SeLecT Nº 22

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​J OCHEN​VOLZ CL AR A​IANNI ALICE​MICELI PAULA​GARCIA

0 3 9 3 0 0 3 7 7 2 2 3 6

fev/mar 2015 aNO 05 eDIÇÃO 22 r$ 16,90

9

I S SN

2 2 3 6 - 3 9 3 9

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a r t e e C U Lt U r a C O N t e M P O r â N e a

CURADORES Quem​são,​o​que​pensam,​o​que​fazem​​ e​por​que​precisamos​deles

TOM​DIXON


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IPTU, IPVA e despesas de início de ano? Você tem crédito disponível no Banco do Brasil. Precisou, tá na mão. É só consultar seu extrato que o valor está lá, para você usar como quiser. Verifique se a parcela cabe no seu orçamento e conte com o crédito do Banco do Brasil.

Use seu crédito com consciência.



11 / março – 10 / maio . 2015 Sesc Pompeia sescsp.org.br

Balkan Baroque: Dozing Consciousness, 1997 cortesia do arquivo Marina Abramovic


Índex

6

2

4 6

1 3

5

1 Thomas Willeboirts Bosschaert (Países Baixos, 1613 – 1654), São Sebastião, c. 1640, óleo sobre tela.

4 Círculo de Francisco Zurbarán (Espanha, 1598 – 1664), Santa Inês, 1635-1642, óleo sobre tela.

2 Iracy Hirsch (Brasil, ?), Babalú (figura com máscara negra), 1967, óleo sobre tela.

5 Candido Portinari (Brasil, 1903 – 1962), São Francisco, 1941, óleo sobre tela.

3 El Greco (Grécia, 1541 – Espanha, 1614), Êxtase de São Francisco com os estigmas, 1600, óleo sobre tela.

6 Jean-AugusteDominique Ingres (França, 1780 – 1867), Cristo Abençoador, 1834, óleo sobre tela.

88 ReVIeWS

NOVO MASP MOSTRA A QUE VEIO Curadoria de Adriano Pedrosa adota a transparência como método

28

30

52

56

62

InTeRneT

FOGO CRUZAdO

enTReVISTA

PORTFÓLIO I

PORTFÓLIO II

REDES DE CURADORIA

O CURADOR É DISPENSÁVEL?

JOCHEN VOLZ

ALICE MICELI

O novo curador

Agnaldo Farias

PORTFÓLIO CLARA IANNI

Uma seleção de sites,

seLecT fez esta pergunta a

da Bienal de SP conta

analisa interesse por

Moacir dos Anjos apresenta

livros e cursos online

artistas e outros profissionais

como trabalha

situações silenciosa

obra que denuncia abusos

SELECT.ART.BR

fEv/mAR 2015


SeçõeS

8 14 32 88 98

Editorial Selects / Agenda Mundo Codificado Reviews

35

Em Construção

PeRFIL PROFISSIOnAL

CURADOR-ETC. Requisitos e atribuições do cargo se ampliam

70

74

ARTISTAS

PeRFORMAnCe

CURAdOReS

O TOQUE DA CURADORA

A VISÃO DO OUTRO LADO

Marina Abramovic

Criadores também atuam na

prepara evento para

organizaçãode exposições

março em São Paulo

78 edUCAçÃO

COMO SE FORMA UM CURADOR O que as escolas esperam dos alunos e o que oferecem

84 deSIGn

TOM DIXON A aspereza britânica na obra do designer nascido na Tunísia

foToS: pAuLo D’ALESSAnDRo (ALTo), RICARDo vAn STEEn (ESquERDA), DIvuLgAção (DIREITA)


e d I TO R I A L

8

MARATONA DE LONgA DISTâNCIA em seu projeto de acompanhar a produção

para as páginas da seLecT seu projeto

artística e intelectual contemporânea e

galeria expandida, comissionando três

contribuir para a informação e a formação

artistas para interagir com a revista. Moacir

do público de arte, seLecT dedica sua 22a

dos Anjos e Agnaldo Farias editaram os

edição a um dos agentes centrais desse

portfólios, escrevendo sobre artistas que

sistema: o curador.

vêm acompanhando nos últimos anos.

Se até o início dos anos 1990 as exposições

dos Anjos editou o portfólio de Clara Ianni,

eram concebidas por historiadores da arte,

com quem diz compartilhar o interesse

diretores de museus ou comerciantes, hoje

sobre “a representação de situações de

ninguém dá um passo sem consultar um

despossessão radical, que já resultou

curador. O termo caiu na boca do povo.

numa mostra (Cães sem Plumas) e vai se

Quem antes era organizador, coordenador

desdobrar em outros projetos”. Quando

ou programador – na televisão, na

vemos pesquisas – curatoriais e artísticas

gastronomia ou na música – hoje é curador.

– coincidirem dessa forma, confirma-se a

Com tantos formatos emergentes de

imagem do curador como “sócio do crime” e

curadoria, depois de décadas de supremacia

colaborador próximo do artista, que Jochen

dessa profissão, o Fogo Cruzado desta

Volz (curador da próxima Bienal de SP)

edição pergunta: O curador é dispensável?

declara em entrevista a Márion Strecker.

“O curador é uma necessidade

O leitor terá ainda o privilégio de conhecer

desnecessária”, reafirma o artista

o foco atual da pesquisa de outros dez

Artur Barrio o que já havia escrito nas

curadores ativos hoje no Brasil, abordados na

paredes de uma de suas instalações.

reportagem Curador-etc., onde descobrimos

“eles enfrentam enormes pepinos e

que, além de organizar exposições, eles

descascam abacaxis”, lembra Leda

teorizam, exercem a crítica de arte, escrevem

Catunda, que experimentou o gostinho

livros, orientam artistas, documentam,

da curadoria no ano passado, escrevendo

historiografam, cantam, dançam etc.

texto e colaborando na organização

dado o fôlego desta lista, fiquemos

de uma exposição do colega Leonilson.

com a declaração de Patrícia Verderesi,

Cercamos o assunto de vários lados. entre

colecionadora e aluna do curso de

as resenhas, destacamos a arrojada

curadoria do Senac, no texto de Sandra

proposta curatorial da primeira mostra do

Tucci sobre a educação do curador:

Masp sob nova direção, capa desta edição.

“A formação em curadoria deve ser encarada

Angélica de Moraes faz uma análise crítica e

como uma maratona de longa distância,

relacional dos projetos curatoriais da Trienal

não uma corrida de 100 metros”.

Frestas de Sorocaba e da 31a Bienal de São

Bons treinos.

Paula alzugaray

ricardo van Steen

Giselle Beiguelman

Márion Strecker

Luciana Pareja Norbiato

Hassan ayoub

Luciana Fernandes

roseli romagnoli

Paulo, e Mario Gioia aponta a qualidade do trabalho da jovem curadora Galciani neves

Guilherme Kujawski

para o projeto C.Lab da Galeria Blau Projects. Tivemos ainda o privilégio de trabalhar com um time especial de colaboradores, formado

Paula Alzugaray

por... curadores. Christine Mello trouxe

diretora de Redação

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fEv/mAR 2015

ILuSTRAçõES: RICARDo vAn STEEn, A pARTIR Do ApLICATIvo fACE youR mAngá


Sarah Morris, Março ���� [ Rio], ����

De terça à sexta, das ��h às �� h Sábados, das �� h às ��h

Sarah Morris Galeria do Rock Inside the White Cube ‘Até aqui tudo bem’ curadoria de Fernanda Brenner

White Cube São Paulo Rua Agostinho Rodrigues Filho, ��� Vila Mariana, São Paulo � �� �� ���� ���� whitecube.com/saopaulo

Abertura Sábado, 7 de fevereiro de 2015 14 h — 17h Exposição De 10 de fevereiro a 28 março de 2015

Bermondsey London

Hong Kong

Mason’s Yard London

São Paulo


COLABORAdOReS

10

Mara GaMa

aGnaldo Farias

Formada pela PUC, é jornalista com especialização em design, faz projetos de sites e roteiros para mostras e documentários. - design P 84

Professor da FAU-USP, é do Comitê Curatorial da Fundação Iberê Camargo e consultor do Instituto Tomie Ohtake. Curador da Bienal de São Paulo de 2010 - portfólio i P 56

anGélica de Moraes

sandra Tucci

Moacir dos anjos

Crítica de artes visuais e curadora independente. Tem o vício de reportar bienais internacionais - reviews P 92

Artista plástica, curadora e professora, coordena o curso de Pós-Graduação em Curadoria em Arte do Senac São Paulo - educação P 78

Pesquisador e curador da Fundação Joaquim Nabuco e ex-diretor do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Curador da Bienal de SP de 2010 - portfólio ii P 62

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Paulo d’alessandro

Mario Gioia

chrisTine Mello

Fotógrafo com experiência em fotojornalismo e incursão nas artes visuais - tipologias P 35

Graduado pela ECA-USP, é curador e crítico com atuação em instituições como o Paço das Artes e o Centro Cultural São Paulo - reviews P 94

Crítica, curadora e pesquisadora em Comunicação e Arte. Professora de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP e da Faap - curadoria P 96


Maria-Carmen Perlingeiro Cubo de ouro 2014 alabastro e ouro 13,5 x 13,5 x 13,5 cm Ed. de 12

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exPedIenTe

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOmINgO ALzugARAy EDITORA: CÁTIA ALzugARAy PRESIDENTE-ExECuTIVO: CARLOS ALzugARAy

12

DIRETORA DE REDAçãO: PAuLA ALzugARAy EDITORA-ChEfE: gISELLE bEIguELmAN DIREçãO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN EDITORA CONVIDADA: mÁRION STRECkER EDITOR míDIAS DIgITAIS: guILhERmE kuJAwSkI EDITORA DE ARTE: LuCIANA fERNANDES REPóRTER: LuCIANA PAREJA NORbIATO COLABORADORES

Agnaldo farias, Angélica de moraes, Christine mello, gustavo fioratti, mara gama, marcelo Rainho, mario gioia, moacir dos Anjos, Paulo D’Alessandro, Sandra Tucci

pROjETO gRáfiCO

Ricardo van Steen e Cassio Leitão

SECRETáRiA DE REDACãO COpy-DESk E REviSãO

pRé-impRESSãO COnTATO SERviçOS gRáfiCOS mERCADO LEiTOR ASSinATURAS

Roseli Romagnoli hassan Ayoub

high Pass faleconosco@select.art.br gERENTE INDuSTRIAL: fernando Rodrigues DIRETOR: Edgardo A. zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: wanderlei Quirino DIRETOR DE TELEmARkETINg: Anderson Lima gERENTE-ADmINISTRATIVA DE VENDAS: Rosana Paal gERENTE DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: Elaine basílio gERENTE DE ASSINATuRAS (SuDESTE) Pablo Pizzutiello gERENTE DE ASSINATuRAS (SuL): Sidnei Domingues Caetano gERENTE-gERAL DE PLANEJAmENTO E OPERAçõES: Reginaldo marques gERENTE DE OPERAçõES E ASSINATuRAS: Carlos Eduardo Panhoni gERENTE ONLINE w PARCERIAS Solange Chiarioni gERENTE DE TELEmARkETINg: Renata Andrea gERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen CENTRAL DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OuTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEmAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111(ExCETO LIgAçõES DE CELuLARES) ASSINE www.assine3.com.br ExEmPLAR AVuLSO www.shopping3.com.br

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gERENTE: Luciano Sinhorini COORDENADORES: Alexander Cruz e Jorge burgatti ANALISTA: Juliana Pelizzon CONSuLTORES DE VAREJO: Alessandra Silva e Caio Novaes PROmOTORES: fagner garcia, Patrícia Leon e Tiago morais ASSISTENTE: Samantha Dimiciano ASSISTENTES: Ricardo Souza e gislaine Aparecida Peixoto

OpERAçÕES

DIRETOR: gregorio frança. SECRETÁRIA DE DIRETORIA: mirian Peretiatko. COORDENADOR DE PROCESSOS gRÁfICOS: marcelo buzzo. ANALISTA JR.: fábio Rodrigo COORDENADORES DE OPERAçõES: Luiz massa e Regina maria. ANALISTA PLENO: Denys ferreira. ASSISTENTES: César william e Indianara Andrade AuxILIAR: Jario Pereira. LíDER ESTOQuE: Paulo henrique Paulino

mARkETing pUBLiCiDADE

DIRETOR: Rui miguel gERENTE: wanderley klinger REDATOR: marcelo Almeida DIRETOR DE ARTE: gustavo borghetti ASSISTENTE DE mARkETINg:Andréia Silva DIRETOR NACIONAL: José bello Souza francisco DIRETORA: Dilú freire gERENTE:Tania macena SECRETÁRIA DIRETORIA PubLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADm. DE PubLICIDADE: maria da Silva ASSISTENTE ADm. DE PubLICIDADE: Ederson do Amaral gERENTE DE COORDENAçãO: Alda maria Reis COORDENADORES: gilberto Di Santo filho e Rose Dias CONTATO: publicidade@editora3.com.br RIO DE JANEIRO-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito grossi gERENTES ExECuTIVAS: Adriana bouchardet, Arminda barone e Silvia maria Costa COORDENADORA DE PubLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.: (21) 2107-6667 / fax (21)2107-6669 bRASíLIA-Df: gerente: marcelo Strufaldi. Tel.: (61) 3223-1205 / 3223-1207; fax: (61) 3223-7732 ARACAJu-SE: Pedro Amarante - gabinete de mídia - Tel./fax: (79) 3246-4139/9978-8962. bELÉm-PA: glícia Diocesano - Dandara Representações - Tel.: (91) 3242-3367 / 8125-2751. bELO hORIzONTE - mg: Célia maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./fax: (31) 3291-6751 / 99831783. CAmPINAS-SP: wagner medeiros - Parlare Comunicação Integrada - Tel.: (19) 8238-8808 / 3579-8808. CuRITIbA-PR: maria marta graco - m2C Representações Publicitárias; Tel./fax: (41) 3223-0060 / 9962-9554. fLORIANóPOLIS-SC: Anuar Pedro Junior e Paulo Velloso - Comtato Negócios; Tel./fax: (48) 9986-7640 / 9989-3346. fORTALEzA-CE: Leonardo holanda - Nordeste mkT Empresarial - Tel.: (85) 9724-4912 / 88322367 / 3038-2038. gOIÂNIA-gO: Paula Centini de faria – Centini Comunicação - Tel. (62) 3624-5570 / 9221-5575. PORTO ALEgRE -RS: Roberto gianoni - RR gianoni Com. & Representações Ltda. Tel./fax: (51) 3388-7712 / 9985-5564 / 8157-4747. RECIfE-PE: André Niceas e Eduardo Nicéas - Nova Representações Ltda - Tel./fax: (81) 3227-3433 / 9164-1043 / 9164-8231. SP/RIbEIRãO PRETO: Andréa gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155. bA/SALVADOR: André Curvello - AC Comunicação - Tel./ fax: (71) 3341-0857 / 8166-5958. VILA VELhA-ES: Didimo Effgen - Dicape Representações e Serviços Ltda. - Tel./fax (27)3229-1986 / 8846-4493 Internacional Sales: gilmar de Souza faria - gSf Representações de Veículos de Comunicações Ltda - fone: 55 11 9163.3062. mARkETINg PubLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli gERENTE: maria bernadete machado ASSISTENTES: marília Trindade e marília gambaro. REDATOR: bruno módulo. DIR. DE ARTE: Victor S. forjaz. AuxILIAR: Suellen fogaça

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA bRASIL 21 LTDA., Rua william Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / fax: (11) 3618-4100. COmERCIALIzAçãO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua william Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIbuIçãO ExCLuSIVA Em bANCAS PARA TODO O bRASIL: fC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. fone: (11) 3789-3000. ImPRESSãO: Log & Print gráfica e Logística S.A.: Rua Joana foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000

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fEv/mAR 2015


Gisele Camargo. A construção dos mini-mundos, 2014. Papel fotográfico e papeis diversos sobre Canson. 20 x 20 cm.

Os Meus Artistas exposição coletiva [group exhibition] aberta ao público [open to public view] 21 Jan > 21 Fev [Feb] 2015 www.lucianacaravello.com.br Ipanema, Rio de Janeiro


agenda

14

RIO dE JANEIRO

MAR CELEBRA O RIO Paisagens Não Vistas – Marcos Chaves, até 31/5; Rio Setecentista, 3/3/2015 a 7/2/2016; S.O.S. Poesia, 7 a 31/3; MAR, Praça Mauá, 5, Rio de Janeiro www.museudeartedorio.org.br Para marcar os 450 anos da capital fluminense, o Museu de Arte do Rio vem com dose tripla de programação. Quem já chegou é o conterrâneo Marcos Chaves (na foto, Sem Título, da série Próteses, 2005-09), com imagens típicas da Cidade Maravilhosa que não figuram em cartõespostais. Rio Setecentista faz um recorte transdisciplinar de como o Rio de Janeiro se modificou social, política e urbanisticamente após sua escolha como capital do reino. O diretor da instituição, Paulo Herkenhoff, assina a cocuradoria ao lado de Myriam Andrade Ribeiro, Ana Maria Monteiro de Carvalho e Margareth Pereira. Por meio de projeções de luz que atravessam as vidraças do MAR, S.O.S. Poesia converte versos famosos em código morse durante as noites de março, mês do aniversário da cidade. O projeto é assinado pelos artistas Renato Rezende e dirk Vollenbroich.

S ã O PA U lO

CONCEITO EM CONTATO Martha Araújo, 10/2 a 25/4, Galeria Jaqueline Martins, Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 74, São Paulo A alagoana Martha Araújo (na foto, Experiência com Obra - Roupa-Siamês, 1984), embora pouco conhecida do público, faz parte do panteão conceitual do País. Sua produção, iniciada em meados de 1980, segue em atividade na pesquisa dos limites do corpo como invólucro. Com o objetivo de estimular a relação entre pessoas, a artista busca também diluir a fronteira entre “o eu e o outro”. na panorâmica, figuram esculturas interativas, registros de performances e obras recentes. SELECT.ART.BR

fEv/mAR 2015

foToS: DE CImA pARA BAIxo, mARCoS ChAvES, mIRIAm pRADo/jAquELInE mARTInS


Laura Dias Leite

Carolina Dias Leite

Laura Marsiaj

SP-Arte 2015 de 8 a 12 de abril - estande S21 rua teixeira de Melo, 31/loja C - Ipanema +55 21 2513-2074 A partir de agosto - Vila Portugal, Jockey Club do rio de Janeiro


agenda

Você já trabalhava para a Fiac? Não, antes eu trabalhava para a Christie’s, era diretora do Departamento de Arte Contemporânea Asiática.

