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EDIÇÃO 31 R$ 16,90

9

ISSN

2 236-393 9

0

One Flew Over the Void (Bala Perdida, 2015), frame de vídeo de Javier Téllez

AGO/SET 2016 ANO 05

A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A

ANNA BELL A GEIGER JAIME L AURIANO TANIA BRUGUER A SOL AR DOS ABACA XIS 9ª BIENAL DE BERLIM 32ª BIENAL DE SP

AGO / SET 2016 MIGRAÇÕES

MIGRAÇÕES WWW.SELECT.ART.BR 31

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ÍNDEX

86 INTERNACIONAL 6

ARTISTAS EM CAMPO F ro n t e i ra s e c a m p o s d e re f u g i a d o s a t ra e m a r t i s t a s d o s q u a t ro c a n t o s d o m u n d o

Notre Planète (2013-2015) de Annette Messager

42

48

60

82

96

COLUNA MÓVEL

FOGO CRUZADO

REPORTAGEM

PORTFÓLIO

VERNISSAGE

SOLAR DOS ABACAXIS

DISCRIMINAÇÃO

BIENAL DE SP

Imigrantes índios e

Diásporas, migrações,

ANNA BELLA GEIGER

PALOMA BOSQUÊ

Novo espaço cultural

negros sofrem

trocas e perdas de

Cartografia atesta

Artista aborda questões

no Rio abre as portas

isolamento cultural

saberes são assuntos de

posição crítica e contém

da escultura moderna,

para refugiados

no Brasil

artistas convidados

ideias de mundo

escreve Thais Rivitti

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AGO/SET 2016

FOTO: MARC DOMAGE/ADAGP, PARIS, 2015

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SEÇÕES

8 14 16 40 42 46 102 107

Editorial Cartas / seLecT Expandida Selects / Agenda

68

Acervos Itaú Cultural ENSAIO

Coluna Móvel

GAZAS DO BRASIL

Mundo Codificado

A violência do Estado é

07/07/2016

R. Joaquim Feliz de Carvalho - Google Maps

R. Joaquim Feliz de Carvalho

Reviews

sua total ausência, escreve Giselle Beiguelman

Em Construção

52 CURADORIA

MATRIZ AFRO Artistas reveem a história do Brasil e medeiam relações com novos imigrantes

74

https://www.google.com.br/maps/@-9.6738521,-37.3270718,3a,75y,131.57h,66.41t/data=!3m6!1e1!3m4!1s8eo9ozgVFxdNEv54zPvO-Q!2e0!7i13312!8i6656!6m1!1e1

PERFIL

TANIA BRUGUERA Artivista busca o reconhecimento de imigrantes como cidadãos globais

100 CRÍTICA

9a BIENAL DE BERLIM Mostra reúne artistas da onda pós-internet , escreve Tobi Maier FOTOS: MOISÉS PATRÍCIO, GOOGLE STREET VIEW, CAPTURADA EM 2016, RICARDO VAN STEEN

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E D I TO R I A L

#SOMOSTODOSIMIGRANTES 8

Quando ganham força no mundo os discursos

Daniela Bousso na curadoria desenvolvida

separatistas e fundamentalistas, seLecT de-

para seLecT. Ela própria imigrante, investiga

dica sua 31 edição a afirmar a arte contempo-

com propriedade as poéticas de matriz afro-

rânea como frente de resistência a todas as

descendente que abordam as novas diáspo-

formas de exclusão.

ras do século 21. Nascida no Egito, de família

Quando o futuro é transformado em medo

judia, Bousso teve de deixar o país natal aos

e ameaça, cabe ressaltar a coragem de uma

9 meses de idade, em movimento migratório

Bienal de São Paulo que se dedica a uma cer-

decorrente da Guerra do Canal de Suez, em

ta “Incerteza Viva”, trazendo artistas que fa-

1956. “Viemos de navio, em uma viagem que

lam de deslocamento e desestabilização. “Se

durava três meses, portando um carimbo

há razão para temer as incertezas, haverá

de apátrida em nossos documentos”, conta

outras tantas razões para temer a certeza”,

Bousso à seLecT. “Fiquei com o carimbo na

escreve Mia Couto em ensaio inédito para o

minha carteira de identidade até os 18 anos,

catálogo de processos artísticos e pedagó-

quando pude “jurar bandeira” e me tornar, fi-

gicos da 32a Bienal. “Porque, afinal, a certeza

nalmente, brasileira. Esta é mais uma das his-

pode excluir, pode afastar-nos da comple-

tórias de imigração forçada no contexto dos

xidade e diversidade do mundo, pode criar

conflitos entre Israel e Palestina.”

uma falsa sensação de segurança e de supe-

A zona de exclusão e o esfacelamento de um

rioridade racional e moral.”

território que, no imaginário coletivo global,

Nesta edição, apontamos para a centralidade

é sinônimo de usurpação e ódio, a Palestina

que os fluxos migratórios assumem entre os

e sua Faixa de Gaza são revisados por Gisel-

artistas que investigam criticamente situa-

le Beiguelman em ensaio visual com imagens

ções políticas, sociais e econômicas da vida

desoladoras de seis “Palestinas brasileiras”,

contemporânea. A editora Márion Strecker

extraídas do Google Street View.

identifica como as diásporas e trocas de sa-

Por fim, no quadro multiterritorial da seLecT,

beres aparecem nos processos de trabalho de

temos a satisfação de introduzir nosso

a

12 artistas convidados para a 32 Bienal. A re-

designer, Saul Sales, que empresta o ar solar

pórter Luciana Pareja Norbiato traz relatos de

de Fortaleza (CE) à redação, e a repórter

artistas que se deslocaram para campos de

online, Ana Abril, espanhola com atuação

refugiados. Trabalhando e expondo nas fron-

voluntária no movimento pelos direitos dos

teiras, Sonia Guggisberg, Javier Téllez, Annet-

migrantes e autora da reportagem sobre

te Messager e Olafur Eliason lançam luz sobre

políticas migratórias, discutidas no Fórum

a maior crise migratória da história.

Social Mundial das Migrações (FSMM), em

A seção Fogo Cruzado dá voz aos imigrantes,

julho, em São Paulo.

a

que responderam negativamente à espinhosa pergunta: “O brasileiro está aberto para receber refugiados e imigrantes?” O artista colombiano Carlos Monroy, residente em São Paulo, é categórico: “O isolamento cultural das comunidades nordestinas, bolivianas e haitianas nos dá a ideia de que, talvez, o brasileiro não curta muito o imigrante índio e o refugiado preto, mas se orgulha de levar o sangue do imigrante italiano”. A problemática denunciada por Monroy é a

Paula Alzugaray

pauta escolhida pela historiadora e crítica

Diretora de Redação

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AGO/SET 2016

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EXPEDIENTE

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY

10

EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY

DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY DIREÇÃO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN DESIGNER: SAUL SALES REPORTAGEM: FELIPE STOFFA E LUCIANA PAREJA NORBIATO REPORTAGEM DIGITAL: ANA ABRIL CONSELHO EDITORIAL: GISELLE BEIGUELMAN E MÁRION STRECKER COLABORADORES

Adriano Carneiro de Mendonça, Bernardo Mosqueira, Bruno Balthazar, Daniela Bousso, Dária Gorete Jaremtchuk, Thais Rivitti, Tobi Maier, Ulisses Carrilho

PROJETO GRÁFICO

Ricardo van Steen e Cassio Leitão

SECRETÁRIA DE REDACÃO COPY-DESK E REVISÃO PRÉ-IMPRESSÃO

CONTATO

MARKETING

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Roseli Romagnoli Hassan Ayoub High Pass

faleconosco@select.art.br

DIRETOR: Rui Miguel ASSISTENTE DE MARKETING: Andreia Silva

DIRETOR NACIONAL: Maurício Arbex DIRETORA: Ana Diniz GERENTES EXECUTIVOS DE PUBLICIDADE: Batista Foloni Neto, João Fernandes, Tania Macena e Rita Cintra SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira EXECUTIVA DE PUBLICIDADE: Andréa Pezzuto ASSISTENTE DE PUBLICIDADE: Eyres Mesquita ASSISTENTE ADM. DE PUBLICIDADE: Ederson do Amaral COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho CONTATO: publicidade@editora3.com.br RIO DE JANEIRO-RJ: COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.: (21) 2107-6667 / Fax (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi. Tel.: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 ARACAJU-SE: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962. BELÉM-PA: Glícia Diocesano - Dandara Representações - Tel.: (91) 3242-3367 / 8125-2751. BELO HORIZONTE - MG: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 / 99831783. CAMPINAS-SP: Wagner Medeiros - Parlare Comunicação Integrada - Tel.: (19) 8238-8808 / 3579-8808. CURITIBA-PR: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 / 9962-9554. FLORIANÓPOLIS-SC: Anuar Pedro Junior e Paulo Velloso - Comtato Negócios; Tel./Fax: (48) 9986-7640 / 9989-3346. FORTALEZA-CE: Leonardo Holanda - Nordeste MKT Empresarial - Tel.: (85) 9724-4912 / 88322367 / 3038-2038. GOIÂNIA-GO: Paula Centini de Faria – Centini Comunicação - Tel. (62) 3624-5570 / 9221-5575. PORTO ALEGRE -RS: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel./Fax: (51) 3388-7712 / 9985-5564 / 8157-4747. RECIFE-PE: André Niceas e Eduardo Nicéas - Nova Representações Ltda - Tel./Fax: (81) 3227-3433 / 9164-1043 / 9164-8231. SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155. BA/SALVADOR: André Curvello - AC Comunicação - Tel./ Fax: (71) 3341-0857 / 8166-5958. VILA VELHA-ES: Didimo Effgen-Dicape Representações e Serviços Ltda. - Tel./Fax (27)3229-1986 / 8846-4493 Internacional Sales: Gilmar de Souza Faria - GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062. MARKETING PUBLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli GERENTE: Maria Bernadete Machado ASSISTENTES: Marília Trindade e Marília Gambaro. REDATOR: Bruno Módulo. DIR. DE ARTE: Victor S. Forjaz.

ASSINATURAS E OPERAÇÕES

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE

WWW.SELECT.ART.BR

Três Comércio de Publicações Ltda. Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP

(11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OUTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEMAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111 (EXCETO LIGAÇÕES DE CELULARES) ASSINE www.assine3.com.br EXEMPLAR AVULSO www.shopping3.com.br

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da ACROBÁTICA EDITORA LTDA., Rua Angatuba, 54 - São Paulo - SP, CEP: 01247-000, Tel.: (11) 3661-7320 COMERCIALIZAÇÃO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS PARA TODO O BRASIL: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000. IMPRESSÃO: Log & Print Gráfica e Logística S.A.: Rua Joana Foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000

PAT R O C Í N I O :

MINISTÉRIO DA CULTURA

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AGO/SET 2016

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COLABORADORES tobi maier

Crítico de arte, curador, docente e editor. Foi curador no Frankfurter Kunstverein e no Ludlow 38 (NY) e curador associado da 30a Bienal de São Paulo (2012). É doutorando em Poéticas Visuais (ECA-USP) e cofundador do espaço SOLO SHOWS, em SP, onde vive - crítica P 100

12

daniela bousso

Historiadora, crítica e curadora de arte contemporânea. Foi diretora do Paço das Artes e diretora-executiva da OS gestora do Paço das Artes e do MIS-SP. Fez a curadoria desta edição - curadoria P 52

dária jeremtchuk

Doutora em Artes pela USP, onde também leciona na ECA e na EACH, com atuação em arte contemporânea, arte conceitual e exílios artísticos. Desenvolve pesquisa sobre o trânsito de artistas brasileiros para os EUA nas décadas de 1960-1970 - coluna móvel P 44

adriano carneiro de mendonça, bernardo mosqueira, bruno balthazer e ulisses arrilho

São sócios no espaço independente Solar dos Abacaxis - coluna móvel P 42

thais rivitti

Curadora, crítica de arte e diretora do Ateliê397, espaço independente de arte em SP, onde realizou recentemente as exposições Praça da República, de Rodrigo Andrade, e Faça Aqui, de Ana Luiza Dias Batista - vernissage P 96

ana abril

Jornalista e cineasta, imigrante espanhola com atuação no movimento pelos direitos dos migrantes e colaboradora de Cext, Portal de Jovens Espanhóis no Exterior, é a reporter online de seLecT - política P 78

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C A R TA S

Só temos a agradecer a vocês, estamos muito felizes vendo nosso trabalho exposto neste espaço maravilhoso que é a revista seLecT!

A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A

POPULAR

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Joseane Izidro Silva , artesã de Sereias da Penha, via Facebook BRUNO FARIA CARLOS MONROY

Preto Velho Cubista III (2015), de Rodrigo Andrade

VILMA EID OSGEMEOS A MÃO DO POVO BR ASILEIRO

Eu já queria e deveria ter escrito há 30 edições, mas sempre achei cartas de leitores um tipo de autopromoção. Mas não pude resistir, nesta trigésima edição, ao ver o destaque para o top Jaloo, a atualidade do tema abordado (arte popular ou arte contemporânea), a qualidade gráfica dos anúncios de página inteira (parabéns aos anunciantes!), a clareza do depoimento de Ricardo Rezende sobre o tema central, as novas propostas políticas do MAMSP e do MASP, enfim, tudo isso faz da seLecT a minha revista de cabeceira. Trata-se de uma leitura essencial para quem pensa o Brasil. Parabéns a todos!

Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

Celso Fioravante, editor do Mapa das Artes, via e-mail www.select.art.br faleconosco@select.art.br

S E L E C T E X PA N D I D A O N L I N E

facebook.com/selectrevista twitter.com/revistaselect plus.google.com/+SelectArtBr

TRIENAL DE AISHI

instagram.com/revistaselect

Leia entrevista com Daniela Castro (dir.), que integra o grupo curatorial da 3a Trienal de Aishi, no Japão. http://bit.ly/trienal-aishi

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AGO/SET 2016

SELECTV

CONFLITO NA PALESTINA

Estreamos nosso braço audiovisual com uma série especial de vídeos realizados com três artistas estrangeiros participantes da 32a Bienal de São Paulo, em residência artística no Brasil: a colombiana Carolina Caycedo, a portuguesa Carla Filipe e a polonesa Iza Tarasewicz (esq.).

Em artigo inédito, publicado em coluna móvel especial para o site, Guilherme Kujawski (esq.) apresenta dois estudos de casos de estratégias artísticas contemporâneas para o conflito na Palestina.

http://www.youtube. com/c/SelectArtBr

http://bit.ly/ conflito-palestina FOTOS: PAULA ORDONHES, FRAME VÍDEO SELECTV

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AGENDA AICHI, JAPÃO

JORNADAS TRANSNACIONAIS 14

Com a brasileira Daniela Castro no time curatorial, a Trienal de Aichi 2016 tem a viagem criativa como tema Aichi Triennale 2016 – Homo Faber: A Rainbow Caravan, de 11/8 a 23/10, museus e centros de arte em Nagoya, Toyohashi e Okazaki www.aichitriennale.jp O projeto da Trienal de Aichi, província localizada no centro no mapa do Japão, demonstra um interesse permanente em refletir as questões do mundo e de nosso tempo. Na primeira edição enfocou as cidades; na segunda procurou respostas ao desastre. Agora, ao trabalhar sob o signo da viagem e das caravanas, abraça uma das questões mais urgentes da contemporaneidade: a diversidade. Sob a direção artística do cientista político e fotógrafo Chihiro Minato, que viajou a América Latina a pé e esteve presente nas manifestações sindicalistas em São Paulo, nos anos 1980, esta edição também marca uma forte aproximação com o Brasil. Os brasileiros Laura Lima, João Modé, Mauro Restiffe e Leandro Nerefuh foram selecionados pela curadora Daniela Castro. A quinta artista brasileira presente na Trienal, a coreógrafa Dani Lima, foi convidada pela curadoria de Performing Arts, composta de japoneses. Entre os mais de cem artistas e coletivos selecionados para Homo Faber: A Rainbow Caravan, muitos lidam diretamente com questões relacionadas às migrações, políticas das fronteiras e seus impactos locais e transnacionais. Esse é o caso das artistas Taloi Havini, de Papua-Nova Guiné, e Chikako Yamashiro, de Okinawa. Já a curadora turca Zeynep Öz demonstra, em suas escolhas, o interesse pela expatriação urgente dos sírios e curdos. “Mas o eixo da mostra está mais localizado no interesse pelas empreitadas criativas e intelectuais humanas e na curiosidade que parecemos carregar em relação ao não humano, um impulso cujo potencial está em conduzir a múltiplas construções culturais, percepções do espaço e formas de relação com o tempo, diz Daniela Castro à seLecT. “Em linhas gerais, a mostra investiga as múltiplas construções culturais, que tecem e são tecidas por uma variedade de subjetividades ativas em suas jornadas transnacionais e autorreflexivas.” A equipe curatorial concorda que uma perspectiva menos eurocêntrica – inclusive na seleção dos artistas – é um dos pressupostos desta Trienal. E a palavra japonesa EN é adotada como possível síntese ou idioma comum, a fim de promover trocas e aproximar viajantes do Norte, Sul, Leste e Oeste. Entre os múltiplos sentidos de EN (em kanji 縁 / em hiragana えん) estão destino, coincidência, sorte, relação, conexão. PA

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FEV/MAR 2016

FOTO: CORTESIA DOS ARTISTAS

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Na página ao lado, Stealing the Trapeze (2016), de Charles Lim Yi Yong, artista e atleta de Singapura, que examina a sociedade, a biosfera e a situação política das cidades desde o ponto de vista do mar. Nesta página, Night (2016), do fotógrafo brasileiro Mauro Restiffe

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AGENDA

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S Ã O PA U LO

PINTURA EXPLÍCITA Quase Pinturas – Fábio Cardoso, de 16/8 a 1º/10, Galeria Bolsa de Arte, Rua Mourato Coelho, 790 | www.bolsadearte.com.br A primeira individual de Fábio Cardoso (acima, Cabocla, 2013) na Galeria Bolsa de Arte é intitulada simplesmente Quase Pinturas. Curiosamente, o artista opera com um procedimento mais próximo da escultura do que da pintura, para compor as 12 telas em óleo de sua produção recente. Primeiramente, coloca sobre o linho camadas de tinta preta, para depois retirar o excesso com água raz e assim dar forma às suas figurações. Para quem vinha ocultando a figura atrás de camadas de cor e matéria, em gestos próximos à abstração, o novo projeto anuncia uma reconciliação com a imagem visível e explícita. Uma camada final de acrílico confere ainda mais luminosidade às superfícies.

