mundo. Se não descobrirmos uma forma de apresentar nossas virtudes dos últimos 20 anos, vamos vestir em nós mesmos a pecha de inconscientes tropicais – e decepcionar uma plateia altamente interessada.

Fotos: rede globo/ divulgação

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Artes visuais

Flecha ianomâmi no alvo

F oto g r a f i a d e c l a u d i a A n d uj a r c o n t e xt ua l i z a o índio no ambiente urbano

ANGÉLICA DE MORAES

Exposição de Claudia Andujar denuncia descaso com a questão indígena usando várias versões de uma única imagem da década de 1970 O impacto é poderoso pela concisão. Não fosse fotografia, seria f lecha no alvo. São 1,5 mil metros quadrados de área de imagem, ocupada

Claudia Andujar: Sonho Verde-Azulado, até 1º de novembro de 2013. Agência central dos Correios, Avenida São João s/nº, Vale do Anhangabaú, SP

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por quatro versões de uma única e linda foto. A exposição/instalação de Claudia Andujar, denominada Sonho Verde-Azulado, ressoa as cores da bandeira do Brasil e invoca a beleza de uma etnia indígena que luta contra o descaso criminoso que o País dedica aos seus índios. As fotografias foram inscritas nas grades arquitetônicas das quatro paredes internas do mezanino da agência central dos Correios, no centro histórico de São Paulo. Assim, o close do rosto da jovem índia ianomâmi ganha ângulos diversos, “é espelhado e duplicado, sempre confinado na prisão/grid de barras de concreto”, observa o curador Eduardo Brandão. Na parede lateral de um edifício próximo, em 270 metros quadrados, a foto de um menino ia-

Foto: Divulgação

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nomâmi, também de autoria de Andujar, é uma presença suave, emergindo na selva de asfalto qual ref lexo de paraíso perdido. Cidadã suíça nascida em 1931 e radicada no Brasil desde 1955, naturalizada brasileira em 1975, Andujar tem prestígio internacional consolidado desde os anos 1970. Suas exposições e livros de imagens percorrem o mundo. É a defensora mais persistente e amorosa do índio brasileiro. Seu acervo, estimado em 10 mil negativos e cromos, é mais da metade de temática indígena. Está atualmente sendo revisitado para compor o pavilhão permanente dedicado a ela no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), com abertura prevista para setembro de 2013. Impossível ver nessa obra só a estética impecável e as técnicas inventivas, porque essas qualidades existem como veículos de sua luta. As fotos da exposição derivam de uma imagem em preto e branco, realizada nos anos 1970, refotografada, em 1988, com filme infravermelho, o que confere à pele indígena um cromatismo harmônico com a epiderme da selva que a acolhe. Andujar é autora da antológica imagem de capa da também antológica revista Realidade dedicada à Amazônia, de outubro de 1971: um belo sorriso de um menino índio. Dentro está o ensaio fotográfico dos ianomâmi. “Foi depois dessa edição que resolvi viver entre eles, em Roraima”, conta. “Tornei-me um membro da tribo: eles confiam em mim e eu neles.” Com o retorno a São Paulo, nos anos 1980, a convivência se faz apesar da distância. “O mais importante que aprendi com os índios é que o ser humano é parte da natureza, não é superior a ela nem tem de dominá-la”, diz Andujar em entrevista a seLecT. “Acho absurdo que a presidente Dilma Rousseff tenha recuperado a mentalidade desenvolvimentista retrógrada que eu vi os militares implantarem na Amazônia, na época da hoje extinta rodovia Perimetral Norte, que invadiu as terras dos ianomâmi. Agora, essa mentalidade constrói a hidrelétrica de Belo Monte e destrói a reserva indígena do Xingu”, observa.

sta rs a n d r o c ks (2012), Obra de lu i z z e r b i n i

Artes visuais

Para ver com lupa paula alzugaray

Luiz Zerbini , até 21 de dezembro, Galeria Fortes Vilaça , Rua Fradique Coutinho, 1.500, São Paulo-SP