16

Agora você está indo para a outra direção. Sim, mas há uma conexão. Há uma forte comunidade de povos asiáticos na Costa Oeste e em LA. Por definição, esta é uma cidade multicultural. LA pode ser uma plataforma de conexão entre a América e a Ásia. E a América Latina também está na sua mira? Sim, tivemos um feedback muito bom das galerias brasileiras, mesmo que elas estejam muito envolvidas com a Miami Basel, que foi, obviamente, construída para este mercado. Também estamos trabalhando com galerias mexicanas e de Bogotá, que são incríveis. Por que é importante ter curadores associados a feiras de arte? O curador faz a diferença em uma feira, permitindo que ela se torne mais que um mercado. Você pode ver em cada feira a sua própria estratégia de curadoria, e nós, definitivamente, queremos fazer isso. Vamos trabalhar com Martha Kirszenbaum, diretora do Fahrenheit, espaço contemporâneo sem fins lucrativos, fortemente especializado em performances e novas práticas. E teremos um programa com Magalí Arriola, curadora da coleção Jumex, no México. O comitê de seleção será feito por curadores ou galeristas? Algumas galerias começaram a pensar no projeto comigo, como Jessica Silverman, de São Francisco, Pamela Echeverría, que eu realmente amo, que tem a Galeria Labor, no México. Akio (Aoki), da Vermelho

MERCAdO

AURELIA CHABRILLAT diretora da nova Fiac!Los angeles quer construir ponte entre as américas e a Ásia e diz que são os curadores que fazem a diferença nas feiras Paula alzugaray, de Miami Por que a Fiac, a tradicional feira de Paris, escolhe Los Angeles para se expandir? Além de Nova York, Los Angeles é a outra grande cidade norteamericana com um ambiente institucional e cultural forte. Em NY, tudo está estabelecido, congelado. Em LA tudo está, de certo modo, começando. Você pode viver de forma muito confortável lá, grandes espaços, mais baratos, grandes estúdios para os artistas, uma forte comunidade de colecionadores. LA é onde tudo é possível. foto: flavio scorsato /instagram@scorsato SELECT.ART.BR fEv/mAR 2015

tem sido muito colaborativo. Todos, provavelmente, serão do comitê. A cada ano surgem dezenas de novas feiras. Qual delas acredita que tem participação no novo mapa da arte mundial? É interessante a forma como as feiras têm sido feitas em países como o Brasil, que tem um mercado emergente, que em breve vai ser forte, embora tenha problemas com impostos. Os mercados asiáticos também são bastante desafiadores: o Sudeste Asiático, a Coreia, Hong Kong, toda a Malásia, Indonésia e Cingapura. Esses países têm feiras regionais, mas muito fortes e frescas, se você considerar a identidade específica de cada uma. A Índia, para mim, é o menos interessante. Carece de infraestrutura, é muito mais frágil e não tem o mesmo background histórico e cultural dos demais citados. foTo: fLAvIo SCoRSATo / InSTAgRAm @SCoRSATo


(detalhe) fabio miguez -- dechirico, da série shortcuts, 2013 -- óleo e cera sobre tela -- 200 x 240 cm

(detalhe) athos bulcão -- projeto lupa 2014 -- painel de azulejos

são paulo 24.02.2015 > 28.03.2015

fabio miguez

24.02.2015 > 17.05.2015

athos bulcão

rio de janeiro 24.03.2015 > 02.05.2015

daniel buren


agenda RIO dE JANEIRO

MULHER PERDIDA NO PARAíSO 2 Suspense – Katia Maciel, até 15/3, EAV Parque Lage, Cavalariças e Capela, Rua Jardim Botânico, 414, RJ, www.eavparquelage.rj.gov.br Com instalação montada nas cavalariças e na capela da escola de Artes Visuais Parque Lage, Katia Maciel dá continuidade ao Suspense, seu projeto de cinema expandido, em que desenvolve a saga de uma mulher perdida no paraíso. Agora ocupando os edifícios encrustados na floresta atlântica do Rio com quatro projeções, entre elas Vulto (2013, foto), Maciel aprofunda seu discurso sobre os mistérios da mata, conduzindo o espectador ao rastro dos habitantes ancestrais desse território ao fundo da Lagoa Rodrigo de Freitas.

18

S ã O PA U lO

INTERCâMBIO BRASILIENSE Milton Marques, 23/2 a 20/3, Ateliê 397, Rua Wisard, 397, São Paulo | www.atelie397.com Com debates atrelados às mostras, o Ateliê 397 promove um intercâmbio nacional com a individual de Milton Marques (na foto, trabalhando em seu ateliê). O brasiliense vem a SP para interagir. “Há tempos queríamos fazer uma exposição com ele e trazê-lo para conversar com os artistas daqui. Percebo, na minha convivência com os nomes em formação, que ele é uma grande referência”, diz Thais Rivitti, codiretora do espaço. Marques é conhecido

N OVA YO R K

por suas traquitanas que exploram ações inusuais, entre

NOTAS ISLANDESAS

políticas e poéticas.

Björk, 8⁄3 a 7⁄6, MoMA, 11 West 53 Street, NYC www.moma.org Björk (na foto, em still do vídeo Mutual Core, 2012) não é apenas uma cantora. Para homenagear a artista conhecida por sua voz e um estilo musical comprimido entre o jazz e a pesquisa étnica, mas que também atua, desenha, filma e cria roupas, o MoMA organizou uma mostra sobre seus mais de 20 anos de carreira. A ideia é montar uma instalação em que o visitante passa por objetos, instalações sonoras e registros em vídeo de performances, dando destaque aos álbuns lançados nessa trajetória. A mostra organizada por Klaus Biesenbach inclui ainda uma experiência audiovisual em 3d recém-criada por Björk e o diretor Andrew Thomas Huang.

SELECT.ART.BR

fEv/mAR 2015

foToS: DE CImA pARA BAIxo, kATIA mACIEL, CoRTESIA ATELIê 397, CoRTESIA WELLhART LTD & onE LITTLE InDIAn


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agenda

MERCAdO 20

NOAH HOROVITZ Mesmo reconhecendo que curadores são imprescindíveis para o sucesso das feiras, o diretor-executivo da Armory Show de Nova York diz que feira é negócio, não exposição de museu Paula Alzugaray, de Miami O curador tem seu poder ampliado pelas feiras de arte? Sim, mas temos de considerar que, nos últimos 15 anos, todo o sistema de arte passa por um processo de espetacularização. Feiras hoje são também experiências de estilo de vida, não só oportunidades de compra e venda. Deixaram de ser empreendimentos totalmente comerciais para se tornar ambientes de interpenetração comercial e curatorial. Isso é parte do processo de profissionalização, diferenciação e validação. Por isso vemos mais e mais feiras convidando curadores. Eles fornecem bons filtros para guiar colecionadores, e para validar também. Como a Armory Show, que fez 20 anos em 2014, se posiciona no novo mapa do mercado internacional? Você tem de se adaptar. Uma das razões para eu assumir (a edição 2015, que acontece de 5 a 8 de março, será a terceira sob direção de Horowitz) foi para trazer energia e criar novas redes. A Armory é um legado no mercado norte-americano, mas, provavelmente, cresceu mais do que devia. E o elemento curatorial fazia falta, assim como o espaço era justo, você não conseguia realmente ficar parado para apreciar um trabalho. Redesenhamos a estética e a circulação dos espaços e reduzimos dramaticamente o número de galerias. Como a Armory foi afetada pela chegada em NY da Frieze de Londres? Para o mercado primário, a primeira semana de março é a mais importante em Nova York, em termos de aberturas em museus e instituições, que programam suas melhores exposições para essa época. A Frieze ancorou sua feira em maio, no mês dos leilões em NY. Mas a Armory despertou para a necessidade de mudar. E, verdadeiramente, parte das razões por eu ter meu emprego é o fato de a Frieze ter chegado. Mas como Nova York ainda é o principal centro comercial para a arte contemporânea do pós-Guerra, pode sustentar duas grandes feiras comerciais. SELECT.ART.BR

fEv/mAR 2015

Em sua opinião, quais as novas feiras do mapa mundial? Art Dubai é um grande exemplo de como construir algo do nada, a partir de uma infraestrutura muito limitada. Comercialmente, não tenho certeza se eles são muito bem-sucedidos, mas sim em termos de projeto curatorial, que também destaco a Artissima (Turim, Itália) e da ABC (Berlim, Alemanha). Mas o mais importante é que feiras de arte ainda são empreendimentos comerciais e tem de ser plataformas fortes de venda, como a Armory é. Há algumas falsas economias que emergem por aí, onde você vê feiras efetivamente substituindo bienais, recebendo subsídios de dinheiro público para trazer cultura para a cidade, onde galerias não pagam stands. Isso é bom, mas não é sustentável. Não podemos perder de vista que a feira é uma empresa, não uma exposição de museu. foTo: ERIC T. WhITE


Dimitri Lee • Caixa D’Água, 2007 da série Salitreiras

em breve: Dimitri Lee • 10 Fevereiro - 31 Março Luis Gonzalez Palma • 7 Abril - 30 Maio Vila Modernista - Alameda Lorena 1257 - casa 2 Jardim Paulista - São Paulo - SP + 55 11 3825 0507 instagram.com/galeria_de_babel galeriadebabel.com

Alfredo de Stéfano Andrea Micheli Andreas Heiniger Ara Guler Araquém Alcântara Cliff Watts Dimitri Lee Elliott Erwitt Kamil Firat Kevin Erskine Luciano Candisani Luis Gonzalez Palma Julio Landmann Mio Nakamura Paolo Ventura Simon Roberts Steve McCurry Thomas Hoepker William Miller Zak Powers Zoe Zapot


agenda

S ã O PA U lO

gEOMETRIA DAS CIDADES Sarah Morris, 10⁄2 a 28⁄3, White Cube, Rua Agostinho Rodrigues Filho, 550, e 10⁄2 a 7⁄3, Fortes Vilaça, Rua Fradique Coutinho, 1.500, SP, www.whitecube.com | www.fortesvilaca.com.br

PA R I S 22

FOME DE QUÊ

desde os anos 1990, a pintora inglesa dedica-se ao estudar relações entre formas geométricas e figurações que remetem a design gráfico, à arquitetura e ao meio urbano. em fevereiro e março, ela apresenta trabalhos em duas exposições casadas. A White Cube reúne uma série recente de 15 telas em grande formato (na foto, Household gloss on Canvas, 2014), quase todas batizadas com nomes que remetem a São Paulo e ao Rio de Janeiro. entre as pinturas estão Posto 9 e Galeria do Rock. A Galeria Fortes Vilaça, por sua vez, mostra um filme rodado no Rio de Janeiro, cujas imagens passam pela vida prosaica e bem distante das paisagens turísticas.

Canibalia, 6⁄2 a 26⁄4, Kadist Art Foundation, 19bis/21, Rue des Trois Frères, Paris www.kadist.org Com obras da americana Coco Fusco, do espanhol Pablo Marte e do português Pedro neves Marques, a mostra estilhaça o termo canibalismo em conceituações sobre o colonialismo e o movimento antropofágico brasileiro, criado no início do século 20 pelos modernistas. É o gancho para uma pequena representação nacional com obras do espanhol radicado no RJ Daniel Steegmann Mangrané (na foto, Kiti Ka’aeté - reverse, 2011) e de Carlos Motta, entre outros. A curadoria é da espanhola Julia Morandeira Arrizabalaga.

SãO FRANCISCO

COMO LÁ EM CASA A Special Curatorial Project with Rirkrit Tiravanija: The Way Things Go, 13⁄2⁄15 a 24⁄3⁄15, Yerba Buena Center for the Arts, Mission Street, 701, São Francisco | www.ybca.org A exposição revela narrativas pessoais de artistas europeus, americanos e asiáticos, a partir do olhar do curador convidado Rirkrit Tiravanija, que nasceu na Argentina e trabalha nos eUA, na Alemanha e na Tailândia. em seus trabalhos, Tiravanija cria ambientes de convivência e interatividade. Sua proposta, agora, evidencia olhares antropológicos sobre comidas, objetos de cozinha e correlatos. entre as obras há uma da paulistana Maria Thereza Alves, a partir de estudos sobre sementes, e também de Arin Rungjang (na foto, still de golden Teardrop, 2013), que combina vídeo e escultura e se inspira na história de uma sobremesa tailandesa. SELECT.ART.BR

fEv/mAR 2015

foToS: DE CImA pARA BAIxo, CoRTESIA WhITE CuBE, CoRTESIA DA ARTISTA E ThE offICE of ConTEmpoRARy ART AnD CuLTuRE, AuRéLIEn moLE


20 adriano adriano de de aquino aquino alice alice quaresma quaresma alvaro alvaro seixas seixas amalia amalia giacomini giacomini ana ana linnemann linnemann ana ana vitória vitória mussi mussi angelo angelo venosa venosa anna anna m m maiolino maiolino antonio antonio dias dias beatriz beatriz carneiro carneiro carlos carlos vergara vergara cildo cildo meireles meireles daniel daniel feingold feingold daniel daniel senise senise elisa elisa bracher bracher enrica enrica bernardelli bernardelli fabricio fabricio lopez lopez ivan ivan serpa serpa ivens ivens machado machado

jaqueline jaqueline vojta vojta josé josé bechara bechara josé josé damasceno damasceno julio julio villani villani luiz luiz monken monken marcia marcia thompson thompson marco marco veloso veloso marcos marcos chaves chaves marcus marcus andré andré mariana mariana felix felix matheus matheus rr pitta pitta raphael raphael couto couto regina regina de de paula paula robert robert kelly kelly roberto roberto magalhães magalhães rubens rubens gerchman gerchman tatiana tatiana grinberg grinberg tunga tunga vânia vânia mignone mignone

segunda à sexta de 12h às 20h sábados das 16h às 20h segunda à sexta de 12h às 20h sábados das 16h às 20h

ATÉ ATÉ 28 28 FEVEREIRO FEVEREIRO 2015 2015

rua joão borges 86 gávea RJ tel: 55 21 2294.4305 | www.mercedesviegas.com.br rua joão borges 86 gávea RJ tel: 55 21 2294.4305 | www.mercedesviegas.com.br


agenda

S ã O PA U lO

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TRAJETÓRIA ATIVA

RIO dE JANEIRO

Willys de Castro 26/3 a 30/4, Almeida & Dale, Rua Caconde, 152, São Paulo | www.almeidaedale.com.br

VOZES INDígENAS

na onda das boas retrospectivas de nomes emblemáticos da arte do século 20, a galeria apresenta um conjunto de obras de Willys de Castro (1926-

Papagaio de Humbolt, 3⁄2 a 29⁄3, Oi Futuro, Rua 2 de Dezembro, 107, Flamengo, RJ www.oifuturo.org.br/

1988). na amostragem, é possível reencenar a trajetória do artista, desde a abstração geométrica, o concretismo e o rompimento com sua rigidez de princípios, depois de viagem de estudos na europa, em 1959. nesse período, Castro alia-se aos neoconcretistas, realizando seus decisivos Objetos Ativos (na foto, um exemplar de 1960), que figuram na seleção da mostra.

A instalação ocupa uma sala com alto-falantes, colocando o visitante no centro de um coro de 15 línguas indígenas latino-americanas, com atenção singular aos idiomas ameaçados de extinção. As vozes foram coletadas por artistas e antropólogos, entre eles a dupla argentina Sofia Médici e Laura Kalauz (na foto, Pintura Rupestre), Sonia Falcone, José Laura Yapita (Bolívia), Adriana Barreto e Paulo nazareth (Brasil). O conjunto é amparado por textos sobre culturas indígenas diversas, pontuando que esses idiomas ainda são falados por 28 milhões de pessoas na América Latina, ou 6% do total da população.

F O RTA l E z A

ONíRICO REVISITADO Ulrike Ottinger: Retrospectiva, 5/2 a 8/3, Museu da Cultura Cearense – Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Rua Dragão do Mar, 81 Fortaleza | www.dragaodomar.org.br Personagens díspares como mulheres piratas e figuras da mitologia japonesa convivem com gente real na obra experimental de Ulrike Ottinger. Fotógrafa, cineasta e diretora de ópera e teatro, a alemã contemporânea do cineasta Rainer Werner Fassbinder tem 56 imagens exibidas na capital cearense, numa retrospectiva que já passou por Porto Alegre e Salvador. Ela alterna séries documentais, como Feira, que registra o cotidiano de um mercado a céu aberto, a outras profundamente oníricas, muitas vezes captadas nos sets de seus filmes, caso de Bildnis einer Trinkerin - Aller jamais retour, de 1979 (foto).

SELECT.ART.BR

fEv/mAR 2015

foToS: DE CImA pARA BAIxo, CoRTESIA ALmEIDA E DALE, CoRTESIA oI fuTuRo, CoRTESIA goEThE InSTITuT


ROTAS: procedimento comércio (desde 2011) Comercialização de Desenho impossível Negociar diretamente com a artista: www.cargocollective.com/rotas

Desenho impossível: 46 cartas aeronáuticas WAC (55 x 79 cm cada) circunscrevem o território brasileiro. Os nomes das localidades são cobertos com corretivo. Duas cartas compõem a “coleção da artista”, e não estão disponíveis para venda. As outras cartas podem ser adquiridas pelos interessados, mediante contato com a artista. Os nomes dos compradores integram o trabalho ROTAS: procedimento comércio, conforme respectivas anuências.


Livros

TEORIA

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ROTAS E DERIVAS Coleção Mundo da Arte, WMF Martins Fontes (A Educação pela Pintura, de Paulo Pasta, 168 págs., R$ 45; e Novas Derivas, de Jacopo Crivelli Visconti, 172 págs., R$ 39,90; entre outros)

MONOGRAFIA

FÉRTIL PAISAgEM Gilda Vogt – Uma Retrospectiva, Museu de Arte do Rio Grande do Sul, 300 págs., R$ 120 Como boa carioca, mesmo residente há décadas em São Paulo, Gilda Vogt nunca abandonou a transcendência da paisagem. em 40 anos de trajetória, tem como eixo de pesquisa a paisagem – humana, doméstica, marinha. Qualquer um desses âmbitos adquire em suas telas e aquarelas dimensões filosóficas ou psicológicas, como denuncia a pintura Retrato Psicológico, de 2012. Reunida no livro Gilda Vogt – Uma Retrospectiva, organizado por Gaudêncio Fidelis a partir da exposição no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (2014), a produção de 1970 a 2013 favorece leituras atentas e aprofundadas. Para além do olhar do crítico, a profusão de caminhos sugeridos pelos trabalhos nos lança em muitas outras direções. notase, por exemplo, a amplitude que os retratos masculinos têm em toda a trajetória. desde o desenho de modelos na sala de aula da escola Brasil até os corpos de limpadores de vidro, de varredores e de pescadores, passando pelos retratos do marido, dudi Maia Rosa, em ato pictórico, pelos filhos dedilhando instrumentos, o corpo masculino em ação é paisagem fértil e vasta na pintura de Gilda Vogt. PA

Com abordagens de artistas, curadores e historiadores – a coleção busca “oferecer a artistas, críticos, estudiosos e amantes da arte acesso às mais significativas obras da história da arte”. e entrega o que promete, como, em seu lançamento mais recente, a obra de Crivelli Visconti. nela, a pesquisa sobre o termo “deriva”, partindo de sua acepção original do fim dos anos 1950, lança bases para uma compreensão ampla do tema na atualidade. em estratégia distinta, Paulo Pasta tem seus textos sobre pintores eméritos reunidos em volume em cores. LPN

l I V R O d E A RT I STA

COPAS VOLUMOSAS Sublimação, edição da própria artista, 244 págs., R$ 50 Juntamente com individual homônima realizada no dconcept escritório de Arte até dezembro de 2014, a artista Ana nitzan lançou o livro Sublimação, organizado por eder Chiodetto. Pensado como livro-objeto, reúne imagens extraídas de cadernos de desenho, além de fotografias da mesma série da mostra. nitzan retrata árvores e flores, em busca de artifícios para criar a ilusão de tridimensionalidade. Para tanto, faz o registro de duas faces de uma mesma copa, por exemplo, e depois conjuga as partes em páginas espelhadas, com a costura da lombada do livro passando ao meio. gF SELECT.ART.BR

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foToS: DIvuLgAção



curadoria

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REDES DE CURADORIA Plataformas como a Artsy, que aponta Pablo León de La Barra e Adriano Pedrosa entre os curadores “para se prestar atenção em 2015”, e centros de ensino especializado, como o Node, de Berlim, convivem na internet com espaços de reflexão sobre a curadoria de arte digital giselle Beiguelman

