Espertos Como Serpentes - Manual de Sobrevivência no Mercado de Trabalho

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Impresso no Brasil, agosto de 2011 Título original: Clever as Serpents – Business Ethics and Office Politics Copyright © 1997 by Order of Saint Benedict. Este livro foi originalmente publicado em inglês pela Liturgical Press, Saint John’s Abbey, Collegeville, Minnesota 56321, USA. Edição brasileira publicada por meio de acordo com a Liturgical Press. Todos os direitos reservados. Os direitos desta edição pertencem a É Realizações Editora, Livraria e Distrib. Ltda. Caixa Postal: 45321 cep: 04010 970 São Paulo, SP, Brasil Telefax: (5511) 5572 5363 e@erealizacoes.com.br www.erealizacoes.com.br

Assistentes editoriais Gabriela Trevisan Veridiana Schwenck Revisão Viviam Moreira Danielle Sales Liliana Cruz Design Gráfico Alexandre Wollner Alexandra Viude Janeiro/Fevereiro 2011 Diagramação e finalização Mauricio Nisi Gonçalves André Cavalcante Gimenez/Estúdio É Pré-impressão e impressão Prol Editora Gráfica

Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.

Editor Edson Manoel de Oliveira Filho Coordenador da Biblioteca René Girard João Cezar de Castro Rocha

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Esta edição teve o apoio da Fundação Imitatio.

Imitatio foi concebida como uma força para levar adiante os resultados das interpretações mais pertinentes de René Girard sobre o comportamento humano e a cultura. Eis nossos objetivos: Promover a investigação e a fecundidade da Teoria Mimética nas ciências sociais e nas áreas críticas do comportamento humano. Dar apoio técnico à educação e ao desenvolvimento das gerações futuras de estudiosos da Teoria Mimética. Promover a divulgação, a tradução e a publicação de trabalhos fundamentais que dialoguem com a Teoria Mimética.

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Para minha esposa, Sissy, e meus pais, Jim e Mary Jo, que me apresentaram ao intrigante oximoro que 茅 o neg贸cio familiar. J. G.

Para Linda. J. M.

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Eis que vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas. Mateus 10,16

E o senhor louvou o administrador desonesto por ter agido com prudência. Pois os filhos deste século são mais prudentes com sua geração do que os filhos da luz. Lucas 16,8

Quem é o homem rico? Aquele que está satisfeito com o que possui. Talmude

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13 teoria, realismo e cotidiano João Cezar de Castro Rocha

69 capítulo 4 o segredo do mercado: desejo mimético

23 agradecimentos

99 capítulo 5 o segredo da chefia: culpabilização

parte I teoria 27 capítulo 1 introdução 41 capítulo 2 o primeiro mito do mercado: liberdade 55 capítulo 3 o segundo mito do mercado: concorrência

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parte II prática/áskesis 125 capítulo 6 a moeda da culpa e do crédito: fofoca 145 capítulo 7 a ética da sobrevivência: o chefe e os funcionários

159 capítulo 8 a ética do sucesso: concorrentes 179 capítulo 9 a ética da prestação de serviço: clientes 199 capítulo 10 a sabedoria da tradição: trabalho 215 questões para discussões posteriores 227 referências bibliográficas 233 breve explicação 235 cronologia de René Girard

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239 bibliografia de René Girard 242 bibliografia selecionada sobre René Girard 250 índice analítico 253 índice onomástico

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Teoria no dia a dia Uma questão central, embora nem sempre compreendida pelos críticos de René Girard, refere-se ao entendimento peculiar das noções de realismo e teoria subjacentes ao desenvolvimento de sua obra. Esclarecer esse sentido permite avaliar a importância de Espertos como Serpentes. Caso contrário, o esforço dos autores poderia ser visto como uma tentativa ingênua de “aplicar” uma teoria complexa a circunstâncias cotidianas, mesmo banais – vale dizer, o dia a dia do universo corporativo, com suas mazelas previsíveis: a competição desleal, a inveja, a intriga, a fofoca, a vontade de poder. Contudo, basta recuperar a insistente defesa girardiana de uma ideia específica de realismo para reavaliar o problema. Vejamos, então, apenas duas ou três passagens-chave