S Ã O PA U LO

RELEITURA SONORA Pai dos Burros – Teresa Berlinck e Julio de Paula, até 8/10, Oficina Cultural Oswald de Andrade, Rua Três Rios, 363 www. oficinasculturais.org.br Pai dos Burros é uma expressão popular que designa enciclopédia/dicionário. Foi a partir de um dicionário de culturas tradicionais brasileiras que a dupla Teresa Berlinck e Julio de Paula organizou 400 desenhos articulados a peças sonoras em uma instalação inédita, fruto de pesquisa iniciada em 2013 durante residência no Pivô. A ideia é revisitar e reler o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, à luz do som, do desenho e da imaginação. A exposição tem curadoria de Maria Catarina Duncan. SELECT.ART.BR

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AGO/SET 2016

FOTO: WILLIAM GOMES/INHOTIM FOTOS: DIVULGAÇÃO

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AGENDA

Cadeira Beira de Estrada, criação de Lina Bo Bardi, 1967, integra eixo curatorial voltado para Estratégias Vernaculares no SITEline.2016

XX

S A N TA F É

AMÉRICA COMPARTILHADA SITEline.2016: Much Wider Than a Line, até 8/1/2017, SITE Santa Fe, Paseo de Peralta, 1.606 | www.sitesantafe.org Desde 1995, o SITE Santa Fe apresenta uma bienal de arte contemporânea, localizada na cidade de Santa Fe, Novo México (EUA). A partir de 2011, o ciclo de exposições foi suspenso e a iniciativa partiu em busca de uma nova identidade, que surgiu com o projeto SITEline. Essa nova bienal compreende três edições, com a proposta de abordar a produção de artistas contemporâneos localizados entre as Américas. O projeto começou em 2014 e a última edição está marcada para 2018. SITEline aposta em uma equipe curatorial participativa com compromisso de dar voz a múltiplos pontos de vista, normalmente marginalizados pela arte contemporânea mundial. Em cada edição, o time é renovado, mas a ideia é sempre manter um diálogo com a edição passada. A atual mostra traz os curadores Rocío Aranda-Alvarado, Kathleen Ash-Milby, Pip Day, Pablo Léon de La Barra e a brasileira Kiki Mazzuchelli. Entre os selecionados figuram trabalhos de Lina Bo Bardi, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Jonathas de Andrade e Paulo Nazareth. A exposição é formada por três eixos curatoriais. O primeiro, Estratégias Vernaculares, discute artistas que utilizam em seus trabalhos materiais naturais das Américas. A linha Entendimentos Indígenas concentra-se em obras que trabalham com a preservação de conhecimentos, histórias e aspectos culturais de comunidades tradicionais. A última, Territórios Compartilhados, dá voz a artistas que promovem novos caminhos para discutir territorialidades e resistir contra o isolamento geopolítico. FS

S Ã O PA U LO

ESPIRITUALISMO E TRANSE Atotô, Obaluayê! - Ayrson Heráclito, de 27/8 a 1º/10, Blau Projetcs, Rua Fradique Coutinho, 1.464 | www.blauprojects.com O trabalho do artista baiano Ayrson Heráclito transita por questões antropológicas, baseadas em aspectos simbólicos e ritualísticos da cultura. Sua nova individual na Blau Projects apresenta duas séries distintas: Buruburu e Agbê Vodun (acima). A primeira é uma performance cuja palavra significa pipoca, em dialeto afro-brasileiro. Já Agbê é um deus Vodun comumente representado por uma serpente e celebra a aliança entre o homem e o mar, e se configura aqui em série de cinco fotografias e uma videoinstalação. SELECT.ART.BR

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AGO/SET 2016

FOTOS: CORTESIA INSTITUTO LINA BO E P. M. BARDI, CORTESIA AYRSON HERÁCLITO

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AGENDA

S Ã O PA U LO

O MAIS POPULAR

XX

Portinari Popular, de 11/8 a 15/11, Masp, Av. Paulista, 1.578 | www.masp.art.br A exposição reúne cerca de 50 obras do modernista Candido Portinari (esq. Criança Morta, 1944) relacionadas à cultura popular brasileira, propondo uma revisão sobre um trabalho até aqui lido sempre à luz da produção europeia. O recorte curatorial explora conteúdos sociais do pintor – apontado pelo diretor artístico Adriano Pedrosa como o mais popular do acervo do Masp. São visões de manifestações políticas e do cotidiano de trabalhadores, uma das temáticas prediletas de Portinari, além de retratos das tradições populares da cultura brasileira.

S Ã O PA U LO

ARQUITETOS FALAM PARA A CIDADE Cartas ao Prefeito: São Paulo, até 27/8, Pivô, Av. Ipiranga, 2.000, Bloco A, Loja 54 | www.pivo.org.br A iniciativa consiste em uma edição paulistana do projeto mundial Letters to the Mayor, concebido pela Storefront fort Art and Architecture, de Nova York. O objetivo é apresentar cartas de arquitetos locais que escrevem para seus prefeitos, expressando ideias, projetos, opiniões e críticas à cidade. A edição de São Paulo conta com curadoria de Bruno de Almeida e Fernando Falcon, reunindo escritórios e arquitetos não praticantes, entre eles Agnaldo Farias, Gabriel Kogan, Marcio Kogan, Carlito Carvalhosa e Lucas Simões (obra à dir.). Projeto de Giselle Beiguelman, associada à seLecT, cria o ZapZap para o prefeito, abrindo um canal para a população também se manifestar.

S Ã O PA U LO

SOBRE O TRABALHO Trabalho – Thiago Honório, até 29/1/2017, Masp, Av. Paulista, 1.578 | www.masp.art.br O artista Thiago Honório realizou sua instalação Trabalho (esq.) a partir de uma negociação com mestres de obras que executavam a reforma de seu apartamento em um antigo edifício em São Paulo. Em troca das ferramentas usadas pelos pedreiros, Honório lhes entregava um novo conjunto. Algumas também foram doadas ao artista. Assim, a instalação foi composta de objetos como pás, talhadeiras, escadas, picaretas, enxadas, marretas e serrotes, formando um museu do trabalho braçal brasileiro. SELECT.ART.BR

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AGO/SET 2016

FOTOS: EDUARDO ORTEGA, CORTESIA PIVÔ, FOTO: CORTESIA WILLIAM THIAGO GOMES/INHOTIM HONÓRIO/MASP

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AGENDA

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S Ã O PA U LO

LOUVRE FICCIONAL Museu do Louvre Pau-Brazyl, de 9/9 até 14/10, Edifício Louvre, Av. São Luís, 192 | www.louvrepaubrazyl.org O icônico Louvre (acima), edifício modernista tropical projetado nos anos 1950 pelo arquiteto Artacho Jurado, em São Paulo, não têm pirâmide de vidro nem ornamentos neoclássicos. Mas durante um mês será transformado em um “museu ficcional”, com obras de artistas brasileiros especialmente criadas para a ocasião. O projeto museu do louvre pau-brazyl (em letras minúsculas, para ressaltar a crítica institucional aos grandes museus) tem curadoria dos jovens Guilherme Giufrida e Jessica Varrichio. Entre os artistas, estão os consagrados Cao Guimarães, Laura Vinci e Yuri Firmeza.

S Ã O PA U LO | B R A S Í L I A | B E LO H O R I Z O N T E | R I O D E J A N E I R O

CUBA LIBRE Los Carpinteros - Objeto Vital, até 12/10, CCBB-SP, Rua Álvares Penteado, 112 | www.culturabancodobrasil.com.br O coletivo cubano formado pelos artistas Marco Castillo e Dagoberto Rodriguez, mundialmente famosos por trabalhos de crítica social feita com muito humor, ganha no País uma grande retrospectiva. São mais de 70 trabalhos, a maioria deles inédita, entre maquetes, desenhos, aquarelas, esculturas, vídeos e instalações. A curadoria, assinada por Rodolfo de Athayde, concentra-se na ideia da metamorfose do objeto, questão que perpassa toda pesquisa da dupla. A mostra fica em São Paulo até 12/10 e depois viaja pelas sedes do CCBB de Brasília, BH e RJ.

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FOTOS: FLICKR, EDUARDO ORTEGA/CORTESIA FORTES VILAÇA

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S Ã O PA U LO

VIAJAR E COLECIONAR O Tempo Está a Meu Favor – Martin La Roche, e Midnight Mañana – Ignacio Gatica, até 27/8, Casa Nova Arte e Cultura Contemporânea, Rua Chabad, 61 www.casanovaarte.com Ignacio Gatica e Martin La Roche têm muito em comum. Ambos nasceram em 1988 e são formados em artes visuais na Universidad de Chile, seu país natal. Já dividiram ateliê e hoje são sócios da Editora Popolet, com o paulistano Adriano Casanova. Para selar a união, eles expõem em agosto na Casa Nova Arte Contemporânea, em São Paulo. La Roche tem a viagem como eixo de seu trabalho. Em 2014, ingressou no programa de estudos pós-acadêmicos na Jan van Eyck Academie, em Maastricht, Holanda, e acabou se mudando para Amsterdã. Seu trabalho se faz por uma reunião minuciosa de objetos variados que ganha, compra ou recolhe pelas ruas. “Sempre tive vontade de juntar coisas. Fazer uma arte formalmente tradicional, como desenho, pintura e escultura, mesclada a objetos que arranjo como uma constelação”, diz à seLecT. No ano em que chegou à Europa, o museu Johenn Jacobs, em Zurique, abriu a mostra Civilização do Nordeste, de Lina Bo Bardi (1914-1992), originalmente apresentada em Salvador, em 1963. A exposição reunia peças da cultura popular brasileira recolhidas pela arquiteta. A partir desse contato, passou a organizar seus objetos “de forma similar à que Lina fazia no Nordeste”, explica. E por que um artista chileno em Amsterdã dialoga com uma arquiteta italiana que residiu no Brasil? “A produção do artista é uma eterna viagem, desde a pesquisa até o deslocamento físico de sua obra. Para mim, isso constitui meu trabalho: um caráter de migração, trânsito no tempo e no espaço”, diz. FS

FLORIANÓPOLIS

PONTES PARA BRASÍLIA Guerra! E a Necessidade de Fazer Pontes Fernando Lindote, até 27/8, O Sítio, Rua Francisca Luísa Vieira, 53 | www.ositio.com.br Fernando Lindote (dir., Brasília - Tanque, 2015) apresenta no espaço O Sítio sete pinturas em óleo produzidas nos últimos quatro anos, inéditas ao público de Florianópolis. São expostas desde a série de autorretratos com máscara de porco até telas que têm o Congresso Nacional como fundo. Nelas o artista discute o lugar da utopia que se gerou em torno de Brasília, cidade-símbolo da política brasileira, mas que também foi o centro da inteligência militar durante o período da ditadura no País. FOTOS: EVERTON BALLARDIN/CORTESIA GALERIA NARA ROESLER, CORTESIA FONDAZIONE FOTOS: MAXXI, NONONONONO SIDNEY KAIR

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AGENDA S Ã O PA U LO

ORIGINAL, FALSO OU CÓPIA? Inventário; Arte Outra - Gustavo von Ha, de 3/9 a 5/2/2017, MAC-USP, Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301 www.mac.usp.br Após séries em que reproduzia e espelhava desenhos de Tarsila do Amaral e Leonilson, Gustavo von Ha apresenta nova série de trabalhos em diálogo com grandes nomes da pintura, como Jackson Pollock (esq., JPVII, 2015) e Alfredo Volpi. Atuando como um editor de imagens que vagam pelo subconsciente coletivo, Von Ha questiona agora o paradigma da originalidade de uma visualidade inscrita a partir do segundo pós-Guerra. Em vez de copiar, dedica-se a desmanchar as composições pictóricas que tem como modelo, em procedimentos performáticos que escancaram um esvaziamento da narrativa da pintura em um mundo de produção e circulação rápida de imagens. A exposição tem curadoria de Ana Avelar.

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CHÂTEAU D’OLONNE, FRANÇA

LIÇÕES DE ANDRÉ BRETON Le Peu de Réalité - Julio Villani, até 25/9, Abbaye Saint-Jean d’Orbestier, 85180, Château d’Olonne Na melhor tradição do surrealismo francês, a instalação site specific do brasileiro Julio Villani na Abadia Saint-Jean d’Orbestier (dir.), no litoral norte da França, pode ser considerada uma “emboscada do real”. Ao instalar as peças de um jogo de croquet em escala aumentada no interior da construção do século 12, Villani transmuta o recinto sacro em área de jogo. Philippe Piguet, curador da mostra, aponta que “Villani é um sonhador acordado. O espirito e os olhos sempre atentos ao mundo que o cerca percebem rapidamente sua pouca realidade e a transforma em outra coisa, totalmente inédita”.

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FOTOS: CARMO MALACRIDA, JACQUES BOULISSIERE

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AGENDA

ARTE E DESIGN

COMO FAZER JUNTO Evento dedicado ao design colecionável, a MADE não é simplesmente uma feira. É uma plataforma de cocriação e coprodução MADE, de 8 a 14/8, Jockey Club de São Paulo, Av. Lineu de Paula Machado, 1.173, São Paulo A quarta edição da MADE (Mercado.Arte.Design) é uma resposta às dificuldades que o Brasil enfrenta hoje. Quando, em um país imerso em crises, qualquer ação vira uma missão impossível, o diretor Waldick Jatobá dá uma lição de “como fazer junto”. Este ano, além de adotar como tema o fazer coletivo, ele fechou várias parcerias que conferem ainda mais força e frescor a um evento que, desde 2013, lança jovens talentos e exibe as grandes marcas do design brasileiro e internacional. Os novos projetos colocam mais ênfase nas relações simbióticas entre a arte o design. Destaca-se a parceria com o Salão dos Artistas sem Galeria no projeto Paper MADE, espaço em que traz um recorte de dez trabalhos artísticos realizados sobre papel, ao longo dos sete anos de existência do projeto curatorial de Celso Fioravante. Em cocriação com a joalheria Talento, a MADE dá início ao projeto Joia de Artista. Ambas as empresas se unem no compromisso de, ao longo dos próximos cinco anos, cruzar o universo da joalheria artesanal com a produção de importantes artistas brasileiras. A cada ano, uma nova joia será criada. O projeto inaugura com a reedição de um desenho exclusivo de Lina Bo Bardi, de 1947. De quebra, relembra uma história do No alto, Lina Bo Bardi em baile de carnaval com o colar de águasmarinhas reeditado no projeto Joia de Artista (dir.); acima desenho em esferográfica de Affonso Abrahão, exibido no projeto Paper MADE, em parceria com o Salão dos Artistas sem Galeria

arco-da-velha do mundo da arte: um assalto à Casa de Vidro do casal Bardi, em 1986, que levou o colar de água-marinha e ouro, peça única da arquiteta. A joia está sendo reeditada em uma série de dez peças que serão vendidas, sob encomenda, por R$ 480 mil, em três galerias de arte em São Paulo, no Rio e em Salvador. Entre as instalações comissionadas a estúdios e coletivos de design será criada uma galeria nômade, intitulada Contain-it. “O nomadismo é, cada vez mais, uma questão central da arquitetura. Por isso criamos essa galeria nômade, um cubo branco montável e transportável, um híbrido entre arte, arquitetura e design”, diz Jatobá à seLecT. A galeria nômade é mais um desses espaços de encontro. PA

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FOTOS: CORTESIA INSTITUTO LINA BO E P. M. BARDI, DIVULGAÇÃO, CORTESIA CELSO FIORAVANTE

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LIVROS

ARTE

TRAGÉDIA EM CORES

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ARQUITETURA

TRAJETÓRIA MEMORÁVEL João Kon, Abilio Guerra, Luis Gimenez e Fernando Serapião (orgs.), Romano Guerra Editora, 2016, 320 págs., R$ 90 O livro reúne escritos de pesquisadores que se aprofundam em dez projetos de João Kon para produzir um panorama de sua vida e obra. A publicação, lindamente editada, apresenta também plantas e fotografias inéditas das construções de um dos maiores arquitetos paulistas. Poucos sabem, por exemplo, que foi Kon um dos principais arquitetos de Higienópolis. Só no bairro projetou mais de 20 edifícios, dando uma nova morfologia para a área. Seu trabalho também possui grande relação com as artes plásticas, já que desde jovem frequentou a casa de Alfredo Volpi. E não é à toa que a presença de artistas como Waldemar Cordeiro, o Grupo Santa Helena e outros está marcada em sua arquitetura. Um texto de Jacopo Crivelli Visconti discorre sobre a trajetória de Kon entre a arquitetura e as artes plásticas. SELECT.ART.BR

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Livro de Colorir - Retrospectiva 2015, Marilá Dardot, 2016, Ikrek, 100 págs., R$ 30 A alienação não tem vez com o novo livro de artista da Ikrek, assinado por Marilá Dardot. Em vez das insossas mandalas e mosaicos, a artista mineira emprestou dos fotógrafos de jornais algumas das imagens mais impactantes de 2015 para serem coloridas pelos leitores. Com atentados terroristas, mortes de refugiados, protestos e até a crise hídrica de São Paulo, o caderno de colorir dá sequência a uma pesquisa que a artista iniciou durante residência no México. No vídeo Diário (2015), ela escreve em um muro as chamadas das primeiras páginas dos jornais. Agora é a imagem que grita.

VISUAIS

LIVRO INTERVENÇÃO Metadados - Ateliê Aberto, Henrique Lukas, Maíra Endo, Samantha Moreira e Ruli Moretti (orgs.), Ateliê Aberto Produções Contemporâneas, 2016, 492 págs., grátis Editado por Samantha Moreira, Henrique Lukas, Maíra Endo e a crítica Ruli Moretti, o livro comemora os dez anos de atividade do Ateliê Aberto. Nele, é apresentada a trajetória do espaço a partir de textos dos editores, além de intervenções e colaborações inéditas. A publicação é composta de dois lados: META e DADOS. No primeiro, foram reunidas imagens e textos inéditos de colaboradores para a publicação que também já fizeram parte da história do espaço independente. O outro lado apresenta um arquivo completo com mais de 200 projetos já realizados nas três sedes do Ateliê Aberto. Além disso, conta com uma intervenção do artista Ivan Grillo, criando um cruzamento entre as duas seções.