Mexicano e residente em NY em 2014, onde trabalhou como curador do projeto Guggenheim UBS Map, Pablo León de la Barra entrou no radar da Artsy pela repercussão de sua curadoria Under the Same Sun: Art from latin America Today, realizada no Guggenheim NY (que virá ao MAM-SP em abril) e por assumir a direção da Casa França Brasil, neste começo de ano

durante um bom tempo, as discussões mais interessantes sobre curadoria na internet diziam respeito às particularidades da curadoria de arte online. Hoje, na era do Big data, elas envolvem processos que vão de algoritmos curadores a plataformas de discussão e até cursos de especialização a distância. espaços de trabalho, de desenvolvimento criativo e ação crítica culminam em redes complexas, como a Artsy, que se tornam modelos do que se chama de “curadoria de informação”. ela opera pela combinação de recursos programados para pensar de acordo com o perfil de seus utilizadores com conteúdos editorialmente sofisticados. É lá, aliás, na área editorial, que saiu a lista dos 10 curadores mais promissores em 2015. dois deles são figuras-chave no cenário brasileiro atual: Pablo León de La Barra, curador da Casa França Brasil e o diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa. Apesar de essa lista em particular, pouco se vai encontrar sobre o assunto curadoria em si na Arsty (www.artsy.com). não faltam, contudo, excelentes sites na internet relacionados ao tema. Seguem os nossos favoritos:

SELECT.ART.BR

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Kunst Haal Aarhus Traz um generoso conjunto de textos de professores do curso de curadoria da Universidade de Aarhus e uma boa bibliografia sobre o tema. Um glossário especializado está em desenvolvimento com termos importantes para a pesquisa e a prática curatorial. www.curatorial.net

Curating Imateriality

Adriano Pedrosa é destacado pela Artsy por ter assumido a direção artística do Masp, por ter curado duas mostras de grande porte paralelas à última Bienal de São Paulo (na verdade, foram quatro: Rivane Neueshwander no MAM-SP, Histórias Mestiças no ITO, leonilson na Pinacoteca de São Paulo e Arte Vida no Rio) e por figurar na lista dos Power 100 da Art Review

Independent Curators International Um hub que congrega curadores estabelecidos e em início de carreira. Atuante desde 1975, muito antes do hype da internet e da curadoria, promove cursos, exposições e workshops. Além de informações detalhadas sobre os programas, o site traz boas apresentações dos projetos curatoriais desenvolvidos pelos alunos. www.curatorsintl.org

Curators Network Plataforma mantida com recursos de uma bolsa de fomento da Comunidade europeia, tem como um de seus objetivos principais promover o contato entre os artistas, as instituições e outros profissionais da área. Outro objetivo relevante é mapear e dar visibilidade aos clusters de agentes culturais disponíveis em um mesmo lugar, que, de outra forma, permaneceriam ocultos. www.curators-network.eu

Curediting Translational Online Work Parada obrigatória para qualquer um que queira uma discussão mais aprofundada sobre arte mídia em uma perspectiva crítica e pouco afinada com as euforias mercadológicas. Promove debates e seminários em universidades, especialmente no Reino Unido, e mantém uma mailing list regular há dez anos ativa na web. l. www.crumbweb.org

Um dos melhores livros sobre curadoria de meios digitais. Com ênfase na curadoria de net arte, foi organizado pela pesquisadora Joassy Krysia, do coletivo Kurator, que também mantém o Kunst Haal Aahrus. está disponível para download grátis juntamente com outros volumes da coleção data Browser, do mesmo coletivo, publicados pela prestigiosa editora Autonomedia (Brooklyn, nova York). www.data-browser.net/03/

Node Center for Curatorial Studies Organização alemã que oferece cursos online especializados em aspectos críticos e práticos do processo curatorial. Contempla desde cursos sobre procedimentos jurídicos implicados em empréstimos de obras e design expositivo até estudos críticos. Traz também um bom canal de vídeo e inscrições para programas de residência para futuros curadores em Berlim. A maioria dos cursos online é ministrada em inglês, mas há também em espanhol. www.nodecenter.net

foToS: CoRTESIA mASp. nA págInA Ao LADo: CoRTESIA quIEn mAgAzInE méxICo


FOGO CRUZAdO

O CURADOR É DISPENSÁVEL?

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A​figura​do​curador​popularizou-se​no​Brasil​em​meados​dos​anos​1980,​na​ esteira​da​profissionalização​do​mercado​de​arte​e​do​aumento​da​produção​ cultural.​ Dada​ a​ flexibilidade​ de​ seu​ papel,​ mediando​ as​ relações​ entre​ artistas,​instituições​e​público,​ganhou​protagonismo​e​onipresença,​que​ vieram​a​ser​questionados​nas​décadas​seguintes.​Ainda​atual,​o​debate​ sobre​a​relevância​de​seus​papéis​estende-se​às​páginas​de seLecT​

Fernanda Brenner ARTIsTA​E​DIRETORA​DO​PIVô

Essa pergunta tem muitas respostas e todas elas me levam a pensar em contexto. Acredito que, nas últimas décadas, o termo “curador” passou a significar uma categoria vasta que inclui pessoas com perfis distintos no meio das artes visuais: o curador-diretor de museu, o curador de coleções, o curador-crítico, o pesquisador independente, o artista-curador, e por aí vai. Esses curadores atuam em muitas áreas, que, combinadas, constituem o campo da cultura contemporânea tal como a conhecemos. Responder se o curador é dispensável me leva a pensar sobre o caminho que existe entre a ideia e o “período visível” de um projeto ou trabalho artístico. A figura do curador-profissional em sua definição mais comum não precisa existir em todas as circunstâncias, porém, o pensamento curatorial empregado nas decisões de como apresentar arte e ideias, na produção de conteúdo crítico e a interlocução no desenvolvimento de cada projeto expositivo são, sim, indispensáveis. SELECT.ART.BR

fEv/mAR 2015


Pedro Paulo roCha ARTIsTA

A curadoria ser indispensável ou não, não faria a menor diferença, se a figura do curador não fosse no limite exatamente a mediação a ser ultrapassada pela proliferação de novas formas de arte que surgem em nossa extemporaneidade.

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rodrigo andrade ARTIsTA

arTur Barrio ARTIsTA

... o curador é uma necessidade desnecessária …

Thomas Cohn GALERIsTA

Curadorias são indispensáveis. Os curadores? Estamos num meio no qual artistas, colecionadores, galeristas e críticos SOMOS amadores, autodidatas e autodiplomados. A Bienal continua no seu mergulho para a irrelevância total, os museus estão presos a orçamentos insignificantes e “coleções” não são renovadas. Os “mais conhecidos” das artes são o Paulo Coelho, Romero Britto e sertanejos. Os nossos curadores (bons, medíocres ou ruins) fazem parte desse meio cultural, não são seus vilões.

Certa vez, nosso ex-supercraque Romário disse que “técnico bom é aquele que não atrapalha”. É possível dizer o mesmo dos curadores. Assim como os técnicos no futebol atual, a arte contemporânea sofre de uma sobrevalorização dos curadores (embora isso venha se adequando melhor nos últimos anos). Mas, mantendo a comparação, se curador bom é aquele que não atrapalha, curadores que ajudam são ótimos. Seja como for, essa figura não é dispensável. De modo algum. É importante que haja pessoas com espírito crítico, intelectuais que reflitam e pesquisem sobre a enorme produção de arte atual, que pensem em associações de trabalhos de diferentes artistas e na melhor maneira – em diferentes maneiras – de mostrá-los. E também acho enriquecedor que não artistas possam servir de interlocutores junto aos artistas, para pensarem seus trabalhos e servirem como propositores de projetos que abram novas perspectivas, sobretudo diante do crescimento e da internacionalização do mercado de arte, ocorrido recentemente.

elly de Vries GERENTE​DE​MARkETING​E​CURADORA​DA​COLEçãO​sANTANDER​BRAsIL

O curador permanente de uma coleção tem um profundo conhecimento de um acervo específico: define a política de preservação, ampliação e eventual descarte. A partir da sua vivência com a coleção, cria múltiplas possibilidades de leitura e comunicação desse acervo, assim como de diálogo com outros acervos. No caso de exposições temporárias, ele estabelece um fio condutor para apresentar uma temática ou a trajetória de um artista e ampliar o conhecimento ou discussão sobre alguma questão, ficando a seu critério a seleção de obras e narrativas a serem construídas. Nesse sentido, entendo que a atividade de curadoria é indispensável para a dinamização da cultura e preservação da memória. foToS: no SEnTIDo AnTI-hoRáRIo: DIvuLgAção, CRISTInA moTTA, CoRTESIA ThomAS Cohn, CoRTESIA SAnTAnDER, CoRTESIA RoDRIgo AnDRADE. nA págInA Ao LADo: CoRTESIA pIvô


Um panorama das vertentes da

MUndO COdIFICAdO

curadoria mundial interpretado a partir das exposições que estiveram em cartaz nos últimos dez anos

ZEITGEIST DA ARTE DO SÉCULO 21 neW MuseuM

teMa

gerações

Younger than Jesus

MoMa

BIenaL De veneZa

neW PhotograPhY

PLateau oF huMan KInD

(2013)

(2009)

etnograFIa

ostaLgIa (2011)

hoMeM

PoLÍtICa

uneven groWth: taCtICaL urBanIsMs For eXPanDIng MegaCItIes (2014)

here anD eLseWhere

CoMPortaMento

MeIo aMBIente

CIDaDes

(2001)

ILLuMInatIons (2011)

MaKIng WorLDs (2009)

(2014)

Centre georges PoMPIDou

ParIs-DeLhIBoMBaY (2011)

eLLes@Centre PoMPIDou (2010)

unMonuMentaL (2008)

Free (2010)

nYC 1993: eXPerIMentaL Jet set, trash anD no stars

La tenDenZa: ItaLIan arChIteCtures

PanoraMas oF the MovIng IMage (2007)

(2012)

BooK/sheLF

surrounD

(2008)

(2014)

ghosts In the MaChIne

the neW tYPograPhY

Detour D’oBJets

(2012)

(2009)

(2013)

esPaço

novas MÍDIas

arQuItetura e DesIgn

hIstórIa ForMa e LInguageM teMPo MeMórIa e arQuIvo

(2007)

the eXPerIenCe oF art (2005)

aBstraCIons gestueLLes aPrÉs 1945

gerMan eXPressIonIsM: the graPhIC IMPuLse

thInK WIth the senses, FeeL WIth the MInD. art In the Present tense

aLeXanDer CaLDer

(2011)

(2007)

the shaPIng oF neW vIsIons: PhotograPhY, FILM, PhotoBooK

the enCYCLoPeDIC PaLaCe

on to PoP (2010)

(2012)

(2013)

(2008)

(2009)

eILLen graY (2013)


RICA RD O VA N ST E E N

PELAS LINHAS CURATORIAIS ATUAIS reIna soFIa

tate MoDern

MaverICK arts ProJeCt (2006)

BIenaL De sÃo PauLo

MaM rJ

CoMo vIver Junto

arte BrasILeIra hoJe: CoLeçÃo gILBerto ChateauBrIanD

(2006)

gUSTAVO F IO RAT T I LUCIA NA PA RE JA NO RBIATO

MaM sP

o FLoresCer Das Cores: a arte Do PerÍoDo eDo (2008)

(2005)

PoP LIFe: art In a MaterIaLWorLD

eM vIvo Contato

PIPa

(2008)

2012

há seMPre uM CoPo De Mar Para uM hoMeM navegar

o BrasIL De PIerre verger

(2009)

PLaYgrounDs: reInventIng the sQuare

eXPoseD (2010)

(2014)

naCho CrIaDo: agentes CoLaBoraDores (2012)

PerCePCIones. ItInerarIo seLeCtIvo

(2011)

CoMo (...) CoIsas Que nÃo eXIsteM

gLoBaL CItIes (2007)

MáQuInas Y aLMas: arte DIgItaL Y nuevos MÉDIos

oPen sYsteMs rethInKIng art C.1970

(2008)

(2005)

(2011)

the atLas grouP (1989:2004) (2009)

atLas: ¿CóMo LLevar eL MunDo a Cuestas? (2010)

(2006)

eCoLógICa

(2014)

(2010)

soPhIe CaLLe: CuIDe De voCÊ

MoraDa eCoLógICa

IConograFIas MetroPoLItanas

MarILYn Monroe o MIto

(2002)

(2007)

street art (2008)

(2011)

a BIgger sPLash: PaIntIng aFter PerForManCe (2012)

(2011)

MaIs Do Que os oLhos CaPtaM : CoLeçÃo DeutsChe BanK (2007)

LouIse BourgeoIs: o retorno Do DeseJo ProIBIDo

terrItórIo LIvre (2004)

LIChtensteIn: a retrosPeCtIve

a IMInÊnCIa Das PoÉtICas

(2013)

(2012)

eXPo 1: rIo (2013)

P33 : ForMas ÚnICas De ContInuIDaDe no esPaço (2013)

vontaDe ConstrutIva na CoLeçÃo FaDeL

henrI MatIsse: the Cutouts

(2013)

(2014)

PIXo, Logo eXIsto (2006)

LeonILson: truth, FICtIon (2014)

henrY Moore uMa retrosPeCtIva (2005)

gerMan LorCa FotograFIa CoMo MeMórIa (2007)

henrI MatIsse (2009)

(2014)

DanIeL senIse (2008)

31º PanoraMa Da arte BrasILeIra: MaMõYguara oPá MaMõ PuPÉ (2009)

ForMas BIográFICas

(2013)

(2012)

artevIDa

(2009)

WILLIaM KentrIDge: Fortuna

sÃo PauLo, uM oLhar De IMIgrantes

(2014)

(2007)

LYgIa PaPe: esPaCIo IMantaDo

QuanDo vIDas tornaM-se ForMa: DIáLogos CoM o Futuro BrasIL-JaPÃo (2008)

(2010)

I DeCIDeD not to save the WorLD

PInaCoteCa De sÃo PauLo

se a PIntura Morreu, o MaM É uM CÉu (2010)

o retorno Da CoLeçÃo taMagnI (2012)

antonIo DIas anYWhere Is MY LanD (2010)

arte CoMo regIstro’, regIstro CoMo arte (2011)


Image: The Armory Show 2015 Commissioned Artist, Lawrence Abu Hamdan, Tape Echo (detail), 2013-2014.


PeRFIL PROFISSIOnAL

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C U R A D O R - E T C.*

BLEED: 10.25”

TRIM: 10”

Ser curador não é apenas escolher obras de arte e organizar exposições. Muitos profissionais teorizam, exercem a crítica de arte, escrevem livros, orientam artistas, documentam, historiografam, dão aulas e gerem equipes multidisciplinares, entre outras atividades. Conheça o perfil de alguns deles

MÁRION STRECKER PA U L A A L Z U g A R AY gISELLE BEIgUELMAN L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O g U I L H E R M E K UJ AW S K I

F OTO S PA U L O D ’A L E S S A N D R O

(*) Citação do termo artista-etc., cunhado por Ricardo Basbaum para designar categorias como artista-curador, artista-escritor, artista-ativista-etc.


O curadOr é uMa PrOFISSÃO rELaTIVaMENTE NOVa. Até recentemente não 36

havia formação acadêmica específica e quem organizava exposições eram conservadores de museus, donos de galeria e historiadores de arte. Em bom português, curador é quem tem poder de cura, de cuidar. Ou, então, é a pessoa encarregada de administrar bens, no vocabulário jurídico. Mas, desde meados/final do século 20, com o crescimento das grandes exposições experimentais, como a Documenta de Kassel e as bienais internacionais, a palavra foi adotada internacionalmente no meio artístico, que já estava mais influenciado pelo mundo da língua inglesa (curator) do que francesa (conservateur), como ocorria no começo do século passado. Já o termo curador independente surgiu a partir do trabalho do curador suíço Harald Szeermann à frente da Kunsthalle de Berna, entre 1961 e 1969, contexto em que a crítica às instituições museológicas ganhou força, favorecendo o aparecimento de espaços independentes na Europa e nos EUA. Há quem acredite que curador é uma profissão sem razão de ser. “A pointless profession”, como escreveu com certa ironia Jessica Morgan, crítica de arte e curadora baseada em Londres. Os artistas mais jovens cresceram sob o brilho dessa figura, às vezes considerada excessivamente poderosa. Os mais velhos tiveram de se adaptar a ela. Não há, porém, uma homogeneidade na atitude e atuação dos curadores de arte. seLecT identificou alguns perfis, que são mostrados a seguir. E não podemos esquecer os curadores que antes de tudo são artistas, mas isso é tema de outra reportagem desta edição.

SELECT.ART.BR

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PeRFIL PROFISSIOnAL

CURADOR EDUCADOR

TADEU ChIARELLI ViVe e TraBalha em são Paulo

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ATUAÇÃO

DESTAQUES DA CARREIRA

Professor titular da USP e diretor artístico da Pinacoteca do Estado de São Paulo

Fotografia Contaminada, Centro Cultural São Paulo (1994) “Naquela exposição consegui explicitar que determinadas questões ligadas às relações entre arte e fotografia – então na ordem do dia –, já estavam postas de alguma maneira na produção modernista, e mesmo naquela do século 19, no Brasil.” Pennacchi 100 anos, Pinacoteca do Estado (2006) Segall Realista, Centro Cultural Fiesp (2008) “Essas duas exposições foram significativas, porque me levaram a uma necessária revisão da produção desses dois artistas e, nessa operação, me vi levado a aprofundar certos aspectos do modernismo brasileiro.” O Agora, o Antes, MAC-USP (2013-2015) O Artista como Autor/O Artista como Editor”, MAC-USP (2013-2015) “Penso que, nelas, várias questões candentes relativas às possibilidades que acervos institucionais apresentam nos dias de hoje para que sejam ressignificados e reavaliados foram enfrentadas de maneira ousada, levando-se em conta o “peso” do acervo do MAC-USP. Naquelas duas mostras, a dimensão experimental que deve ter um museu de arte contemporânea, ligado a uma universidade pública e voltado para a pesquisa de ponta, foi enfrentada pela curadoria.”

FORMAÇÃO Livre-docente pela USP

NASCIMENTO 3/6/1956

FOCO DA PESQUISA HOJE “Depois que terminou minha gestão no MAC-USP, considerei importante colocar no papel algumas reflexões sobre arte contemporânea brasileira, sintetizando uma série de leituras e discussões que venho realizando há dez anos com o Grupo de Estudos Arte & Fotografia que coordeno na USP, e a experiência que tive no MAC-USP, onde fiz algumas curadorias significativas. Sintetizando, estou iniciando uma série de ensaios em que procuro trazer à tona certos aspectos da arte no Brasil, que a meu ver ainda não foram devidamente considerados. Tenho tido muito interesse na arte produzida em SP no início dos anos 1960, na iconografia de SP e na questão da apropriação.”

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “Penso que, para mim, a prática da curadoria é consequência de minhas atividades como docente e pesquisador. Ela é, ao mesmo tempo, resultado e ponto de partida para indagações sobre a arte e sua circunstância. Sendo mais explícito, no fundo eu não separo muito essas três atividades: pesquisa, docência e curadoria, pois elas integram um mesmo universo de inquietações.”


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ATUAÇÃO Crítica, historiadora e curadora de arte. Tem dezenas de livros e ensaios publicados, além de extenso currículo de premiações, artigos, participação em júris, consultorias para instituições culturais, e apresentações em seminários e colóquios internacionais. Foi professora titular de História da Arte da FAU-USP. Lecionou ainda na Faap e na UnB. Foi diretora da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do MAC-USP.