1 Professor de Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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para clarear o caminho – na verdade, seria possível compor uma antologia de citações similares. Por exemplo, para o pensador francês, o êxito de uma teoria deveria ser medido por um metro peculiar: “Nenhuma disciplina nova produzirá qualquer resultado duradouro a menos que esteja fundada no realismo do senso comum”.2 O corolário dessa concepção supõe uma atitude em aparência antifilosófica – ou, na avaliação do próprio René Girard, decididamente antifilosófica: “Todas as minhas intuições são verdadeiramente intuições antropológicas, no sentido de que vejo o Direito sair do sacrifício, de maneira bem concreta e nada filosófica”.3 Desse modo, ele opõe sistematicamente intuição antropológica e especulação filosófica, ou, para dizê-lo de maneira ainda mais sintética, teoria e filosofia, privilegiando sempre os primeiros termos: intuição antropológica e teoria.4 Tal opção estimulou o emprego de uma linguagem ensaística pouco técnica, que lança mão deliberadamente de termos coloquiais em lugar de investir na criação de vocabulário em geral hermético. Por isso mesmo, o único neologismo cunhado pela teoria mimética é o conceito

2 René Girard, Pierpaolo Antonello e João Cezar de Castro Rocha, Evolução e Conversão. Diálogos sobre a Origem da Cultura. Trad. Bluma Waddington Vilar e Pedro Sette-Câmara. São Paulo, Editora É, 2011, p. 56. 3 René Girard. Rematar Clausewitz: Além Da Guerra. Diálogos com Benoît Chantre. Trad. Pedro Sette-Câmara. São Paulo, Editora É, 2011, p. 181 [grifos meus]. 4 Por exemplo, é sintomática a maneira como Girard valoriza o trabalho de Carl von Clausewitz: “Há em Clausewitz uma teoria da guerra, mas não uma filosofia da guerra”. Ibidem, p. 130 [grifos meus].

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de interdividualidade;5 todas as demais noções são correntes na linguagem cotidiana. Nas palavras de Girard: “Acredito que a especificidade linguística da literatura e das ciências sociais é proporcional à mediocridade da língua. (...) Quanto menos se tem a dizer, mais se recorre ao jargão”.6 Compreenda-se bem tal perspectiva. Não se trata de uma concepção chã de realismo, com base na pressuposição de um referente que, por ser prévio à forma linguística, determinaria o conteúdo da enunciação. Pelo contrário, o tratamento girardiano é muito mais complexo, pois supõe o corpo a corpo com o objeto na própria origem da linguagem, isto é, na gênese mesma da cultura. Em livro anterior, já se havia anunciado tal possibilidade: “é esse ponto de partida no objeto sobre o qual nunca será demais insistir, é isso que ninguém parece compreender, e é isso que é preciso compreender para ver que o que estamos fazendo aqui não é filosofia”.7 Precisamente essa ideia favorece o estudo de Jim Grote e John McGeeney, pois eles buscam analisar as consequências da teoria mimética no dia a dia do universo

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Conceito proposto em Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo. Pesquisas com Jean-Michel Oughourlian e Guy Lefort (Trad. Martha Gambini. São Paulo, Paz e Terra, 2009). O conceito pretende denunciar a ilusão de autonomia do sujeito expressa na ideia de individualidade. Já o conceito de interdividualidade, pelo contrário, assinala a necessária presença do outro, isto é, da adoção de um modelo na determinação do desejo. 6 René Girard, A Conversão da Arte. Trad. Lília Ledon da Silva. São Paulo, Editora É, 2011, p. 123-24. 7 René Girard, Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo. Pesquisas com Jean-Michel Oughourlian e Guy Lefort, op. cit., p. 37 [grifos meus]. teoria, realismo e cotidiano

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das grandes empresas, valorizando a dimensão coloquial da linguagem como elemento revelador de mecanismos que (quase) nunca são explicitados. A contrapelo do que se acredita hoje em dia, essa é uma abordagem propriamente teórica. Recupere-se, pois, a etimologia do conceito.

“Theoria” e realismo Ora, é a própria concepção girardiana de realismo que demanda a retomada da noção grega de theoria.8 No sentido original, a afirmação teórica era um pronunciamento que implicava um complexo ato de re-visão, envolvendo “um grupo de testemunhas profissionais”, cuja função consistia em “assegurar que um dado evento tinha ocorrido”.9 Desse modo, tornava-se tema para consideração no âmbito da cidade, pois a maioria dos ouvintes não tinha presenciado o evento referido pelo theoros, daí a necessidade dessa instância confirmadora. O teórico, pois, era um servidor público e relatava para a comunidade fatos por ele presenciados. No fundo, a credibilidade de sua posição era a responsável pelo ato

8 Para uma retomada completa do tema, ver Andrea Nightingale, Spectacles of Truth in Classical Greek Philosophy: Theory in its Cultural Context. Cambridge, Cambridge University Press, 2004. 9 Miguel Tamen, “Ghosts Revised: An Essay in Literary history”. In: Miguel Tamen e Helena C. Buescu (orgs.), A Revisionary History of Portuguese Literature. Nova York e Londres, Garland, 1999, p. XXII.