HUMANIDADES

SOBRE IMIGRAÇÕES E GLOBALIZAÇÃO Margem Esquerda, #26, vários autores, Editora Boitempo, 2016, 160 págs., R$ 30 Revista semestral acadêmica produzida pela Editora Boitempo traz um dossiê especial sobre imigrações e terrorismo. Os artigos abordam a perspectiva da mobilidade no contexto da globalização. Ou seja, para onde vão os milhares de refugiados do mundo e, principalmente, como os Estados lidam com esse fluxo migratório? A edição também traz textos de pesquisadores brasileiros sobre a atual situação política no Brasil, análises sobre o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff e o governo interino de Michel Temer. FOTOS: NELSON KON, REPRODUÇÃO, DANIELA BRILHANTE/ATELIÊ ABERTO, FOTO:CORTESIA WILLIAM GOMES/INHOTIM BOITEMPO EDITORIAL

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PREVIEW O diretor artístico da Documenta 14, o polonês Adam Szymczyk, que concebeu a exposição quinquenal como uma experiência que se completa na visitação às duas mostras, em Atenas e Kassel, incluindo o percurso entre elas 32

a Foksal Gallery Foundation, em Varsóvia, passando pela direção do Kunsthalle Basel (2003-2014) e pela cocuradoria da 5a Bienal de Berlim (2008), ao lado da norte-americana Elena Filipovic. Szymczyk está de olhos bem abertos para o que se passa no mundo desde o anúncio de sua nomeação para a direção artística da documenta 14. Não poderia ser diferente, levando-se em conta sua crença de que uma exposição de arte contemporânea tem compromisso com o presente. Isto se aplica à crise na Grécia, com “o colapso iminente do setor bancário e o estabelecimento e a dissolução de um novo governo de esquerda, sob condições criadas pelos programas de austeridade impostos pela Europa, que produziram uma das piores depressões da atualidade jamais registradas num país desenvolvido”, conforme editorial assinado por Szymczyk e Quinn Latimer, editora-chefe da South Magazine, publicação oficial da documenta 14. “Nesse meio tempo, a crise humanitária vem crescendo gradativamente, com o deslocamento de 4 milhões de sírios fugindo da guerra civil, como também os que escapam da violência no Iraque, Afeganistão e África Subsaariana, todos imaginando uma possível vida melhor no continente europeu. Esse é o maior deslocamento global de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial e, para muitos dos refugiados que entram na Europa, a Grécia é a primeira parada”, continuam. A proposta da documenta 14 toma como premissa o desmonte perpetrado nos séculos 19 e 20 pelo colonialismo europeu na África e no Oriente Médio, e as consequências nefastas que se fazem sentir com peso no novo milênio. Epicentro da crise europeia e

AT E N A S E K A S S E L

principal porto de chegada de refugiados, Atenas é o contraponto

DOCUMENTA 14: NA ROTA DO REFÚGIO

perfeito para a cidade alemã de Kassel, onde a exposição aconte-

Fase inicial da exposição de 2017 será na Grécia, primeira parada de refugiados sírios, iraquianos, afegãos e africanos que entram na Europa

fora de sua cidade de origem. A mostra teve prévias em Viena,

ce a cada cinco anos, desde 1955. Não é a primeira vez que a documenta é parcialmente realizada Berlim, Nova Délhi (Índia), Santa Lúcia (Caribe) e Lagos (Nigéria) na 11a edição (2002), sob a tutela do nigeriano Okwui Enwezor, primeira direção artística de um não europeu. A documenta 13

documenta 14 - Atenas, de 8/4/17 a 16/7/17, Kassel, de 10/6/17 a 17/9/17 www.documenta.de

(2012) teve um quinto de suas obras exposto em Cabul (Afega-

Com estilo de um vocalista de indie rock, Adam Szymczyk não tem

possuem a mesma importância dentro do projeto curatorial.

o physique du rôle dos curadores de arte. Prova de que quem vê

Szymczyk pretende que a completude da proposta se dê na visita

cara não vê atuação. O diretor artístico da documenta 14, que já

às duas exposições e, inclusive, no trajeto entre elas. Os artistas

foi chamado de “superstar entre curadores” pelo The New York Ti-

participantes serão convidados a pensar e produzir dentro da

mes e em 2015 ficou em 16º lugar na lista dos cem mais influentes

dinâmica que emergirá entre essas duas cidades.

da ArtReview, está à frente de uma megaoperação internacional,

“A documenta 14 tentará proporcionar uma resposta em tempo

que dará corpo a duas mostras em 2017. A primeira será na Grécia,

real à situação mutante da Europa, que, como local de nasci-

de 8 de abril a 16 de julho, seguida da tradicional na cidade alemã

mento ao mesmo tempo da democracia e do colonialismo, é

de Kassel, de 10 de junho a 17 de setembro. Esta é a cereja do bolo

um continente cujo futuro deve ser urgentemente direcionado”,

numa carreira que só faz subir desde que o polonês abriu, em 1997,

aponta o editorial da South. LPN

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nistão) e Banff (Canadá). Mas é a primeira vez que as duas sedes

FOTO: HAEMMERLI/WIKIMEDIA COMMONS

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O L I M P Í A DA C U LT U R A L

ELO COM A NATUREZA 35

Simulação do projeto Ring, criado por Mariko Mori para a cachoeira em Mangaratiba (RJ)

Ring: One With Nature – Mariko Mori, a partir de 2/8, Cachoeira de Muriqui (Véu de Noiva), em Mangaratiba, RJ | www.faoufoundation.org O grande símbolo das Olimpíadas é forma-

2011. Na pequena ilha de Miyako, Mori instalou o Sun Pillar,

do pelos cinco anéis de sua bandeira. Com

um totem de acrílico que muda de cor com a luz do sol. Agora

cores diferentes – azul, amarelo, verde, ver-

é a vez da América – mais especificamente Mangaratiba, no

melho e preto sobre fundo branco –, a figura

Rio de Janeiro – ganhar seu exemplar. No alto de uma cacho-

representa América, Europa, África, Ásia e

eira de 58 metros, conhecida como Véu de Noiva, um anel

Oceania. Uma imagem e tanto, principal-

de acrílico será suspenso por duas hastes de aço instaladas

mente num momento em que as fronteiras internacionais

na parte de trás da peça e pintadas de verde. Com isso, a

são confrontadas pela fuga maciça de populações de zonas

sensação é de que a escultura flutua no ar. Assim como sua

de conflito. Sensível às questões sociais e ambientais de seu

antecessora, Ring também muda de tonalidade dependendo

tempo, a artista japonesa Mariko Mori tem um projeto ambi-

da posição do sol, indo do azul-celeste até o dourado. Feito

cioso: instalar obras em lugares onde a natureza permanece

impactante para a ex-modelo que se tornou uma artista as-

intocada, para marcar a presença de todos os continentes.

sociada à tecnologia de ponta e reintegração do homem com

Chamado de Primal Rhythm, o projeto estreou no Japão em

a natureza. LPN

FOTO: CORTESIA FAOU FOUNDATION

PATROCÍNIO:

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OUTDOOR

CIDADE ARTSY OiR-PLAY, até 18/9 A terceira edição da mostra (que já aconteceu em 2012 e 2015) chega turbinada à capital fluminense. Com curadoria de Marcello Dantas, intervenções urbanas de grande formato ocupam três pontos turísticos da cidade: um muro de Leandro Erlich que reproduz a Nona Sinfonia de Beethoven, instalado no Parque Madureira; uma escultura de bambu de Mana Bernardes que pode ser escalada pelo público, na Praça do Ó; e uma pista de skate artsy que promete novas manobras, projeto do coletivo AVAF, na Praça XV de Novembro.

MUSEU DE ARTE DO RIO

PALETA VERDE-AMARELA A Cor do Brasil, 2/8 a 9/10, Praça Mauá, 5, Centro www.museudeartedorio.org.br Nada mais representativo de um país que suas cores. Partindo dessa premissa, o atual curador do acervo do MAR, Paulo Herkenhoff, faz com Marcelo Campos e Clarissa Diniz uma seleção de obras que trazem a potência da cartela cromática brasileira. O destaque é o famoso Abaporu (esq.), de Tarsila do Amaral, que hoje é do Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires. Desde que foi arrendado em leilão, em 2001 pelo empresário Eduardo Costantini, dono do Malba, é a quinta vez que a pintura vem ao País, e a segunda ao Rio.

PA Ç O I M P E R I A L

A VANGUARDA ORIENTAL A Emergência do Contemporâneo: A Vanguarda no Japão, 1950-1970, até 28/8, Praça XV de Novembro, 48 | www.pacoimperial.com.br Arquivos, pinturas, instalações, vídeos e muito mais integram a nova mostra no Paço, que apresenta ao público brasileiro um panorama histórico dos movimentos de vanguarda no Japão, no período de 1950 até 1970. Com curadoria de Pedro Erber e Katsuo Suzuki (curador do Museu de Arte Moderna de Tóquio), foram selecionadas obras de alguns dos artistas mais famosos do país, como Yoko Ono, Natsuyuki Nakanishi (dir., Clothespins Assert Churning Action, 1963) e o artista conceitual Yutaka Matsuzawa. SELECT.ART.BR

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FOTOS: REY SILVA, MALBA - MUSEO DE ARTE LATINOAMERICANO DE BUENOS AIRES, TADASU YAMAMOTO

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A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L

MIGRAÇÕES 38

Esta seleção de conteúdos da Enciclopédia Itaú Cultural e dos projetos do instituto presta homenagem a imigrantes que fixaram residência no Brasil e se tornaram alguns de nossos maiores artistas

PROJETOS GYURI O filme com direção de Mariana Lacerda conta a história da fotógrafa Claudia Andujar, a partir de uma entrevista realizada pelo filósofo Peter Pál Pelbart, em 2015, na primeira língua de ambos, o húngaro. No diálogo, Andujar, testemunha de dois genocídios (o de judeus, durante o Holocausto, e o indígena, no Brasil, país onde mora desde 1955), expressa o peso da sua memória. Ao fazê-lo, ela recorre à sua língua de origem, apesar do esforço em recuperá-la na entrevista, realizada após mais de 60 anos que separam os episódios narrados, no momento em que se dirige ao seu interlocutor e às câmeras. Gyuri, título do filme, é uma homenagem ao primeiro amigo de Andujar, morto aos 13 anos em campos de extermínio nazistas. Projeto Selecionado pelo programa Rumos Itaú Cultural 2015-16.

ELOMAR Elomar Figueira Mello (Vitória da Conquista-BA, 1937). Peão, vaqueiro, arquiteto, cantor, violeiro, compositor, chamado de príncipe da Caatinga pelo poeta Vinicius de Moraes, Elomar foi homenageado em uma Ocupação no Itaú Cultural, entre julho e agosto de 2015. Sua vida e seu processo criativo foram contemplados em exposição e programação musical. Desde então, seu imenso acervo de poesias, peças para teatro, romances, ensaios, roteiros para cinema, letras de músicas, textos de antífonas e libretos de óperas - batizado pelo compositor de Arquivos Implacáveis da Casa dos Carneiros - vem sendo organizado, catalogado e higienizado com apoio do instituto. O projeto contempla a construção de uma casa para guardar os arquivos desse trovador que, sem sair do perímetro de três fazendas no sertão da Bahia, se dedica a retratar um imaginário rural nordestino sem fronteiras.

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Links em bit.ly/colecoes-itau-cultural-migracoes

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VERBETES LASAR SEGALL (Vilnius, Lituânia 1891 – São Paulo-SP 1957) Pintor, gravador, escultor, desenhista, de origem judaica, inicia estudos de arte em 1905, na Academia de Desenho do mestre Antokolski, em Vilnius, na Lituânia (...). No fim de 1912, vem para o Brasil e no ano seguinte expõe em São Paulo e Campinas. (...) Em 1923, Lasar Segall muda-se para o Brasil, onde tem contato com os jovens modernistas. Nos primeiros trabalhos realizados no País, revela um deslumbramento pela luz e pelas cores tropicais. (...) A partir de 1935, pinta paisagens de Campos do Jordão, de cromatismo muito refinado. Sua obra adquire aspecto de matéria densa, com uma cor muito particular. Os temas ligados a dramas humanos permanecem em quadros de grandes dimensões: Navio de Emigrantes, 1939-1940, e Guerra, 1942, entre outros.

ANNA MARIA MAIOLINO (Scalea, Itália, 1942). Gravadora, pintora, escultora, artista multimídia e desenhista Anna Maria Maiolino, muda-se, em 1954, devido à escassez provocada pelo pós-Guerra, para Caracas, Venezuela, onde estuda na Escuela de Artes Plásticas Cristóbal Rojas, entre 1958 e 1960, ano em que se transfere para o Brasil. Em 1961, inicia curso de gravura em madeira na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e integra-se à Nova Figuração, movimento de reação à abstração e tomada de posição diante do momento político brasileiro. (...) Em 1967, participa da Nova Objetividade Brasileira, exposição que, entre outros preceitos, propunha a superação do quadro de cavalete em favor do objeto, sendo organizada por críticos e artistas, entre eles Hélio Oiticica (1923-1973). A partir da década de 1970, começa a trabalhar com diversas mídias,

MIRA SCHENDEL

como a instalação, a fotografia e filmes.

Myrrha Dagmar Dub (Zurique, Suíça 1919 – São Paulo-SP 1988). Desenhista, pintora, escultora, muda-se para Milão, Itália, na década de 1930, onde estuda arte e filosofia. Abandona os estudos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Estabelece-se em Roma, em 1946, e, em 1949, obtém permissão para mudar-se para o Brasil, onde fixa residência em Porto Alegre (...). Sua participação na 1a Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, permite contato com experiência internacionais e a inserção na cena nacional. Dois anos depois muda-se para São Paulo e adota o sobrenome Schendel. (...) Em 1966, cria a série Droguinhas, elaborada com papel de arroz retorcido e trançado, que é apresentada em Londres, por indicação do crítico de arte Guy Brett (1942).

FOTOS: MARIANA LACERDA, DESENHO JURACI DOREA, HILDEGARD ROSENTHAL/MUSEU LASAR SEGALL, DIVULGAÇÃO GALERIA MILLAN, VERÔNICA GERCHMAN

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CO LU N A M Ó V E L

SOLAR DOS REFUGIADOS 40

ADRIANO CARNEIRO DE MENDONÇA, BERNARDO MOSQUEIRA, BRUNO BALTHAZAR E ULISSES CARRILHO O SOLAR DOS ABACAXIS É UM PROJETO DE INSTITUIÇÃO DE ARTE, EDUCAÇÃO E DESACELERAÇÃO, COM O INTERESSE DE CATALISAR O ENCONTRO DE INDIVÍDUOS E GRUPOS PARA CONSTRUIR O PRESENTE, DESENVOLVENDO MANEIRAS ORIGINAIS DE ESTAR JUNTO, capazes de criar um mun-

do mais justo, saudável e prazeroso. O Solar que dá nome e sede à instituição fica no bairro do Cosme Velho, Rio de Janeiro, e é composto de um edifício neoclássico construído em 1843 e uma exuberante floresta de 5 mil metros quadrados. O imóvel está vazio há quase dez anos, tem cerca de mil metros quadrados de área construída e mais mil metros quadrados de área externa além da mata. Tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, talvez tenha sido o primeiro edifício neoclássico projetado por um brasileiro, o arquiteto José Maria Jacinto Rebelo, discípulo de Grandjean de Montigny. Hoje em dia, o Solar é de posse dos netos de uma antiga moradora, Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, responsável pela adição dos abacaxis de ferro nas sacadas da fachada e uma liderança feminista histórica no Brasil. Anna Amélia, que também era poetisa, escreveu sobre o casarão nos anos 1950 o poema Utopia, que começa com os impressionantes versos “Essa casa vai ser algum dia / Um centro da ciência e da arte / Um refúgio da história e da poesia / Onde os jovens virão sonhar (...)”. O projeto para o Solar dos Abacaxis envolve espaços para exposições, ateliês e residências, salas para ensaios e apresentações, escola em turno invertido para crianças, cursos livres para jovens e adultos, cozinha-escola para investigar a cultura gastronômica e um parque-jardim para práticas ligadas ao meio ambiente. Os povos indígenas, a cultura negra e de terreiro, o feminismo, as lutas sociais pelos direitos LGBTQI, o Antropoceno e as questões de meio ambiente e saúde, a produção cultural dos subúrbios e periferias, o pós-colonialismo e as relações internacionais Sul-Sul, as redes sociais e a ciberdemocracia, o amor livre e as novas famílias, a permacultura e as novas comunidades não urbanas e os estudos experimentais de arquitetura e urbanismo são alguns exemplos do que será a base política e conceitual deste novo espaço. Porém, antes mesmo do restauro necessário para que o Solar dos Abacaxis aconteça em sua maior potência, está receSELECT.ART.BR

bendo ações em modelo de ocupação temporária. O primeiro desses projetos acontece durante as Olimpíadas de 2016 e se aproveita da sua condição de Ágora Mundial para promover uma reflexão coletiva sobre as questões de refúgio e migração – assuntos de urgência e relevância globais. No mundo há mais de 65 milhões de refugiados e, entre 2010 e 2016, houve um aumento de 2.800% no número de pedidos de refúgio no Brasil. Hoje há mais de 43 mil haitianos no País e mais de 28 mil refugiados de 79 diferentes nacionalidades, em sua maioria crianças e mulheres. O título de nosso programa, Solar dos Abacaxis: Território Liberdade, faz referência à obra Faça Você Mesmo: Território Liberdade (1968), de Antonio Dias, uma instalação que funciona como uma marcação no chão que instaura um espaço de ação, decisão e liberdade e que será exposta no salão central do Solar. Além dessa obra serão hasteadas na fachada “bandeiras mestiças”, flâmulas que fazem referência não a um país, mas à mistura de povos, trabalho do poeta visual mineiro Guilherme Mansur. Também fazem parte de nossas ações os dispositivos de cozinha coletiva do OPAVIVARÁ!. A programação acontece entre os dias 6 e 27/8, sempre às quintas, sextas e sábados. Nas quintas-feiras de agosto acontecem encontros experimentais, chamados MANJAR, com trabalhos que tratam das questões de refúgio e migração seguidos de música, bar e comidas de imigrantes e refugiados. As sextas-feiras recebem mesas de debates (com pesquisadores acadêmicos e artistas), seguidos de entrevistas em que refugiados e imigrantes de diferentes origens conversam sobre as particularidades de suas experiências. Ao fim da noite haverá sempre um espetáculo de dança. Aos sábados acontece o Mercado Mestiço, uma espécie de feira na qual estarão presentes barracas com elementos representativos da matriz cultural brasileira (com acarajé da Bahia, tapioca do Norte, adereços de miçangas e penas indígenas, artesanatos de barro, barraca de ervas medicinais e de fundamento, antiguidades judaicas etc.) e, entre essas, tendas dos recentes refugiados e imigrantes (com esfihas sírias, tecidos do Congo, comidas haitianas, artesanato boliviano etc.), para construir espacialmente esse novo corpo cultural brasileiro, já composto também de recém-chegados. Mais do que a hospitalidade (simbolizada pelos abacaxis da fachada do Solar), esta é uma ação de encontro, mistura, fusão, amor, mestiçagem. Hoje em dia, mais de 50% dos refugiados que chegam ao Brasil têm menos de 15 anos e, por isso, aos sábados, há uma programação de oficinas para crianças brasileiras, imigrantes e em situação de refúgio propostas pelos artistas Anna Costa e Silva, Ricardo Càstro, Glaucia Mayer e Isabela Sá Roriz. Para que possa haver um contato mais dinâmico entre o Solar dos Abacaxis e colaboradores ou curiosos foi criada, é claro, a página do Solar no Facebook.

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Vista de salão do Solar dos Abacaxis, casarão neoclássico de 1843 que terá atividades mesmo antes do restauro

FOTO: JOANA CSEKO

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CO LU N A M Ó V E L

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ARTISTAS BRASILEIROS EM NOVA YORK DURANTE A DITADURA MILITAR

DÁRIA JAREMTCHUK

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O FLUXO DE ARTISTAS BRASILEIROS PARA O ESTRANGEIRO NAS DÉCADAS DE 1960 E 1970 TEM NA DITADURA MILITAR A SUA CAUSA MAIS RECONHECIDA. MOTIVARAM ESSE EXÍLIO A VIOLÊNCIA, A CENSURA E OS MÚLTIPLOS MECANISMOS REGULATÓRIOS DE EXCLUSÃO e restrição de

participação na esfera pública colocados em prática pelo regime ditatorial. No entanto, observando o campo das artes visuais é ainda possível identificar outros fatores que impulsionaram o êxodo naquele período, como a imaturidade do sistema de arte, a inexistência de um mercado para os jovens talentos e a falta de absorção de seus trabalhos pelas instituições. Nesse sentido, para a análise desse deslocamento, o uso da expressão “exílio artístico” mostra-se mais apropriado, por envolver tanto a complexidade subjacente aos matizes histórico-políticos do exílio como a singularidade do meio das artes. Como fenômeno coletivo, o “exílio artístico” não foi problematizado na história da arte brasileira. Algo que pode ter obscurecido o caráter de exílio desses deslocamentos é o fato de que os artistas brasileiros sempre buscavam se aperfeiçoar no estrangeiro, utilizando como principal meio as bolsas e os prêmios de viagens. Desse modo, quando pretenderam sair do País nas décadas de 1960 e 1970, muitos deles recorreram a essas alternativas, o que contribuiu para que o fenômeno fosse camuflado. Grande parte desse contingente se dirigiu para Nova York. Naquele momento, a cidade era ainda nova na rota dos brasileiros. A opção ocorreu não apenas pelo protagonismo do lugar em relação às artes, mas por ações deliberadas levadas adiante por instituições norte-americanas. Isto é, houve um conjunto de “políticas de atração” responsáveis por colocar o país em evidência e chamar a atenção não apenas de artistas, mas de intelectuais, pesquisadores, professores e alunos universitários. Entre os principais propósitos das “políticas de atração” estaria a intenção de reverter a imagem negativa dos Estados Unidos na América Latina, assim como aumentar o seu campo de influências no período da Guerra Fria. Mas, se eles se utilizaram do seu protagonismo na cena artística e cultural para atrair os latino-americanos, o governo brasileiro também favoreceu o fluxo de artistas para aquele país, não interrompendo a concessão de bolsas. O Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, por exemplo, foi concedido até 1976, e entre os que o receberam e foram para Nova York estão Amílcar de Castro, Rubens Gerchman, Antonio Henrique Amaral e Regina Vater. A Fundação Guggenheim contribuiu para esse deslocamento concedendo um número expressivo de bolsas para latino-americanos. Entre os brasileiros estavam Amílcar de Castro, Antonio Dias, Avatar da Silva Moraes, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Paulo Bruscky e Roberto De Lamônica. No Pratt Graphics Center (Pratt Institute) estiveram Anna Maria Maiolino e Lydia Okumura; a Fairfield Foundation concedeu uma bolsa para Abdias do Nascimento. Mesmo que não se possa aqui delinear um quadro preciso de todos os artistas que permaneceram um período significativo nos EUA, não se pode deixar de mencionar Anna Bella Geiger, Antonio Maia, Cildo Meireles, Iole de Freitas, Josely Carvalho, Lygia Clark, Mary Smith,

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Miriam Chiaverini, Raimundo Colares e Tereza Simões, ainda que muitos deles tenham viajado sem qualquer tipo de subsídio. Apesar das “políticas de atração”, a cena de arte nova-iorquina não se tornou mais inclusiva e aberta. Quando se observa essa experiência do “exílio artístico”, verifica-se que a produção dos brasileiros não encontrou ressonância ou espaço no ambiente de Nova York. As oportunidades foram escassas e muitas ocorreram dentro do circuito latino-americano que, na realidade, era um espaço periférico dentro do contexto daquela cidade. Muitos artistas quando lá chegaram eram profissionais reconhecidos no Brasil, mas foram julgados a priori pela procedência geográfica. Assim, o período vivido nos EUA tornou-se um interregno na trajetória da maioria desses personagens, pois não foi possível desenvolver projetos similares aos executados no Brasil, seja pela falta de audiência e de crítica, seja pela precariedade material a que muitos estiveram submetidos. Observando esses trabalhos, chama a atenção a diminuição da escala das obras, que pode estar relacionada às limitadas condições de espaços de moradia e trabalho. Ao mesmo tempo, as pequenas dimensões deram portabilidade e favoreceram o acondicionamento e o transporte das obras, algo a ser valorizado em qualquer exílio. Ainda foi indispensável adaptar e escolher materiais para a realização dos trabalhos. A cena de Nova York, complexa e diversificada, acabou por estimular muitos a explorarem suportes tecnológicos, como a fotografia e o vídeo, e a expandirem seus trabalhos para o espaço, o que mais tarde receberia o nome de instalação. Como tentativa de se localizarem na cena, foi necessário que os artistas concebessem novas identidades, seja pela regressão profissional que conheceram, seja por se descobrirem reconhecidos como “artistas latino-americanos”. Embora seja grande a distância temporal entre a experiência do “exílio artístico” e a produção contemporânea brasileira, suas vinculações históricas esperam pela oportunidade para serem restabelecidas.