O pensamento em grade de Luiz Zerbini ganha ênfase em sua série de montagens com slides Luiz Zerbini acaba de ocupar o Espaço Monumental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro com a maior individual de sua trajetória, composta de 60 obras recentes e inéditas, realizadas nas diversas mídias em que trabalha: pintura, desenho, colagem e instalação. Foram apresentadas obras da série com slides fotográficos, que o artista vem desenvolvendo há cerca de quatro anos, e que ganharam destaque em uma sala da Galeria Fortes Vilaça, em São Paulo. Embora seja uma mostra “em pequena dimensão”, se comparada ao MAM, a exposição cria condições para a observação meticulosa de um procedimento importante da poética de Zerbini, o raciocínio geo-

Fotos: eduardo ortega / Cortesia Galeria fortes vilaça; na página ao lado, divulgação

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métrico, atribuindo-lhe a ênfase devida. Mas seria simplista resumir a série dos slides ao interesse construtivo do pintor – sempre atento aos revestimentos e à estrutura da arquitetura modernista. Esse aspecto está particularmente acentuado nas colagens Zickzack (2012), em que as molduras são organizadas ao modo das composições geométricas das pinturas e murais de cerâmica modernistas, ou Zoológico de São Paulo (2012), uma composição de discurso entrecortado, que alterna molduras com gelatinas coloridas e slides vazios. Mas há muitas outras questões envolvidas nesses procedimentos. Estão implícitas, por exemplo, discussões sobre a obsolescência das mídias e sobre o valor monumental do objeto fotografado. O artista afirma que esse é um trabalho sobre a memória: a sua e a coletiva. O trabalho faz uma espécie de escavação arqueológica, não apenas ao vasculhar arquivos de história da arte – e de monumentos históricos e religiosos ou de álbuns de família –, mas ao criar uma nova forma de visualização para uma mídia morta, o slide fotográfico, fixando-o a alguns centímetros do fundo branco. Por esse tipo de articulação, essas obras levantam uma interrogação acerca de sua identidade: são fotografias, objetos ou pinturas? São objetos que talvez possam ser inscritos em um discurso “pós-mídia”.

Teoria

Mitos modernistas e histórias contemporâneas JULIANA MONACHESI

Dois novos livros de Tadeu Chiarelli publicados em 2012 lançam luz sobre a arte brasileira do modernismo aos anos 1980 Curador do Museu de Arte Contemporânea da

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Um Modernismo Que Veio Depois, Alameda Editorial, 296 páginas, R$69, e No Calor da Hora , Editora C/Arte, 400 páginas, R$ 3 5 , amb os de Tadeu Chiarelli

USP e professor da Escola de Comunicações e Artes, Tadeu Chiarelli tem duas missões primordiais: promover a difusão e a ref lexão sobre arte contemporânea no Brasil e adensar a bibliografia acerca da história da arte brasileira. Aos seus livros já publicados – Um Jeca nos Vernissages (1995, Edusp), Arte Internacional Brasileira (1999, Lemos Editorial), Pintura Não É só Beleza (2007, Letras Contemporâneas), além de obras monográficas sobre artistas como Nelson Leirner e Leda Catunda – somam-se agora os títulos Um Modernismo Que Veio Depois (Alameda Editorial) e No Calor da Hora – Dossiê Jovens Artistas Paulistas, Década de 1980 (editora C/Arte). No primeiro, o autor se debruça sobre algumas questões que entende como cernes do debate em torno do modernismo brasileiro, tais como o “retorno à ordem”, a dicotomia figura/fundo, o embate entre regionalismo e tipologia nacional, a “arte abstratizante”, a oposição, nas obras mais realistas, entre os elementos descritivos e aqueles tornados constitutivos formalmente pelo artista. Entre os nomes estudados estão Guignard, Ernesto de Fiori, Portinari, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Lívio Abramo, Lasar Segall, Ismael Nery, Galileo Emendabili, Fulvio Pennacchi, Samson Flexor, Darel Valença Lins, Odilla Mestriner e Arcangelo Ianelli. O retorno à ordem, busca de correntes estéticas internacionais do entre-guerras que defendiam uma “superação” das vanguardas do início do século 20, surge, por exemplo, na leitura que Chiarelli faz da obra de Anita Malfatti. Na contramão do entendimento corrente sobre sua exposição de 1917 – aquela que motivou Monteiro Lobato a escrever uma crítica contra o ideário das vanguardas –, o autor defende que Malfatti já anunciava na própria exposição o interesse pela estética naturalista de viés sintético, “uma herança incômoda de se manter, sobretudo após sua autora ter sido entronizada como a mártir do modernismo paulistano”, escreve. Na análise que empreende da pintura Tropical (1916), fica claro que não foi