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suplementar de conferir veracidade ao relato, isto é, essa credibilidade permitia aos ouvintes “re-ver” o evento que não haviam “visto”. Tal autoridade, esclarece Wlad Godzich, era atribuída com o objetivo de disciplinar os efeitos do discurso na organização da cidade, mediante a distinção precisa entre “reivindicações” e “afirmações teóricas”. Aquelas podiam ser feitas por qualquer indivíduo, já estas eram prerrogativa dos oficiais designados para a função pública do theoros: “A cidade necessitava de uma forma de conhecimento mais oficial e segura caso não desejasse perder-se em infinitas reivindicações e contrarreivindicações. (...). Somente o evento teoricamente comprovado poderia ser tratado como fato”.10 A distinção era relevante na exata proporção em que a sociedade ateniense situou a palavra no centro da vida pública, tornando-a fundamental no processo de deliberação política. Trata-se, portanto, de enriquecer a leitura de Espertos como Serpentes, associando a concepção girardiana de realismo e o sentido originário da palavra theoria. O verbo theorein quer dizer “olhar para”, “contemplar”, “pesquisar”, o que naturalmente supõe um objeto a ser contemplado e pesquisado.11 Objetos sem contemplação específica não chegam a ser significativos para uma determinada comunidade. E, de igual modo, a pura contemplação, sem o confronto com objetos reais, pouco

10 Wlad Godzich, “The Tiger on the Paper Mat”. The Culture of Literacy. Cambridge, Harvard University Press, 1994, p. 165. 11 Tomo como base as acepções presentes no Dictionnaire Grec Français, de Anatole Bailly: “I. Ação de ver, de observar, de examinar: 1. (geral) viajar para ver o mundo (...); 2. ação de ver um espetáculo (...)”. Cito a edição da Hachette, de 1985.

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valeria como produção de conhecimento coletivo. Nada mais distante desse olhar do que a teoria contemporânea, em geral entendida como discurso autorreferente, composto por conceitos que remetem a si mesmos ou aludem a redes exclusivamente conceituais. Apesar da aparente complexidade discursiva gerada por tal entendimento da teoria, seu manejo é relativamente fácil, pois o objeto de pesquisa é reduzido ao pálido papel de simples pretexto para o eterno retorno de premissas teóricas estabelecidas a priori. A ironia é involuntária e chega a ser perversa: os estudos com base em tais noções autotélicas tornam ocioso o enfrentamento com o próprio objeto, já que se sabe de antemão o resultado da análise: ela apenas confirma o ponto de vista previamente adotado. Por isso, contra tal visão empobrecida de teoria, o pensamento girardiano demonstra a atualidade da theoria, fortalecida por uma noção peculiar de realismo; por sua vez, potencializada pelo emprego decidido de uma linguagem coloquial.

O cotidiano de uma teoria Hora, portanto, de retornar ao livro de Jim Grote e John McGeeney. Hora, sobretudo, de esclarecer a relação entre teoria mimética e análise da dinâmica do mundo corporativo; afinal, num primeiro momento, a conexão pode parecer surpreendente, talvez inadequada. 18

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Em A Violência e o Sagrado, Girard propôs uma fórmula radicalmente sintética de sua obra: “Todo ritual religioso provém da vítima expiatória, e as grandes instituições humanas, religiosas e profanas, provêm do rito”.12 Vale dizer, se todas as instituições são oriundas do rito, e, por sua vez, todo ritual foi derivado do sacrifício da vítima expiatória, então, o alfa e o ômega da cultura humana repousam no mecanismo do bode expiatório. Em consequência, a obra girardiana dedicou-se a compreendê-lo, para denunciá-lo em sua injustiça fundadora. Afinal, esse mecanismo, como o leitor da obra de Girard sabe muito bem, demanda que se canalize contra um único membro de determinada comunidade a violência que ameaçava desagregar todo o grupo. O êxito do fenômeno permite disciplinar a violência, tornando-a matriz de ritos e posteriormente de instituições políticas e sociais. A dimensão ética da teoria mimética é derivada do reconhecimento da inocência da vítima transformada em bode expiatório. Tudo se passa como se os autores de Espertos como Serpentes tivessem refletido sobre o cotidiano do mundo corporativo a partir da fórmula girardiana. Ora, se o desenvolvimento de todas as instituições humanas teve como gênese a descoberta e a posterior sistematização do mecanismo do bode expiatório, então os autores deste livro parecem perguntar: Se tal processo de canalização da violência coletiva foi fundamental na formação das instituições, como entendê-lo nos dias de

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René Girard, A Violência e o Sagrado. Trad. Martha Gambini. São Paulo, Paz e Terra, 2008, p. 384. teoria, realismo e cotidiano

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hoje? É possível encontrar manifestações desse mecanismo fundador no dia a dia, por exemplo, do mundo dos negócios e no jogo das finanças? Em caso positivo, isso quer dizer que seguimos “sacrificando” membros de nossas comunidades, a fim de assegurar a ordem social ou simplesmente aumentar a prosperidade econômica?