Pinturas da série Campo de Batalha (1973), de Antonio Henrique Amaral, realizadas durante exílio do artista em Nova York

FOTOS: CORTESIA MARIANA AMARAL

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MUNDO CODIFICADO

5,4%

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AMÉRICA DO NORTE

29,7%

VÊM DA

32.443

IMIGRANTES

AMÉRICA DO SUL 175.953

IMIGRANTES

ORIGEM DOS IMIGRANTES QUE VIVEM NO BRASIL O SÉCULO 21 VEM COBRANDO A CONTA DAS ARBITRARIEDADES COMETIDAS PELOS COLONIZADORES DA ERA IMPERIALISTA. Com divisões territoriais baseadas no lucro

e não na manutenção da paz entre povos rivais, antigos

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territórios ocupados seguem como campos de batalha desde as lutas por independência no fim do século 20. Hoje, o número de refugiados no mundo atinge um patamar sem precedentes. No fim de 2015, mais de 65 milhões de pessoas

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44%

592.494

VÊM DA

EUROPA 262.131

3,1%

IMIGRANTES

VÊM DA

IMIGRANTES

ÁFRICA 18.721

0,1%

17,1%

VÊM DA

VÊM DA

ÁSIA 101.458

estavam deslocadas de seus lugares de origem, 10% a mais do que em 2014. Embora estudos publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atestem que o Brasil é um dos destinos mais acessados de imigrantes em geral, estamos entre os países menos solidários e receptivos a refugiados, segundo dados da ONU. Neste mapa do Brasil

IMIGRANTES

OCEANIA 966

IMIGRANTES

IMIGRANTES

está a tradução em imagens das diásporas contemporâneas e seus números oficiais, segundo o Censo do IBGE de 2010. Empreendida a cada década, esta é a ferramenta mais completa sobre os números da imigração no País. Mas é bom lembrar que muitos imigrantes em situação irregular se escondem do Censo. FONTE: CENSO IBGE 2010

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FOGO CRUZADO

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A cada ano, centenas de imigrantes, muito deles refugiados, chegam ao Brasil. Na terra do samba e do futebol, o sol e a boa índole de um povo supostamente sem preconceitos atraem quem busca um lugar para começar de novo. Na prática, a acolhida brasileira é agridoce: na mesma medida em que o País recebe mais sírios do que destinos na Europa, atos discriminatórios com relação à cor da pele, à língua e aos costumes comprometem a vida dos recém-chegados. Por isso, seLecT pergunta:

O BRASILEIRO ESTÁ ABERTO PARA RECEBER REFUGIADOS E IMIGRANTES?

CARLOS MONROY ARTISTA COLOMBIANO RESIDENTE EM SÃO PAULO Repasso a pergunta ao leitor: você está aberto a receber imigrantes e/ou refugiados no Brasil? Da forma de pensar do brasileiro dependem o desenvolvimento humano e a inserção social e econômica de mais de 940 mil pessoas (dado de imigrantes legais registrados até o momento). Se a pergunta fosse sobre se o governo está aberto a nos receber, o buraco é mais embaixo. O imigrante é obrigado a ser uma força laboral sem direitos políticos ou trabalhistas, já que esses são negados pelo Estatuto do Estrangeiro criado no regime militar e ainda vigente. Esse tipo de lei nega aos refugiados e imigrantes o poder real de se defender daqueles que os entendem como ameaça. O isolamento cultural das comunidades nordestinas, bolivianas e haitianas nos dá a ideia de que talvez o brasileiro não curta muito o imigrante índio e o refugiado preto, mas se orgulha de levar o sangue do imigrante italiano. Quem diria que o país de todos (imigrantes) não consegue se levar a sério. Pacha Mama mia! SELECT.ART.BR

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LUCINÉIA ROSA DOS SANTOS ADVOGADA E PROFESSORA DE DIREITOS HUMANOS DA PUC-SP Vivenciamos na atualidade um grande êxodo, graças às graves violações dos direitos humanos. Com isso, é enorme o número de imigrantes que escolhem o Brasil para viver. Existem diversos grupos, de diversas etnias, que obtiveram no Brasil a condição de refugiados. Há um número acentuado de imigrantes de países da África, como da República Democrática do Congo, nigerianos e angolanos; também sírios, afegãos e haitianos. Além de estarem de forma involuntária no País, os refugiados vivenciam todas as formas de discriminação, em especial a racial, dada a predominância dos imigrantes negros, e a religiosa, sofrida por refugiados islâmicos, em especial as mulheres. Porém, a discriminação racial contra africanos e haitianos tem sido um entrave para que eles possam validar seu diploma de curso superior no Brasil, para inserção no mercado de trabalho e integração na sociedade.

IRMÃ ROSITA MILESI DIRETORA DO INSTITUTO MIGRAÇÕES E DIREITOS HUMANOS A acolhida a refugiados e imigrantes contempla, por natureza, vários âmbitos ou aspectos (social, político, econômico, laboral, cultural). Por isso falar em “abertura do País para receber” importaria desenvolver a análise destas várias dimensões e considerar a diversidade de situações que o tema abrange, algumas das quais estão bem presentes e outras muito carentes ou com grandes lacunas. Também é importante considerar que “receber” é um tanto limitado, porquanto uma efetiva abertura aos migrantes e aos refugiados importa em “receber, acolher e integrar”. O Brasil tem tido uma posição bastante aberta no que tange a receber. Vários contingentes de pessoas têm chegado ao País, de maneira regular ou mesmo irregular, e em geral têm encontrado uma forma de obter documentos provisórios, com possibilidade de trabalhar regularmente. Num período inicial, essa atitude do Brasil é positiva e sinaliza abertura. Contudo, se não vier acompanhada de efetivas atitudes de integração, de não discriminação, de combate à xenofobia, de possibilidades de acesso aos direitos sociais, de acesso indiscriminado às políticas públicas em igualdade de condições com os brasileiros e brasileiras e com medidas que favoreçam esse acesso, a efetiva acolhida não ocorrerá ou será, no mínimo, de alcance apenas parcial. FOTOS: CORTESIA CARLOS MONROY, DIVULGAÇÃO, CORTESIA IRMÃ ROSITA MILESI

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JOEL AURILIEN CANTOR HAITIANO RESIDENTE EM SÃO PAULO Como haitiano, para mim é uma grande oportunidade falar sobre a questão da recepção a imigrantes e refugiados no Brasil. Receber um imigrante num país tem a ver com muitas coisas. A questão de legislação, com relação a documentos, oportunidade para estudar, para trabalhar, ter lugar para morar. É uma reintegração numa nova sociedade. Mas aqui, dos países que já visitei, não tem essa cultura. Por minha experiência, todo imigrante que está aqui tem uma barreira grande. Primeiro, a questão da educação. É muito difícil entrar numa faculdade, como também o processo de legalizar a documentação escolar. Com relação à moradia, se um brasileiro paga R$ 400 num quarto, nós pagamos R$ 800. Se você é formado numa profissão, é difícil trabalhar nela. Mesmo para abrir uma conta bancária é muito burocrático. Por ser imigrante e negro, você é direcionado para o trabalho pesado, como construção civil, supermercado, costura em confecção, lavar louça em restaurante, limpeza e outros. Se o imigrante é branco, ninguém trata dessa maneira, como norte-americanos, alemães e franceses. O nível do preconceito e do racismo aqui é muito alto. O Brasil precisa rever a questão da receptividade dos imigrantes.

PAULO ILLES DIRETOR REGIONAL DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DO IMIGRANTE (CDHIC), INTEGRANTE DA SECRETARIA TÉCNICA DO VII FÓRUM SOCIAL MUNDIAL DAS MIGRAÇÕES (FSMM) E EX-COORDENADOR DE POLÍTICAS PARA MIGRANTES DA PREFEITURA DE SÃO PAULO Apesar de ser conhecido mundialmente pela cordialidade, o brasileiro não está preparado para receber refugiados e imigrantes. O preconceito é um dos principais entraves para a inclusão dessas comunidades no País. O debate sobre esses temas ainda é incipiente e a imigração não é assimilada pela população como um direito humano universal. Na esfera pública tivemos alguns avanços. Em São Paulo, foi criada uma política municipal para a população imigrante pela prefeitura, mas ainda existem muitos desafios. A Constituição Federal, por exemplo, garante a universalidade do acesso à saúde, mas na prática imigrantes e refugiados enfrentam dificuldades para ser atendidos. Há uma omissão do Estado em garantir mais informação e preparo aos profissionais do sistema de saúde pública sobre os direitos dessas populações. SELECT.ART.BR

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FOTOS: SILVESTRE LUCAS/FACEBOOK, DIVULGAÇÃO

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CURADORIA

CARTOGRAFIAS

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DE MATRIZ AFRO Ícaro Lira, Moisés Patrício, Daniel Lima e Jaime Lauriano reivindicam a revisão da história hegemônica e se envolvem em processos de mediação com imigrantes e refugiados

DA N I E L A B O U S S O

A REVISÃO DA HISTÓRIA HEGEMÔNICA DO BRASIL ADQUIRE DENSIDADE REFLEXIVA NA ARTE CONTEMPORÂNEA E ILUMINA AS OBRAS DE MATRIZ AFRODESCENDENTE QUE ABORDAM CONCEITUALMENTE AS NOVAS DIÁSPORAS DO SÉCULO 21. Ícaro Lira, Moisés Patrício, Daniel Lima

e Jaime Lauriano são apenas quatro desses artistas que têm como locus de ação a hipercomplexidade urbana. O resgate da memória cultural, a recuperação das nossas raízes afro e a denúncia da escravidão no Brasil são agora abordados de forma direta, colocando o dedo nas feridas de nosso passado e presente. Ponto de chegada de crescentes fluxos migratórios, a metrópole paulistana anuncia um novo processo de mediações. A presença de imigrantes africanos, coreanos, bolivianos, paraguaios e sírio-libaneses no Brasil – particularmente em São Paulo – aporta entrelaçamentos culturais com a criação de locais de encontro dessas comunidades, como bares, restaurantes e salões de dança, que promovem manifestações artísticas, musicais e gastronômicas. SELECT.ART.BR

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X

Terra Brasilis: Invasão, Etnocídio e Apropriação Cultural (2015), de Jaime Lauriano, é desenho feito com giz utilizado em rituais de Umbanda

FOTO: FILIPE BERNDT

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Soldados da Borracha (2015), à esq., e Desterro (2012-2016), abaixo, são obras integrantes da instalação Campo Geral, de Ícaro Lima, que trata da imigração forçada de cearenses para o trabalho na indústria do látex na Amazônia, no século 19. À dir., registro de debate após a exibição do longa-metragem Invasor, de Beto Brant, em cineclube promovido por Ícaro Lira durante residência artística dentro da Ocupação Hotel Cambridge, em São Paulo, em 2016

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O brasileiro Ícaro Lira reside no Bom Retiro, em São Paulo, para conviver com imigrantes coreanos, bolivianos e judeus lá instalados. Artista e pesquisador, ele vem do cinema e da literatura. Montagem e narrativa caracterizam a sua obra, na qual revela processos de branqueamento de imigrantes e de racismo, a partir da coleta de objetos, depoimentos, vídeos, fotos e recortes de jornal. Ao construir uma arqueologia de dispositivos de memória, Lira resgata a história oficial soterrada pelo Estado brasileiro. Em 2015, exibiu a instalação Campo Geral (2012-2015), cartografia que trata das migrações forçadas de nordestinos para a Amazônia e para Fortaleza, no início do século 19, composta de dois eixos. O primeiro eixo, Soldados da Borracha, foca na imigração de cearenses que trabalhavam na indústria do látex. Na modernização da Região Norte, feita com o capital da borracha, o governo incentivou migrações e colonizou a Amazônia com uma mão de obra farta e barata. O segundo, Campos de Concentração, mostra acampamentos montados pelo governo, entre 1915 e 1932, que consistiam em verdadeiros “currais” de confinamento de 100

mil sertanejos, mestiços e pobres. A ideia era manter essa população afastada de Fortaleza e longe do olhar, como forma de “higienizar” a metrópole a ser modernizada. “Foi assim com as remoções para a Copa do Mundo de 2014. Como na favela do Pirambu, em Fortaleza, que as autoridades tentaram transformar em lugar turístico, sem sucesso, porque a comunidade lá é organizada. Esses processos violentos se repetem até hoje”, diz Ícaro Lira à seLecT. Lira acaba de integrar a Residência Artística Cambridge dentro da Ocupação Hotel Cambridge, onde realizou um censo e ações como oficinas, palestras e cineclube. O artista conviveu com africanos, árabes e haitianos músicos, artistas visuais e atores no Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto (Grist), que atuam dentro da ocupação para reivindicar melhores condições de moradia em São Paulo. “O trabalho do artista imigrante é precário e restrito. Quando é convidado, é na condição de imigrante-refugiado, sem lugar institucional. Ele trabalha na construção civil ou como ambulante e chegou ao Brasil muitas vezes a partir da migração forçada. O trabalho de arte fica inviabilizado”, diz. FOTOS: ISADORA BRANT

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À esq., fotos da série Aceita? (2016), de Moisés Patricio; à dir., obra da série Nou Pap Obeyi (Não Vamos Obedecer) (2016), de Daniel Lima e Felipe Teixeira, realizada em Porto Príncipe (Haiti)

OFERENDA POÉTICA E POLÍTICA

Moisés Patrício residiu na favela do Jardim Edite, na Avenida Eng. Luís Carlos Berrini, e passou por uma remoção para a Vila Industrial, situada entre São Paulo e Santo André. Ao migrar, o artista descobriu uma série de galpões abandonados, antigas fábricas falidas de cal, tijolos, cerâmica, cimento, adubos e fertilizantes. Lá trabalhou sozinho e, posteriormente, convocou artistas e coletivos para 12 ocupações e ações entre 2010 e 2013, que resultaram em três vídeos da série Movimento Artístico de Ocupação Urbana (M.A.O.U). A última ocupação artística reuniu 400 participantes, em um parque abandonado das Indústrias Matarazzo: havia caminhões, ambulâncias, farmácias e documentos. Lá, a polícia treinava paintball. A fábrica foi ocupada às 8 horas da manhã por artistas grafiteiros e negros, vindos da periferia e do interior de São Paulo. Quando a polícia chegou, seus materiais foram confiscados e a ocupação foi dissipada. Patrício convidou esses mesmos artistas a frequentar verSELECT.ART.BR

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nissages em galerias de arte paulistas, em 2014. Em sua listagem elencou as galerias de maior potência econômica com a intenção de dar àqueles artistas acesso ao sistema da arte – o que gerou consciência sobre as suas ausências nesses lugares. Em continuidade, o grupo tem se encontrado em estúdios de artistas e em espaços públicos, como o Museu Afro, além de manter comunicação pela internet. Em maio, Moisés Patrício participou da Bienal de Dacar, no Senegal, a convite do Vídeobrasil com Aceita? (2013), série fotográfica em progresso. Mãos abertas são fotografadas por celular para a emissão de mensagens no Facebook e no Instagram; a obra articula relações de trabalho, escravidão, política e magia, como reação a um sistema social que limita o trabalho dos negros a afazeres braçais. “Na minha profissão, ser negro está no meu gesto, no meu código, no meu corpo, na forma como eu me projeto e oferto a minha arte”, diz Moisés Patrício à seLecT. Daniel Lima produziu inúmeros trabalhos coletivos. Ele

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assume o gesto poético e político diante da arte afrodiaspórica há mais de uma década. Artista, editor, cineasta e curador, realiza intervenções midiáticas que incidem sobre o tecido urbano ao mesclar tecnologia e informação. Em 2003, realizou a intervenção Sem Saída, na Bienal de Havana. A ação consistiu em trancar policiais com cadeados em uma praça guardada por eles, denunciando truculência e controle das autoridades por meio de vídeo. Em 2005, com o coletivo Frente 3 de Fevereiro, coordenou a ação artística do espetáculo multimídia Futebol, registrando em vídeo performances de bandeiras erguidas em estádios lotados, na hora do gol, com dizeres em escala monumental: “Onde estão os negros?” A realização da performance em Berlim conferiu reverberações internacionais ao projeto. “’Democracia racial’ é um mito a ser desconstruído no Brasil, onde existe um ideal de democracia racial. Ao mesmo tempo que existe o ideal de harmonizar – durante o carnaval e o futebol, onde todos se abraçam na hora do gol, por tem-

po determinado – coloca-se cada um em seu lugar, pois essa democracia não é praticada no dia a dia. A pergunta é: onde estão os negros, que lugar eles ocupam na arte contemporânea?”, questiona. Daniel Lima e Tulio Tavares organizaram a exposição Zona de Poesia Árida, no Museu de Arte do Rio (MAR), em 2015, com o projeto de formar uma coleção de obras de coletivos. “Formou-se uma coleção sobre coletivos de São Paulo única no mundo, cujo maior valor está no seu poder de gerar sentido. Colocamos a coleção inteira, com mais de 50 obras, em um museu sem intermediação de galerias”, conta o artista, que atualmente trabalha com imigrantes haitianos em ações subsidiadas pelo Instituto Goethe. Um dos artistas mais conhecidos da afrodiáspora é Jaime Lauriano. Com a aquisição da obra Nesta Terra Em Se Plantando Tudo Dá (2015), pela Pinacoteca do Estado, ele ingressa na história da arte oficial e espera que sua obra esteja necessariamente alocada em espaços de domínio público. FOTOS: MOISÉS PATRÍCIO E DANIEL LIMA

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“As migrações atuais são novamente originárias de atos forçados – não o sequestro, mas a fuga –, em

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consequência da exploração europeia”, diz Jaime Lauriano

À esq., imagens de intervenções do coletivo Frente 3 de Fevereiro em estádios de futebol, em 2005: Brasil Negro Salve, na final da Libertadores da América; Onde Estão os Negros, em jogo do Corinthians x Ponte Preta do Campeonato Brasileiro; e Zumbi Somos Nós, em jogo no Estádio do Pacaembu. À dir., Nesta Terra, Em Se Plantando, Tudo Dá (2015), obra de de Jaime Lauriano assimilada pela coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo

Lauriano trabalha com desenhos, objetos, vídeos e é curador. Representa os primeiros mapas do Brasil – o primeiro da série é Terra Brasilis (2015) – com pemba branca, giz utilizado na Umbanda. Atua no campo da educação, pensando a história do Brasil por meio do confronto de narrativas, em espaços culturais e escolas da periferia. Processos de gentrificação, etnocídio, democracia racial e história não oficial estão em seu repertório. Em 2015, participa da Bienal de Bamako, no Mali, e, incomodado com o fluxo reparatório intenso da agenda do continente europeu que promove o turismo cultural para o continente africano, denuncia as novas formas de escravidão do movimento diaspórico. “As migrações atuais são novamente originárias de atos forçados – não o sequestro, mas a fuga –, em consequência da exploração europeia. Como evitar a repetição de procedimentos de séculos atrás, que promovem a manutenção de um ultracapitalismo?”, questiona. Além do vídeo Genocídio 3 (2015), SELECT.ART.BR

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apresentado em Bamako, o artista criou uma performance de rua, assinalando seu percurso entre a Bienal e um bar da cidade. “Busquei a ligação museu-espaço público. Durante quatro dias, eu fazia e repetia um desenho com cal e um espanador improvisado que virou pincel, refazendo a rota”, conta. Lauriano integra a Residência Artística Cambridge dentro da Ocupação Cambridge, neste segundo semestre, e lá tomará contato com a produção de artistas. Aposta na troca potente entre visões diferentes e convergentes, o que lhe permitirá pensar melhor a sua própria obra e indaga: “Como lidaremos com a nova diáspora que acontece aqui?” A visão estética eurocêntrica começa a dar sinais de hibridização entre nós e a pertinência dessas questões ecoa em obras de muitos outros artistas e curadores. Em tempo, essas pesquisas, os trabalhos artísticos e a dedicação dos que se têm debruçado sobre a revisão histórica contribuem para a gradativa inserção dos trabalhos de matriz afro no sistema das artes.