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o texto de Lobato que a fez arrefecer da investida mais vanguardista presente nas pinturas de Nova York, mas sim um genuíno interesse pela pauta do nacional na arte que encontrou na volta dos EUA. No Calor da Hora, por outro lado, propicia também uma revisão historiográfica, mas de maneira diversa. Aqui, os artistas são postos a falar. Uma série de entrevistas conduzidas por Chiarelli entre 1986 e 1987 com artistas como Mônica Nador, Leda Catunda, Caetano de Almeida, Nuno Ramos e Jac Leirner, agora reunidas em livro, possibilita um contato singular com os grandes nomes da arte contemporânea brasileira em momento inicial de formação e entrada no circuito da arte. Uma delícia de ler. Tanto porque jovens dizem bobagens quanto pelo fato de que denunciam, desde logo, a gênese de suas inquietações. Leia-se este trecho do jovem Iran do Espírito Santo, aos 23 anos: “Acho que sou rígido o suficiente para que o fazer seja só uma maneira de concretizar a coisa, de registrar a coisa. Só que, claro, durante o fazer aparecem problemas. Posso dizer que fazer só serve para atrapalhar a ideia”.

Mídia

Tecnologia: elemento condutor Paula Alzugaray

Artforum curva-se à proliferação das tecnologias da informação e das redes discursivas e dedica sua edição de 50 anos às novas mídias É no mínimo notável o fato de a revista Artforum ter optado por celebrar seu 50º aniversário produzindo um dossiê sobre mídias, tecnologia e arte. É surpreendente, se considerarmos que esse importante fórum da arte contemporânea internacional surgiu no contexto do expressionismo abstrato norte-americano e teve entre seus céle-

E n sa i o n a e d i ç ã o d e a n i v e rs á r i o da a rt f o r u m d i s c u t e pioneirismo de t i n g u e ly

bres colaboradores críticos que fizeram a história da arte moderna com base em um conceito de especificidade das mídias. Mas não é nada anormal ao descobrirmos, por exemplo, que a revista teve na capa de sua edição inaugural, em junho de 1962, uma escultura mecanizada de Jean Tinguely. Naquele momento, a revista surgia sob a égide de uma ainda controvertida arte cinética, que incomodava e fazia barulho com as máquinas de Tinguely, apresentadas na 1ª Bienal de Paris, em 1959. Apesar da ênfase dada ao cinetismo na primeira edição, o primeiro editor-chefe da revista, Philip Leider, ainda não reconhecia que esse tipo de experimento condenaria para sempre a especificidade midiática modernista, nem visualizava o impacto que ele teria sobre a produção artística internacional. Hoje, a 50ª edição da revista faz um retrospecto e mostra que aquele início foi quase uma promessa, um compromisso que a publicação assumia de acompanhar criticamente a hibridação das mídias que começavam a surgir. No editorial, a editora-chefe, Michelle Kuo, pinça dos arquivos de documentos da redação uma carta de 1967, em que Leider rejeita a publicação de um manuscrito sobre a obra de Charles Csuri, um pioneiro da arte digital e animação computadorizada, argumentando: “Não posso imaginar que a Artforum jamais publique uma edição especial sobre eletrônica e computação na arte”. O “inimaginável torna-se realidade quando a publicação dedica a maior parte de suas páginas editoriais (550 páginas totais, das quais mais