Jim Grote e John McGeeney acreditam que sim, identificando em gestos tão corriqueiros como a “fofoca e as informações de mitos” um autêntico sistema sacrificial adaptado às regras do método corporativo.13 É claro que lidam com sacrifícios “simbólicos”, embora eles possuam efeitos concretos, demasiadamente concretos: a perda de uma promoção, a simples demissão, a falência de uma empresa, o fracasso de uma carreira. Daí o título do livro, que alude à célebre passagem de Mateus (10,16): “Eis que vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas”.14 Afinal, qualquer passo em falso no mundo dos negócios ou no tabuleiro das finanças pode produzir uma reação em cadeia cuja resolução (em geral) supõe o eterno retorno do sacrifício arcaico, ainda que oculto sob o disfarce de “modernos” sistemas de “racionalização de

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Ver capítulo 6. Pedro Sette-Câmara observou com agudeza: “É verdade que traduções francesas da Bíblia falam em rusé, astuto, e que traduções inglesas também trazem cunning, astuto; mas em português conhecemos o trecho do versículo (Mateus 10,16) como “prudentes como as serpentes”, o que parece estar mais de acordo com o original grego (fronimoi) e com a tradução latina de São Jerônimo (prudentes). Aqui, Girard diz ‘plus rusé que la serpent’. A Bíblia de Jerusalém, indicada como referência por Girard, traz ‘sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas’”. Optamos, contudo, pela tradução “Espertos como Serpentes” pelo tom coloquial, adequado tanto à linguagem dos autores deste livro quanto ao tema abordado.

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gastos” ou de “administração de custos”, cujo “segredo”, na análise inteligente dos autores, sempre recorre à “resolução do conflito via sacrifício”.15 Isto é, a demissão de funcionários ou a liquidação de empresas. Os autores, então, buscam desenvolver uma “ética da sobrevivência” capaz de criar meios de proteção contra esse tipo de ameaça.16 Por isso, este livro às vezes recorda um manual de comportamento ou, por que não reconhecê-lo?, até mesmo um manual de autoajuda,17 escrito sob encomenda para um mundo globalizado, no qual a competição em escala planetária parece demandar um número cada vez maior de bodes expiatórios.18 Espero que o leitor não torça o nariz diante dessa possibilidade. Um gesto intelectual mais provocador seria abrir as páginas de Espertos como Serpentes considerando a hipótese de que teoria e realismo não se opõem necessariamente. Pelo contrário, por que não imaginar que o cruzamento complexo de realismo e teoria é tudo de que o pensamento contemporâneo necessita?

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Ver capítulo 5. Ver capítulo 7. 17 Aliás, como os autores reconhecem: “Espertos como Serpentes é um manual de treinamento prático e teórico sobre os procedimentos comerciais produtivos e éticos”. Ver capítulo1, adiante, p. 36. 18 Tema tratado por René Girard especialmente em Rematar Clausewitz: Além Da Guerra. Diálogos com Benoît Chantre. Trad. Pedro Sette-Câmara. São Paulo, Editora É, 2011. 16

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Antes de mais nada e acima de tudo, queremos agradecer ao nosso agente, Michael Downey, sine qua non. Ele foi uma inspiração para os nossos esforços, com quem tivemos o prazer de trabalhar: um modelo de generosidade a ser emulado. O nosso débito intelectual para com René Girard é imenso. Sem seus insights não teríamos tido condições de compreender o mundo comercial. Também estamos gratos a Tim Fout pelos exercícios deste livro, em suas aulas de ética comercial. E as seguintes pessoas por terem gastado o seu tempo e conhecimento para criticar rascunhos anteriores deste manuscrito: Perry Bramlett, Jack Ford, Edward Freeman, Mary Jo Grote, Phil Hanson (Phil, por onde você anda?), John Haughey, Susan Hickenlooper, Charles Mabee, Jim McWilliam, Carl Mitcham, Ken Mudd, J. J. Pakenham, Jerry Powers, Joe Rankin, John Rounds, Ellen Rudd, Patrice Tuohy e James Williams. agradecimentos

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Agradecimentos especiais para Rosemary Smith por compartilhar conosco a sua teoria de “direção do banco traseiro”. Finalmente para nossos filhos, Rachel, Catherine, Mark, Daniel, Teresa e Sarah, e às nossas esposas, pelo apoio dispensado.