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FOTOS: FRENTE 3 DE FEVEREIRO, PEETSSA, MARIO GRISOLLI

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3 2 A B I E N A L D E S Ã O PA U L O - I N C E R T E Z A V I VA

MÁRION STRECKER

NENHUM HOMEM É UMA ILHA Diásporas, migrações, troca e desaparecimento de saberes são assuntos de artistas que estão na 32ª Bienal de São Paulo, dedicada à incerteza em tempos de mudança contínua

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Águas dos rios do Carmo e Piranga formam o rio Doce, em Minas Gerais, sete meses depois da catástrofe humana e ambiental provocada pelo rompimento de barragem de rejeitos da mineradora Samarco, que tirou a vida de 600 km de rios até o litoral do Espírito Santo; foto da colombiana Carolina Caycedo, em viagem de pesquisa à região de Mariana (MG)

NA 32ª BIENAL DE SÃO PAULO, QUE ACONTECE DE 10/9 A 11/12 NO PARQUE DO IBIRAPUERA, A MAIORIA DOS ARTISTAS É NASCIDA DEPOIS DE 1970, mais da metade é de mulheres e muitos dos

projetos foram comissionados, ou seja, produzdas especialmente para o contexto da exposição. Várias obras, aliás, nem serão estritamente de artes visuais. Incerteza Viva é o título da mostra. São 81 artistas ou coletivos, vindos de 33 países. O curador é o alemão Jochen Volz, que já trabalhou na Serpentine Gallery de Londres e no Inhotim. Os cocuradores são Gabi Ngcobo (África do Sul), Júlia Rebouças (Brasil), Lars Bang Larsen (Dinamarca) e Sofía Olascoaga (México). O evento foi antecedido por encontros de artistas e curadores com pesquisadores, ativistas, antropólogos e cientistas. Seminários e oficinas ocorreram em Santiago (Chile), Acra (Gana), Lamas (Peru) e Cuiabá (Mato Grosso) antes de chegarem à sede da instituição. Nove dos artistas convidados passaram temporadas em São Paulo, hospedados nos estúdios do Edifício Lutetia, na Praça do Patriarca, no Centro da cidade, dentro da parceria com o Programa de Residência Artística da Faap. Outras viagens de pesquisa foram e ainda estão sendo realizadas em roteiros

FOTO: CAROLINA CAYCEDO

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Imagem de Maárad Trablous (A exposição de Trípoli), de Alia Farid, sobre um parque inacabado de autoria de Oscar Niemeyer em Trípoli, no Líbano, uma espécie de “ irmão” do Parque do Ibirapuera em SP

Edições em português e em inglês do livro do brasileiro Raduan Nassar, que será lido em árabe na Bienal de São Paulo, num projeto do artista libanês Rayyane Tabet

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que atendem objetos de estudo específicos. O projeto do libanês Rayyane Tabet é traduzir para o árabe ao menos em parte a novela Um Copo de Cólera, do brasileiro Raduan Nassar, ele mesmo descendente de libaneses. Tabet teve contato com o livro a partir da edição em inglês da Penguin Press, que encontrou por acaso numa livraria em Beirute. Na Bienal, o projeto é sonoro: o livro vai ser lido em árabe. Alia Farid, do Kuwait, interessada na interseção da arte com a arquitetura, esteve em residência artística em Beirute este ano, onde encontrou um parque inacabado em Trípoli, de autoria de Oscar Niemeyer, que parece um irmão do Parque do Ibirapuera, com direito a uma Oca e marquises. “Ela está fazendo um filme sobre isso, quem convidou o Niemeyer, por que propuseram isso; acho que vai ser bem bonita essa história, trazendo essa realidade paralela. Até um campo de refugiados sírios já foi erguido nesse parque”, disse o curador da Bienal à seLecT, meses antes da abertura. A portuguesa Carla Filipe pesquisa plantas alimentícias nascidas às margens de ferrovias e criou uma horta bem em frente à Bienal, no lugar onde ficam as bandeiras. A chilena Pilar Quinteros seguiu os rastros do explorador inglês Percy Fawcett (1867-1925), desaparecido nos anos 1920 na Serra do Roncador, em Mato Grosso, durante ex-

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Cena do filme Running out of History, de Michal Helfman; sua temática aborda o contrabando na fronteira de Israel com a Síria, onde a circulação de ajuda humanitária é proibida

pedição em busca do mítico Eldorado. A polonesa Iza Tarasewicz veio pesquisar a presença da mazurca no Brasil. “Essa música popular polonesa virou muito querida nos salões franceses e viajou pelo mundo inteiro. Todo mundo copiou. E tem influência forte em algumas músicas brasileiras”, diz Volz. “O trabalho é sobre como a ideia de um som, um ritmo e uma atitude viajam o mundo. Iza viaja ao Nordeste e vai entender como a mazurca aparece, por exemplo, no chorinho brasileiro. A gente espera que o resultado seja uma apresentação pública”, diz. A israelense Michal Helfman prepara uma videoinstalação que inclui um filme ficcional envolvendo ativistas na fronteira de seu país com a Síria e o contrabando onde a circulação de ajuda humanitária é proibida. Anawana Haloba, nascida na Zâmbia (África) e residente em Oslo (Noruega), deve abordar o sal como moeda de troca importante no tráfico de escravos e na diáspora africana. O goiano Dalton Paula, nascido em Brasília, visitou locais envolvidos na economia do tabaco, inclusive Cuba. Gabriel Abrantes, que nasceu nos EUA e vive em Lisboa, ficou interessado no senso de humor indígena e acabou conhecendo na vida real um personagem com história semelhante à que tinha imaginado. Seu projeto é um filme de ficção chamado Joking Relationships, em que uma ín-

Pesquisas e parcerias musicais, tradução de literatura brasileira para o árabe, ativismo contra desalojamentos e crimes ambientais causados por barragens para hidrelétricas e criação de horta estão entre os projetos de artistas para a próxima Bienal de São Paulo

FOTOS: DIVULGAÇÃO/32A BIENAL DE SÃO PAULO

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Cena do filme ficcional Joking Relationships, do norte-americano residente em Lisboa Gabriel Abrantes, em que uma índia do Xingu disputa piadas com um robô em stand-up comedy

“Uma coisa que também nos interessa muito é a migração de saberes”, diz o curador da 32a Bienal de São Paulo, o alemão Jochen Volz

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dia do Xingu aparece competindo em piadas com a inteligência artificial de um robô numa stand-up comedy. Bené Fonteles, nascido no Pará, veterano de Bienais e com interesse eterno no livre trânsito entre artes e artesanias, é também ativista, escritor e compositor. Fonteles vai criar um grande lugar de encontro na exposição. “Ele vai receber o Ailton Krenak, alguns músicos, algumas lideranças de comunidades quilombolas, de candomblé. Na cosmovisão do próprio Bené está tudo presente e meio misturado. O projeto para cá é de fato um lugar onde essas tradições se encontram”, diz o curador. “Algo que sempre esteve presente na vida dele, na ação, no jeito de pensar arte. Tradições muito presentes no Brasil, mas não necessariamente misturadas.” A paulista Vivian Caccuri, residente no Rio, foi a Gana, no Oeste da África, não apenas para se deparar com o povo Tabom (da expressão em português “tá bom”), que surgiu com a volta de ex-escravos nascidos na África, mas que viviam no Brasil até a Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835, em que nagôs muçulmanos se revoltaram contra os opressores. Caccuri encontrou em Jamestown, um bairro de Acra, “um sound system em cada esquina”, e notou que “os sons graves são mais proeminentes na música das diásporas”, como disse à seLecT. Caccuri montou para a Bienal um altar de subwoofers, que são alto-falantes dedicados à reprodução de frequências

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Vivian Caccuri com o produtor Choco, no ateliê da artista, no Rio de Janeiro; ela cria um sistema de som para tocar músicas criadas em parceria com músicos brasileiros e de Gana

mais baixas. Ela trabalha com sons tão graves que nem sempre serão audíveis aos humanos, mas serão de algum modo sentidos pelo corpo. A forma do altar foi influenciada por uma conversa que teve com um líder religioso da etnia Ga. Doze músicos de Gana assinam a obra com ela, que planeja mostrar uma música diferente de hora em hora. No primeiro sábado de cada mês, haverá performances na Bienal, que serão gravadas. “Convidei músicos brasileiros para colocar batidas e palavras. Vou produzindo faixas com eles. Como resultado, vai sair um disco no fim deste ano”, adianta a artista. A colombiana Carolina Caycedo, nascida em Londres, fez viagens de pesquisa a Itaipu (Paraná), Vale do Ribeira (São Paulo), Mariana (Minas Gerais) e Belo Monte (Pará). “Há quatro anos faço uma investigação, um corpo de trabalho chamado Be Damned, que joga com a palavra dam, que quer dizer ‘represa’ em inglês, mas também ‘maldição’ ou ‘maldizer’ (to damn). O título joga com esse duplo sentido: de ser represado, mas também de receber uma maldição. Esse corpo de trabalho investiga o represamento de corpos de água e o represamento de corpos sociais e ecossistemas, formas de vida em que a natureza humana e a não humana têm uma conexão orgânica que se traduz em gestos, como pescar, arar a terra, cultivar, como o garimpo artesanal”, diz Caycedo em entrevista à seLecT.

Vivian Caccuri em encontro com Numo Akwaa Mensah III, líder religioso Ga, em Gana; os conhecimentos obtidos ajudaram a artista a conceber um altar de subwoofers para a Bienal

FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS E DIVULGAÇÃO/32A BIENAL DE SÃO PAULO

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Odette, moradora de Barra Longa (MG) e ativista do MAB (Movimentos dos Atingidos por Barragens), vítima do crime da Samarco entrevistada por Carolina Caycedo

Dam Knot Anus (2016), pôster de Carolina Caycedo que cita entrevista de um xamã colombiano; para ele, uma represa é como um nó no ânus

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“Na Colômbia há pelo menos 200 mil pessoas desalojadas por represas. No Brasil deve ser muitíssimo mais”, diz ela, para quem no fundo dos conflitos sociais está sempre a questão da extração de recursos. “O ambientalista é o novo inimigo do capital. A criminalização de ambientalistas no Brasil e na Colômbia está fora de controle, a ponto de chamar de organizações terroristas grupos ambientais. Há ambientalistas enfrentando processos legais por terrorismo. O Brasil está em primeiro lugar em ambientalistas assassinados e desaparecidos. A Colômbia está em segundo. Esse é um tema muito grave e muito complicado”, diz Caycedo. Parte de seu trabalho é acompanhar e apoiar comunidades em resistência nos seus territórios. “Preocupa-me sobremaneira como atividades extrativistas como a geração hidrelétrica e a mineração em larga escala afetam gestos tão cotidianos e milenares e produzem uma desconexão entre um saber e um fazer, porque, finalmente, esses gestos, como a pesca, o garimpo, o cultivar a terra, são um conhecimento encarnado. É fazer, ou senti-pensar: saber e pensar com o corpo”, argumenta a artista. Enquanto esta reportagem foi escrita, a sul-africana Helen Sebidi passou uma temporada de três meses em Salvador, numa parceria da Bienal com o Instituto Goethe, em contato com quilombolas e o candomblé. Ela é autora de painéis intitulados Lágrimas da África. “Essa pintura fala do sofrimento dela, sendo uma mulher negra num sistema de

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Painel Lágrimas da África, de Helen Sebidi, considerada matriz de toda a produção da artista; ela veio a Salvador para pensar a diáspora africana no Brasil e fazer nova pintura

apartheid e se tornando artista, mas também trabalhando no campo ou como empregada doméstica, para sustentar a si mesma e à família”, conta o curador Jochen Volz à seLecT. “Essa pintura nunca saiu da casa dela. É a matriz de toda a produção que ela faz. Vamos trazer esse trabalho ao Brasil e convidamos a Helen para desenvolver uma pintura hoje, em 2016, pensando um pouco a diáspora africana no Brasil. É um tipo de comissionamento muito especial.” A arte formalista parece definitivamente superada, enquanto os processos do fazer artístico continuam valorizados, a julgar pela amostra dos projetos de Caycedo, Caccuri, Tabet, Fonteles, Abrantes, Helfman, Tarasewicz, Paula, Filipe, Sebidi, Farid e Haloba para a 32ª Bienal de São Paulo. Assuntos políticos, econômicos e sociais permeiam as “narrativas” que os curadores buscam e fomentam nos artistas contemporâneos, que parecem se deslocar como nunca, em busca de si mesmos e dos outros, assimilando, filtrando, revolvendo e devolvendo de algum modo dores e alegrias do mundo. Afinal, nenhum homem é uma ilha, como escreveu o poeta inglês John Donne em 1624. Seus versos foram recentemente lembrados pela cantora e compositora inglesa PJ Harvey, no palco de um festival na Holanda, em junho, no dia seguinte à votação do referendo em que o Reino Unidos decidiu sair da Comunidade Europeia. Se nem a Grã-Bretanha pode mais ser uma ilha, que dirá o Brasil.

Pesquisas, a exposição de processos e o conceito de narrativas continuam em alta, enquanto os artistas se deslocam mais que nunca, em busca de si mesmos e dos outros, assimilando, filtrando, revolvendo e devolvendo dores e alegrias do mundo

FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS E DIVULGAÇÃO/ 32A BIENAL DE SÃO PAULO

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ENSAIO VISUAL

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GAZA É AQUI? GISELLE BEIGUELMAN

Campeão mundial de homicídios, com 60 mil assassinatos por ano, o Brasil tem várias Palestinas oficiais em seu território. Nelas impera a violência social da miséria, que mata mais que as balas do Oriente Médio NO IMAGINÁRIO COLETIVO, A FAIXA DE GAZA É SINÔNIMO DE EXCLUSÃO, USURPAÇÃO, VIOLÊNCIA DE ESTADO, ÓDIO, DESIGUALDADE E CONFINAMENTO.

Território palestino localizado na costa leste do Mediterrâneo, concentra 1,8 milhão de habitantes, sendo mais da metade refugiados. Zona de conflito, bombardeios aéreos israelenses, ataques terroristas promovidos pelo Hamas e de milhares de mortes e perdas materiais, é uma metáfora tristemente recor-

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rente no noticiário policial brasileiro. Estima-se que ocorrem seis assassinatos por hora no Brasil, totalizando 160 homicídios por dia. Somos os campeões mundiais nessa “área”, superando as nações conhecidas pelas suas intermináveis guerras no Oriente Médio. Não é por acaso, portanto, que “Faixa de Gaza” tenha sido o codinome de uma das regiões mais conturbadas pelo tráfico no Rio de Janeiro, a de Manguinhos, na zona norte carioca. Isso sem esquecer que o maior acampamento

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BAIRRO PALESTINA, SALVADOR (BAHIA) Segundo um site do governo baiano (http://goo.gl/zHyq91), o bairro fica nos confins de Salvador. Situado no lado direito da BR-324 (sentido Salvador-Feira de Santana), faz divisa com o município de Simões Filho. Carente, cortado por rios e cercado por pedreiras que os poluem e provocam deslizamentos de terra na época das chuvas. Em março deste ano foi inaugurada a primeira parte de uma encosta que integra o Programa de Contenção do Governo do Estado da Bahia.

do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, foi batizado de Nova Palestina. Mas se a Nova Palestina é nome de uma ocupação urbana informal, o mesmo não ocorre com as outras Palestinas brasileiras. Elas são oficialmente municípios e bairros dos estados do Pará, São Paulo, Pernambuco, Goiás, Sergipe, Espírito Santo, Alagoas, Ceará e Bahia. A Faixa de Gaza do Oriente Médio não aparece no Google

Street View, a não ser em imagens pacificadas. Já as ruas das Palestinas nacionais estão acessíveis em detalhes nas telas de qualquer um. Escrutinadas pelos recursos panorâmicos do olho maquínico, aderem ao ponto de vista militar, popularizado pelos drones. A partir de seus enquadramentos, revelam-se paisagens desoladoras. Ao percorrê-las, é inevitável perceber que a violência do Estado aqui é sua total ausência. Nas Palestinas do Brasil, o que mata não são as balas, mas a miséria e a fome. FOTOS: GOOGLE STREET VIEW, CAPTURADAS EM 2016

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PALESTINA, ALAGOAS Elevada à categoria de município em 1962, a Palestina de Alagoas fica na região conhecida como Bacia Leiteira. O Índice de Desenvolvimento Humano da cidade é baixo (0,558 em 2010). A renda per capita da população, segundo dados da Unesco, é de R$ 185,39.

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BAIRRO PALESTINA, ARACAJU (SERGIPE) Durante mais de 30 anos, o bairro foi conhecido pelo enorme espaço a céu aberto, onde era despejada boa parte do lixo de Aracaju. A principal queixa dos moradores é a falta de segurança. Em 2015, registrava-se a ocorrência de três assaltos por dia e nenhum posto da Guarda Municipal em funcionamento.

PALESTINA DO PARÁ Situado às margens do Rio Araguaia, o município foi criado em 1991, quando se desmembrou de Brejo Grande do Araguaia. Tem cerca de 7.500 habitantes e uma densidade demográgica de 7,5 habitantes por quilômetro quadrado. Com belas praias de rio, uma de suas imagens mais compartilhadas na internet é a que mostra a sede de madeira da Sede Provisória de seu Sindicato Rural e traz a legenda “da guerrilha à luta contra o latifúndio” (http://goo.gl/MU61W3).