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PeRFIL PROFISSIOnAL

CURADOR HISTORIADOR

ARACY AMARAL ViVe e TraBalha em são Paulo

NASCIMENTO

DESTAQUES DA CARREIRA

22/2/1930

ExpoProjeção73. “Com artistas então bem jovens (como Cildo Meireles, Hélio Oiticica, Antonio Manuel, Collares, Ligia Pape, Nitsche etc.), mostrando vídeos, audiovisuais, e super-8 feitos em 1972-73. No ano passado, o curador Roberto Moreira Cruz sugeriu uma reedição marcando os 40 anos do evento (Sesc-Pinheiros, ExpoProjeção 73/2013).” Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1977). “O titulo é de Ronaldo Brito. Quando dirigi a Pinacoteca, surgiu a possibilidade de um trabalho a quatro mãos (MAM-RJ/Pinacoteca-SP): uma retrospectiva do Projeto Construtivo Brasileiro na Arte. Essa retrospectiva, controvertida mas útil para as novas gerações, teve o catálogo diagramado por Amilcar de Castro. Uma edição em fac-símile sai em 2015, finalmente, pela Pinacoteca.” Arte para quê? A preocupação social na arte brasileira (1930-1975). “Foi minha livre-docência na FAU. Coragem de enfrentar um fenômeno em nível de Brasil. Um mergulho na arte social, de preocupação política. Me lembro de Julio Plaza me dizendo: ‘Aracy, arte engajada é arte encalhada!’, mas não é bem verdade. Prova disso é que, quando fiz a curadoria para o Itaú Cultural Arte e Sociedade: Uma Relação Polêmica, em inícios dos anos 2000, abrangendo de 1930 até a contemporaneidade, podia-se até ver como o conceitual e as novas tendências apareciam em obras de artistas preocupados agora com o ambiente, a violência urbana e a desigualdade gritante, em trabalhos como os de Nuno Ramos, Carmela Gross e Rosângela Rennó, entre tantos outros.” Tarsila, Sua Obra e seu Tempo (Edusp, 59 págs., 2003)

FORMAÇÃO Graduada pela Escola de Jornalismo Cásper Líbero, em 1952. Tem mestrado, doutorado e livre-docência pela USP

FOCO DA PESQUISA Arte brasileira, em particular o modernismo, arte latinoamericana, a hispanidade na arquitetura paulista, construtivismos e vanguardas, e a preocupação social na arte brasileira

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “Sempre me interessei pela arte brasileira. Entendi sempre que devia estudar e projetar em minhas pesquisas o meu entorno primeiro. Daí porque meu tema de mestrado foi a Semana de 22. Daí também a razão de focalizar uma artista de São Paulo, Tarsila (uma parte da família de meu pai que nem conhecia). Foi o doutorado. O interesse pelas coisas do Patrimônio foi fruto do convívio com Luís Saia (Iphan). Nos anos 70, tive uma intuição que me rendeu várias viagens nem sempre fáceis pela América do Sul, para provar que as casas ‘bandeiristas’ não eram exclusivas de São Paulo. Essa morada sempre foi uma ‘casa de hacienda’ de grande similitude construtiva. Publiquei esse estudo (que considero o meu trabalho mais criativo) sob o título A Hispanidade em São Paulo, que me valeu um Prêmio Jabuti. Meu interesse pela América Latina sempre me guiou. Assim, na Pinacoteca abri um flanco para a exposição de artistas latinoamericanos. Esses contatos se acentuaram com a participação em simpósios e colóquios a partir dos anos 1970 (Austin, Caracas etc.) e se prolongariam pelos anos 1980. Paralelamente surgiu um interesse pelas especulações da vanguarda do tempo.”

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PeRFIL PROFISSIOnAL

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CURADOR CRíTICO

LUISA DUARTE ViVe e TraBalha no rio de Janeiro e em são Paulo

ATUAÇÃO

FOCO DA PESQUISA HOJE

crítica e curadora independente

“Certos tópicos se repetem: o pensamento acerca dos desdobramentos de uma época pós-utópica; o sentido e os efeitos colaterais da passagem do moderno para o contemporâneo; as consequências de uma aceleração do tempo que sublinha a perda da experiência, já que passado, presente e futuro não estão mais interligados; a ruína como símbolo de um tempo inconcluso e imagem potente para outras construções; a aposta em um niilismo ativo; o olhar para os acontecimentos poéticos que vão na contramão do espetacular e lidam com o que está à margem. Isso tudo tendo a produção brasileira e latino-americana como mote central. Nessa pesquisa há um vínculo crítico com a contemporaneidade, pensando a sua saúde, mas principalmente a sua doença. É nos trabalhos de arte que pode haver uma “saída”. Se tudo parece dominado pelo novo deus, o dinheiro, como lembrar que a arte, antes de ser uma mercadoria, é um gesto poético e crítico endereçado ao mundo?”

NASCIMENTO 5/7/1979

FORMAÇÃO Mestre em filosofia pela PUC-SP

DESTAQUES DA CARREIRA Curadoria do Rumos Artes Visuais (2005/2006) com Lisette Lagnado, Cristiana Tejo e Marisa Mokarzel. “Foi um início privilegiado.” Coordenação-geral do ciclo de palestras Bienal de São Paulo: Memória e Projeção, 28 BSP Em Vivo Contato (2008) Curadoria da mostra coletiva Um Outro Lugar, MAM SP (2011) Curadoria e acompanhamento de artistas para quatro ciclos de residências da Red Bull, SP. Contemporânea, Cosac & Naify (2014) – Coordenação em dupla com Adriano Pedrosa em ABC – Arte Brasileira Crítica de arte do jornal O Globo, desde 2010.

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “Gosto de pensar a figura do curador como um pensador de seu tempo. Minhas curadorias voltam-se mais para um pensamento do mundo refletido na arte do que para um caráter histórico. A troca com os artistas é fundamental no processo, assim como as leituras, a pesquisa e as conversas com colegas. E, sem dúvida, está implícito na curadoria o trabalho constante de escrita sobre arte, como “crítica”, palavra posta em xeque, mas que talvez ainda faça algum sentido, caso pensemos crítica como tradução.”

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CURADOR MENTOR

LISETTE LAgNADO ViVe e TraBalha no rio de Janeiro

ATUAÇÃO Crítica e diretora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro

NASCIMENTO 3/6/1956

FORMAÇÃO Nascida no Congo, imigrou para o Brasil em 1975. Formada em Comunicação Social, é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP e doutora em Filosofia pela USP

FOCO DA PESQUISA HOJE

DESTAQUES DA CARREIRA

“Enfatizo o caráter crítico da atuação curatorial e busco em minhas propostas um viés antagônico aos modelos estereotipados e hegemônicos, que apenas cristalizam valores mainstream.”

Coordenadora do Projeto Hélio Oiticica Curadora-geral da 27ª Bienal de São Paulo (2006) Coeditora da revista Arte em São Paulo, editora das revistas Galeria, Marcelina e da revista eletrônica Trópico. Autora dos livros Conversações com Iberê Camargo, Leonilson – São Tantas as Verdades e Laura Lima On_Off

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “Entendo minha atuação como produção de conhecimento novo e reflexão sobre a história da cultura. Essa pesquisa gera um tipo de narrativa polifônico que articula todos os elementos que compõem uma exposição: obras prontas e trabalhos especialmente comissionados, características arquitetônicas do espaço expositivo, material de comunicação ao público (textos de parede, sinalização, catálogos, proposta educacional, debates), mas também as premissas específicas de cada instituição. Nesse sentido, são curadorias site-specific e de risco, e apostas em valores ainda não consagrados. Gosto de fazer curadorias que envolvem pesquisas de fôlego e a invenção de hipóteses a ser testadas no espaço.”

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JAqUELINE MARTINS

CURADOR GA L E R I S TA

ViVe e TraBalha em são Paulo

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ATUAÇÃO Diretora da Galeria Jaqueline Martins

NASCIMENTO 9/10/1976

FORMAÇÃO

Trazer à luz obras de importantes artistas dos anos 1970-80, que estavam esquecidos, fazendo com que alguns deles, como Hudinilson (1957-2013), ganhassem enfim projeção internacional.

Cursou Arquitetura (sem concluir). Foi assistente do artista plástico e galerista Dudu Santos num escritório de arte e atribui a ele grande influência em sua formação cultural. Foi sócia de outro escritório de arte antes de abrir sua própria galeria, em 2011. “Eu não tinha um business plan, mas tinha um conceptual plan muito definido. No começo, as pessoas falavam que esse negócio de resgatar artistas marginais conceituais no Brasil não daria certo, pois, se ninguém quis saber deles na época, agora então muito menos.”

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL

FOCO DA PESQUISA HOJE

“Procuro trazer à tona produções pouco conhecidas, mas muito importantes para entendermos a nossa recente história na arte. Em paralelo, busco criar um lugar de confronto entre a geração contemporânea. Acho que o envolvimento com curadores na galeria aconteceu por motivos óbvios. Se estamos falando de práticas documentais (anos 1970), eu não poderia fazer exposições sem estar atenta à documentação das exposições, desde o texto crítico, sempre acompanhado de uma pequena publicação. Para 2015 estamos com a agenda pronta e para todas as exposições temos um curador convidado. É uma forma de dividir a trabalheira e a responsabilidade de montar uma exposição. Até agora aconteceu de um jeito muito colaborativo.”

“Divido a minha pesquisa em dois momentos. O primeiro envolve produções conceituais desenvolvidas nos anos 1970 e 1980. Me interessam as produções que não emergiram no mercado, que foram pouco vistas. O segundo momento da pesquisa é na cena contemporânea. Meu desafio é ter artistas jovens, em fase de desenvolvimento, ao lado de produções de 30 ou 40 anos atrás. O tempo é o maior e melhor juiz sobre a qualidade de uma obra.”

DESTAQUES DA CARREIRA

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CURADOR P R O D U TO R

MARCELLO DANTAS ViVe e TraBalha em são Paulo

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ATUAÇÃO Fundou e dirige a Magnetoscópio, uma produtora de filmes e eventos culturais. É designer e curador de exposições e shows, e dirige documentários. Cria experiências imersivas com uso intensivo de novas tecnologias

NASCIMENTO 11/5/1968

FORMAÇÃO Diplomacia e Relações Internacionais na Universidade de Brasília, Cinema e Televisão na New York University, História da Arte em U. Florença, Itália, e pós em Telecomunicações Interativas na Tisch School of the Arts da New York University

FOCO DA PESQUISA HOJE Arte contemporânea, arte pública, interatividade, novas mídias, apropriação e imagens de arquivo

DESTAQUES DA CARREIRA Diretor artístico do Museu da Língua Portuguesa, concebeu a montagem do Museo del Caribe, na Colômbia. Curou exposições-solo de Anish Kapoor, Caio Guo Qiang, Christian Boltanski e Gary Hill, coletivas Ciclo nos CCBB do Rio e SP, e Bienal de Vancouver, Canadá. Fez exposições temáticas como 50 Anos de TV e Bossa na OCA.

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “Não estou focado no público do mundo da arte, mas sim no público em geral. Quero conectar sensibilidades e trazer pontos de vista inovadores para questões da vida e do mundo real. O uso de diferentes mídias, a megaescala, a interatividade e as novas linguagens são a base do meu trabalho. Atuo com artistas de peso no cenário internacional. Participo ativamente no desenvolvimento das obras, assim como na criação de novos contextos e novas leituras para trabalhos já existentes. Não defendo artes nacionais nem a imposição da geopolítica sobre a geopoética.”


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CURADOR JOVEM

TOMÁS TOLEDO ViVe e TraBalha em são Paulo

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7/

ATUAÇÃO

DESTAQUE DA CARREIRA

Curador desde 2012, assistente de curadoria do Masp desde novembro de 2014

Curador de Taipa-Tapume, exposição de jovens artistas realizada em paralelo à última Bienal de São Paulo na Galeria Leme

NASCIMENTO

FOCO DA PESQUISA HOJE

7/11/1986

Arte contemporânea e suas relações com urbanismo e arquitetura, história do Brasil e história da arte brasileira

FORMAÇÃO Filosofia pela PUC-SP, foi coordenador da Escola São Paulo, participante do Laboratório Curatorial da SP Arte de 2013 e do Piesp 2013-14 (Programa Independente da Escola São Paulo)

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COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “Gosto de pensar a curadoria como um processo de escuta articulada criticamente tanto da produção artística quanto do contexto social em que vivemos. É uma forma de pensar a cultura pela chave da arte.”


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CURADOR CONSERVADOR

ANA gONçALVES MAgALhãES

ViVe e TraBalha em são Paulo

ATUAÇÃO Curadora docente do MAC-USP

NASCIMENTO 25/4/1971

FORMAÇÃO Mestre em História pela Unicamp e doutora em História e Crítica da Arte pela USP

FOCO DA PESQUISA HOJE

DESTAQUE DA CARREIRA

“A revisão historiográfica da formação da coleção do MAC-USP, originalmente proveniente do MAM de São Paulo. Tradicionalmente considera-se que ela era uma coleção baseada no gosto pessoal de Francisco Matarazzo Sobrinho. Minha pesquisa mostra que não. Essa foi uma coleção especialmente criada para o museu, com compras feitas na Itália, entre 1946 e 1947, juntamente com outro lote comprado em Paris na mesma época. Isso evidencia também a fragilidade da hipótese de o MAM-SP ter sido criado à imagem e semelhança do MoMA. A influência do modernismo italiano foi muito maior do que o nova-iorquino nos anos de formação do museu.”

Classicismo, Realismo e Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras, MAC-USP (2013). “A circulação crítica dessa exposição e dessas hipóteses na Europa, especialmente na Itália e na França, tem sido extremamente importante e conflui para a minha tese de livre-docência.”

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “É muito particular a atuação do curador de um museu universitário como o MAC-USP, pois ele é também um docente. Portanto, além de suas atribuições específicas – no meu caso de conservador/pesquisador de uma coleção modernista –, isso é combinado com atividades de investigação acadêmica, de desenvolvimento de metodologias de trabalho. Um exemplo: para o processo de restauro de algumas obras que expus na mostra Classicismo, Realismo e Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras foram usados recursos do Departamento de Física Nuclear Aplicada da USP. Isso era necessário para explorar técnicas não destrutivas de análise das superfícies de pinturas. Essa exposição envolveu várias etapas de pesquisa documental e de acervo, pesquisadores e bolsistas da universidade também.”

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CURADOR DE COLEçÃO

JACOPO CRIVELLI VISCONTI ViVe e TraBalha em são Paulo e no mundo

ATUAÇÃO Curador independente e das coleções Moraes-Barbosa e Iguatemi (do Grupo Iguatemi)

NASCIMENTO 7/4/1973

FORMAÇÃO Formado na Itália, doutorado na FAU-USP

FOCO DA PESQUISA HOJE Arte contemporânea brasileira e internacional

DESTAQUE DA CARREIRA Curador da 12ª Bienal de Cuenca, 2014

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “Considero a prática da curadoria uma aprendizagem constante.”

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CURADOR A R T I S TA E T C

MARIA MONTERO ViVe e TraBalha em são Paulo

ATUAÇÃO Diretora do espaço independente Phosphorus e da Galeria Sé

NASCIMENTO 9/10/1976

FORMAÇÃO Graduação em curadoria e crítica de arte, em curso

FOCO DA PESQUISA HOJE “Me interessa adensar a pesquisa sobre as práticas experimentais/subversivas na arte contemporânea brasileira. Procuro pensar espaços e exposições como territórios não apenas de exibição, mas de entendimento e contato do artista com seu repertório poético. Por isso o Phosphorus faz residências artísticas. Esse período fora do ambiente já conhecido, cercado de estímulos (humanos, sociais, arquitetônicos, estéticos...), influencia a maneira de o artista produzir: amplifica, desestabiliza, tensiona e expande limites.”

DESTAQUES DA CARREIRA “A maior realização foi, claro, o Phosphorus e agora a Sé. Fui produtora-executiva de megaeventos, trabalhei numa grande empresa de entretenimento e na Galeria Luciana Brito. O ponto crucial foi o Abotoados Pela Manga. Foi o Franz Manata quem me convidou. Viajamos juntos por um ano, fazendo pesquisa, o que culminou em 23 artistas vivendo, pensando e produzindo juntos num ambiente extremamente fértil. Conseguimos emprestada uma loja de móveis e ali passamos três semanas durante a Bienal de São Paulo. Percebi a importância dos espaços alternativos e da gestão autônoma.”

COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL “A curadoria é um de meus múltiplos ofícios. Sou cada vez mais uma profissional-etc. Sou artista, fundei e dirijo dois espaços: o Phosphorus, espaço focado em residências artísticas, e a Sé, uma galeria de arte também bastante experimental, minha nova empreitada. Até pouco tempo, quando assumia uma curadoria, era eu quem fazia tudo, escrevia o texto, comprava o parafuso e organizava a planilha de gastos. Comecei a fazer curadoria para reunir meus maiores interesses: conversar com os artistas e discutir sua produção, trabalhar em um tempo mais poético, menos prosaico, ativar espaços fora do circuito da arte, tudo isso misturado ao desejo de estar com outras pessoas, trocar, festejar, celebrar e compartilhar pensamentos.”

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PeRFIL PROFISSIOnAL

CURADOR PIONEIRO

WALTER ZANINI

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FORMAÇÃO

DESTAQUES DA CARREIRA

Doutor em História da Arte pela Universidade de Paris VIII

Conservador e supervisor do MAC-USP entre 1963 e 1978, onde instaurou o projeto de um museu como “centro operativo” de criação e experimentação artística 16ª Bienal de São Paulo, 1981 17ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, 1983

NASCIMENTO - MORTE 21/5/1925 – 29/1/2013 COMO DEFINE SUA ATUAÇÃO CURATORIAL FOCO DA PESQUISA Arte conceitual, arte postal, performance, videoarte e interseções entre arte e tecnologia

(Texto realizado com base na conversa entre Walter Zanini e Hans Ulrich Obrist, transcrita em Entrevistas: Volume 1, livro publicado pela Editora Cobogó).

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“Eu sempre fui um entusiasta da arte e da tecnologia no Brasil, desde minha gestão no MAC (acho que até antes). Mas há outras coisas em jogo. Na exposição sobre arte postal, que aconteceu depois da Jovem Arte Contemporânea, eu já estava interessado na ‘desmaterialização’ do objeto de arte. Na JAC 72, havia toda aquela maneira de lidar com a chamada ‘obra em progresso’, que tinha raízes na cibernética, e em artistas como Roy Ascott, que a traduziu para ‘arte em processo’. Considero meu trabalho à frente da 17ª Bienal como um dos mais importantes da minha carreira, quando organizamos as obras por um critério de analogia de linguagem, em vez da já desgastada representação de países. Eu tinha ainda muita coisa por fazer. Pena que tive de interromper.”


New York Randall’s Island Park May 14–17, 2015 Preview Day Wednesday, May 13 friezenewyork.com

‘A dumbfounding display of human creative industry’ The New York Times ‘Ground-breaking’ Financial Times

Media Partner

Main sponsor Deutsche Bank


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O curadOr da PróxIMa BIENaL dE SÃO PauLO, que deve acontecer

A curadoria em grupo está na moda?

em 2016, é um alemão que vive em Londres, mas conhece bem o Brasil. Ele é casado com a artista brasileira Rivane Neuenschwander, com quem tem dois filhos, e foi de 2005 a 2012 diretor artístico do Instituto Inhotim, em Minas Gerais. Sua carreira começou na Alemanha, mas é multinacional. Entre as exposições nas quais atuou como curador, ainda que não o principal, estão a Bienal de São Paulo (2006), a Bienal de Lyon, na França (2007), a Bienal de Veneza, Itália (2009), e a Aichi Trienal de Nagoya, no Japão (2010). Desde 2012 ele dirige os programas da Serpentine Gallery, em Londres. Como crítico, escreve para revistas e é editor contribuinte da Frieze. Nesta entrevista, concedida no dia seguinte ao anúncio de seu nome pela Fundação Bienal, em dezembro, ele fala sobre a sua visão da prática curatorial, entre outros assuntos.