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o1 l u t í cap ão ç u d intro Os seres humanos são animais racionais. Aristóteles As pessoas são idiotas. Dilbert

Animais racionais? Política de Escritório: Seu chefe é imprevisível e intimidador? Os seus subordinados dão muito trabalho e são lamurientos e ciumentos? Os seus colegas estão sempre tentando fazer o seu trabalho em vez de realizar o deles? Os seus clientes são caprichosos e exigentes? Você já perdeu as estribeiras? Você está num mato sem cachorro? Seus concorrentes estão roubando as suas melhores ideias antes que você consiga ganhar dinheiro com elas? A sua posição está sendo repensada, diminuída, colocada no tamanho apropriado, ou terceirizada? Você está trabalhando demais e ganhando de menos? Você está se afogando na política do escritório? Se puder responder positivamente a qualquer uma dessas perguntas, então este livro pode ser interessante para você. De forma diferente das abordagens acadêmicas tradicionais, acreditamos que uma ética comercial atenta tem que se preocupar com esses problemas diários. Como você pode interagir sagazmente com outras capítulo 1 - introdução

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pessoas e com as condições atuais de mercado, permanecendo fiel aos seus valores? Interesse Pessoal Irracional: Por causa da crise moral na sociedade atual, tem havido um ressurgimento do interesse nos tópicos ética e virtude, particularmente na área da ética comercial. As faculdades de Administração nos Estados Unidos estão iniciando cursos de ética comercial. Em vez de revisar a vasta bibliografia sobre esse assunto, exploramos um caminho mais prático. Em geral, as análises filosóficas sobre as questões éticas estão frequentemente baseadas em noções abstratas, como utilidade, equidade ou liberdade. Embora essas análises sejam importantes, elas compartilham uma deficiência. Todas presumem que o indivíduo tenha a capacidade de calcular racionalmente o seu próprio interesse. Questionamos essa suposição. A experiência demonstra que as pessoas são rotineiramente, algumas vezes passionalmente, irracionais na definição e na busca de seu “próprio interesse”. O simples fenômeno do “remorso de comprador” revela que o interesse próprio é frequentemente caprichoso e fugaz. A Teoria de Administração de Dilbert: Um dos grandes gurus da administração de nossa época, Scott Adams, o criador do personagem de quadrinhos Dilbert, chegou a uma conclusão simples com relação à natureza bizarra do comportamento humano no ambiente de trabalho. Ele enuncia sua teoria de forma elegante e sucinta: “as pessoas são idiotas”.1 Um insight tão brilhante desses deveria demandar poucos comentários. Contudo, até

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Scott Adams, The Dilbert Principle. Nova York, Harper Business, 1996, p. 2.

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mesmo Adams admite que a teoria requer um corolário. De acordo com Adams, nós, na maioria das vezes, sofremos da tendência chata de nos isentarmos da teoria citada, ao mesmo tempo que ainda esperamos que os outros se comportem racionalmente. “Seguramente não moi?” Economistas e teóricos da administração em especial tendem a ficar ultrajados ou perplexos com o comportamento irracional do mercado. Apesar de tudo, tal comportamento é frequentemente regra. Para citar Adams novamente: “esperamos que os outros ajam racionalmente apesar de sermos irracionais”.2 Mas por que ficamos ultrajados quando o princípio de Dilbert é confirmado? Obviamente, se as pessoas são irracionais, não pode haver uma resposta racional para essa pergunta. A questão meramente confirma o corolário. Felizmente, Adams não nos deixa em total perplexidade. Ele propõe um tipo de cura que se encaixe no seu diagnóstico negativo da condição humana. Ele argumenta que, se conseguirmos aceitar tranquilamente o fato de que “as pessoas são idiotas” e deixarmos de esperar um comportamento racional de sua parte, então muito da tensão em nossas vidas se dissipará e seremos mais felizes. A Ética de Aristóteles: Aristóteles, o primeiro filósofo ocidental da ética, tinha uma abordagem inteiramente diferente daquela feita por nosso cínico consumado, Dilbert. Como Aristóteles viveu há quase 25 séculos, ele não teve, por assim dizer, nenhum conhecimento da corporação moderna. Ele foi, contudo, um juiz sagaz do caráter e gastou muito tempo observando os caprichos do comportamento

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Ibidem, p. 7. capítulo 1 - introdução