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reviews do dobro é composto de anúncios de galerias de todo o mundo!) a uma revisão de sua cobertura das novas mídias. “A história das novas mídias é, de muitas formas, a história da arte contemporânea”, anuncia Michelle Kuo no início dessa histórica edição, que empreende uma curva “do plexiglass e do portapak dos anos 1960 à arte em rede do presente”. Estaria a revista se reposicionando em relação à cizânia que dividiu, de maneira conservadora, a crítica de arte e a produção de mídia arte? Talvez, mas, a julgar pelo peso e contundência da seleção de artigos desta 50ª edição, podemos acreditar que, na Artforum, arte contemporânea e arte-e-tecnologia não são encaradas como campos estrangeiros. Essa percepção é patente, por exemplo, na análise que Daniel Birnbaum faz sobre o ensaio de Jean-François Lyotard, antecipando as reflexões curatoriais da memorável exposição Les Immatériaux (Os Imateriais), que ocorreria no Centre Pompidou em 1985, e foi publicada na Artforum 22, de abril de 1984. Ou na revisão de John Rajchman sobre o texto Curie’s Children, de Vilém Flusser, publicado em abril de 1988.

Itamar Assumpção – Cadernos Inéditos, Itaú Cultural e Editora Terceiro Nome, 240 págs., R$ 60

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o fôlego em rima de amor ou crônica da vida na cidade de São Paulo, cantada no seu ritmo sincopado de nego dito. Itamar Assumpção lançou 12 discos em vida, até 2003. Todos foram relançados em uma Caixa Preta, pelo Sesc, em 2011. Mas ele produziu muito, muito mais que isso, deixando algumas centenas de poemas em seus cadernos pautados e espiralados. Esse material precioso, compilado pelas filhas Anelis e Serena, a esposa Zena e o compositor Marcelo Del Rio, agora vira livro. Itamar Assumpção – Cadernos Inéditos traz à tona a produção compulsiva e apaixonada de um artista afiado e delicado, que produziu desde haicais de precisão cirúrgica até textos longos de prosa poética. Junto aos escritos, a publicação encarta o documentário Daquele Instante em Diante, direção de Rogério Velloso, lançado pelo selo Iconoclássicos. PA

Livro

Perigo! Alto tesão! Publicação reúne documentário e caderno com letras e poemas inéditos de Itamar Assumpção Itamar Assumpção tinha caligrafia de moça. Suave e sinuosa como a entonação da sua voz. Nas páginas em que escrevia música, ele fazia todo tipo de anotação, de telefones dos amigos a listas de compras. Ao longo dos seus muitos cadernos de notas e composições, um poema podia virar um barquinho e navegar a pauta, para depois voltar a ser letra e, na página seguinte, novamente linha sinuosa, arabescos, e retomar

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Angélica de Moraes

Ocupação de valor Coletiva no CCBB-SP, com curadoria de Rodrigo Moura e Jochen Volz, reflete sobre os conflitos e encontros entre arte e dinheiro

A exposição Planos de Fuga, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo (CCBB-SP) estabelece um irônico diálogo entre natureza artística e natureza econômica, gerando reveladores subtextos. Já na entrada, Carla Zaccagnini dá o tom do conjunto. Na tradição dos trocadilhos duchampianos, ela utilizou pequenos espelhos para reconfigurar as letras do nome Banco do Brasil, inscritos na fachada, para obter o lema “sob sina de Cabral”. Outra peça de Zaccagnini subverte a placa identificadora da maquete do prédio. Centro Cultural Banco do Brasil se transforma em “nutrindo lucro colateral”. Ponto para a instituição, que acolheu com a necessária liberdade de ação esse diálogo com os artistas, trilhando caminho oposto ao trauma da censura infringida em tempos recentes à obra de Márcia X. Parece que a administração cultural da instituição está conseguindo maior autonomia diante da administração central do banco estatal, qualificando a atuação do CCBB. A exposição conta com curadoria de Rodrigo Moura, do Instituto Inhotim (MG), e Jochen Volz, curador-chefe da Serpentine Gallery, de Londres. A dupla trabalhava em conjunto no Inhotim antes de Volz assumir o novo posto no exterior. Em entrevista a seLecT, Rodrigo Moura diz que buscaram atender à demanda do CCBB por “ocupação temporária