Historicamente, eu diria que nas exposições até o início dos anos 1990 a curadoria era uma coisa muito personalizada, uma visão contando uma história. Acho que, desde os anos 1990, essa colaboração entre curadores, e entre curador e artistas, aumentou. Ficou mais importante ter mais diálogo, fora do conhecimento do curador convidado. Sim, acho que é uma tendência, mas não penso que é uma coisa que está na moda. Acredito que faz parte de uma área de conhecimento expandida, que fica maior e que precisa de mais diálogo.

Vai voltar a viver no Brasil?

Estou agora elaborando um primeiro projeto e, a partir disso, um plano de trabalho. Claro que vou trabalhar em São Paulo, mas se vou me mudar com a família isso envolve outras pessoas, preciso de mais tempo para tomar essa decisão. Você pretende trabalhar sozinho ou com cocuradores na Bienal?

Agora que foi lançada a notícia, posso começar a criar uma equipe. Com certeza, vou trabalhar com colegas, com uma equipe. Espero que nos próximos meses essa equipe possa se apresentar. SELECT.ART.BR

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Você já trabalhou como cocurador para as Bienais de Veneza e de São Paulo, não foi?

Sim, exatamente. Fui cocurador convidado pela Lisette Lagnado em 2006, na Bienal de São Paulo, onde trabalhei no projeto específico do Marcel Broodthaers. Em 2009, fui cocurador com Daniel Birbaum, que foi o diretor artístico da mostra internacional da Bienal de Veneza. foTo: DAnIELA pAoLIELLo / CoRTESIA InSTITuTo InhoTIm


e n T R e V I S TA

JOChEN VOLZ Tudo que aprendi, aprendi com artistas, diz o novo curador da Bienal de São Paulo MÁRION STRECKER

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Jochen Volz em apresentação dos casos de Inhotim e da Serpentine Galleries sobre comissionamento de arquitetura em pavilhões de arte

A gente vê hoje mais artistas fazendo curadoria. Estariam ao mesmo tempo os curadores explorando mais e mais estratégias artísticas para fazer curadoria?

Para responder isso temos de olhar um pouquinho para a palavra curador. Até os anos 1990, praticamente ninguém se chamava curador, o termo era organizador de exposições. Eram pessoas, como eu, formadas em história da arte, que começaram a organizar exposições e tentavam inventar novas formas de apresentar arte. Com a profissionalização dessa categoria, de gente que organiza exposições, e com o fato de chamá-los de curador, ficou bem claro que é importante inventar modos de apresentação, formas de interagir com a arte. A partir desse desejo de criar novos displays, features e maneiras de apresentar questões, convidaram-se mais artistas e outras pessoas de outras disciplinas para ajudar a pensar como fazer exposições. Eu sempre digo que toda a minha formação como curador tenho através ou a partir de artistas. Tudo que aprendi, aprendi com artistas. Como um artista pensa, coloca, formaliza, questiona, e trazer isso para perto da nossa produção é um desejo de muitos curadores que creem na ideia de o artista ser o produtor. O curador deve ser uma pessoa que julga obras de arte ou deve ser um parceiro dos artistas?

Na minha carreira, tenho um lado que é crítico, que é realmente tentar entender o contexto de uma obra de arte e ter outras leituras, que podem ser críticas a essa obra de arte. Como curador, eu me sinto “sócio no crime”. A ideia é de virar colaborador, para que o artista ache um modo de formalizar um questionamento da melhor maneira. Esse eu acho que é o nosso papel como curadores. E a partir do momento que você tem dois artistas juntos ou várias obras juntas, a criação de diálogos não é simplesmente a soma das partes, mas sim o que o discurso entre os dois acrescenta a cada uma das obras. Como definiria uma boa curadoria?

Para mim, há vários critérios. Uma boa curadoria é, por um lado, trabalhar com artistas que foram comissionados para reagir a um contexto, é ser radicalmente a favor do pensamento do artista. Quando um curador tem a coragem de ir até o fim com o artista, pensar e formalizar um questionamento crítico, mas formalizar de uma forma muito fina, poderia chamar de colaborador, um sócio na produção. Esse é um critério que não se aplica a toda exposição. Conseguir trazer na composição de uma mostra diálogos que abram o nosso olhar, que façam a gente entender quesSELECT.ART.BR

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tões que não seriam compreensíveis a partir de uma só obra, que o conjunto seja mais do que a soma de cada um, se isso acontecer, é um indício de uma boa curadoria. Acho que há outros critérios, de pesquisas muito profundas, curadorias mais históricas. São muito importantes as curadorias que olham para a história da arte, mas conseguem trazer questões que ainda têm relevância – que talvez tenham hoje mais relevância do que nunca. Essa ideia de apontar a relevância de uma produção, seja atual ou do passado, também é uma qualidade de uma boa mostra. Uma exposição que tem relevância reflete o que está acontecendo no mundo, o que está acontecendo na política, no social, na cultura, no meio ambiente, enfim, em várias áreas. É preciso trazer uma questão que tenha um diálogo com o que está acontecendo com o nosso mundo. Você acha que a arte tem de ser popularizada? Acha que a Bienal tem de ter um grande alcance popular?

Acho que uma bienal tem o papel de falar para um público grande. É interessante que um público – que não seja normalmente frequentador de exposições – também possa levar uma descoberta, um questionamento, uma alegria, um sentimento para casa, depois de ter visto uma boa exposição. Acho que isso é superessencial. Quem expôs isso muito bem foi a dupla Gilbert & George: “Art for All” (Arte para Todos). Isso não significa que tudo tem de ser populista e não necessariamente popular. Acredito que uma boa obra de arte consegue falar com pessoas de várias formações, de vários costumes, com usuários frequentes e não tão frequentes de exposições culturais de arte contemporânea, que não tenham formação histórica ou teórica de arte. Acho que, sim, foTo: RoSSAnA mAgRI / CoRTESIA InSTITuTo InhoTIm


esse é um papel da arte em geral e de uma bienal. Isso não significa que tudo tem de ser raso. Minha experiência no Inhotim, que tem trabalhos complicados e sofisticados, mas que são acessíveis e criam um impacto também para um público que não necessariamente tem costume de ir a museus, e tem um impacto transformador para as pessoas, é uma coisa bonita de se ver. Isso também tem a ver com como a obra está sendo apresentada, como a gente consegue se relacionar, qual língua ela fala, enfim, há várias formas de isso acontecer, mas acho que tem o papel de ser aberto para todos, mas não necessariamente popular. Nesse aspecto você acha que a mediação que a curadoria e os arte-educadores acabam fazendo tem a sua importância?

É absolutamente importante, sim. O conjunto de como uma exposição se apresenta para o público, como a gente está indo visitar um tema, seja como a gente está encontrando uma obra de arte, a própria obra de arte também tem formalizações mais abertas para todos, e outras mais fechadas. Mas o papel da mediação é essencial, sim. Existem curadores realmente independentes ou isso é apenas uma maneira de designar os curadores que são free lances?

Eu só entendo como free lance. Realmente, quando alguém fala curador independente, eu entendo como não ligado, que não tem vínculo com alguma instituição, e isso significa free lance. Se eles são independentes no pensamento isso é outra questão. Você acha ético em alguma circunstância um curador receber comissão por comercialização de obra de arte?

Para mim, essa ideia de um curador receber comissão é impensável. Acontece, mas um curador que se chama de curador não recebe comissão pela comercialização de uma obra de arte. Se acontecer, eu penso que outra nomenclatura seria necessária para descrever a profissão dessa pessoa. Você pretende se afastar da Serpentine Gallery?

Neste exato momento, minha preferência é manter meu vínculo com a Serpentine. Como foi escolhido pela Bienal? Você submeteu um projeto, participou de um concurso, fez entrevistas, enfim, como foi o processo?

Sobre isso seria interessante você perguntar à própria Bienal. Eu apresentei primeiro uma ideia e, em razão disso, fui convidado a fazer a curadoria. Se eles fizeram isso com vários candidatos, eu não sei. Essa é uma questão para a própria Bienal. Você poderia nos falar alguma coisa sobre essa ideia apresentada?

Não, porque é o rascunho de uma ideia que agora terá de ser discutida, para se tornar uma ideia mais sólida e, depois, um projeto. É parte da minha responsabilidade ao próprio processo, até ele ficar mais redondo.

FUNDAçãO QUER UMA BIENAL MAIS POÉTICA na Bienal passada, mais de 30 nomes foram considerados para o cargo de curador e cinco projetos foram analisados, antes de o escocês Charles esche ser escolhido e trazer com ele um time internacional de cocuradores, abrindo mão de exercer chefia. desta vez foi diferente. Segundo o presidente da instituição, Luis Terepins, o nome de Jochen Volz “foi a escolha mais fácil de todas”. Terepins tornou-se diretor da Bienal em 2009, depois de Heitor Martins, repetiu o cargo no biênio seguinte e, agora, está em seu segundo mandato como presidente da instituição. ele conta que procurou um nome “que trouxesse mudança, que entendesse de Brasil e que tivesse uma circulação muito grande fora daqui”. e também que “tivesse uma visão que fizesse uma contraposição à última bienal”, diz Terepins à seLecT, sem esconder o desagrado por “surpresas que não eram para acontecer” na gestão de esche. entre os momentos de maior tensão houve o fato de que curadores se juntaram a artistas num manifesto contra a própria Fundação, por aceitar contribuição financeira do governo de Israel. “Jochen tem referências pessoais excelentes, de caráter, integridade”, diz Terepins. O presidente espera agora uma próxima Bienal menos política e mais poética. e promete que será sua última gestão, pois “a roda tem de girar”. MS

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PORTFÓLIO I

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Fragmentos de III - 9, 120 07.05.09-21.07.09, reprodução positiva de negativos radiográficos da série Chernobyl

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ALICE MICELI PA I S A G E N S ASSASSINAS A pesquisa da artista pauta-se pelo interesse em situações silenciosas. Um silêncio maior do que o de imagens de ruínas. Aquele silêncio de Chernobyl ou de campos minados no Camboja Ag N A L D O FA R I A S

a VErOSSIMILhaNça da FOTOgraFIa é PrOPOrcIONaL à Sua caPacIdadE dE ILudIr . Esse paradoxo, base de grande parte da fotografia contem-

porânea, vem sendo pensado de modo peculiar por Alice Miceli, há anos dedicando-se a refletir sobre problemas relativos à tradução, como a inevitável e radical redução que uma imagem, sem cheiros, temperatura, ruídos e as camadas de história sob a superfície, opera no caráter pletórico de um fragmento qualquer do mundo, a natureza dos dispositivos técnicos e seu papel no engendramento de realidades, o amálgama de linguagens iludindo as dinâmicas particulares de cada uma. Para dar conta, a artista, como no caso dos projetos Chernobyl e Minas – este vencedor do Prêmio Pipa e do Cisneros Fontanals Art Foundation

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(CIFO), ambos anunciados em dezembro de 2014 –, incursiona por tópicos de Filosofia do Conhecimento, ciências variadas, como física, medicina e política, e, no que se refere à sua área de ação, cinema e fotografia, além do desenho, é claro, substrato de todas as suas ações. Trançar por esses territórios implica passaportes em dia, conhecimento das leis que os regem, apropriação de vocabulários específicos e algumas de suas sutilezas. Não por acaso, parte de seu trabalho nasce de consultas a arquivos e vale-se da elaboração de projetos para organismos díspares, com títulos alarmantes e à primeira vista insensíveis, como o Instituto de Rádio-Proteção e Dosimetria, ligado à Faculdade de Física da UFRJ, ou, atualmente, o Cambodian Mine Action Centre and Victim Assistance Authority. A pesquisa de Alice pauta-se pelo interesse em situações silenciosas. Um silêncio maior que o que se desprende de imagens de ruínas – casas, cidades e paisagens –, motivos eloquentes e habituais neste mundo sacudido por cataclismos, naturais ou não. Mas esse não é o caso de Chernobyl, para ficar num caso que a comoveu e demandou cinco anos de entrega. Sob o ponto de vista da artista, as imagens provenientes da assim chamada Zona de Exclusão de Chernobyl mostravam-se insatisfatórias. Mais que um espaço despovoado às pressas desde o terrível acontecimento de 1986, a Zona de Exclusão é uma área contaminada, 2.600 km2 semimortos, interditados pelos próximos 900 anos, terra embebida em Cesium 137, cujo efeito radioativo não pode ser fotografado com os filmes habituais. Registrá-lo significou, portanto, o desenvolvimento de uma película sensível à frequência específica do Cesium 137, filmes posteriormente embutidos em câmeras pinhole ou embrulhados em plástico preto e enterrados ao longo de períodos variáveis, entre duas semanas e oito meses, até que a impregnação mefítica se desse a ver. Paralelamente às imagens resultantes, praticamente abstratas, da exalação letal de Chernobyl – nome cuja raiz etimológica remonta à grama ou folha preta, enfim vegetação calcinada –, Alice produziu uma série de imagens sobre o lugar, registros das barreiras que o separam do território dos vivos; os portões, cancelas e cercas nos quais, pendurados, afixados, estão os cartazes, placas e avisos estampando os signos gráficos do terror e do medo, a face visível de uma devastação oculta por debaixo de campos e bosques.

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Primeira foto da série Cambodjiana, em que a artista, guiada por um técnico, começa a entrar num campo minado


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Foto número 11, a última da série Cambodjiana, com o ponto de vista mais próximo a que se pode chegar no campo minado, sem se desviar, sem explodir

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O INTErIOr daS PaISagENS

Enquanto os registros habituais de paisagens nos passam a sensação de algo obtido de fora, as imagens colhidas das películas enterradas no chão de Chernobyl estão cravadas no seu interior, nascem da radiação à sua volta, são, como argumentou Andrea Galvani, imagens esculturais. Com o Projeto Minas, Alice prossegue avançando pelo interior das paisagens ao mesmo tempo que avança pelo interior das imagens, demonstrando a fotografia como um exercício simultaneamente físico e óptico, e o ponto de vista e a perspectiva obtidos pela lente, fatos “histórico, espacial, imagético”. A primeira série, Cambodjiana, compõe-se de 11 imagens sobre um mesmo campo gramado com uma árvore no centro, uma visão falsamente tranquila, pois se trata de um campo minado, impenetrável a não ser visualmente. Dados atuais informam que campos como esse se espalham por 70 países, semeados por 100 milhões de minas, matando ou ferindo uma pessoa a cada duas horas. Não obstante a calma aparente, são paisagens assassinas, e por que foram assassinadas. As 11 imagens que compõem a Cambodjiana têm as mesmas dimensões e, embora a árvore no centro se mantenha constante assim como sua escala, elas não são exatamente iguais. A artista, guiada por um técnico, vai entrando no campo minado. Se cada foto equivale à morte do retratado, aqui cada passo pode significar a morte do fotógrafo. Se cada foto é um produto condensado da memória, cada campo desses traz a memória viva de um conflito, a lembrança e a presença da morte. Cada ponto escolhido pela artista gera uma imagem corrigida em termos de distância de foco. Na primeira delas há um pequeno barranco servindo de borda, uma árvore de cada lado e, ao fundo, atrás da árvore situada no centro, uma montanha longínqua “trazida” para perto, graças ao recurso da distância focal levada à maior profundidade. Na quinta foto, intermediária, a artista está no meio do campo, as árvores ficaram para trás, e a árvore central, corrigida pela profundidade de campo, não aumentou, manteve-se do mesmo tamanho. A décima primeira equivale ao ponto de vista mais próximo a que se pode chegar sem se desviar, sem explodir. Nela a perspectiva está distendida e a distância focal é a mais curta: montanha e árvores desapareceram como que afastadas. Alice Miceli, articulando o movimento do corpo com o dispositivo da lente, está no meio do campo e no meio da imagem.

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PORTFÓLIO II

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CLARA IANNI O LUGAR SOCIAL DA ARTE A pesquisa artística de Clara Ianni feita até aqui já inscreve sua relevância em espaço tão avesso a reconhecer as desigualdades e os abusos que o cercam e interrogam

M OAC I R D O S A N J O S

EM POucO MaIS dE quaTrO aNOS, cLara IaNNI dESENVOLVEu dois definidos corpos de trabalhos, entre os quais há continuidade, mas também a marca da ruptura de quem busca novas trilhas. Em seus primeiros projetos expostos, realizados a partir de 2010, Clara parece fazer, com precisão conceitual e inteligência construtiva, um ajuste de contas entre sua formação como artista na Universidade de São Paulo e a mirada crítica que informa seu estar no mundo. Em um deles, de nome Trabalho Abstrato (2010), subtrai, de uma pá comum, área quadrada quase idêntica à superfície usada para a coleta de algo, tornando-a inútil para o uso produtivo ao mesmo tempo que a transforma em objeto de arte. Objeto que remete à história de uma produção artística não representacional – no procedimento Duchampiano que emprega para fazer a peça e na evocação que a forma vazada da pá faz da tradição neoconcreta –, mas que igualmente convoca a noção de trabalho abstrato cunhada por Karl Marx, a qual designa o dispêndio de esforço humano contido em qualquer mercadoria, não importa a forma concreta que esse trabalho assuma no espaço das trocas mercantis.

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Trabalho Abstrato (2010), mostrado na 12 a Bienal de Istambul, em 2011

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Essa fricção irônica entre procedimentos e conceitos fincados em campos de conhecimento diversos (arte, economia, filosofia), bem como a subversão de significados assentados que assim promove, são levadas a cabo em vários outros trabalhos feitos no período, constituindo inventário breve de encontros inesperados entre ideias e objetos. Em um deles, contudo, Clara Ianni sugere uma abertura mais decidida para aquilo que está além do campo da arte, ainda que seja nas convenções desse campo que a peça formalmente se ancora. Natureza-Morta ou Estudo para Ponto-de-Fuga (2011) é formado por nove chapas retangulares e idênticas de alumínio, colocadas sobre a parede em forma de grade – arranjo organizador consagrado, ao longo de décadas, por vertentes da arte moderna. A similitude entre esses elementos repetidos é contrafeita pela quantidade e pelos tamanhos dos furos que cada placa exibe, resultado de tiros dados sobre elas com as armas, de diferentes calibres, utilizadas pela polícia no Brasil. Procedimento que desmonta, com agudeza crítica, os significados dos termos artísticos utilizados no título do trabalho, promovendo aproximação abrupta entre espaços simbólicos e concretos de vida que poucas vezes se tocam. Questiona, sem alarde, o próprio lugar social da arte.