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NOVA PALESTINA, VITÓRIA (ESPÍRITO SANTO) O manguezal, a noroeste de da Ilha de Vitória, começou a ser ocupado nos anos 1970. No fim dos anos 1980, as ocupações atingiam uma extensão de, aproximadamente, 5 quilômetros quadrados. O bairro da Nova Palestina é resultante dessas invasões. Elas demandaram o aterro da área, impactando o meio ambiente. Os assentamentos, no entanto, inviabilizam a remoção das famílias.

NOVA PALESTINA, SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE (PERNAMBUCO) Com 4.500 habitantes, a Nova Palestina é um bairro de Santa Cruz do Capibaribe, a terceira maior cidade do Agreste pernambucano. Parece não colher muitos frutos da cidade que ostenta orgulhosamente o título de segunda maior produtora de confecções do Brasil. Marcado pela violência, o bairro aparece no noticiário relacionado a homicídios brutais.

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PERFIL

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CIDADÃ DO MUNDO Pioneira de projetos de arte como prática social, Tania Bruguera lançou, em 2011, o Immigrant Movement International, que busca o reconhecimento de imigrantes como cidadãos globais

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O PESQUISADOR DE ARTE, MÍDIA E POLÍTICA MIGUEL CHAIA LOCALIZA NA CONTRACULTURA, NOS MOVIMENTOS SOCIAIS DOS ANOS 1960 E NAS COMUNICAÇÕES ENTRE MASSAS PROPICIADAS PELAS NOVAS TECNOLOGIAS AS ORIGENS DA PRÁTICA DO ARTIVISMO – “ATIVIDADES ARTÍSTICAS QUE SE QUEREM POLÍTICAS OU PRÁTICAS POLÍTICAS QUE PROCURAM SUPORTE NA ESTÉTICA”. Próprio de um tempo artísti-

co que se define por métodos processuais e colaborativos, o artivismo extravasa prerrogativas individuais e se pauta pela coletividade. Artivismo não tem autoria – é precisamente a sua negação – nem tem limites definidos. Uma breve pesquisa sobre o conceito lhe confere tamanha amplitude – tanto à sua origem quanto às aplicações – que fica claro que se trata de uma criação geracional. Não é totalmente arbitrário, no entanto, que a revista Art in America de setembro de 2015 tenha atribuído a alcunha desse neologismo a Tania Bruguera – ainda que o faça de forma imprecisa. Bruguera, que começa sua atuação artística em Havana, nos anos 1980, realizando apresentações em espaços públicos abandonados, entendeu cedo que a arte da performance começava pelas implicações políticas e sociais

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de seu trabalho. Assim, ela não criou o artivismo, mas a arte de conducta. “Arte de conducta tem suas raízes na arte conceitual e na performance, mas, em vez de se concentrar sobre os limites da linguagem e do corpo físico, ela trabalha com as reações geradas naqueles que testemunham a obra, dando origem a um processo onde a audiência se transforma em cidadania”, define a artista. A arte de conducta, assim como a sua mais recente arte útil (que visa “imaginar, criar, desenvolver e implementar uma prática artística que oferece às pessoas resultados claramente benéficos”), é um método de trabalho. Por meio dele Bruguera instaura projetos de longo prazo que não se destinam às instituições de arte e suas audiências. Nem por isso Tania Bruguera renuncia à arte. Ao contrário, quando instaura um método pedagógico (Cátedra Arte de Conducta, 2002-2009) ou um partido político (Partido del Pueblo Migrante, 2006-2015), ela o faz com consciência do poder transformador da arte e a crença em sua capacidade de oferecer soluções para problemas sociopolíticos. Immigrant Movement International (IMI) (2010, em processo hoje) é uma aplicação direta desses métodos. É um

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Tania Bruguera em performance, durante ato do Immigrant Movement International, em 2011, em Nova York

FOTO: SAM HORINE, CORTESIA CREATIVE TIME

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O projeto promoveu ações como To the Unknown Migrant, que convidou migrantes, artistas, acadêmicos e ativistas a desenvolver monumentos efêmeros em locais onde o papel dos migrantes na história e na sociedade foi apagado ou agredido

movimento sociopolítico e é um trabalho de arte. Só que, em vez de ser feito com óleo, acrílica, arame ou técnica mista, sua ficha técnica discerne como matéria de trabalho: leis e políticas de imigração, população imigrante, políticos, organizações comunitárias, pressão pública e mídia. O modo de trabalho também é uma reinvenção. “Esse tipo de projeto de longo prazo tem suas próprias exigências internas para que mantenha um equilíbrio orgânico. Uma coisa evidente é que tenho de me impor certas regras, certas restrições, porque um ano parece muito tempo para uma residência, mas não é tempo suficiente para fazer um projeto social e político; e tenho de diminuir essa disparidade a partir da maneira que estruturo a obra”, escreveu a artista em seu blog, em 2011, antes do início do projeto. IDENTIDADE MIGRANTE

O projeto foi lançado com uma mobilização que envolveu 200 artistas de todo o mundo e com a escritura de um Manifesto Migrante. Promoveu ações como To the Unknown Migrant (2012), que convidou migrantes, artistas, acadêmicos e ativistas a desenvolver monumentos efêmeros em locais SELECT.ART.BR

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Na página ao lado, o headquarter do Immigrant Movement International, em Corona, Queens, NY. Acima, residentes de Queens participam do workshop We Bike NYC Mujeres en Movimiento

onde o papel dos migrantes na história e na sociedade foi ignorado, apagado, distorcido, agredido ou esquecido. Desenvolvido em parceria com o Queens Museum of Art e o Creative Time, o IMI parte do pressuposto de que a identidade daqueles que vivem longe de seu lugar de origem é definida não pelo compartilhamento de língua, classe, cultura ou raça, mas, inversamente, pela própria condição de imigrante. Ao engajar comunidades locais em workshops públicos, eventos e ações no headquarter do movimento – uma pequena casa no bairro de Corona, em Queens, NY –, o IMI explora os valores compartilhados por aqueles que são definidos como imigrantes. A questão de fundo aqui – o que significa ser um cidadão do mundo – é relativa ao mundo contemporâneo, mas sempre foi central e pessoal para Tania Bruguera. “Minha mãe sempre disse que a casa, para mim, era como um hotel.” Afora o fato de ter crescido em trânsito entre embaixadas cubanas na França, no Líbano e no Panamá (seu pai era diplomata), hoje Bruguera vive permanentemente em trânsito, muitas vezes em residências artísticas. Sempre criou em seu trabalho pontes entre Cuba e o mundo – o que já chegou a lhe acarretar

duas detenções pela polícia de Fidel (além de ter sido investigada pela polícia secreta, caso explorado na entrevista que a artista deu ao documentário Shoot Yourself, 2012). Sua última detenção foi em maio de 2015, imediatamente após terminar a maratona de 100 horas de leitura pública do livro Origens do Totalitarismo (1951), de Hannah Arendt, em ação pública realizada em sua casa, em Havana. O evento coincidia com a abertura da Bienal de Havana e o lançamento de seu novo projeto, o Instituto Internacional de Artivismo Hannah Arendt. Meses antes, em dezembro de 2014, ela havia sido detida – e seu passaporte confiscado – após tentativa de reencenar, na Plaza de la Revolución, a performance Tatlin’s Whisper #6, Havana Version. Realizada orginalmente em 2009, na Bienal de Havana daquele ano, a performance oferecia um microfone para quem quisesse se manifestar livremente durante um minuto. “Espero que um dia a liberdade de expressão não seja uma performance”, foi a frase proferida pela blogueira Claudia Cadelo, em um dos momentos mais contundentes daquele ato e que, sem sinal de dúvida, ainda ecoa em todo o processo de atuação política de Tania Bruguera. FOTOS: CORTESIA QUEENS MUSEUM

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POLÍTICA

QUESTÃO DE IMAGEM

Diante da maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial, as políticas voltadas aos refugiados são foco de discussão no Brasil e no mundo F OTO S E T E X TO A N A A B R I L

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O MUNDO NUNCA TEVE TANTOS REFUGIADOS E DESLOCADOS DESDE O PÓS-GUERRA: 65 MILHÕES. A CADA MINUTO, 24 PESSOAS FOGEM DE SEUS PAÍSES, DEVIDO A CONFLITOS OU PERSEGUIÇÕES POLÍTICAS. Os dados falam por si e re-

Catalina López veio da Guatemala para vender seus artesanatos no Fórum Social Mundial das Migrações (FSMM) 2016. À esq., Jeanine Ntumba, Marai José Romana e Estelle Misenga tiram uma selfie durante o evento

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velam uma crise migratória mundial. A resposta para esta crise, contudo, não tem sido satisfatória. Enquanto os números em relação aos refugiados não param de crescer, as políticas migratórias retrocedem. Ciente desse cenário, o presidente Barack Obama propôs uma importante reforma migratória nos Estados Unidos, que pretendia entregar permissões temporárias de residência e trabalho a quase metade dos migrantes irregulares no país. Porém, a Suprema Corte americana barrou a proposta, em 23 de junho, deixando milhões de pessoas “sem papéis” na mira da deportação. O Brasil, por sua vez, está longe de ser exemplo de política migratória moderna e eficaz. A lei que trata das migrações no País é o Estatuto do Estrangeiro, redigido em 1980, durante a ditadura militar. Não por acaso, as principais palavras dessa legislação são “segurança nacional”. Do outro lado da fronteira, a Lei de Migrações da Argentina mostra a outra face da moeda: uma lei aberta e respeitosa com aqueles que, por decisão própria ou obrigados, tiveram de deixar seus países. A lei argentina assegura o cumprimento dos “compromissos internacionais da República em relação aos direitos humanos, integração e mobilidade dos migrantes”. No Brasil, a aplicação da lei de migrações “atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais, bem como à defesa do trabalhador nacional”. A diferença entre os textos é clara. A chegada de Mauricio Macri à Presidência argentina enviou sinais de um possível retrocesso na política migratória. A nova Direção de Migrações argentina, comandada por Horacio García, mostrou sua preocupação pela “frouxa política migratória de Cristina Kirchner” e se propôs a endurecê-la. Porém, o potencial de impopularidade que isso poderia gerar levou Macri a rever seus posicionamentos. Como resultado, em julho, o presidente argentino anunciou que daria refúgio a 3 mil sírios, o que gerou aplausos da comunidade internacional. No Brasil, que, por sua vez, está envolto em uma crise política e econômica sem precedentes, a impopularidade não é algo que parece preocupar o presidente interino, Michel Temer. Em junho, Temer decidiu suspender negociações com a Europa para receber refugiados sírios. Seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, justificou: “A decisão segue

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“O governo federal tem de facilitar o documento permanente para os migrantes, não o temporário. Precisamos ter os mesmos direitos que os cidadãos brasileiros”, diz Adama Konate, imigrante malinês

Adama Ronate, membro da Comissão de Mobilização do FSMM 2016, participa do maior evento sobre migrações do mundo SELECT.ART.BR

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uma nova – e mais restritiva – postura do governo quanto à recepção de estrangeiros”. Ainda mais? Atualmente, a revisão da política migratória no Brasil depende de dois Projetos de Lei (PL) que tramitam na Câmara dos Deputados. O PL 2516/2015, também conhecido como Nova Lei das Migrações, foi apresentado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB/SP), em agosto de 2015, e aprovado em Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 13 de julho. O projeto, porém, está recebendo críticas por parte da comunidade migrante. As principais são o poder dado à Polícia Federal para decidir quem entra, permanece ou deve ser deportado do País e a exclusão legal de migrantes que estejam em situação irregular. Com o objetivo de fazer uma lei mais adequada às necessidades dos migrantes, o deputado Jean Willys (PSOL-RJ) redigiu o PL 5293/2016. Em entrevista à seLecT, o deputado especificou os detalhes da proposta: “Meu projeto tem por objetivo eliminar do nosso ordenamento jurídico as normas inconstitucionais, autoritárias e retrógradas que vedam aos estrangeiros que residem no Brasil a possibilidade de participar da vida política e social”. Por enquanto, não existe previsão de qualquer um dos projetos ir a votação em Plenário. “O meu PL hoje tramita em Comissão Especial, está em fase de discussão na Câmara dos Deputados e terá de ser votado em Plenário, ao sabor dos interesses e conveniências políticas”, explica Willys. Mas nem tudo é mel e nem tudo é fel no país tropical. No meio do démodé Estatuto do Estrangeiro, a cidade de São Paulo coloca-se como referência mundial em políticas para migrantes. Prova disso é a cidade ter sido escolhida como sede do maior evento sobre migrações do mundo: o Fórum Social Mundial de Migrações, que aconteceu entre 7 e 10 de julho. A principal razão é a Política Municipal para a População Imigrante, aprovada pela Câmara Municipal da cidade e sancionada pelo prefeito Fernando Haddad também em 7 de julho. “Essa ação assegura as políticas públicas para a população imigrante como uma política de Estado”, explica Camila Baraldi, coordenadora de Políticas para Migrantes da cidade de São Paulo. A legislação local, segundo Baraldi, é um avanço importante que pode influenciar a esfera federal. “Com essas ações temos mais elementos de pressão no âmbito federal e apresentamos alternativas concretas e bem-sucedidas à atual legislação”, afirma. Adama Konate, imigrante malinês e membro da Comissão de Mobilização do FSMM 2016, fala sobre as “lições de casa” da prefeitura de São Paulo e do governo federal. “A prefeitura de São Paulo precisa trabalhar na integração dos mi-

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Acima, parte do grupo Danzas Acuarela Paraguaya, composto, em sua maioria, de imigrantes paraguaios radicados em São Paulo. Abaixo, Luna é maquiada antes de apresentação no FSMM 2016

grantes, para evitar casos de xenofobia. Além de acolher, é preciso desenvolver projetos de acompanhamento da situação dos migrantes. Por outro lado, o governo federal tem de facilitar o documento permanente para os migrantes, não o temporário. Precisamos ter os mesmos direitos que os cidadãos brasileiros.” Diante da maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial, as políticas voltadas aos migrantes são foco de discussão. Por questões de humanidade ou de imagem – a Alemanha, por exemplo, melhorou sua reputação internacional após assumir uma política favorável aos migrantes –, os governos decidem acolher ou não migrantes. Independentemente das razões, faz-se urgente a instauração de políticas migratórias, cujas bases estruturais sejam os direitos humanos. Esse é o mínimo que podemos exigir do século 21.

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PORTFÓLIO

ANNA BELLA GEIGER

ARTE COMO CONTINENTE 31_Portfolio_Anna_Bella_Geiger.indd 40

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O interesse de Anna Bella Geiger pela geografia e a cartografia atesta uma posição crítica em relação à arte e suas conexões com a vida sociopolítica. Seus trabalhos são contêineres de ideias de mundo

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Macio com Flores e Mapas (2016), obra inédita que estará em exposição na individual da artista, entre setembro e outubro na Mendes Wood DM

FOTO: CORTESIA ANNA BELLA GEIGER/ GALERIA MENDES WOOD DM

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Rolo do Extremo Oriente com Leão Pintado à Mão (2016)

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Os mapas de Anna Bella Geiger são nômades. Mostram terras, países, continentes e hemisférios em deslocamento. Desafiam coordenadas geográficas e fronteiras entre suportes artísticos

HÁ POUCO MAIS DE 20 ANOS, QUANDO PASSAVA POR UM FERRO-VELHO NOS ARREDORES DO MORRO DA CONCEIÇÃO, ATRÁS DA ESTAÇÃO CENTRAL DO BRASIL, NO RIO DE JANEIRO, ANNA BELLA GEIGER ENCONTROU NO CHÃO UMA ANTIGA GAVETA DE FERRO ENFERRUJADA. Imediatamente

identificou naquele objeto um “continente” para abarcar e guardar as forminhas de lata, chumbo e cobre que, desde 1974, vinha moldando em forma de mapas do Brasil e da América Latina. Começava ali a série Fronteiriços, obras compostas de mapas contidos em gavetas, fixados em grossa camada de cera de abelha tingida com pigmentos. Eixo central da poética do transitório e do variável de Anna Bella Geiger, a série Fronteriços é formada por arquivos que guardam os pensamentos da artista sobre o mundo. O interesse de Anna Bella Geiger pela geografia coincide com uma tomada de posição crítica em relação à arte e suas conexões com a vida sociopolítica brasileira e internacional. Pensar-se como artista brasileira vivendo no contexto de um regime de exceção foi o estopim das séries Mapas Elementares e Local da Ação, nos anos 1970, compostas de SELECT.ART.BR

vídeos, desenhos e gravuras em água-forte. Se o intuito original era sinalizar seu lugar – como artista, como mulher, como brasileira – no mapa-múndi, em um segundo momento passa a ser o de alterá-lo, modificá-lo, empreendendo ações e desígnios contra um discurso cultural hegemônico. Sua função como artista seria transformar os significados de território, limite, escala, geolocalização – princípios da cartografia. “Subverter seu sentido descritivo em ideológico, ao transformar certas escalas e proporções com o uso de distorções”, escreve a artista no catálogo da exposição Gavetas de Memórias (Caixa Cultural, Brasília, até junho de 2015). Os mapas de Anna Bella Geiger são nômades. Mostram terras, países, continentes e hemisférios em permanente deslocamento. Inquietos, desafiam coordenadas geográficas e geopolíticas. Desrespeitam fronteiras entre suportes artísticos. Foi assim que suas cartografias abandonaram o papel e se materializaram em forminhas de biscoito, oferecidas para o público da exposição individual Situações-limite (MAM RJ, 1975) e depois guardadas nos gaveteiros do ateliê da artista

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Acima, à esquerda, Orbis Descriptio com Coluna em Camadas Polissemicas, da série Fronteiriços (2015); acima, Rrolo Ocidental com 5 Mapinhas Pintados à Mão (2016)

durante 20 anos – até finalmente ganhar continente nas gavetas de ferro que viriam na sequência da encontrada nos arredores do Morro da Conceição. FRONTEIRIÇOS E VARIÁVEIS

Os mapas de Anna Bella Geiger são contêineres de ideias de mundo. Ideias fluídas, que fique bem claro. Esse pensamento variável se expressa também na matéria que preenche as gavetas: cera de abelha derretida a quase 100ºC. “Ao pingar os pigmentos de cor dissolvidos sobre a camada de cera anteriormente derramada, a mistura logo emerge como pequenos vulcões daquele mundo subterrâneo em ebulição. Em seguida, todo o conteúdo despejado retorna à superfície num magma fumegante de matéria e cor e vai aos poucos encontrando seus próprios espaços, em movimentos desordenados”, escreve a artista. Os territórios nascem, portanto, desse não desenho, da mancha que brota do acidente e do imprevisto. A individual que a artista realiza na Galeria Mendes Wood DM, SP, a partir do 29/9, traz novas gavetas da série Fronteiriços, novos mapas da série Mole, em tecido, e da série Rolo,

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que evocam os antigos pergaminhos das rotas de navegação. Os trabalhos trazem as questões levantadas em outro grupo, as Polaridades: entre treva e luz, norte e sul, leste e oeste. Agora, a artista lhes impõe uma crescente preocupação ecológica com o planeta Terra, pensando o derretimento dos polos. Todas essas séries, iniciadas nos anos 1970, têm sido continuadas, pausadas e revisitadas ao longos dos últimos 40 anos. Esses eternos retornos e repetições são definidos como “fascinantes estratégias contra o discurso da autoridade” por Estrella de Diego, curadora de Geografía Física y Humana, a primeira exposição monográfica da artista na Espanha, em cartaz no Centro Andaluz de Arte Contemporáneo (CAAC), até 23 de outubro. A curadora espanhola argumenta que os princípios da repetição e da serialização na obra de Geiger são apreendidos da gravura – e a liberdade de criação sem a pressão da obra única. É, portanto, na repetição e na “subversão das cronologias” – ao tecer um tempo muito próprio de trabalho – que Geiger dá solvência às suas ideias. Traça seus livres percursos e suas cartografias não lineares, tão espontâneas quanto as manchas fronteiriças.