Planos de Fuga: Uma exposição em obras, até 6 de janeiro, no Centro Cultural Banco do Brasil, Rua Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo

específica para os espaços do prédio, para ancorar uma identidade mais definida diante de uma programação que costuma ser muito eclética”. Após abrigar recentemente arte indiana tradicional e pintura impressionista, o CCBB-SP retoma a arte contemporânea em uma mostra que, nota Moura, reflete “algo pensado coletivamente com os artistas, o que resultou em trabalhos que reverberam uns nos outros. O foco está nos conceitos de vigilância, privacidade e lucro”. Há boas ideias amarrando o percurso, desde os porões ocupados por Sara Ramo até o último pavimento, onde Cildo Meireles construiu uma instalação voyeurista e mordaz. Denominada Ocasião, é uma armadilha para desonestos e motivo de riso amargo para os cidadãos de um país tomado pela ressaca moral do mensalão. No subsolo, onde estão os cofres da instituição, Sara Ramo fez uma labiríntica mistura de escavação e

Fotos: mauro festiffe e denise andrade (obra de meireles)

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Vão (2012) Insta la ção co m ti ras de plásti co co lo rido fei ta po r Cristi a no Rennó ; a baixo, deta lh e de Ocasião (2012) , o bra de Ci ldo Meireles

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canteiro de obras, sob o título Geografia do Lastro ou A Riqueza dos Outros. A natureza dúbia do trabalho aponta tanto para a construção de um espaço precário quanto para um estranho garimpo urbano. Roupas, mochilas e ferramentas estão agrupadas em um canto, reforçando o protagonismo da mão de obra operária. No centro de tudo, um acúmulo de tecidos dourados remete ao ouro que já habitou a caixa-forte. Em entrevista a seLect, Ramo conta que ocupar local tão próximo aos alicerces do banco sugere “uma reflexão sobre a força do trabalho em que o lucro se apoia”. A mina/construção de Sara Ramo estabelece diálogo estreito com o unmonumental. Essa tendência atual, na contramão das verdades definitivas da escultura tradicional, adota o transitório. Também deslocando a escultura de seu lugar habitual, Marcius Galan é outro destaque. Ele cria trabalhos que misturam espaço real e simulacro. Cristiano Rennó, com Vão, cancela a visão panorâmica do vão central do prédio e o tinge de cores intensas, sedutoras. São nove artistas contemporâneos (o que inclui Renata Lucas, Gabriel Sierra, Rivane Neuenschwander e Mauro Restiffe), cinco deles com trabalhos inéditos. Há ainda um núcleo histórico com fotos de Claudia Andujar, Gordon Matta-Clark (fotos e objeto) e Robert Kinmont, que tratam da paisagem. Andujar, que também expõe atualmente no prédio central paulistano dos Correios, apresenta no CCBB uma série de imagens da Avenida Paulista, feitas de dentro de seu carro, nos anos 1970. Observa, como diz Caetano Veloso, “a grana que ergue e destrói coisas belas”. O título geral Planos de Fuga remete à novela homônima de Adolfo Bioy Casares, que, situada em uma prisão, explora noções de espaço e confinamento. Poderíamos acrescentar que esse é também o conceito central da perspectiva: ponto de observação em torno do qual se arma a representação da cena. Algo que oferece visão geral ampla e iluminadora, como esta coletiva imperdível.

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colunas móveis / urbanismo

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Cidades copyleft O urbanismo de código aberto vai modificar radicalmente as dinâmicas sociais e políticas de nossas cidades E se as cidades funcionassem com os processos abertos e o remix do mundo copyleft? Vamos aplicar a definição de software livre de Richard Stallman a uma cidade, substituindo a palavra “programa” por “cidade” nas quatro diretrizes que deram vida ao conceito de copyleft: Liberdade 0. Liberdade para executar a cidade seja qual for o nosso propósito. Liberdade 1. Liberdade para estudar o funcionamento da cidade e adaptá-lo às suas necessidades – o acesso ao código-fonte é um pré-requisito para isso. Liberdade 2. Liberdade para redistribuir cópias e assim ajudar o seu próximo. Liberdade 3. Liberdade para melhorar a cidade e depois publicar para o bem de toda a comunidade. O código-fonte – a essência da cidade, sua rede, sua operação, sua informação – estaria visível. Seria modificável. Melhorável coletivamente. A troca entre usuários de P2P (peer-to-peer) provocaria uma Praça2Praça, um Parque2Parque... A cidade copyleft não é um marco teórico. É uma prática e propicia outro tipo de relação entre pessoas, ferramentas, objetos e lugares. O processo copyleft é botton up (de baixo para cima), transparente, não hierárquico, participativo, colaborativo. Essa hipótese não é ficção científica. O artista e teórico da cibercultura Matthew Fuller e o urbanista e designer Usman Haque criaram uma licença aberta para cidades: o Urban Versioning System 1.0.1 (UVS). E afirmam: “Apenas o modelo de construção que é capaz de perder sua trama é adequado”.