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Forma livre (2013), videoinstalação cujo áudio mostra Oscar Niemeyer pressionado para comentar o massacre de mais de 100 trabalhadores pela polícia, durante a construção de Brasília. Na página ao lado, Natureza-Morta ou Estudo para Ponto-de-Fuga, (2011) em que chapas de aço levaram balas de diferentes calibres


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VIOLêNcIaS dIárIaS

Os trabalhos mais recentes da artista – principalmente os feitos a partir de 2013 – aprofundam o interesse, antes somente ensaiado, de investigar as violências diárias e diversas que o Estado promove contra grupos específicos de habitantes do País, tanto em tempos de exceção declarada quanto em períodos em que as leis supostamente garantiriam o estatuto de cidadão a todos. Fazem isso sem perder, todavia, o cuidado construtivo que já caracterizava a produção passada. No vídeo Forma Livre (2013), edita áudio de entrevistas com Lucio Costa e Oscar Niemeyer, em que os inventores formais de Brasília são confrontados com a informação (publicada em jornais da época, mas que dizem desconhecer) do assassinato, pela polícia, de mais de cem operários que trabalhavam na construção da futura capital do Brasil. Massacre que teria ocorrido por ocasião de greve que aqueles faziam, em 1959, por condições dignas de trabalho. Em simultâneo, o vídeo apresenta imagens de esboços desenhados da cidade e fotografias de seus traçados e edifícios feitas nesse mesmo período, cotejando a limpeza formal do projeto e os custos humanos, oficialmente não contados, de construir Brasília.

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Acima e à esquerda, cenas do vídeo Apelo (2014), sobre a violência policial em São Paulo, feito em colaboração com debora Maria da Silva

Já nos vídeos Mães (2013) e Apelo (2014, em colaboração com Debora Maria da Silva), Clara Ianni debruça-se sobre a violência policial recente e em curso que vitima, em particular, a população pobre que vive nas periferias das grandes cidades brasileiras. Violência que inverte, de maneira radical, a função esperada de uma força policial em Estados democráticos, e que muitas vezes sonega até os corpos das pessoas assassinadas. São trabalhos, ademais, que experimentam formas distintas de acercar-se de uma mesma questão, embora ambos confirmem a imagem filmada como meio central na sintaxe que a artista vem tecendo em anos recentes. Mais importante ainda, tanto esses vídeos quanto Forma Livre afirmam a fala – no que os discursos das mães dos mortos deixam claro e no que somente sugerem – como dispositivo de ativar a memória e de reescrever a história, atualizando-a no agora em que os trabalhos são apresentados no campo da arte. Se ainda há muito por vir no trabalho de Clara Ianni, o até aqui feito já inscreve sua relevância em espaço tão avesso a reconhecer as desigualdades e abusos que o cercam e interrogam.

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A R T I S TA S - C U R A d O R e S

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L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O

A VISãO DO OUTRO LADO Montando exposições ou atuando em instituições, artistas emprestam seu olhar à atividade curatorial e se deparam com os dramas da função


O quE ExPLIca a aTuaL ONda dE curadOrIaS

assinadas por artistas? Rosângela Rennó acaba de ser nomeada curadora-adjunta de fotografia do Museu de Arte de São Paulo (Masp). A partir de 3 de fevereiro, Sofia Borges organiza e participa de mostra-happening no anexo em construção da Galeria Millan e, até o dia 14 do mesmo mês, Luiz Roque orquestra coletiva com 17 artistas na Galeria Bolsa de Arte, em São Paulo. A torrente de mostras assinadas por artistas segue tendência do ano passado, quando Leda Catunda enveredou no universo de Leonilson, e Alexandre da Cunha e Rivane Neuenschwander, na obra do mineiro Lorenzato. Há uma crise se insinuando no front dos curadores ou uma nova visão da função?

Uma resposta possível toca na essência do papel do curador. Como aponta o curador Moacir dos Anjos no livro Panorama do Pensamento Emergente (Editora Zouk, organização de Cristiana Tejo, 2011), “talvez uma maneira mais interessante seja entender o campo da arte como um campo onde existem vários atores atuando, onde o que está no centro, na verdade, é a arte e a produção. Mais do que a figura do artista, o que realmente interessa é a produção simbólica. (...) Curador, então, é menos do que uma profissão, menos do que uma pessoa, menos do que um agente determinado, é uma posição dentro desse sistema, que pode ser ocupada por um diretor de museu, por um curador independente, por um artista”. Ou seja, não é preciso ser curador para fazer curadoria, mas é preciso ter muito jogo de cintura para fazer bem-feito o jogo do mediador, próprio dessa “posição”. Mesmo assinando mostras, alguns artistas têm mil restrições ao título de curador. Outros talvez sintam um gostinho especial ao assumir um cargo invariavelmente questionado quando associado aos excessos de poder, protagonismo e visibilidade. VISÃO dE arTISTa

Acima, plano geral da mostra 14/15, curadoria do artista luiz Roque ( à direita )

“Respeito muito os curadores. Eles enfrentam enormes pepinos e descascam abacaxis. Fazem um anteparo entre o artista, a instituição e o público”, diz Leda Catunda à seLecT. Ela foi convidada por Gustavo Nóbrega, sócio de Daniele Dal Col na Galeria Superfície, para escrever um texto para uma mostra sobre os últimos anos de vida de foToS: no ALTo, CoRTESIA gALERIA BoLSA DE ARTE. ABAIxo, joAnA Luz

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Claro que tenho interesse em curadoria, já é parte do meu repertório” diz Rosângela Rennó Leonilson (1957-1993), montada entre junho e agosto de 2014. “Sobre o Leo, eu escrevo até dormindo”, diz Catunda. Com seu interesse pelo tema, foi gradualmente se engajando na seleção das obras, juntamente com o galerista, o que resultou em um recorte muito pessoal e intimista – reforçando uma característica que era própria do artista cearense. “Foi uma garimpagem mesmo, eles procuraram obras que nunca tinham sido exibidas e estavam em casas de amigos de Leonilson”, conta Dal Col, referindo-se a nomes como Sergio Romagnolo e Daniel Senise. Durante os trabalhos na Superfície, Leda Catunda chegou a refutar o título de curadora, mas depois assimilou. “Acho que o curador fica SELECT.ART.BR

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muito envolvido na leitura que as pessoas vão ter. O artista, que é egocentrado, está mais preocupado com sua própria leitura”, completa ela. Muitas vezes, o artista-curador parece aproveitar a oportunidade de reunir outros artistas em torno de um tema, a fim de aprofundar questões pertinentes ao seu próprio trabalho. Nesse pique, Luiz Roque organizou a expo 14/15, estreia de um projeto anual da Galeria Bolsa de Arte, em São Paulo, que convidará um artista a assumir o recorte da mostra da virada do ano (daí o nome 14/15). “Queria fazer uma expo com trabalhos que eu gostasse, que tivessem a ver com o que faço. Eu não quis contar uma história, fazer uma narrativa. As aproximações são bastante formais”, explica Roque à seLecT.


Sua inspiração foram as feiras universais dos séculos 19 e 20, em que “as pessoas iam para ver coisas curiosas, como telefone, feto de unicórnio no formol, coisas assim”. Foram incluídos na coletiva trabalhos de Nino Cais – uma assemblage de pernas de menino encimadas por uma maleta – e Saint Clair Cemin, entre outros, que conferem ao espaço expositivo um clima de cenário teatral. INTErFacE INSTITucIONaL

A artista Rosângela Rennó ( à direita ), atual curadora-adjunta de fotografia do Masp, sempre incorporou processos curatoriais às suas obras, como na instalação Imemorial (1994, no alto)

Na trajetória de Rosângela Rennó, a criação artística frequentemente se confunde com o gesto curatorial. Algumas de suas obras icônicas resultaram de incursões por acervos como o Arquivo Público do Distrito Federal, de onde extraiu as imagens da instalação Imemorial (1994), e o Museu Penitenciário do Estado de São Paulo, que originou a instalação Cicatriz (1995). Certamente, nenhum deles é tão palatável quanto o acervo do Masp, onde Rennó agora está à frente da área de fotografia, na equipe do diretor artístico Adriano Pedrosa. “Claro que tenho interesse em curadoria, fazer esse trabalho já é parte do meu repertório”, diz Rennó à seLecT. “E para mim não importa se é na Bienal, no Masp ou na Galeria Vermelho.” No Masp, só para começar, ela vai cuidar de um acervo multifacetado, do qual fazem parte a vasta Coleção Pirelli e o recém-anexado comodato com a coleção do Foto Cine Clube Bandeirante. “Quero conhecer tudo antes de saber o que vou fazer. O respeito à forma de trabalho e as discussões com o material é o que me interessa. Vou aprender muito”, diz ela. Seja em ações experimentais, seja assumindo altos cargos institucionais, artistas-curadores parecem estar menos interessados em acirrar as diferenças do que em ganhar uma visão do “outro lado”, complementar à criação. “Entendo muito o papel do curador, porque trabalho com muita proximidade a eles”, diz Luiz Roque. “Ele faz a ponte entre a instituição e o artista. Além de ter todo esse papel intelectual de articular um discurso, de querer falar sobre algo que está acontecendo no mundo, ele tem de fazer isso se realizar. Um bom curador é aquele que faz o meio de campo entre artista e instituição, e nisso já não sei se sou tão bom assim”, resume. foToS: no ALTo, SILAS SIquEIRA/gALERIA vERmELho. ABAIxo, TonI hAfSkEnShEID

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exPOSIçÃO

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O TOqUE DA CURADORA PA U L A A L Z U g A R AY

Oito brasileiros, selecionados por Marina Abramovic´, apresentam performances de longa duração em evento que integra a maior retrospectiva da artista na América do Sul

a caBEça é uM POdErOSO cENTrO ENErgéTIcO Para O arTISTa,

curador e professor baiano Ayrson Heráclito. Em suas Incorporações (2011), os performers têm as cabeças coroadas por comidas das mais diversas naturezas. O amendoim, o milho, o arroz, a pipoca e outros grãos ofertados em cerimônias religiosas afro-brasileiras e usados nas performances de Heráclito têm, digamos assim, certo poder de atração em relação aos minerais e pedras preciosas pesquisados por Marina Abramović em sucessivas viagens ao Brasil, desde 1989, e transmutados na série Objetos Transitórios para Uso Humano. Heráclito está entre os oito artistas brasileiros selecionados por Abramović para apresentar performances de longa duração na exposição Terra Comunal/Marina Abramović + MAI, a partir de 10 de março no Sesc-Pompeia, em São Paulo. Ele apresentará Transmutação da Carne, em que articula simbolicamente torturas praticadas contra negros escravos no Brasil colonial. O evento, anunciado como a maior retrospectiva da artista na América do Sul, divide-se em duas partes. A primeira compreende uma exposição com curadoria de Jochen Volz, com três instalações, todas resultantes de performances de longa duração, em que a artista permanece horas (a inédita 512 Horas); dias (The House with an Ocean View, 2002); ou meses (The Artist is Present, 2010) no espaço expositivo, na presença do público. Na segunda parte, composta de uma série de eventos que introduzem no Brasil o método do Marina Abramović Institute (MAI), está

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Performance Transmutação da Carne, de Ayrson Heráclito, em que cada performer é marcado com ferro incandescente e veste roupa de charque, evocando a história vil da escravidão negra no Brasil

foTo: EDgARD oLIvA


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inserida a curadoria assinada pela artista e as colaboradoras Paula Garcia e Lynsey Peisinger. Ayrson Heráclito, Fernando Ribeiro, Grupo Empreza, Maikon K, Marco Paulo Rolla, Maurício Ianês, Rubiane Maia, além de Paula Garcia, integram o projeto. Garcia apresenta a performance Corpo Ruindo, um desenvolvimento da série Corpo Ruído (2010), em que colocava em confronto sensações de peso e leveza, colando ao corpo ímãs e resíduos metálicos. “Marina modificou a minha performance, deu um tom de longa duração a uma ação que lidava com a resistência ao peso e não com o tempo”, conta ela. A artista conta que em seu trabalho como colaboradora do MAI, em Nova York, habituou-se ao procedimento chamado Cleaning the House (Limpando a Casa), um workshop realizado com os colaboradores sempre antes de performances

FaLa, Marina abraMovi

Por que a performance de longa duração é o tema principal desse projeto curatorial? Após 40 anos de minha prática como artista de performance, entendi que o trabalho de longa duração tem o mais transformador efeito sobre o performer e o público, ao mesmo tempo. O conceito do meu instituto é apresentar o trabalho de longa duração em muitos campos, incluindo arte, ciência, tecnologia e espiritualidade. Como apresentamos pela primeira vez o instituto no Brasil, é adequado realizar uma curadoria só de performances de longa duração. Como foi a pesquisa para selecionar os artistas brasileiros? Consultei alguns curadores, galeristas e artistas brasileiros para me dar nomes de profissionais de performance. Encontrei-me com um grande grupo de artistas, conheci seus trabalhos, fiz entrevistas. Depois disso, fiz uma seleção de oito nomes SELECT.ART.BR

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e exposições, em que a equipe fica cinco dias sem falar e sem comer, fazendo exercícios de longa duração. “Tipo separar arroz de lentilha por seis horas”, conta ela. “A longa duração é o legado da Marina. Ela fala que os projetos têm de ter, no mínimo, seis horas de duração.” Além dos oito artistas agraciados pelo toque da curadora, o público brasileiro também poderá inscrever-se nos exercícios do MAI, a fim de experimentar a sensação “do tempo de estar consigo mesmo, em quietude e ausência de necessidades”.

que penso poderem melhor representar o trabalho de longa duração em diferentes formas, cada um com uma abordagem própria. Os trabalhos selecionados trouxeram surpresas? Quais? Fiquei surpresa com a intensidade e o carisma dos artistas e sua relação com a sua própria cultura. Eu também fiquei surpresa com a originalidade de suas ideias. Mas não quero focar qualquer artista em particular nesta entrevista, antes de o trabalho ser executado. Uma coisa é o conceito, mas temos de lembrar que essa exposição dura dois meses. Nós ainda temos de ver em cada artista sua resistência, força de vontade e foco para concluir o trabalho até o fim. Só então poderemos falar sobre qual trabalho nos surpreendeu. Não podemos falar sobre algo que ainda não aconteceu. A partir de sua pesquisa sobre o assunto, como você avalia o estado da performance de longa duração no Brasil? Esta exposição que estou curando é uma experiência. Não existe exatamente esse tipo de trabalho de longa duração no Brasil. O que estamos tentando aqui é fazer trabalhos específicos e aumentar o tempo deles, para ver como podem mudar e se desenvolver ao longo de um processo que dure. PA foTo: nABIL ELDERkIn


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edUCAçÃO

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COMO NASCE UM CURADOR Muitas escolas partem do princípio de que o candidato já tenha conhecimentos avançados de história da arte e prática de pesquisa e escrita, além de ser habitué de feiras, bienais, museus e galerias SANDRA TUCCI

F OTO S R I C A R D O VA N S T E E N

NO SITE wIkIhOw – hOw TO dO aNyThINg ENcONTraMOS soluções

para quase tudo. Como pintar uma bicicleta? Como alisar o cabelo sem usar chapinha? Como fazer ovos em conserva? Até mesmo como tornar-se um curador de museu. O site propõe o caminho em oito passos, que se resumem assim: seja detalhista, estude, estude, estude... pesquise, estude, pesquise, estude... Mas sabemos que para tornar-se um curador de artes, que inclui práticas em museus, instituições, equipamentos culturais e galerias, exige-se do candidato mais que o estudo intensivo. A curadoria é uma profissão relativamente nova que vem atraindo cada vez mais aspirantes, pelo crescimento do mercado de arte e pela espetacularização das artes visuais. A profissão de curador de museu ocupa SELECT.ART.BR

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o segundo lugar na lista das carreiras mais bem cotadas no campo das artes nos Estados Unidos, perdendo só para a de arquivista, segundo lista publicada em outro site de generalidades de grande audiência, o about.com. A profissão atrai os mais diversos perfis por meio da divulgação de casos de sucesso e da popularização do termo. Entre curadores hoje encontramos profissionais que vêm das artes, da literatura, da filosofia, do design, mas também da administração de empresas e do direito. Além disso, a atividade não se resume mais ao universo das artes e se espalha por todas as áreas: culinária, informação, conhecimento, rádio etc. Basta existir o ato de selecionar algo, que o termo se aplica. MuScuLaTura

A formação atual do curador de artes, na maioria das escolas de São Paulo que propõem cursos de especialização, parte do princípio de que o candidato já tenha avançados conhecimentos de história da arte e que possua um acentuado background de pesquisa, leitura e prática da escrita, além de ser também um habitué de feiras, bienais, museus e galerias. “Não acredito que seja possível aprender o ofício de curador, hoje, sem uma formação acadêmica. O curador deve ter um olhar múltiplo, um conhecimento ‘enciclopédico’ e transdisciplinar”, opina Debora G. Buonano, professora de História da Curadoria e da Arte do curso de especialização em Museologia, Colecionismo e Curadoria do Centro Universitário Belas Artes. Uma pós-graduação apresenta o cenário das instâncias que o profissional deve percorrer e proporciona atualizações sobre a teoria, a prática, o mercado e suas tendências. Os eixos comuns que constituem uma cartografia básica da formação da musculatura do curador em artes são: história da curadoria, museologia e museografia, gestão e produção executiva, desenho do espaço ou expografia e mediação cultural e educativa – fundamental na efetivação da comunicação com o público.


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“A formação em curadoria deve ser encarada como uma maratona de longa distância e não uma corrida de 100 metros”, diz Patrícia Verderesi Schindler, colecionadora e aluna do Senac

Claro que esse curador pode e deve trabalhar em equipes interdisciplinares, para assim alcançar bons resultados que incluam o A a Z da exposição bem-sucedida e que obedeça à lógica da indústria cultural. Já os cursos de curta duração ou livres, que possuem carga horária de 30 a 60 horas, também transitam entre os eixos acima descritos, porém, de forma mais panorâmica e intensiva, trazendo poucas informações e muitas vezes deixando o estudante em “modo de espera”. “Duas questões importantes surgiram no curso: a primeira é a compreensão do papel do curador. Quem é esse sujeito e qual o seu papel dentro do sistema das artes. O segundo ponto é justamente a desmitificação dessa figura e suas práticas. O trabalho de um curador e sua equipe é árduo e complexo. Compreender como esse processo se dá na prática é de fundamental relevância”, diz Allys Bezerra, 33 anos, fotógrafo que participa do curso do Sesc em Curadoria em Artes Visuais. LONga dISTâNcIa

“A meu ver, a formação para curadoria deve ser encarada como uma jornada, uma maratona de longa distância e não uma corrida de 100 metros”, defende Patrícia Verderesi Schindler, 44 anos, colecionadora formada em Administração de Empresas, com MBA em Finanças e pós-graduada em Curadoria em Artes pelo Senac São Paulo. “Acredito na educação continuada, a partir de uma base multidisciplinar sólida e combinada com experiências práticas”, continua. A função do curador não é somente a de escolher e selecionar obras para uma exposição. É esperado que ele conheça o acervo, os artistas, os artifícios das obras. Que conheça os processos burocráticos e os trâmites, que entenda de montagem e desmontagem e corresponda às expectativas do setor educativo. E ainda que possa formular e articular ideias em forma de textos para catálogos e verbetes, entre outros. Fica claro que o curador é um sujeito curioso, que lê, estuda, conhece, investiga, busca, relaciona, organiza, destrincha, propõe, relê, renova, transforma, provoca, comunica e cultiva a prática do olhar. Mas também agencia as interfaces entre o institucionalizado, o público e a arte. No livro A Brief History of Curating, bibliografia obrigatória dos cursos de curadoria, o suíço Hans Ulrich Obrist coloca que não há uma regra na formação do curador, mas, para ele, curadoria é mediação, ou seja, uma maneira específica de pensar a arte e seu lugar na sociedade. Talvez o aspecto mais relevante, atualmente, para tornar-se um curador seja o entendimento profundo e dilatado de três conceitos: mediação, agenciamento e interface. Afinal, a arte é para o público, para o espectaSELECT.ART.BR

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dor, para o participante, e o procedimento do curador deverá refletir esse entendimento. MEdIaçÃO, TraduçÃO E TraIçÃO

Conflitos e tensões também fazem parte da performance do curador. Dependendo de onde sua mostra estiver exposta, ele tem desafios que vão desde o treinamento da equipe interna das instituições, como seguranças e staff não familiarizado com arte, até negociações com o seleto público do mecenato. Isso tudo faz parte da economia política da arte domesticada. Até onde vai a liberdade de atuação do curador e por que isso não é ensinado durante sua formação? Possivelmente, porque cada instituição reza por uma cartilha diferente. Patrocinadores, apoiadores, diretores e seus familiares possuem interesses outros que permeiam indireta ou diretamente as decisões do curador. Quem financia a cultura? É desse lugar que vemos como os números de atendimento traduzem o sucesso da empreitada. A mudança de mentalidade dos investidores que visam resultados quantitativos também se constitui como uma das funções do curador – agora também como interlocutor – para tornar esse entendimento qualitativo. Afinal, o curador muitas vezes é a estrela da mostra e o resultado de público visitante alcançado depende de um melhor ou pior diálogo dele com a esfera educativa. VOcê é O curadOr! – cOauTOrIa

Experiências de participação do público têm sido bastante frequentes. Uma das primeiras iniciativas desse gênero data de 2008, com a exposição fotográfica Click, organizada e realizada pelo Brooklin Museum, nos EUA.