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humano. Apesar de ter passado toda a sua vida imerso na política da antiga Atenas, ele ainda assim concluiu que os seres humanos são animais racionais.3 Afora isso, ele declarou que todo o propósito da ética é a busca racional da felicidade. Enquanto a maioria das pessoas concorda que a felicidade é o objetivo da vida, poucos concordam sobre o que é a felicidade ou como pode ser atingida. Algumas pessoas argumentam que o dinheiro leva à felicidade. Outras argumentam em favor do sexo. Outras ainda dizem que é o poder político. E muitas pessoas argumentam que em ultima instância somente Deus pode nos tornar felizes. Os argumentos não mudaram muito desde os dias de Aristóteles. Qual o conselho que devemos seguir: o de Aristóteles ou o de Dilbert? Ou, para colocar as coisas no vocabulário contemporâneo de Dilbert, “como os idiotas conseguem atingir a felicidade?”. Método na Loucura: Embora o mundo comercial possa ser um ambiente insano, não compartilhamos o cinismo de Dilbert. Embora as pessoas possam ser irracionais, há um método em sua loucura. Existe uma razão para o seu comportamento irracional. A compreensão desse método é uma maneira de escapar da loucura. Nas palavras de um advogado corporativo que consultamos: “Depois que eu aprendi como me desligar da política do escritório e da escada corporativa, me tornei muito mais contente e muito menos frustrado no trabalho”. Gostaríamos de compartilhar esse contentamento com você, explorando esse método na loucura.

3 Aristóteles, Nicomachean Ethics I. Cambridge, Harvard University Press, 1947, p. 7.

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Ética Experimental: A nossa análise não é tão simples como a leitura da obra de Dilbert (embora Dilbert seja um ótimo ponto para se começar). Atingir a felicidade, como Aristóteles primeiro observou, é um trabalho duro. Embora o objetivo deste livro seja prático – encontrar a felicidade no trabalho –, os meios para se chegar a esse fim demandam raciocínio, e raciocínio é quase sempre doloroso. Sem sacrifício, não se ganha nada. Caro leitor, pedimos sua colaboração. Este livro é um experimento em ética comercial. A abordagem é experimental porque estamos apresentando hipóteses de trabalho, não leis estabelecidas. Nosso experimento depende de você, leitor, e das suas observações sobre o mundo comercial. A sua experiência fornece os dados com os quais se podem testar essas hipóteses. Você também é o condutor desse experimento na medida em que deve tirar as suas próprias conclusões. Tal como você, compartilhamos esse papel duplo de pesquisadores e cobaias. Nossa abordagem foi projetada para tirar proveito da sabedoria de sua própria experiência e de suas próprias “histórias de guerra”. Na busca pela verdade, George Fox, o fundador dos quakers, desistiu de encontrar quaisquer especialistas que pudessem dar solução à sua condição pessoal. (Isso foi antes dos dias da teoria da administração e dos livros de autoajuda.) Foi numa época em que não dispunha de ninguém em quem confiar, exceto nele mesmo, que ele passou pelo grande despertar espiritual. Seu relato desse insight em seu Diário é instrutivo. De maneira verdadeiramente quaker, ele resume com simplicidade o seu insight: “Isto eu sabia experimentalmente”.4 Se as hipóteses

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Robert K. Greenleaf, Servant Leadership. Nova York, Paulist Press, 1977, p. 224. capítulo 1 - introdução

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levantadas neste livro forem ao encontro de sua condição pessoal, você também saberá que elas são verdadeiras – experimentalmente. Ética da Microempresa: Esta abordagem cai dentro da categoria daquilo que Robert Solomon chama “ética da microempresa”, ou seja, “os conceitos e valores que definem responsabilidades individuais e o papel do comportamento em contraste com as teorias já bem desenvolvidas da ética da macroempresa, os princípios que governam ou deveriam governar nosso sistema geral de (re)distribuição e recompensa”.5 Macroética tem pouco efeito direto no gerente médio ou trabalhador do escritório. “Os problemas éticos que o gerente médio enfrenta no trabalho estão relacionados com funcionários e problemas de tomada de decisões rotineiras administrativas, não problemas de política.”6 Nossa preocupação é com os gerentes e trabalhadores que colocam a mão na massa, não com teóricos e acadêmicos. Embora apreciemos os insights de macrossistemas como o utilitarianismo, a teoria do contrato social, a teoria do libertarianismo e o marxismo, permanecemos convencidos de que essas teorias não são úteis para a questão da felicidade e do caráter. Aristóteles lembra repetidamente que, na ética, a teoria tem sempre que estar subordinada à prática.7 A questão fundamental no comércio não é a utilidade ou a equidade ou a liberdade, mas o caráter. Stephen Covey deu um passo importante nessa direção com a sua crítica da Ética de

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Robert C. Solomon, Ethics and Excellence. Nova York, Oxford University Press, 1992, p. 110. 6 Ibidem, p. 112. 7 Aristóteles, op. cit., II, p. 2. 32