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I N T E R N AC I O N A L

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NA LINHA DE FRENTE L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O

Foto de Sonia Guggisberg que retrata os contĂŞineres de campo de refugiados em Atenas e faz parte da sĂŠrie produzida pela artista em viagem em 2015

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Artistas dos quatro cantos do mundo, como Annette Messager, Sonia

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Guggisberg, Olafur Eliasson e Javier Téllez, trabalham em fronteiras e campos de refugiados, chamando atenção para dramas individuais em meio à maior crise da história

FOTO: CORTESIA SONIA GUGGISBERG

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Com o voo do homem-bala sobre a fronteira do México com os EUA (2005), Javier Téllez discute o cerceamento do espaço no mundo contemporâneo

EM PROCISSÃO, UM GRUPO DE PACIENTES PSIQUIÁTRICOS CARACTERIZADOS COMO PALHAÇOS E ANIMAIS DE CIRCO RODEIA UM CANHÃO GIGANTE. Ele está localizado na fron-

teira do México com os Estados Unidos, onde um homem-bala se posiciona para voar no sentido do território norte-americano. Ouve-se a contagem regressiva e, num estrondo, David Smith faz facilmente a travessia com a qual muitos imigrantes mexicanos sonham, caindo com segurança numa rede de proteção no lado dos EUA. A ação inusitada fez parte da performance One Flew Over the Void (Bala Perdida) (2005), que o venezuelano Javier Téllez criou para o in_Site05, festival de arte que faz a ponte entre as cidades de San Diego (Califórnia) e Tijuana (México). No trabalho de Téllez, a empreitada artística audaciosa traz nas entrelinhas o questionamento das barreiras impostas pelo mundo contemporâneo tanto ao transtorno psíquico quanto aos imigrantes, que aumentaram consideravelmente nos últimos anos, graças aos conflitos em regiões como Oriente Médio e África. Em comum, o cerceamento do espaço de circulação, feito pelos muros do manicômio ou pelas cercas das fronteiras entre países, incluindo SELECT.ART.BR

as que rodeiam os campos de refugiados. Esses são espaços cada vez mais comuns na Europa – seja em Atenas, na Grécia, seja em Calais, na França. Cercados por grades com concertina (arame cortante) no topo e vigiados pela polícia local, acomodam vários contêineres, barracas ou tendas. São eles que, customizados ou não, fazem as vezes de casas e estabelecimentos de habitantes em estado de transição. Se já não vivem mais a violência institucionalizada das guerras civis e conflitos em suas regiões de origem, esses imigrantes forçados são quase prisioneiros em países que não os reconhecem como cidadãos. O direito ao trânsito é controlado, as atividades são vigiadas por guardas com metralhadoras e, às vezes, da noite para o dia, o local é evacuado em ações truculentas, parecidas com as reintegrações de posse no Brasil. Com 65,3 milhões de pessoas no mundo forçadas a migrar por causa de guerras e conflitos, segundo dados da ONU divulgados em junho de 2016, é espantosamente alto o contingente de moradores desses centros de recepção nada calorosos, com suas enormes caixas de transporte marítimo de carga usadas como dormitório. Não surpreende que os refugiados de

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Calais, uma das maiores concentrações de povos em trânsito da Europa, tenham resistido a trocar suas barracas improvisadas e mais orgânicas pelos contêineres, no começo deste ano. Foi lá que a francesa Annette Messager fez a mostra Dessus Dessous (de outubro de 2015 a maio de 2016) no Musée des Beaux-Arts local. Como Messager declarou na época da abertura, “expor em Nova York é fácil; em Calais, não, e é exatamente onde a cultura é mais necessária”. Com a apropriação da estética precária com que os imigrantes montam suas tendas, a artista criou instalações que conspiram contra

a hegemonia discursiva da padronização mercadológica, usando como matéria-prima elementos corriqueiros agrupados, como sutiãs e bonecos. Os terrenos apátridas são a face amarga do capitalismo globalizado, tentando conter a crescente falência do modelo mundial de divisão por Estados. É forçoso reconhecer por direito o que a prática já atesta: as fronteiras criadas ao longo da história para delimitar economias, centralizar gestões e padronizar comportamentos não dão mais conta das interações humanas e da diáspora contemporânea, que refuta o passado colonial. A motivação em enfrentar essa realidade por estratégias antinormativas une artistas de vários países, entre eles a paulistana Sonia Guggisberg e o dinamarquês Olafur Eliasson. Cada qual, à sua maneira, criou uma relação com refugiados para oferecer auxílio, consolo e visibilidade aos dramas coletivos e individuais.

Messager expôs em Calais, principal ponto de chegada de refugiados entre a França e o Reino Unido, obras que se apropriam da estética precária dos imigrantes para debater a hegemonia do discurso globalizado 3 Pantins PQ (2015), instalação de Annette Messager para a exposição Dessus Dessous, no Musée des Beaux-Arts de Calais

FOTOS: CORTESIA JAVIER TÉLLEZ/PETER KILCHMANN ZURIQUE, MARC DOMAGE/ADAGP, PARIS, 2015

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“Green Light não é apenas uma luminária, é também uma tentativa de delinear novas estruturas em uma sociedade em transformação”, diz Olafur Eliasson

MEETING POINT

É pela via da sutileza que Sonia Guggisberg aborda a questão. Em idas pontuais a Malta, Lampedusa e Atenas, em 2015, ela captou em vídeo e fotografia momentos de respiro dentro da rotina controlada dos imigrantes, nos quais a dor encontrava espaço para aflorar. Quando têm permissão para sair dos campos de refúgio, para circular nas cidades onde estão abrigadas, essas populações que têm em curso pedidos de asilo costumam se reunir em praças públicas. “Em Malta, os campos são divididos por sexo e gênero, então esses locais de encontro são onde as famílias podem se juntar novamente”, diz Guggisberg à seLecT. SELECT.ART.BR

Ao longo do dia, diferentes grupos se alternam e interagem de formas diferentes, de acordo com a região de origem. É uma maneira de buscarem normalidade no dia a dia em regime de exceção. Avisada por um amigo local, a artista postou-se em uma dessas praças de câmera em punho. Daí veio o vídeo Meeting Point, parte de uma série de vídeos e fotos que apontam para uma nova direção na trajetória artística da paulistana. “Quando embarquei nessa viagem, senti necessidade de fazer um registro documental da situação. Essas pessoas nunca voltarão aos seus países. Essa é uma ilusão do europeu. Vai haver um redesenho do mapa-múndi”, diz. Em se tratando de uma artista que tem a água como fio condutor do trabalho, Guggisberg dá um tratamento sensível e delicado à diáspora contemporânea. Prova disso é a entrevista que fez com um pai de família sírio que fala de sua situação com grande sofrimento. Sem perspectivas de conseguir um visto, sem dinheiro, sem emprego, vivendo em acampamento, passando frio e fome, ele não tem como prover seus familiares. Em vez de focar no

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Na página ao lado, Olafur Eliasson faz oficina em Viena com refugiados sírios pelo projeto Green Light; acima, foto de um cemitério de barcos grego (2015), de Sonia Guggisberg

rosto do personagem, o quadro está fechado em sua roupa, o que enfatiza o desespero na voz. O entrevistado não quis falar diretamente para a câmera. Mais tarde, recomposto, concordou em ter seu rosto gravado. Mas Guggisberg não gravou, considerando que a primeira versão, indireta e captada no calor da emoção, expressava perfeitamente a condição de seu entrevistado. Para reverter essa sensação comum aos refugiados, Olafur Eliasson criou Green Light, um projeto de acolhimento e interação. “Ele surgiu num momento em que a situação dos refugiados estava começando a se tornar uma crise de fato, e nos convencemos de que a arte poderia oferecer uma plataforma para canalizar situa-

ções de deslocamento, de sentir-se bem-vindo, de exercitar generosidade e de empatia”, disse Eliasson à seLecT. Realizado na Thyssen-Bornemisza Art Contemporary Foundation, em Viena (Áustria), entre março e julho deste ano, consistiu numa série de workshops em que refugiados e nativos trabalharam juntos na construção de uma luminária feita de materiais recicláveis, como copos de iogurte, e luzes de LED verdes. Além de construir as luminárias, os imigrantes tiveram aulas de alemão e cozinharam coletivamente. “Green Light não é apenas uma luminária, é também uma tentativa de delinear novas estruturas em uma sociedade em transformação. É um modelo, uma metáfora, uma metodologia que espero que possa ser copiada e feita em diferentes contextos.” Além disso, é uma forma de aqueles que compram a luminária doarem 300 euros para instituições como a Caritas Internacional e a Cruz Vermelha de Viena (ela pode ser adquirida pelo site http://bit.ly/tba-greenlight). Todas as informações do projeto estão no website do artista, www.olafureliasson.net/greenlight FOTOS: CORTESIA STUDIO OLAFUR ELIASSON, CORTESIA SONIA GUGGISBERG

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S Ã O PA U LO

RESIDÊNCIA ARTÍSTICA CAMBRIDGE: VOZES PLURAIS O letreiro onde se lia o nome do edifício não está mais lá: Hotel Cambridge. Em seu lugar, tapumes e pichações. Desde 2010, quando foi desapropriado pela prefeitura de SP por dívidas, o prédio, que já foi um dos endereços mais suntuosos da cidade, com hóspedes como o músico norte-americano Nat King Cole, teve sua decoração de luxo transformada em entulho. Destinado à moradia popular, foi invadido em 2012 por uma população sem-teto, cansada de esperar a efetivação do projeto. Unidos para torná-lo um local residencial de fato, fizeram um mutirão de limpeza e verteram os quartos em apartamentos provisórios, sob a liderança do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), seguido do Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo (Grist). Ali, todo mundo zela pelo bem comum e interage. Há equipe médica, psicólogo, salão de beleza, teatro, cozinha e oficina de costura, além da biblioteca comunitária, onde são realizados eventos. Inspirada pelas incursões de sua tia, a cineasta Eliane Caffé, durante as filmagens de Era o Hotel Cambridge (2015), a curadora independente Juliana Caffé sentiu que precisava levar as artes visuais para lá. “Durante as filmagens, fui me aproximando das pessoas, principalmente da Carmen Silva, uma das líderes do MSTC. Ela abriu um espaço para mim lá, mas eu não sabia o que fazer. No fim do ano passado, encontrei o curador Yudi Rafael e idealizamos o projeto”, diz Caffé, cocuradora da Residência Artística Cambridge, à seLecT. A proposta é levar quatro artistas para se relacionarem com o prédio, seus moradores e seu entorno, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. “Escolhemos nomes com SELECT.ART.BR

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Fachada do outrora luxuoso Hotel Cambridge, que atualmente recebe artistas pelo projeto de residência artística realizado dentro da ocupação do MSTC e Grist

projetos experimentais e colaborativos, sem pretensão de produzir obra para o mercado”, conta a cocuradora. O primeiro foi Ícaro Lira, que terminou sua estada em junho, depois de criar grupos de trabalho e ações que fizeram a ponte entre os moradores e o entorno. Segundo Caffé, “com as atividades, as pessoas de fora começaram a ver a ocupação com outros olhos, entendendo a situação de quem luta por moradia”. “Ícaro fez a ligação de dentro com fora, nós vamos ficar dentro e depois vem a Virginia de Medeiros, que vai levar esse universo para fora com tudo”, diz Rafael Escobar, que entrou na residência em julho com Jaime Lauriano, na primeira parceria da dupla. Ex-colegas de visuais do Centro Universitário Belas-Artes, eles querem usar na ocupação a dinâmica com que se colocam na cena artística. “Nossos trabalhos lidam com relações. A materialidade do trabalho é o índice das relações com pessoas e contextos”, diz Lauriano à seLecT. Nos cerca de quatro meses, eles querem conhecer e conversar com os moradores. “Somos bons de festa, é nossa estratégia de atuação”, brinca Escobar. Virginia de Medeiros que se cuide. Ela, que pretende morar no prédio durante o período de sua residência, vai ter de encarar os 15 lances de escada para chegar ao quarto que serve aos artistas, no último andar. A vista do terraço, que também é horta comunitária, compensa. LPN FOTO: LUCIANA PAREJA NORBIATO

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V E R N I SSAG E

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PA LO M A B O S Q U Ê O FAZER ESCULTÓRICO Equilíbrio, firmeza, peso, densidade e estabilidade são palavras fundamentais no repertório da escultura e inescapáveis para a nova produção da artista THAIS RIVITTI

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F OTO S G U I G O M E S

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Esculturas no ateliê de Paloma Bosquê, criadas para sua exposição na Mendes Wood DM

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Acima e ao lado, detalhes do ateliê da artista em que se misturam projetos em andamento e matérias-primas

VIA DE REGRA, OS ARTISTAS DA GERAÇÃO DE PALOMA BOSQUÊ, NASCIDA EM 1982, NÃO FAZEM ESCULTURAS. AO MENOS NÃO NO SENTIDO MAIS TRADICIONAL DO TERMO, QUE PRESSUPÕE UMA NOÇÃO DE FORMA AUTÔNOMA, ORGANIZADA A PARTIR DE UMA SÉRIE DE RELAÇÕES INTERNAS QUE A OBRA É CAPAZ DE ENGENDRAR. Há

tempos, a ideia de autonomia foi colocada em xeque no campo das artes, com a entrada em cena de uma exigência de que a obra se imponha no terreno comum da vida cotidiana. Assim, os artistas mais jovens preferem o termo genérico “objeto tridimensional” à escultura. Mas esse não é o caso de Paloma. No ateliê da artista – em visita feita durante a preparação de sua nova exposição, com data de abertura marcada para 13/8 na Galeria Mendes Wood DM, em São Paulo – estavam cinco esculturas novas. Todas elas têm a mesma estrutura feita com tubos finos, quadrados, de latão, fixados no chão com a ajuda de um suporte de chumbo. Algumas têm um pé, outras dois e uma quatro. Apenas essa última não é decididamente vertical e alude à horizontalidade de uma rede ou cama. As outras quatro estão “de pé” e três delas medem, aproximadamente, a altura da artista. A construção se repete, mas cada uma acha um jeito de problematizar, ou deixar mais complexa, a sua presença algo singela – uma haste vertical – no espaço. SELECT.ART.BR

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GRADE MODERNISTA

Na primeira obra, a fina estrutura de latão é recoberta por uma trama delicada de fios, também dourados, que veste a escultura em toda a sua extensão. A trama cintila, criando um efeito de vibração que retira a solidez da linha reta central, além de conferir à peça um volume impreciso. Em outro trabalho, a haste principal dobra-se em ângulos retos e sustenta, em sua extremidade, um pequeno objeto preto, alongado, que permanece suspenso no ar. Embora a construção suscite leveza, a sensação de desequilíbrio aparece, como se toda a estrutura se curvasse ao peso daquela pequena massa escura. Algo distinto ocorre em outra obra. Mais baixa e muito mais estável visualmente que as anteriores, esta tem a forma de uma trave, apoiando-se no chão com dois pés. No centro da barra horizontal, paralela ao solo, pende uma linha que sustenta, também, um objeto preto posicionado bem no centro da área quadrada delimitada pela peça. Aqui, tudo parece ocupar corretamente seu lugar. Equilíbrio, firmeza, peso, densidade e estabilidade. Palavras fundamentais do repertório da escultura e inescapáveis para tratar dessa nova produção da artista. Há, nesse conjunto, a presença forte de ângulos retos, certa simplificação formal, uma composição colada à grade modernista – à Mondrian.

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Essas novas esculturas não negam sua origem no plano bidimensional, como mostram alguns dos trabalhos dispostos nas paredes do ateliê. Muitos deles usam linha de costura ou lã para desenhar um campo de forças, com zonas mais cheias e mais vazias, que criam uma dinâmica para o olhar: para cima, para baixo, para o lado... Em alguns casos, vemos formas geométricas mais definidas. Em outros, a matéria parece acomodar-se de modo mais orgânico. Nesses desenhos já se nota uma vontade de autonomia em relação ao suporte: as linhas extravasam a moldura, ou prescindem dela ficando presas diretamente na parede. FRAGILIDADE DA PELE

Há um par de esculturas, talvez as mais complexas desse conjunto novo, que unem os tubos de latão com tecido. Em uma delas, as hastes de latão conformam uma trave longa, da qual pende, em direção ao chão, uma tira comprida de tecido feito de lã crua. O espectador fica diante de uma superfície que contém, em suas entranhas, uma pequena esfera preta. A tela aqui não é compreendida, como em uma pintura, como mero suporte, que deve ser invisível para que se possa ver um desenho. Suas calosidades, sua cor suja, seu caimento, suas bordas irregulares a colocam como matéria viva e pulsante – e somos inclinados a ver aquele ponto preto como uma semente, como algo que busca um meio para se fixar e crescer. Na outra escultura com lã, a única horizontal do conjunto, uma faixa estreita e longa do mesmo tecido branco prende-se às estruturas de latão, criando uma linha curva que lembra uma rede de dormir. O corpo aqui projetado já não é esquematicamente vertical, mas um corpo frouxo, lânguido, que se acomoda. O esgarçamento irregular do tecido, cuja presença sensível é radicalmente diferente da do metal, fala de um estar no mundo mais frágil, em que as tensões se encontram na superfície da pele. Ao juntar o latão com a lã, Paloma Bosquê coloca em um mesmo trabalho materiais essencialmente diversos. O latão é um metal relativamente barato, associado à produção industrial e, por se prestar a imitar o dourado do ouro, à confecção de bijuterias e objetos decorativos de baixa qualidade. A lã, de origem animal, macia, fina, delicada e ao mesmo tempo rústica, recebe tratamento artesanal. Há algo instigante nessa polaridade, que se revela tanto sensivelmente como no uso corriqueiro dos dois materiais. Se Paloma Bosquê se volta a questões da escultura moderna, os materiais que elege para trabalhar se afastam desse repertório, abrindo caminho para uma nova pesquisa bastante promissora.