Já o Frye Art Museum, em Seattle, também nos EUA, foi além e lançou nas mídias sociais a iniciativa crowd-curated, em que qualquer um poderia ser o curador de sua coleção: bastava “curtir” uma pintura que ela entrava para a mostra. Entre os dias 11 e 22 de agosto de 2014, reproduções fotográficas das 232 pinturas do acervo foram publicadas no Facebook, Instagram, Pinterest e Tumblr. Exatas 4.468 pessoas de todo o mundo votaram em suas pinturas favoritas, podendo até mesmo enviar arquivos de áudio com comentários sobre suas escolhas. Essa coautoria descompromissada, chamada de citizen curator, coloca-se como uma estratégia que atrai público com intenções que vão além do lazer e do consumo imediato da arte, pois enaltece sua participação e reforça o sentimento de familiaridade com o museu. A exposição #SocialMedium esteve em cartaz até 4 de janeiro de 2015, no Frye Art Museum.

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PENSar O PrESENTE

Com exceção do Programa de Estudos Independentes, criado pelo Museu Whitney, de NY, por volta de 1967, quase todas as escolas que oferecem cursos de graduação e pós em curadoria surgiram ao longo dos últimos 20 anos. O Centro de Estudos Curatoriais do Bard College (CCS), no estado de Nova York, abriga, desde 1994, um dos mais conceituados programas de pós-graduação dedicados ao estudo de modelos históricos para a apresentação e recepção da arte e para o desenvolvimento de ações inovadoras na área. Cerca de 200 pessoas concluíram o curso de dois anos. Hoje, mais de 90% dos alunos do CCS ocupam cargos relacionados em galerias, museus, espaços de arte e outras instituições culturais nos EUA e no mundo. Recentemente, um simpósio no Bard College (The Future Curatorial What Not and Study What? Conundrum) discutiu como gerar novas formas para instituir o futuro da pesquisa e da prática curatorial, incluindo questionamentos sobre a parceria com o público. Entre os temas: Qual é o futuro da educação curatorial? Qual é o futuro das exposições? Como o agenciamento curatorial, além de questões mais amplas da cultura, tais como a “retórica curatorial”, o “discurso”, o “educativo” e o “social” em práticas curatoriais e artísticas, será no futuro?

dESENhar O FuTurO

A formação do curador está em plena mudança e ajustes se fazem necessários para que este dê conta das demandas que superam a questão da mediação educacional. Já sabemos que a sociedade do espetáculo, que premia a produção e o consumo de mercadorias culturais, está em crise. Desligado do pensar, o sistema da cultura atual constitui-se como um entrave para a emancipação do refletir e do ressignificar. A formação do curador e de agentes culturais deveria dar subsídios para transformar, romper e propor outras instâncias legitimadoras voltadas não para saciar a fome do marketing cultural, mas para estabelecer relações de reflexão, contribuindo para o desenvolvimento pleno do público da arte. Fica a expectativa de que as exposições do tipo blockbuster não sirvam somente para aumentar os números de “curtir”, ou para que mais e mais selfies com pano de fundo “artístico” sejam publicadas nas redes sociais. Mas que as equipes curatoriais possam encontrar maneiras de motivar outros significados para seu público, integrando práticas sociais para criar dispositivos para a construção de conhecimento.


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TOM DIxON DE MECâNICO A DESIgNER A aspereza e a rudeza britânicas são intrínsecas no seu trabalho, diz o bem-sucedido designer que nasceu na Tunísia, mas cresceu em Londres

MARA gAMA

aMIgO dOS LIVrOS E aVESSO aO FuTEBOL, Tom Dixon foi uma criança

solitária que começou a romper o isolamento através da música. Nascido na Tunísia, em 1959, mudou-se para Londres quando tinha 4 anos. Na adolescência, chegou a tocar baixo numa banda disco, a Funkapolitan, na Londres do começo dos anos 1980, mas parou depois de quebrar o braço num acidente de moto. Virou mecânico. Com uma solda na mão, começou a se aventurar além dos reparos. Peças recolhidas em oficinas e ferros-velhos, componentes de lojas de jardinagem e utensílios domésticos baratos foram usados por ele para montar e colar suas primeiras cadeiras. Foram muitas. Chegou a usar panelas wok chinesas como pés numa delas e componentes de bicicleta em outra. Uma mudança importante veio com a primeira máquina que lhe permitiu cortar o aço em tiras: foi depurando e simplificando as formas de seus trabalhos, procurando um desenho. Logo ampliou seus horizontes de materiais e se interessou também pelo cobre, pela coloração quente, por ser facilmente moldável e soldável, e virou um expert no assunto, sendo um dos responsáveis pela retomada de seu uso na decoração. SELECT.ART.BR

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Nessa época das sucatas, fez suas experiências com a liberdade vinda da falta de um estudo regular de design e reforçada pela atitude punk que se respirava. Com os olhos livres, sem os temores da formação profissional, experimentou livremente. E longe dos holofotes. A esse tempo de experiência e trabalho solitário Dixon atribui grande importância. Ele acha que o tempo que ficou desconhecido foi fundamental para desenvolver seu estilo, sua estética própria, hoje definida como uma das expressões do espírito britânico, assim como o estilo brutalista na arquitetura, a música punk, a cozinha dos pubs e o cinema despojado do kitchen sink. “Mudo de ideia muito frequentemente, gosto de seguir adiante, mas sempre estou interessado no processo de manufatura e nos materiais. Às vezes mais polidos, às vezes mais crus, mas a aspereza e a rudeza são intrínsecas, e essa é minha visão do que seja britânico. É muito importante ter essa história, esse legado”, diz Tom Dixon à seLecT. Dixon abtriu caminho sozinho para a produção de suas peças e para os negócios, quebrando a cabeça com a falta de interesse da cena inglesa em produzir novos talentos. Mas chamou atenção e entrou no luxuoso e seletivo mercado italiano através da Cappellini, com a produção de sua icônica cadeira S, em 1989, que passou a fazer parte do acervo permanente do MoMA, de Nova York. Em 1992, começou a vender numa única loja em Londres. Entre 1998 e 2008, teve seu primeiro emprego fixo, como diretor da Habitat inglesa. Em 2002, com David Begg, fundou a marca Tom Dixon, para a produção de objetos. Em 2004, a sueca Proventus adquiriu a maior parte da Tom Dixon e da finlandesa Artek, fundada por Alvar Aalto, sob o nome de Design Research Limited. Dixon mantém-se como diretor artístico de ambas as empresas e tornou-se um dos nomes mais significativos e bem-sucedidos do design britânico em projetos de mobiliário, luminárias, objetos, com peças sendo vendidas em lojas de departamentos, como a Harrods londrina e a Saks Fifth Avenue, de Nova York, e também de interiores de hotéis, bares, restaurantes, como o da Royal Arts Academy, de Londres, e ambientes corporativos, como a agência McCann, em Nova York. Distante do prédio em que trabalha em Portobello, o The Dock, que além de escritórios e salas para exposições tem um restaurante,


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o Dock Kitchen, que virou ponto turístico, o designer tem viajado para divulgar a nova coleção. A série Club, que será representada no Brasil pelas marcas Firma Casa, Conceito Firma Casa e Lumini, inspira-se nos ambientes exclusivos dos clubes privados da Inglaterra, que Dixon conheceu e frequentou. A coleção foi surgindo como decorrência dos projetos de design de interiores de restaurantes e hotéis. O coração da linha Club é formado pela cadeira Y, estruturada em náilon reforçado, mas flexível, que foi lançada no London Design Festival; as mesas Trace, produzidas com folhas de vidro listradas, que, superpostas, provocam o efeito visual moiré; o tapete Stripe, de lã pura; a cúpula Bell, de superfície reflexiva ultrapo-

lida, e as novas cores externas e internas da linha Beat, de luminárias inspiradas nas jarras de bronze usadas no norte da Índia. Durante as viagens, além de lançar itens da coleção, Dixon dá palestras para explicar porque as pessoas devem comprar suas peças originais e não as cópias, e faz sessões de autógrafos do inspirado Dixonary – Illuminations, Revelations and Post-rationalizations from a Chaotic Mind (algo como Iluminações, Revelações e Racionalizações a Posteriori de uma Mente Caótica), livro bem-humorado que explica a linguagem do designer através de suas inspirações e interpretações. No passado, você disse que queria ser um pop star e hoje você tem bastante popularidade. Qual é a conexão entre você e o público?

Acho que minha conexão com minha audiência é que eu tenho um forte ponto de vista. Minha empresa é muito diferente da de outros designers. Há designers que trabalham para várias empresas diferentes. Se você é fã de design ou consumidor de design e quer ver trabalhos dos irmãos CamfoTo: pAuLo D’ALESSAnDRo


pana, por exemplo, tem de ir na Edra, na Alessi. Talvez o meu formato de empresa seja mais similar ao de um fashion designer, no sentido de controle da produção. Claro que o meu negócio é mais simples e para mim é muito mais difícil produzir. Tenho muitas limitações em materiais e técnicas, mas tenho uma história reconhecível para os clientes, fãs e todos que estejam interessados em design. Penso que isso se deve em parte ao fato de eu ter experimentado todas as posições no design. Fui artesão, trabalhei para uma companhia, trabalhei para casas de design italianas. Achei que fosse fácil no começo, mas agora sei que não é. Porque você tem de fazer as coisas com diferentes tecnologias, em países diferentes.

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Muitos previram uma mudança radical no mundo do design por causa da popularização das técnicas de impressão 3D. Você, que usa tecnologias digitais em seus produtos, viu sua maneira de trabalho mudar?

“Houve um tempo em que fiquei orgulhoso de ser copiado, mas isso se torna obstáculo para fazer negócios”

Sim e não. Todo mundo está excitado com o 3D, mas não quer dizer que todo mundo esteja usando. A impressão 3D virou uma fixação para revistas, entre os estudantes, e sim, é uma tecnologia interessante. Mas hoje o que se pode fazer é basicamente de plástico. Acho que isso vai mudar quando pudermos fazer coisas de cerâmica e metal. E sempre será necessário ter pessoas especializadas, talvez não necessariamente designers, para transformar isso em produtos sofisticados. Sem dúvida, os sistemas digitais dão mais acesso aos designers e aos produtores, para fazer tudo mais rápido. O mais interessante é ver o quão rápido os designers conseguirão produzir em qualquer lugar. Por muito tempo se pensou que só existia um modo. Os bens teriam de percorrer um longo caminho, sendo produzidos nos países que têm mão de obra barata e enviados em grandes quantidades para os países ricos, mas isso está mudando. Então, sim, está mudando o modo como pensamos a manufatura, o modo como pensamos o design. Apenas penso que imprimir em casa ou cada um poder imprimir o seu não faz com que não haja necessidade de profissionais para fazer o melhor e o mais sofisticado. Mas acho instigante o aspecto da personalização. Quais são as características que definem melhor o seu trabalho?

Uma coisa importante nas minhas peças é que elas tendem a ser vistas de diferentes maneiras. SELECT.ART.BR

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Aquela luminária, a Etch, por exemplo, alguns acham que foi inspirada nas geometrias islâmicas. Outros dizem que é totalmente anos 1960. E tudo isso não é intencional. Eu tento que meus trabalhos sejam multidimensionais. E as cópias?

O dixonary de Tom dixon explica a linguagem do designer por meio de suas inspirações e interpretações

Houve um tempo em que fiquei orgulhoso, mas hoje isso se torna um obstáculo para fazer negócios em alguns lugares. Até para essas pessoas aqui (referindo-se às empresas que o representam no Brasil), porque as cópias estão em todo lugar. Para empresas pequenas como a minha, é muito restritivo. É interessante pensar na indústria da música. O negócio da música foi destruído pelas cópias digitais. E os artistas ficaram sem proteção. E então eles tiveram de passar a fazer mais performances, shows. Gravação não é mais o negócio. O mundo muda. Temos de ser experts, atentos e flexíveis para mudar junto, porque o mundo muda. O Japão foi, durante um tempo, a nação da cópia, copiando eletrônicos. Eles se tornaram depois originais e passaram a proteger o que criam, porque é precioso.

Você se preocupa em criar produtos ecologicamente corretos?

Eu trabalho hoje com o mercado do luxo. É muito difícil ser totalmente ecológico. Eu faço o meu melhor, em termos de saber de onde vem cada material, mas sobretudo tento produzir bens atemporais, não datados, e ao mesmo tempo duráveis, produtos que passem de mãos através das gerações e mantenham preços para revenda. Como expõe suas criações? Você é o seu próprio curador ou tem curadores independentes trabalhando nas suas mostras e participações em feiras?

Cada mostra, cada produto, tem sua própria história e eu sempre sei o que quero ou brifo alguém sobre o que quero, ou encontro alguém que faça exposições melhor que eu. Muitas exposições não têm nada de artísticas, são apenas negócio, vendas. Mas mesmo assim, às vezes as pessoas que organizam adicionam algo, uma camada de informação nova. Em Lima, por exemplo, o lançamento da Club foi num local clássico, parecido com os clubes de Londres, um lugar impregnado de história. Foi interessante. foToS: DIvuLgAção


ReVIeWS SÃO PAULO

TRAnSPARênCIA COMO MÉTOdO PAULA ALZUGARAY

Primeira mostra do Masp sob nova direção tem como proposta curatorial a exibição do processo O recado é dado logo na entrada da sala do primeiro andar do Museu de Arte de São Paulo, dedicada às exposições temporárias. A escultura-palavra AR – Cartilha do Superlativo (sem data), de Rubens Gershman, adverte o visitante sobre as intenções da nova diretoria artística do museu, a cargo de Adriano Pedrosa desde novembro de 2014: a ordem é arejar o acervo e redescobrir a arquitetura do museu. Sem lista fechada de obras nem data certa para terminar, Masp em Processo é uma exposição em permanente estado de pesquisa e montagem. Integram a mostra pinturas de diferentes épocas e origens, pinçadas do acervo de 8 mil peças do museu, de acordo com tipologias definidas pela curadoria: nu feminino, retrato feminino, retrato masculino, paisagem, grupos na paisagem, religião, natureza-morta, abstração etc. Nenhuma das obras tem garantia de ficar exposta. A única certeza que se pode ter é de que funcionários e instrumentos estarão no espaço expositivo, até o último dia em cartaz, a serviço de trabalhos de montagem e desmontagem. Embora as tipologias coincidam com gêneros tradicionais da história da arte, a aproximação entre as obras não é nada convencional e responde a uma lógica contemporânea – expor o processo. As poéticas do processo e as apologias da deriva são pesquisas referenciais da arte contemporânea. Ganharam protagonismo nos anos 1970, quando as ideias passaram a preponderar entre as estratégias usadas na elaboração da obra de arte, e quando se impõem a transitoriedade SELECT.ART.BR

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dos meios e a efemeridade dos materiais. É natural, portanto, que Cristina Freire tenha seguido um raciocínio processual em sua pesquisa sobre a coleção do Museu de Arte Contemporânea da USP, dada a característica conceitual das obras do acervo estudadas. Muito menos previsível é a decisão de Pedrosa em adotar essa metodologia para trabalhar um acervo predominantemente de arte moderna e arte europeia do século 19. Temos aqui justaposições e sobreposições temporais tanto no que diz respeito às obras expostas como nos caminhos escolhidos pela curadoria, que


Vista geral da exposição

na montagem adotou o “estilo salon europeu do século 19”, em contraste com a amplitude do espaço moderno do edifício de Lina Bo Bardi. O que está em exposição, descobre-se, não são apenas obras do acervo organizadas e aproximadas de forma surpreendente e contemporânea, mas as próprias diretrizes da curadoria em busca de mais transparência para o museu.

Masp em Processo, até fevereiro, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, Av. Paulista 1.578, SP www.masp.art.br

Tudo está em estado transitório. Quando seLecT visitou a mostra, os contemporâneos entre si El Greco e Francisco de Zurbarán, ativos na primeira metade do século 17, na Espanha, dividiam a parede com um São Francisco de Portinari (1941), um Cristo Abençoador de Ingres (1834), uma Virgem de Copacabana de pintor desconhecido da Arte Cusquenha, e um enigmático Babalu (Figura com Máscara Negra) (1967), de Iray Hirsch, sobre quem não consta uma linha nos arquivos historiográficos do Masp (ver imagem na capa desta edição). Outros pintores pouco contemplados pela historiografia da arte brasileira, como Miguel dos Santos, vêm à luz em posicionamentos não muito distantes dos quadros mais icônicos do museu, como As Meninas, de Renoir, ou Cinco Moças de Guaratinguetá, de Di Cavalcanti. Em sinal de despojamento total, a curadoria chegou à extravagância de aproximar Menino Chorando, exemplar da arte kitsch, com um retrato masculino feito por Victor Meireles e um autorretrato de Pancetti. Foram arejados também uma pintura sobre tela do muralista Diego Rivera e Os Retirantes (1944), de Portinari, escolhidos pelo público da exposição, convidado a participar do processo curatorial a partir de janeiro, pedindo obras que quer ver, depois de consultar o catálogo no site do museu ou no saguão da exposição. Finalmente, integram também a exposição as obras de “arqueologia” da arquitetura do museu, que acontecem no subsolo, onde estão sendo removidas paredes e intervenções acumuladas em décadas de desrespeito a um dos maiores ícones da arquitetura brasileira. Masp em Processo é, portanto, uma maneira auspiciosa de iniciar uma nova gestão. Não só porque desmitifica a relação do público com a arte, mas porque anuncia que padrões e convenções estão sendo quebrados. Enquanto outros serão finalmente reabilitados, como os cavaletes de vidro de Lina. foTo: RICARDo vAn STEEn


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TAPeçARIA URBAnA

Paraler, obra permanente de Regina Silveira em calçada paulistana

AnGÉLICA de MORAeS

Regina Silveira cria obra permanente na calçada do entorno da Biblioteca Mário de Andrade, reafirmando uma postura que norteou sua atividade como docente Regina Silveira é, comprovadamente, uma artista que sabe inscrever seus trabalhos com eficácia nos desafiadores espaços urbanos das megalópoles. Quem não se lembra do plotter vinílico Tramazul, com surreais nuvens bordadas sobre céu azul, que envolveu as quatro faces de vidro do Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 2010? Tão marcante que se tornou cartão-postal ainda encontrável nas bancas de jornais da Avenida Paulista, somado ao imaginário de um dos ícones da cidade. A obra efêmera, de enorme potência gráfica, podia ser vista com nitidez de longe e até em sobrevoo. Há pouco, em janeiro, a artista criou e instalou outra imagem indelével na cidade, que descende das nuvens do Masp, mas adquire permanência material: Paraler, a calçada que envolve a Biblioteca Mário de Andrade, no Centro de São Paulo. Novamente, o grafismo potente destaca-se no caos visual das ruas e prédios do entorno, catalisando o olhar do transeunte para a percepção de SELECT.ART.BR

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Paraler, obra permanente, calçada da Biblioteca Mário de Andrade, Rua da Consolação, 94, SP

um trabalho feito para integrar-se à topografia urbana, como uma pele. Essa pele é constituída de inúmeras “células” de porcelanato de alta temperatura, material tão ou mais durável do que pedras portuguesas. Sem contar o tempo de projeto, foram dois anos para a produção e posicionamento dos quase 2 milhões de peças (losangos e triângulos, em seis cores baixas) na tapeçaria em ponto de cruz que borda no chão a palavra “Biblioteca”, em diversos idiomas. Além dos hegemônicos inglês, francês ou espanhol, há caracteres cirílicos (russos), ideogramas japoneses e muitas outras formas de escrita de culturas em torno do planeta. “Busquei criar nessa obra uma analogia entre o conhecimento e o trabalho manual do bordado e da tapeçaria”, observa a artista em entrevista à seLecT. “Ambos crescem lentamente, são um processo de agregação e entrecruzamentos de fios.” A obra Paraler (que já foi Paving the Way no projeto original, de 2003, vencedor do concurso público para a biblioteca do Bronx, em Nova York, irrealizado) é um logotipo multicultural. “As agulhas de metal e alguns alinhavos do bordado dão a dica de que faltam alfabetos e línguas, porque o conhecimento é processo, nunca acaba.” Paraler abre-se para o mundo e reafirma o que Regina Silveira aplica à sua obra e norteou a vivência de professora: o verdadeiro conhecimento ultrapassa barreiras geográficas e culturais. Um conceito cada vez mais necessário ao mundo, acuado pelos fundamentalismos de crenças e ideias.