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Personalidade do pensamento positivo em favor da velha e boa Ética do Caráter de bons hábitos, isto é, integridade, moderação e indústria.8

O comércio como um empreendimento religioso A Ética de Trabalho Protestante: Ademais, interpretamos o comércio como um empreendimento religioso. O capitalismo moderno é um fenômeno tanto religioso quanto econômico. Max Weber popularizou esse insight em seu brilhante estudo sobre as condições psicológicas que tornam a sociedade capitalista possível. Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber argumentou que a ansiedade religiosa criada pela doutrina de predestinação de Calvino conduziu a uma “compulsão asceta para poupar”, pelos crentes cristãos, em sua busca implacável para encontrar um sinal do favor de Deus.9 Eles encaravam as bênçãos materiais como um desses sinais. Weber chamou essa compulsão de “ascetismo mundano”. Tal como Weber, propomos uma teoria de ascetismo mundano, porém com conotações diferentes. Contra Weber: As raízes religiosas da cultura comercial moderna são de longe muito mais velhas do que o ambiente calvinista estudado por Weber. A ética de trabalho

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Ver Stephen Covey, The Seven Habits of Highly Effective People: Restoring the Character Ethic. Nova York, Simon & Schuster, 1989. 9 Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism. Nova York, Charles Scribner’s Sons, 1958, p. 172. capítulo 1 - introdução

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protestante é meramente um ponto em um espectro de culturas religiosas e econômicas que vão até os cultos primitivos, tribais. Tanto a política de escritório como os mercados financeiros frequentemente apresentam mais semelhanças com o comportamento primitivo, tribal, do que com a ética de trabalho protestante sanitizada. Uma análise puramente filosófica do comportamento religioso não poder ser frutuosa. Somente uma análise religiosa de um empreendimento religioso produzirá resultados. Dado que encaramos o comércio como um empreendimento religioso, faz todo o sentido que o analisemos mediante um ponto de vista religioso. Hipótese Teórica: Propomos três hipóteses de trabalho sobre o mercado moderno: 1. O fenômeno econômico da competição se assemelha ao fenômeno religioso da idolatria (isto é, a busca do mítico). 2. O comportamento dos mercados financeiros e da política de escritório mostra paralelos com os sacrifícios atuais. 3. Ambos os fenômenos anteriores estão relacionados com aquilo que chamamos de Complexo de Gestão. Tal como o Complexo de Édipo, o Complexo de Gestão descreve a ambivalência humana em relação à figura da autoridade. Essas hipóteses serão exploradas na primeira parte do livro e fornecerão uma moldura que permitirá construir uma ética prática. 34

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Ética Prática: A ética prática será examinada na segunda metade deste livro. Uma vez que o comércio é descrito como um fenômeno religioso na primeira parte, o estudo sobre a ética será uma decorrência deste insight. Propomos uma ética comercial derivada da abordagem monástica antiga à verdade, isto é, uma disciplina asceta. Essa abordagem é tanto prática como experimental. O American Heritage Dictionary define um asceta como “uma pessoa que renuncia aos confortos da sociedade e leva uma vida de austera autodisciplina”. No mundo comercial, um asceta não é uma pessoa que abandona o mundo para ir viver em um monastério, e sim uma pessoa que aceita os desconfortos da sociedade a fim de viver uma vida de austera autodisciplina. Esta abordagem não tenciona denegrir os monastérios. Contudo, qualquer monge que tenha levado uma vida monástica por bastante tempo confirmará que a parte mais difícil em ser um monge não são os rigores físicos – trabalho manual, levantar-se às 3 horas da madrugada, ser vegetariano, etc. A parte mais difícil é a “vida em comunidade”, tendo que tolerar as idiossincrasias das outras pessoas – a política do escritório. De fato, a busca concentrada de qualquer vocação exige uma abordagem altamente disciplinada para conseguir descobrir o seu nicho pessoal dentro de uma comunidade, independentemente de essa comunidade ser monástica, corporativa ou de qualquer outra natureza. Ascetismo Comercial: Certas tradições ascetas no monasticismo antigo buscavam libertar a alma do corpo, indo aos extremos de promover algumas formas horripilantes de “mortificação da carne”. O monasticismo moderno se concentra na libertação do verdadeiro self do falso (pensemos nos escritos de Thomas Merton). O ascetismo capítulo 1 - introdução