P o rtoA l e g r e .cc , p l ata f o r m a pa r a c o m pa r t i l h a m e n to d e i n f o r m a ç õ e s , p r o b l e m a s e s o lu ç õ e s s o b r e a c i da d e

As dinâmicas de código aberto estão contagiando o mundo analógico. O movimento 15M espanhol / Indignados e todo o movimento Occupy aplicaram o copyleft, compartilhando suas ferramentas, metodologias e as práticas urbanas da global revolution na web. No Brasil, bom exemplo é o PortoAlegre.cc, plataforma para compartilhamento de informações, problemas e soluções sobre a cidade. Uma cidade copyleft, então, é uma praça aberta, participativa, cujo códigofonte está escrito coletivamente (projeto Wikiplaza). E é justamente aí, na liberação do código, da informação, que está a chave das cidades copyleft. Por isso, estúdios como o Ecossistema Urbano ou projetos como o Wikihouse registram as plantas de seus prédios com licenças Creative Commons. A cidade copyleft, como processo e prática, vai modificar radicalmente as dinâmicas urbanas, sociais e políticas de nossas urbes. Acesse a íntegra deste artigo e todos os links em: http://www.select.art.br/article/reportagens_e_artigos/cidades-copyleft

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selects / html5

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Monique Oliveira a receita do novo webdesign Pegue o hipertexto, retire os plug-ins e as rotinas obscuras. Acrescente as mídias sociais. Reserve 20% para imprevistos e você terá a web do futuro, feita com a versão 5 do HTML. Mas, atenção, a realidade pode ficar chata depois...

B en t h e B o dygu a rd

h ttp : / / ti nyurl .com / 37 fyh pf O site promocional do aplicativo de proteção de dados do iPhone mostra a que veio o HTML5. Ele conta com uma projeção em 3D, mas a navegabilidade é de texto.

YouTube

The Willderness Downtown

K i n et i c

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h ttp : / / ti ny ur l.com/6v58 k 2 s

U m “c l á s s i co” d o H T M L 5. Fe i t o p a ra a d i v u l ga ç ã o d e m ú s i c a d o A rc a d e F i re, é u m v í d e o i n t e ra t i v o q u e i n co r p o ra i m a ge n s d o e n d e re ç o f í s i co d o u s u á r i o.

E s se fa n z i n e c h i n ê s f u n c i o n a co m l i n ks se m p á g i n a s . A ca d a c l i q u e, a h o m e p a ge d es l i za , i n teg ra n d o a p ro g ra m a ç ã o à n a r ra t i va .

Tes t e o n ovo p lay e r d o Yo u Tu b e, q u e t ra z m a i o r i n te ra t i v i d a d e e ve lo c i d a d e.

Web Platform

h tt p: / / t i ny u rl .co m /8 b 37 km e Tu to r i a i s e to d a a d o c u m e n t a ç ã o pa ra q u e m q u i se r p rog ra m a r n a l i n gu a ge m H T M L 5.

T h i s Sh ell

h ttp : / / ti nyurl .com /6 b q p 5h 7 N o s i t e p a ra l a n ç a m e n t o d o á l b u m Pa r t s , d o G a m i t s , o u s u á r i o é co n v i d a d o a m o n t a r o v i d e o c l i p e. Q u e m d esco b r i r a se q u ê n c i a co r re t a p o d e b a i xa r a música.

Grooveshark

h ttp : / / ti ny ur l.com/ 7 9s33oq A rede social de compartilhamento de músicas disponibiliza faixas com links que podem ser arrastados e tocados. Prelúdio da experiência em HTML5.