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OLHAReS eMBOTAdOS GUSTAVO FIORATTI

Insensibilidade intrínseca ao contemporâneo é chave para leitura dos vídeos da coleção Ella Fontanals-Cisneros Para investigar a vocação do vídeo como um suporte que incorpora questões temporais da performance, Memórias da Obsolescência faz uma combinação precisa entre pioneiros (Marina Abramović, William Kentridge, David Lamelas entre eles) e jovens artistas (como o argentino residente em São Paulo Nicolás Robbio). O resultado é uma breve passagem por questões comuns a diversas gerações de artistas que catalizaram em suas criações o sentimento de viver em um período histórico iniciado no pós-bomba atômica, em que protocolos formais vão se estilhaçando na mesma medida em que a tecnologia avança e os valores morais deixam para trás os últimos resquícios do ideal romântico do século 19. Parece uma feliz coincidência, mas é também sintomático que a Lua protagonize três dos trabalhos. Como símbolo, poderia condensar o espírito de suspiros poético (talvez no vídeo Moon Notes, de Leandro Katz, haja aspectos desse ideal). Mas a imagem do satélite acaba também sintetizando compressões do absurdo nos novos tempos. Estudo das Relações entre Espaço Interno e Externo, vídeo de David Lamelas gravado no ano em que o homem foi à Lua (1969), mostra a opinião de passantes nas ruas de Londres sobre um “real significado” desse marco histórico para o homem. As respostas são quase sempre cômicas ou céticas. Uma mulher responde

Obra de Kentridge resgata Viagem à lua, de Méliês

Memórias da Obsolescência até 22⁄3, Paço das Artes, Av. da Universidade, 1, Cidade Universitária, SP pacodasartes.org.br

que “os homens são excitantes estando na Lua ou não”. Outro classifica a experiência como derivada de uma “tecnologia sem propósito”. Kentridge, por sua vez, resgata a conhecida imagem do filme Viagem à Lua, de 1902, em que um foguete acaba cravado no olho de um rosto impresso ao satélite. Só que, no lugar do foguete, o artista sul-africano brinca com uma cafeteira italiana voadora. Em texto sobre o trabalho de Kentridge, o curador Jesus Fuenmayor resgata um termo utilizado pelo artista, “embotamento”, em referência a uma “insensibilidade” intrínseca ao contemporâneo que “nos impede de vivenciar as coisas intensamente”. É uma chave para a exposição. Há nesse espectro um caminho que revela obras lubrificando o ceticismo positivista com humor, como Nu Com Esqueleto, em que Marina Abramović, deitada, coloca sobre seu corpo um esqueleto humano. Ela respira; em sincronia, os ossos se movem. Para completar esse mosaico que busca cristalizar a imagem de um mundo cômico, absurdo e não por isso menos trágico, Espectros Urbanos, da panamenha Donna Conlon, sobrepõe ao skyline de uma cidade, em primeiro plano, colunas feitas com tampinhas. Além do conjunto apresentado no Paço das Artes, a mostra de obras da coleção Ella Fontanals-Cisneros conta também com projeções no Museu da Imagem e do Som. foToS: CoRTESIA Do ARTISTA. nA págInA Ao LADo: BRunA goLDBERgER


ReVIeWS Carregador d’Água de Hazoumé, escancara o drama da seca

SOROCABA

ARTe POLÍTICA SeM PAnFLeTO AnGÉLICA de MORAeS

A primeira Trienal de Artes Frestas vence onde a 31a Bienal de São Paulo naufragou É com um suspiro de alívio e gratidão que se sai da visita à primeira Trienal de Artes Frestas, excelente curadoria de Josué Mattos para o Sesc de Sorocaba (SP). Ufa! Ainda é possível ver uma ótima mostra de arte política sem enfrentar obras panfletárias, visual e conceitualmente indigentes. Existe competência nessa seara e ela é ainda mais evidente ao não cair na armadilha de confundir artista de prestígio com artista “vendido ao sistema”, leia-se mercado de arte. Um dos nomes mais fortes do ótimo elenco reunido em Frestas é Romuald Hazoumé, do Benin (África), que despontou no circuito internacional na coletiva Out of Africa, na Saatchi Gallery (Londres, 1992) e consagrou-se na Documenta 12 (Kassel, Alemanha, 2007) com impactantes máscaras tribais feitas com galões de gasolina. O cartel do petróleo e os países africanos dependentes desse tubaronato não são mostrados em bulas. São transformados em arte. Visual e visível. A obra Carregador D’Água escancara o drama da SELECT.ART.BR

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Trienal de Artes Frestas – O que seria do mundo sem as coisas que não existem?, até 3/5, no Sesc-Sorocaba

seca sem deixar de discutir a vigência da apropriação duchampiana. A curadoria criou eficiente eco para Hazoumé ao aproximá-lo do mural magistralmente desenhado com pastel seco e carvão por Killian Glasner para retratar o solo esturricado da represa da Cantareira (São Paulo, capital). Zás! Em um olhar aprendem-se terabites de teorias sobre a crise dos recursos naturais e a tragédia ambiental e social causada pelas petroleiras. Outras presenças fortes são o colombiano Carlos Castro e os brasileiros Caetano Dias, Kauê Garcia e Regina Parra, entre muitos outros. O cardápio de vídeos é extenso e bem selecionado. Mereceria matéria à parte. Cabe ressaltar que a qualidade do evento foi obtida, apesar das gritantes inadequações do espaço expositivo do Sesc-Sorocaba. Problema que a 31ª Bienal de São Paulo, no Pavilhão do Ibirapuera, não teve, claro. Pena que não soube utilizar. A 31ª Bienal de São Paulo, inadvertidamente, conseguiu ser o espelho fiel de um aspecto endêmico ao debate político brasileiro: o discurso cheio de intenções e vazio de resultados. Ao contrário do que pretendia a equipe de curadores ao elencar clichês politicamente corretos e pinçar minorias como mote para filigranas teóricas, o processo de criação não se faz de fora para dentro nem possui atrativos visuais para ser colocado como substituto da obra de arte. Exatamente porque intenção não é ação e discurso não é realidade. A equipe curatorial da 31ª Bienal complicou tanto o discurso que se descolou do público. Ao tentar seguir a moda curatorial ditada pelas bienais de Veneza e Istambul, acabou servindo, com as exceções de praxe, ralo conjunto de trabalhos ilhados entre largos hiatos de “processos”, úteis para animar ambientes didáticos, mas que, ali, funcionaram como o iceberg do Titanic. A única introspecção possível naquele imenso pavilhão é o diálogo direto do público com a obra. Essa sutil e prazerosa conversa, que a 31ª Bienal extirpou quase por completo da nossa vista, a Trienal de Sorocaba soube nos restituir. foTo: CoRTESIA TRIEnAL fRESTAS



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Com Efeito, de Ana dias Batista

MOMenTO de TRAnSIçÃO MARIO GIOIA

Coletiva assinada por um dos mais interessantes nomes recentes da curadoria, galciani Neves, apresenta trabalhos que questionam os próprios meios com que são criados O objeto tem um quê de intrigante e é um bom cartão de visita para … pegaríamos as coisas onde elas crescem, pelo meio, exposição coletiva com curadoria de Galciani Neves, na Blau Projects. Pau-Brasil, de Thiago Honório, é um tridimensional que se constitui da cópia do livro homônimo de autoria de Oswald de Andrade (1890-1954), marco do modernismo brasileiro, sendo transpassado por uma pequena ripa, feita com a madeira de lei, hoje uma raridade. Afora formalmente distender os limites do que poderia ser um escultórico mais comum, característica que também se estende a outra obra do artista na mostra, Marcador – que mimetiza o elemento comum no livro em uma escala ambiciosa –, Pau-Brasil ostenta alguns elementos interessantes dentro do recorte da curadora. Um desses elementos é que todos os trabalhos parecem questionar a própria linguagem e se “infiltrar” em meandros nos quais pintura, fotografia, tridimensional, desenho e livro de artista, por exemplo, transitam e se misturam. Tal hibridismo gera um movimento interessante no conjunto de obras apresentado e vai ao encontro do que a curadoria pretendeu: trazer experiências numa zona de difícil preci-

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… pegaríamos as coisas onde elas crescem, pelo meio, até 7/2, Blau Projects, Rua Fradique Coutinho 1.464, SP www.blauprojects.com

são, mas que poderia ser a do “entre”. “Entende-se, assim, como ‘meio’, um momento de transição e, portanto, de acontecimento de uma obra, em que o público toma fôlego e faz prossegui-la em polissêmicos percursos”, destaca Neves em seu texto curatorial. Esse caráter movediço das obras exibidas ajuda a costurar uma linha de força que se espalha pelo espaço expositivo – tradicional cubo branco – salpicado por obras a priori bem distintas. Outro elemento que paira na coletiva é uma certa perplexidade com o agora. Se Pau-Brasil investiga criticamente conceitos como identidade nacional, dialoga nesse sentido com Times, de Fabio Morais, espécie de pôster que condensa numa única impressão variados slogans que invadiram ruas, sentidos e ouvidos, em especial no Junho de 2013. Tais trabalhos atestam uma modernidade fissurada, vivenciada num grande curto-circuito de informações e imagens, entre outras coisas. Além de Honório e Morais, Ana Luiza Dias Batista, Jimson Vilela, Jorge Menna Barreto e Laura Gorski dispõem suas criações pouco conformadas ao longo da principal sala expositiva da jovem galeria paulistana, que, ao sediar coletiva de um dos mais interessantes nomes recentes de curadoria, também ajuda a questionar o que é comercial, o que vem a ser institucional e o que consegue abrigo no meio das artes visuais. Também é elogiável o modo como a coletiva chega ao público. Faz parte do projeto C.Lab, que anualmente seleciona por edital duas exposições, uma coletiva e uma individual, destinadas a curadores e artistas emergentes. A mostra anterior do programa foi do gaúcho Andrei Thomaz, com curadoria de Douglas Negrisolli, do ABC paulista. Para 2015, o C.Lab deve abrir um edital com abrangência latino-americana.

foTo: CoRTESIA BLAu pRojECTS



CURAdORIA

galeria expandida Plataforma curatorial criada em 2010 para gerar correspondências entre circuitos da arte e da mídia ganha nova edição pensada especificamente para os ambientes impresso e digital da seLecT CHRISTINE MELLO

galeria expandida é uma plataforma curatorial que reflete sobre a reversibilidade entre circuitos da arte e da mídia. Apresentada pela primeira vez em abril de 2010, na Luciana Brito Galeria, em São Paulo, contou com 12 artistas. Seus documentos de processo encontram-se no Fórum Permanente (www.forumpermanente.org). A operação curatorial apresentou na galeria a documentação de trabalhos que aconteceram em ambientes fora dela. O conceito de expansão esteve presente nos cruzamentos entre espaços da arte e experiências midiáticas acessíveis no nosso cotidiano (como as promovidas pela internet, mídias móveis, televisão, mídia indoor e outdoor, jornal, revistas, cartazes, filipetas, adesivos, transmissões sonoras e camisetas), que integram o universo das redes de comunicação, circuito publicitário e marcas. Nesta versão, em 2015, galeria expandida reverte o jogo curatorial. A convite de seLecT, conta com a colaboração da equipe da revista e possibilita intervenções artísticas em seu fluxo informacional. Elege trabalhos que acontecem entre mídia impressa e online (tablet e site bit.ly/1Gw2JZI) e promove um debate entre curadoria, SELECT.ART.BR

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direção da revista, artistas envolvidos e público na Luciana Brito Galeria. Intensifica, com isso, circuitos dentro de circuitos. Destaca, desse modo, a expansão da revista como ambiente cross media, de caráter propositivo-expositivo. galeria expandida articula na seLecT intervenções de Ricardo Basbaum (São Paulo, 1961, vive e trabalha no Rio de Janeiro), Paula Garcia (São Paulo, 1975, vive e trabalha em Nova York) e Marcel Darienzo (São Paulo, 1991, vive e trabalha entre São Paulo e Berlim). Eles integram a produção contemporânea em diferenciados contextos históricos e geracionais. Aqui, apresen-


RICARDO BASBAUM

PAULA GARCIA

MARCEL DARIENzO

Artista e escritor, participa regularmente de exposições e projetos desde 1981. Em 2014 realiza exposições individuais na Galeria Laura Alvim (Rio de Janeiro) e Audain Gallery

Artista e pesquisadora, é mestre em Artes Visuais pela FASM-SP. Entre as principais exposições, The Artist is an Explorer, curadoria de Marina Abramovic´, Foundation Beyeler, Basel, 2014), 7 Bienal El Museo del Barrio, curadoria de Chus Martinez, Rocío Aranda-Alvarado e Raúl Zamudio, 2013/2014, e The 19th Annual Watermill Center Summer Benefit, curadoria Robert Wilson Walter Mill, New York, 2012.

Artista com pesquisa e atuação nas artes visuais, performance, teatro e dança. Bacharel em Artes Visuais pela Faap e Ator formado pelo TECH. Seu trabalho reflete sobre o corpo, a linguagem e o espaço.

peça gráfica (publicação impressa): Corpo Ruindo?, 2014 caneta sobre papel sulfite (21 x 29,7 cm) (págs 68 e 69)

peça audiovisual (publicação digital - site e tablet): AND THEN... WE’LL DANCE, 2013 duração: 3’50” vídeo

peça gráfica (publicação impressa): oh! ah!, 2015 desenho digital peça gráfica (publicação digital - site e tablet): diagrama (oh! ah!), 2014 desenho digital (págs 50 e 51) peça sonora (publicação digital - site e tablet) oh! ah!, 2014 duração: 8’51” gravação e mixagem: Haikal Studio vozes: Ricardo Basbaum, Danela Mattos, Cecilia Cotrim, Alex Hamburger, Elaine Pauvolid (Vancouver). Autor de Manual do Artista-etc

peça gráfica (publicação impressa): SCREENSHOT #seLecT, 2015 intervenção na revista seLecT (págs 82 e 83)

peça audiovisual (publicação digital - site e tablet): #8 (da série Corpo Ruído), 2014 duração: 1h09’22’’ Documentação em vídeo a partir de performance realizada em The Artist is an Explorer, 20/9/2014

tam experiências performativas associadas à escrita, à sonoridade e ao audiovisual. Ricardo Basbaum, desde os anos 1980, promove modos de pensar relações alternativas entre comunicação e arte por uma pluralidade de meios. Em oh! ah! (págs. 50 e 51) articula simultaneamente, em um mesmo plano enunciador, peça gráfica (o diagrama e a frase, na edição impressa) e sonora (no site e na edição tablet). No caso, oh! indica Hélio Oiticica e ah! Alex Hamburger. Comenta, com isso, aspectos da imagem e da mitologia do artista contemporâneo. Desde os anos 2000, Paula Garcia desenvolve uma pesquisa denominada Corpo Ruído, que enfoca performance e suas relações com as mídias. Na dobra existente entre espaço impresso e online da revista, inter-relaciona o gesto de escrever Corpo Ruindo? (págs. 68 e 69) à documentação em vídeo da ação performática #8 (da série Corpo Ruído) realizada na mostra The Artist is an Explorer, curada por Marina Abramović, na Foundation Beyeler, em Basel, Suíça. Marcel Darienzo inicia sua produção nos anos 2010. As relações do corpo em suas implicações com as redes e as tecnologias sociais refletem boa parte de sua pesquisa. Por meio de Screenshot (págs. 82 e 83) e vídeo (AND THEN...

WE’LL DANCE) suspende no tempo as hesitações e angústias de alguém que escreve um e-mail declarando o seu amor. Ao colocar em atenção situações por onde circula boa parte do capital simbólico e econômico que integra a sociedade contemporânea, as intervenções de Ricardo Basbaum, Paula Garcia e Marcel Darienzo incitam que o ambiente da seLecT se transforme num espaço expandido ao potencializar a dimensão social e poética de seu fluxo midiático e ao tecer alternativas ao discurso hegemônico corrente nesses meios e práticas. foToS: DIvuLgAção


eM COnSTRUçÃO

o grotesCo MeIgo De CarLa Barth Consolidado como termo artístico no século 14, o grotesco subvertia em sua iconografia a ordem natural dos elementos, juntando seres incongruentes – homens e bichos, plantas e seres míticos – a elementos decorativos, como arabescos e gavinhas. Partindo do mesmo princípio de hibridização das figuras que representa, Carla Barth empresta meiguice ao estilo. O traço direto sobre a fachada do Ateliê Aberto, espaço independente pioneiro de Campinas, substitui as cenas tenebrosas do pintor Hieronymus Bosch (1450-1516), um dos ícones do gênero medieval, por imagens da mitologia subjetiva da jovem gaúcha. Se guarda uma distância abissal da imagética antecessora, o trabalho de Barth mantém com esta a semelhança da recusa à realidade como instância normativa. Nesse universo, a exemplo do grotesco, tudo é possível, ainda mais quando o objetivo é romper a sisudez da lógica cotidiana. Seu traço é firme, limpo e virtuoso, resultado da lapidação na lida com ilustração, e remete também a outros ideários fundados sobre a fantasia, o das xilogravuras dos cordéis nordestinos e o da iconografia mítica oriental. As viagens ali narradas podem ter acontecido ou não, mas certamente constituem a biografia poética de sua autora. Fica ao público o delicado convite para reinterpretar sua própria trajetória pela ótica da artista, que traz o sonho para a vigília como uma possibilidade de ampliar a fruição da vida. LPN

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