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Performance de Ei Arakawa na Bienal de Berlim BERLIM

BIENAL EM HD TOBI MAIER

9a Bienal de Berlim reúne artistas da onda pós-internet, mas faz uma abordagem limitada dos problemas da Europa atual Vinte anos depois da primeira Bienal de Berlim (e da invenção do celular para o mercado das massas), a 9a Bienal de Berlim, com curadoria do coletivo nova-iorquino DIS, formado por Lauren Boyle, Solomon Chase, Marco Roso e David Toro, abriu no início de junho. Havia bastante especulação e polêmica sobre os conceitos e as estéticas que seriam promovidos pelos curadores, pois o DIS é mais conhecido por seu trabalho como estilistas e editores da revista DIS online do que por curadorias de exposições de arte. Possível então pensar que o grupo organizaria a sua bienal como evento online ou em lugares não convencionalmente usados para exposições de arte – como galerias

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comerciais ou butiques de moda. Porém, para a exibição dos artistas selecionados, muitos deles atribuídos à onda da arte pós-internet, os curadores escolheram cinco lugares emblemáticos de Berlim. A promoção do trabalho de coletivo como se fosse corporativo resultou em uma mostra com limitada abordagem dos problemas da Europa atual – ao contrário, favorecendo os vencedores da globalização – e com pouca reflexão crítica da cultura pop e das estéticas do Silicon Valley. Minha visita começa na European School of Management and Technology (ESMT), uma escola privada de negócios, localizada no prédio antigo do Conselho de Estado da GDR. O passado socialista do edifício é sobreposto pelo código atual da economia global; de forma que a estética socialista vigia silenciosamente as transmissões ao vivo dos índices alemães de ações. Simon Denny apresenta Blockchain Visionairies (2016), que, com três estandes de feira, debate como as nações e as corporações interagem na era da desregulamentação. As empresas Ethereum, 21 inc. e Digital Asset Holdings apresentam-se como plataformas monetárias descentralizadas, cujas visões e modelos de negócio dependem da blockchain, a

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CRÍTICA tecnologia de bancos de dados que é a espinha do Bitcoin. A Pariser Platz, anfitriã do Brandenburger Tor, da Embaixada dos Estados Unidos e do Hotel Adlon (na varanda do qual Michael Jackson balançou o seu bebê em novembro de 2002), é um lugar altamente turístico de Berlim. A praça foi escolhida pelo DIS como lugar central para a mostra da Akademie der Kuenste. Ei Arakawa, em colaboração com Dan Poston e música de Stefan Tcherepnin, participa com a performance How to DISappear in America: The Musical, apropriando o livro homônimo do artista Seth Price com conselhos de como desaparecer sem deixar traços – nem sequer digitais. Na Coleção Feuerle, instalada num antigo bunker de telecomunicações dos Nazis, Josephine Pryde, nomeada pelo prêmio Turner este ano, apresenta Hands (2014-2016), uma série de fotografias que mostram as mãos de vários amigos e artistas coladas no celular. No coração do KW Kunstwerke, a instalação What the Heart Wants (2016), de Cecil B. Evans, é uma animação em vídeo num ambiente de água que faz lembrar as visões diatópicas inerentes na Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman. No seu trabalho, Evans reflete sobre as possibilidades da personalidade individual diante das startups, dos políticos e das grandes empresas na era digital. Chegando

Acima, instalação 11 Animals that Mate for Life, de Camille Henrot; abaixo, What the Heart Wants, de Cécile B. Evans

The Present in Drag 9a Bienal de Berlim, até 18/9, http://bb9. berlinbiennale.de/

no topo do KW, Camille Henrot apresenta uma serie de trabalhos novos sob o título Office of Unreplied Emails (2016), impressões de textos poéticos respondendo e-mails não solicitados, como publicidade ou ofertas de negócios. Ainda no térreo do KW, o grupo CUSS, da África do Sul, em colaboração com ANGEL-HO, FAKA, Megan Mace e NTU, instalou o Tr1omf Factory Shop com seus próprios produtos (perfume, revista, tevês de plasma etc.), que se assemelha a um “café internet” com funções diversas, como o envio de dinheiro. Paralela à 9a Bienal de Berlim, a mostra World on Wire na coleção Julia Stoschek, cujo título é emprestado do filme homônimo de ficção científica do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder. Enquanto o filme original de 1973 foi gravado em 16 mm, a exposição é altamente HD – quase uma continuação da 9a Bienal, com obras semelhantes e muitos artistas também presentes nela. Se a 9a Bienal articula as complexidades entre o público e o privado, na paralela essa mescla de interesses se cristaliza imediatamente na esfera entre a produção e o mercado de arte contemporânea. FOTOS: CORTESIA EI ARAKAWA, TIMO OHLER/KOENIG GALERIE, TIMO OHLER/CÉCILE B. EVANS

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INTERNET

MAPAS DA NOITE NÔMADE

Carmen Silvia Brown Munefeld, conhecida como A Vênus de Bronze, nascida na Noruega e naturalizada chilena, foi fichada ao obter visto de permanência no Brasil, em 1945

PAULA ALZUGARAY

Pesquisa histórica e ação artística integram-se em projeto sobre artistas e estrangeiros fichados pelo Dops de Pernambuco nos anos 1930 Conhecida no mundo artístico como Anita Palmero, a atriz e cantora Ana Palmero Chaves nasceu em Ronda, na Espanha, em 1902. Com passagens em teatros de Tucumán e Buenos Aires e nas grandes rádios argentinas, chegou ao Brasil em 1941 e apresentou-se no Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, Curitiba, Poços de Caldas e Recife. Em 1944, protagonizou um incidente no bar do Grande Hotel, na capital pernambucana. Na ocasião, Anita e uma amiga conversavam alegremente com oficiais americanos, bebiam e “soltavam gargalhadas escandalosas, perturbando o silêncio no ambiente”. À reprimenda de um interventor que se encontrava no ambiente “replicaram desabusadamente”. No dia seguinte, Anita SELECT.ART.BR

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O Obscuro Fichário dos Artistas Mundanos, Clarice Hoffmann, obscurofichario.com.br

foi chamada à delegacia, onde foi aberto pelo Dops/PE o prontuário individual 9301. A história de Anita Palmero está contada em verbete publicado no site O Obscuro Fichário dos Artistas Mundanos. Contemplado na edição 2013-2014 do Rumos Itaú Cultural, o projeto de Clarice Hoffmann foi motivado pela existência de um conjunto de fichas produzidas pela Delegacia de Ordem Política e Social de Pernambuco (Dops/PE), entre 1934 e 1958, com registros da passagem pelo estado de indivíduos vistos e nomeados como artistas. “Artistas no conceito da polícia, que fique claro. Há pugilistas, ilusionistas, contorcionistas, quiromantes, cartomantes, transformistas”, diz Hoffmann. Eram categorizados como “artistas” aqueles que escapavam aos padrões morais de comportamento ou representavam uma ameaça ao regime político do Estado Novo. Daí o preconceito às mulheres que trabalhavam à noite, em locais de frequência masculina – portanto, associadas à prostituição ou ao tráfico de informações e à espionagem política. São fichadas dezenas de dançarinas de cassinos e cabarés, por exemplo. Das 413 fichas encontradas, 60% são de mulheres e 40% de estrangeiros. Mulheres eram suspeitas de antemão. “E incomodava ao Estado que os artistas fossem nômades. Um Estado totalitário prefere o sedentarismo: quer saber onde as pessoas estão, como localizá-las”, afirma o historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior, que integra o grupo de trabalho formado por Hoffmann. Também na equipe, as curadoras Clarissa Diniz e Gleyce Heitor lançaram uma convocatória a projetos artísticos interessados em tangenciar e ativar as histórias que vieram à tona no arquivo. Os trabalhos selecionados de Marie Carangi, Juliana Borzino e Irma Brown viraram obras virtuais, no site do projeto. O resultado é uma valiosa documentação da vida e da obra de artistas que movimentaram uma época, mas que desapareceram e jamais seriam lembrados.

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SÃO PAULO

REFÚGIO NA GRAVURA LUCIANA PAREJA NORBIATO Qual o valor de um ser humano? Se ele for refugiado ou imigrante de ex-colônias europeias, o orçamento fica barato. A falta de direitos, a necessidade de adaptação a novos costumes e idiomas, a não oferta de empregos regulamentados, tudo dificulta o dia a dia dessa população. É comum que muitos trabalhem como vendedores ambulantes, tentando burlar a precariedade de sua condição de quase párias, organismos invisíveis no corpo das grandes cidades. Embaralhador frequente dos códigos do circuito da arte com a vida, Lourival Cuquinha tomou os imigrantes como matéria-prima de Transição de Fase (2014-2016). O trabalho faz parte da edição deste ano do Clube da Gravura do MAM e está na curadoria de Cauê Alves, que comemora os 30 anos da iniciativa. São retratos de cem camelôs imigrantes impressos em pequenas chapas de cobre, com a cabeça fotografada em frente e verso. Se cada associado do Clube recebe um retrato único, na mostra todos os cem aparecem perfilados, o que potencializa o sentido da obra. Sob as fotos, o objeto que o artista comprou de cada camelô, de mesmo preço que a chapa com a impressão: uma camiseta do Brasil, um rádio made in China, um delicado pingente feito à mão, uma caricatura do próprio artista, uma profusão de correntes de prata e ouro e muitos outros objetos, dos mais ordinários aos mais autorais. Suspensos em pilhas de moedas de cinco ou dez centavos pregadas na parede, são o testemunho do valor monetário conferido diariamente ao trabalho dos imigrantes como também da placa em que estão gravadas suas expressões, cores e traços.

Detalhe de Transição de Fase (2014-2016), obra que Lourival Cuquinha realizou com imigrantes no Brasil

Clube da Gravura: 30 Anos, até 21/8, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3, Parque do Ibirapuera www.mam.org.br

Mas nem o valor da obra de arte pode ser medido só pelos materiais de que ela é composta, nem o do trabalho desses vendedores de rua, e aí reside a potência da instalação. É na evidenciação dos rostos realçados pelo brilho de fundo do cobre que arte e vida se misturam na valoração do trabalho (artístico ou corriqueiro) para além da materialidade e do cifrão. É a ação de dar visibilidade a seus agentes e personagens anônimos, cotidianamente ignorados e desvalorizados, que mostra que as relações de troca não são entre dinheiro e produto, mas entre pessoas, sonhos e expectativas. Transição de Fase traz à sisudez do cubo branco uma lufada de mundo real, de vida em curso, cuja poesia está exatamente na espontaneidade e nas relações humanas acima de toda a coerção do capital. Localizada no último extremo do espaço expositivo, a obra é o grand finale política e tecnicamente radical para a exposição, que passeia pelas possibilidades da gravura contemporânea, do rigor técnico à investigação de seus limites. FOTOS: CORTESIA CLARICE HOFFMANN, HUGO SÁ/MAM

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Escultura Sunset, de Doug Aitken, em cartaz na Pinacoteca de São Paulo SÃO PAULO

AUSTERA, METÓDICA E ESPONTÂNEA ANA ABRIL

Obras do acervo de Helga de Alvear, em exibição na Pinacoteca, rompem ideias preconcebidas sobre a arte contemporânea Uma das principais coleções privadas da Europa pertence à alemã Helga de Alvear e está na cidade espanhola de Cáceres, onde ela vive há 59 anos. Os avanços artísticos e o reflexo conceitual do mundo atual são as duas máximas que movem o espírito colecionador da alemã. Interessados no acervo representativo e cienSELECT.ART.BR

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Fora da Ordem - Obras da Coleção Helga de Alvear, até 26/9, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Praça da Luz, 2 www.pinacoteca.org.br

tes do gosto de Helga de Alvear por compartilhar suas obras, os curadores Ivo Mesquita e José Augusto Ribeiro trabalharam durante três anos para trazer algumas das 3 mil obras da alemã ao Brasil em Fora da Ordem – Obras da Coleção Helga de Alvear. O recorte de 137 trabalhos escolhidos pelos curadores vem de uma cidade à margem dos centros artísticos da Espanha – Madri e Barcelona –, para ser acolhido na Pinacoteca de São Paulo. A seleção de Mesquita e Ribeiro apoia-se em duas linhas de raciocínio: a primeira favorece trabalhos formalmente sóbrios e minimalistas; a segunda traz obras mais fantasiosas e imaginativas. Essa confluência de polaridades serve para quebrar paradigmas enraizados na arte contemporânea: o trabalho minimalista é austero, mas não é necessariamente frio; enquanto o trabalho espontâneo carrega metodismo na sua criação. Assim, a mostra constantemente surpreende o espectador. Exemplo disso é a aparente simplicidade e robustez de Sunset, de Doug Aitken, que esconde o meticuloso trabalho realizado com espuma branca e leds. No extenso primeiro andar da Pinacoteca podem ser apreciadas pinturas, esculturas, instalações e peças de tamanho monumental, a maioria delas realizada após 1960. Os destaques vão da fotografia norte-americana do século 20 até o pluralismo da arte alemã e espanhola. Ares brasileiros ficam por conta dos artistas Jac Leirner e José Damasceno. A coleção de Helga de Alvear possui obras que são consideradas a crème de la crème de renomados artistas, como One and Two (1962), de Louis Morris. Uma das primeiras séries fotográficas de Cindy Sherman, Bus Riders, também é uma das gemas preciosas da exposição. Sem falar do privilégio do contato imediato com obras de Kandinsky e Duchamp. O fim do modernismo e seus solapamentos pelas estratégias de deformação, quebras de cânones e minimalismo se fundem na coleção. Ao mesmo tempo que as oposições se abraçam.

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Detalhe da instalação Quanto Pesa uma Nuvem? (2016), de Giselle Beiguelman

ERA UMA VEZ Em novo filme-instalação, Giselle Beiguelman viaja por cinco cidades polonesas reunindo memórias de um passado não vivido A obsolescência tecnológica e as políticas do esquecimento – dois grandes temas de pesquisa de Giselle Beiguelman – são os fios condutores de Cinema Lascado, recorte de dez anos de trabalhos artísticos, em exposição na Caixa Cultural de São Paulo. Mas é possível discernir os fragmentos de sua obra completa em uma só instalação, em cartaz do outro lado da cidade, no Galpão Videobrasil. Quanto Pesa uma Nuvem? abre uma nova dimensão ao trabalho de Giselle Beiguelman, que passa a se orientar não apenas à pesquisa da imagem digital, mas das imagens mentais. Comissionada pelo Adam Mickiewicz Institute, como parte do programa de promoção da cultura polonesa no Brasil, organizado pelo Culture. pl., a exposição é composta de três obras: Perguntas às Pedras (carimbo), Perturbadoramente Familiar (áudio e postais) e Quanto Pesa uma Nuvem? (vídeo e fotografia). Mas deve ser entendida e usufruída como um filme-instalação, composto de elementos distribuídos pelo espaço. É o visitante quem “monta” esse filme, a partir de um percurso sugerido. O primeiro ato dá-se em uma sala vazia, onde as imagens serão mentalmente construídas pelo visitante, a partir

Quanto Pesa uma Nuvem?, de Giselle Beiguelman, até 20/8, Galpão VB, Associação Cultural Videobrasil, Av. Imperatriz Leopoldina, 1.150, SP, http:// site.videobrasil.org.br/

da audição de um diário de viagem. O diário sonoro Perturbadoramente Familiar, cuja audição não deverá ser necessariamente linear, mune o visitante de pistas para construir sua própria experiência narrativa. Ele anuncia que Giselle Beiguelman chegou na Polônia “sem imagens mentais”, com a impressão de chegar em um território sem narrativas. Ensina que o céu de Denblin, cidade natal do bisavô paterno, o grão-rabino Hersz leub Beiguelman, é “azul cor de vazio”. Ou que naquela cidade não restaram nem judeus, nem suas casas, sinagogas ou beiguels – o pão da tradição judaica, que emprestou o nome à família da artista. O diário completa-se em uma coleção de cartões-postais, que dão forma e existência inteligível aos fragmentos de imagens mentais; e em uma série de carimbos (Perguntas às Pedras) que estampam questões lançadas no áudio – “A beleza afronta a memória do pesadelo?”; “A dor tem cor?”; “Como é viver onde tudo era?”. As Perguntas às Pedras revivem o trabalho Memória da Amnésia, realizado no fim de 2015 com 60 monumentos esquecidos de São Paulo, que lançava a pergunta “O que você esqueceu de lembrar?” Entre os terrenos vagos fotografados e reproduzidos em postais e os hiatos da história sonora figuram um vídeo e uma fotografia, que colocam lado a lado o peso e a fugacidade de “tempos abolidos e imóveis”. O terceiro ato narrativo é obra do espectador, convidado a carimbar as perguntas nos versos dos cartões-postais e criar o seu próprio epílogo a esta comovente história de perdas e memórias não vividas. PA FOTOS: ISABELLA MATHEUS, PAULA ALZUGARAY

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FOTOGRAFIA COMO RESISTÊNCIA

Artistas de teatro na greve contra a censura da ditadura militar, no Rio de Janeiro, em 1968. Fotografia da Folha Imagem com intevenção de Marcelo Brodsky

FELIPE STOFFA

Exposição no Itaú Cultural assume a fotografia como arquivo e documento político da América Latina Arquivo Ex Machina é uma analogia com a expressão latina Deus Ex Machina, resposta para problemas aparentemente insolúveis que só podem ser resolvidos por Deus. A exposição no Itaú Cultural tem curadoria de Claudi Carreras e Iatã Cannabrava, e assume o registro fotográfico como arquivo e documento da América Latina. Fica claro que a fotografia latino-americana se desenvolveu como forma de resistência. E a expografia dialoga com o fato, dividindo a mostra em dois andares. No primeiro, abriga-se uma seção de viés histórico, ressaltando as marcas da colonização. Destacam-se nesse piso as instalações luminosas de Coco Laso, que se apropria de retratos de indígenas da Amazônia clicados por seu bisavô, o fotógrafo equatoriano José Domingo Laso (1870-1927). Ou na série La Huella Invertida, em que José Laso interfere nas imagens para retirar a presença indígena de seus retratos. O objetivo era passar a falsa SELECT.ART.BR

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Arquivo Ex Machina: Identidade e conflito na América Latina, até 7/8, Itaú Cultural Av. Paulista, 149 www.itaucultural.org.br

ideia de como era a população do Equador no fim do século 19. A segunda sala é organizada a partir de um recorte político, com trabalhos que operam como registros dos conflitos da região, como na série do argentino Marcelo Brodsky, El Fuego de Las Ideas (1968). O fotógrafo vale-se de imagens de diversas manifestações estudantis – por exemplo, os famosos protestos de maio de 1968, em Paris, e a Passeata dos 100 Mil, no Rio de Janeiro – e intervém com frases, comentários e desenhos. Diferentemente do primeiro andar, os artistas neste espaço abrem mão de um apuro estético para destacar o abuso do poder. É curioso que Arquivo Ex Machina abre no mesmo edifício que abriga uma das maiores coleções Brasilianas de gravuras, pinturas e paisagens do País nos séculos 16, 17 e 18. Todas produzidas a partir da observação da alteridade. A distância temporal entre as duas exposições nos faz indagar que pouca coisa mudou a respeito do olhar do europeu sobre a América Latina. E talvez nosso Deus Ex Machina ainda não nos apresente solução. Essas são as veias abertas das quais o falecido escritor Eduardo Galeano (1940–2015) nos falava. Na exposição, a América Latina é registrada através de uma fotografia histórica, chegando até o uso político das imagens como forma de dominação, no caso das ditaduras que ocorreram em diversos países do continente. Nesse momento, o documento atesta a barbárie que marca nossa história, retratada sempre pelo viés do mais forte. FOTOS: CORTESIA MARCELO BRODSKY/GALERIA SUPERFÍCIE

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EM CONSTRUÇÃO

CANNABRAVA PREPARA FESTIVAL DO VALONGO DEPOIS DE DIRIGIR DEZ EDIÇÕES DO PARATY EM FOCO – FESTIVAL INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA, IATÃ CANNABRAVA DECIDIU DESLOCAR-SE PARA OUTRO SÍTIO COLONIAL. Agora seu foco é Santos (SP), onde tem prevista para

outubro a estreia do Valongo Festival Internacional da Imagem, projeto voltado não só para a fotografia e o vídeo, mas para a expansão da imagem contemporânea. Entre 12 e 16/10 acontecem, além de oito mostras de expoentes mundiais da vertente imagética, workshops, palestras, encontros e entrevistas. As exposições contam com pesquisa e seleção do espanhol Horácio Fernandez. Assim como o antecessor fluminense, o charme do Valongo Festival fica por conta das sedes do evento: sítios históricos como o Porto de Santos (o principal

do Brasil), a Casa da Frontaria Azulejada, a Cadeia Velha e, claro, o Santuário de Santo Antônio do Valongo. Ao contrário do cais de mesmo nome no Rio de Janeiro, usado para o comércio de escravos, o Valongo santista era uma região ocupada pela elite da cidade quando da construção da igreja, em 1640. Alguns dos projetos serão realizados ao ar livre e outros darão ao público a oportunidade de conhecer o interior de prédios históricos que normalmente estão fechados para visitação. “O Valongo vai ser tomado pela imagem”, diz Iatã Cannabrava à seLecT. Uma oportunidade e tanto para dar um mergulho em novas tendências da produção contemporânea e, de quebra, conhecer o patrimônio histórico de uma das cidades mais antigas do País. LPN e PA

FOTO: IATÃ CANNABRAVA

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