View St reet No F la s h

Ch ro m e Ex p er i m en ts

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Traz o Google Street View sem fazer uso do flash. Perfeito para quem deseja visualizar o serviço no iPad e no iPhone.

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Um tanque com uma circunferência submersa promove a mais realista e interativa das animações em 3D do momento. É possível, até, mudar a direção da luz.

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iPhone 5 meia-boca Novo celular da Apple não é para todos que podem comprá-lo marion strecker

Uma maldade que a Apple fez ao projetar o iPhone 5 foi mudar a bitola da entrada de energia e dados. Quem já usava iPhone terá de aposentar todos os conectores e carregadores, sem falar de alto-falantes que carregavam o velho aparelho. E o iPhone ficou mais alto, demandando capa nova. Mas comprar capa nova é como vestir roupa nova: uma delícia. Milhões de pessoas estão fazendo essas trocas com dor no bolso, mas com certo prazer, já que faz bem para o ego estar sempre com aparelho de último tipo, como se a juventude da máquina fosse se transferir automaticamente para o corpo ou para a mente do consumidor. Não, não tem nada mais brega do que passar a madrugada na chuva, fazendo fila para comprar uma coisa supérflua. Mas tem louco pra tudo. E há quem pague ou receba por um lugarzinho na fila. Não recomendo que ninguém compre aparelho velho, mas trocar um iPhone 4 por um 4S foi dois-palitos. Tudo que funciona em um aparelho também funciona no outro, sem falar que a câmera do 4S é muito melhor e o modelo trouxe junto a divertida Siri,

o Iphone 5 ficou m a i s a lto, m a s c o m p r a r c a pa n ova é c o m o c o m p r a r r o u pa n ova : u m a d e l í c i a

o software que conversa com o dono, entende seus comandos de voz e até responde perguntas existenciais com certo humor. Ao menos nos EUA. A Siri no Brasil é uma piada: ela não aprendeu a falar português até hoje. E um problema maior se avizinha. Pelo divulgado até agora, o iPhone 5 não funcionará com as novas redes 4G LTE (Long Term Evolution) no Brasil. Nos EUA, quem usar o iPhone 5 com rede LTE navegará muito mais rápido. Esse é o grande diferencial do iPhone 5 em relação aos anteriores. No Brasil, entretanto, o iPhone 5 já homologado simplesmente não é compatível com a frequência das redes 4G LTE que estão sendo implantadas. E não sabemos se um dia serão. Não é um problema específico dos brasileiros. O iPhone 5 não é um celular multibanda: ele funciona em faixas de frequência específicas. Mas, desse jeito, portanto, usar iPhone 5 no Brasil é como sentar todo pimpão no volante de um enorme 4x4 bacanérrimo e, ao ligar o motor, descobrir que tem a potência de um Uno Mille.

ilustração: kareen sayuri

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Televisão (1925-2005)

De rainha das mídias a acessório das redes sociais, a saga da telinha Vedete da sala de estar dos anos 1950 até a primeira década dos 2000, a televisão foi desde sempre cosmopolita. Com nome de raízes greco-latinas (tele, do grego distante, e visão, do latim visione), é uma filha torta do norte-americano fotofone de Alexander Graham Bell e do teatrofone do francês Clément Arder, e parente consanguínea do rádio. A transmissão de imagens e sons em movimento só seria feita em 1927. No início, as tevês eram mecânicas e resumiam-se, basicamente, a um rádio com um tubo de néon que transmitia imagens do tamanho de um selo. Foi só em 1935 que a televisão tornou-se algo mais próximo do que conhecemos hoje, tendo como marco a transmissão das Olimpíadas de Berlim, na Alemanha nazista, em 1936. Mas foi depois da Segunda Guerra Mundial que ela se tornou a rainha das mídias. Estima-se que, até o fim dos anos 1950, 1 bilhão de aparelhos tenham sido vendidos no mundo todo. Foi peça fundamental do mobiliário durante décadas e é impossível dissociar a história do século 20 da sua presença. Foi com ela que os astronautas pousaram na Lua e nos lares de todo o planeta, em 1969, e que vimos o Brasil tricampeão do mundo, um ano depois. Pelas ondas do broadcast, conhecemos o Agente 86, Batman e seu inseparável menino prodígio Robin, amamos Lucy. Ainda em branco e preto, namoramos Francisco Cuoco, Regina Duarte, idolatramos Silvio Santos, Janete Claire e até Cid Moreira e Sergio Chapelin. Desejamos Beto Rockefeller e vaiamos e aplaudimos dos marcantes festivais da Record às tardes de Jovem Guarda, com Sua Majestade Roberto Carlos. Pela janela da telinha