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comercial ou “ascetismo de escritório” evoluiu, de forma semelhante, de uma simples ética do trabalho duro (a ética de trabalho protestante) para uma ética mais complexa de foco estratégico. O ascetismo comercial contemporâneo busca libertar o self produtivo do competitivo. A palavra ascetismo é originária da palavra grega áskesis, que não tem nada a ver com a separação do corpo da alma. Áskesis simplesmente significa “exercício ou treino” (Liddel & Scott). Refere-se a uma pessoa que pratica qualquer arte ou ofício, com a conotação de que essa pessoa está sendo diligente ou atlética. Espertos como Serpentes é um manual de treinamento prático e teórico sobre os procedimentos comerciais produtivos e éticos. O ambiente de um escritório moderno oferece tantas oportunidades para o desenvolvimento espiritual e ético quanto um monastério. Mitologia Comercial: Dentro desta moldura, esperamos fornecer técnicas mais adequadas de sobrevivência, sucesso e serviço no mercado. Entretanto, o mercado só pode ser visto como o que ele de fato é depois de uma exploração daqueles mitos sobre o mercado que escondem e revelam suas operações verdadeiras. Somente tendo uma visão clara é que poderemos avaliar as escolhas apropriadas; somente através de um distanciamento asceta poderemos ver claramente. Se nossa abordagem parece ser demasiado cínica às vezes, é porque queremos basear nossa ética na dureza do “mundo real”. Daí a nossa afinidade com a ética do ascetismo. Contudo, o mundo real não necessita ser tão duro. A ética verdadeira deve conduzir à esperança e à ação efetiva. Todos nós precisamos ganhar dinheiro para viver, de preferência de maneira que não seja criminosa. Mas ter uma ética que seja útil fora da sala de aula demanda uma análise aplicável no 36

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cotidiano. O conflito no mundo comercial se revela em metáforas que usamos para falar sobre o mercado.10 O Mercado como uma Selva: Upton Sinclair popularizou a ideia do mercado como uma selva na sua investigação sobre a indústria de embalagem de carne em Chicago no início do século XX. A maioria das pessoas sente alguma afinidade com essa metáfora mesmo que não de maneira tão grotesca como descrita em The Jungle. Além do mais, essa metáfora de selva se aplica à maioria dos ambientes de trabalho não tradicionalmente associados ao mundo comercial. A selva inclui as burocracias governamentais, sistemas escolares, as máquinas militares e até mesmo conselhos de caridade e hierarquias da igreja. Concentramo-nos no mundo comercial, porém os princípios aqui discutidos também poderiam ser aplicados em outros ambientes. O Mercado como Águas Infestadas por Tubarões: O mercado também é frequentemente comparado com águas infestadas por tubarões. Os manuais estão cheios de ensinamentos aos novatos sobre como nadar com os tubarões. Ensinam que os tubarões não são dóceis na presença de sangue e que instintivamente se juntam para atacar. A única maneira de nadar com os tubarões é por meio de agressão imediata, retaliação periódica antecipada e encorajamento da divergência interna entre outros tubarões. “Aqueles que não conseguem aprender a controlar a sua própria hemorragia”, avisa um bond trader anônimo, “não deveriam tentar nadar com os tubarões, pois o perigo é muito grande”.

10 Para uma discussão ampliada sobre o papel das metáforas no mundo comercial, ver Robert C. Solomon, op. cit., p. 22.

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CALVIN E HAROLDO © Watterson. Distribuído por Universal Press Syndicate. Reproduzido com autorização. Todos os direitos reservados.

Não Existe Ética na Selva ou no Oceano: A maioria dos gerentes e trabalhadores queixa-se da injustiça em seu ambiente de trabalho. O assombroso é que praticamente todo mundo aceita a injustiça como condição sine qua non para o emprego. Desde O Príncipe de Maquiavel até uma pletora de livros modernos explicando o segredo do sucesso, são dados muitos conselhos sobre a guerra na 38

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selva. Entretanto, muito pouco foi escrito sobre a própria estrutura da selva. Como o mundo real conseguiu se transformar em um lugar tão desagradável? Quais são os mecanismos que o fazem pulsar? Uma compreensão desses mecanismos nos ajudará a sobreviver, ter sucesso e servir aos outros dentro do dinamismo do mercado. A Estrutura do Texto: Os capítulos 1 a 5 lidam com uma abordagem única em relação à teoria da administração e ao comportamento dos mercados financeiros. Examinamos primeiramente os mitos que escondem a realidade do mercado. No capítulo 2 analisamos o mito da liberdade; no 3, o mito da concorrência. Com os mitos explorados, os capítulos 4 e 5 examinam o segredo do mercado através das teorias do “desejo mimético” e do Complexo de Gestão. Os capítulos 6 a 10 propõem técnicas práticas para lidar com a selva da política no escritório. No capítulo 6 se aplica a teoria do “desejo mimético” às dinâmicas da fofoca no escritório. Os capítulos 7 a 9 oferecem dicas práticas de sobrevivência, sucesso e serviço dentro do mercado.

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