soubemos da queda do Muro de Berlim, da Guerra Irã-Iraque e vimos as fortes imagens do ataque às torres do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Muitas horas no sofá da Hebe se passaram até que fossem anunciados os primeiros sinais de envelhecimento. Uma ideia singela de dois jovens que trabalham na PayPal, nos EUA, o YouTube, lançado em 2005, foi a responsável pelas primeiras dores de cabeça. O bordão “broadcast yourself ” virou rapidamente o slogan de toda uma geração e, como uma doença degenerativa, foi lhe comendo a glória, o charme, o fascínio e sua joia mais cara: a audiência. Amparada nas muletas do Twitter e de sagazes blogueiros, ensaia uma reviravolta como peça de um emergente tabuleiro transmidiático. Tal qual a conhecemos em sua soberania, morreu sem deixar saudade de sua implacável tirania. g b

Anúncio francês d o s a n o s 1 9 6 0 ( da Philips Television)

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reinvente

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Educação para curiosos Cursos livres na internet abrem caminho para uma nova escola mariel zasso

“Crianças etíopes haqueiam o Android em 5 meses.” A notícia alastrou-se como fogo na mídia e, claro, especialmente nas redes sociais. Crianças, etíopes, “sem qualquer instrução”... hackers?! Esses foram os ingredientes da receita que gerou um misto de espanto e entusiasmo. No imaginário do resto do mundo, Etiópia é subnutrição. E só. Apesar disso, assim foi: crianças que não frequentavam escolas formais, que não conheciam letras, aprenderam, sozinhas, não só a ligar os tablets, objetos que desconheciam, mas também a usar seus aplicativos e repetir pela aldeia as canções em inglês que faziam parte do conteúdo instalado. E, diante da descoberta de um recurso desabilitado, a ideia infeliz de não disponibilizar o recurso da câmera fotográfica teve seu papel: os pequenos etíopes descobriram como habilitá-la, modificando as configurações mais internas do dispositivo, normalmente inacessíveis a usuários finais. Mas como foi possível tal façanha? As caixas - parte do projeto OLPC, One Laptop Per Child - foram simplesmente deixadas lá e houve um impulso que fez com que as crianças as abrissem. As caixas, os tablets, os aplicativos e as portas de um novo universo. Esse impulso, chave do autodidatismo é, possivelmente, a chave do aprendizado: curiosidade. E a curiosidade, infelizmente, está bem longe do verdadeiro problema social que se tornou a escola tradicional hoje. Em tempos de novas tecnologias e conhecimento potencialmente ao alcance de todos, a internet é território infinito para o deambular das curiosidades. E dentre as muitas plataformas que vêm sendo testadas - e do esforço mundial de grupos que cuidam de criar e manter o conhecimento como um

cria nças etío pes co m o ta blet do proj e to OLPC

bem livre e compartilhado -, as plataformas online estão se tornando alternativas cada vez mais eficientes para atender às demandas do ensino adaptativo. Os Massive Open Online Courses (MOOCs) são novíssimas iniciativas de ensino e aprendizagem a distância para todos. Cursos mais ou menos livres - o aluno escolhe, para serem acessados a qualquer hora e de qualquer lugar -, e o melhor: para cada um escolher o que mais lhe agrade. A empolgante alternativa para evitar os paradoxos da escolarização chega a reunir 60 mil curiosos estudando Introdução ao Pensamento Matemático por meio de vídeos curtos e exercícios propostos por um professor que nunca vai conhecer o seu rosto. Confira, na seção selecTs, dez plataformas onde redescobrir o prazer de aprender: http://bit.ly/UzVG4P

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