Exortação aos Gregos

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Exortação aos gregos


Impresso no Brasil, março de 2013 Título original: Προτρεπτικος Προς Ελληνας - Κλημεντος Στρωματεως Copyright © É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda. Os direitos desta edição pertencem a É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda. Caixa Postal 45321 - 04010-970 - São Paulo SP Telefax (5511) 5572- 5363 e@erealizacoes.com.br / www.erealizacoes.com.br

Editor Edson Manoel de Oliveira Filho Coordenador da Coleção Medievalia Sidney Silveira Gerente editorial Juliana Rodrigues de Queiroz Produção editorial Liliana Cruz | Sandra Silva | William C. Cruz Revisão Geisa Mathias de Oliveira Capa e projeto gráfico Mauricio Nisi Gonçalves / Estúdio É Diagramação André Cavalcante Gimenez / Estúdio É Impressão Cromosete Gráfica e Editora

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Exortação aos gregos W

Clemente de Alexandria

Tradução de Rita de Cássia Codá dos Santos



Sumário

Apresentação - A pedagogia do Logos divino.......................................................7 Nota prévia da tradutora...................................................................................15 Nota do editor...................................................................................................19

ΠΡΟΤΡΕΠΤΙΚΟΣ ΠΡΟΣ ΕΛΛΗΝΑΣ E X O RTAÇÃO AO S G R E G O S

ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Α | CAPÍTULO I Apresentação do Logos divino e seu cântico novo..................................22 | 23 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Β | CAPÍTULO II A demolição dos mistérios e dos mitos gregos........................................38 | 39 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Γ | CAPÍTULO III Os sacrifícios humanos e os templos dos deuses.....................................82 | 83 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Δ | CAPÍTULO IV A natureza dos deuses gregos.................................................................90 | 91 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Ε | CAPÍTULO V As ideias sobre deus segundo a filosofia grega....................................120 | 121 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Ζ | CAPÍTULO VI Alguns filósofos sentiram-se inspirados pela verdade..........................126 | 127 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Η | CAPÍTULO VII Os poetas também testemunharam a verdade.....................................136 | 137


ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Θ | CAPÍTULO VIII Os profetas dos hebreus são os guardiões da verdade divina..............146 | 147 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Ι | CAPÍTULO IX Deus nos exorta por meio de seu Logos.............................................154 | 155 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Κ | CAPÍTULO X Todos os homens devem ouvir e acatar a voz da verdade...................164 | 165 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Λ | CAPÍTULO XI A parousía do Logos divino e sua beneficência...................................194 | 195 ΚΕΦΑΛΑΙΟΝ Μ | CAPÍTULO XII É preciso aceitar o Logos de Deus......................................................206 | 207

Notas.............................................................................................................. 217


Apresentação Sidney Silveira1 A pedagogia do Logos divino

Tito Flávio Clemente (145-215), ou Clemente de Alexandria, como ficou conhecido pelos pósteros, foi o primeiro grande teólogo cristão a valer-se explicitamente da filosofia grega2 para defender ou ilustrar a fé.3 Isto porque, de acordo com uma de suas mais conhecidas teses, apesar de a fé ser absolutamente superior à filosofia – e o divino Logos (λόγος) ser o mestre e educador por antonomásia –, tal não significa que não se devam conhecer e aproveitar as verdades parciais encontradas nas doutrinas filosóficas, e colocá-las a serviço da fé. Os principais especialistas na obra de Clemente são concordes em afirmar que, para o autor Alexandrino, a ordem do saber obedece a cinco graus (provavelmente, tratava-se do programa de estudos da Escola de Alexandria):4 Sidney Silveira é integrante da Società Internazionale Tommaso d’Aquino (Seção Brasil) e do Angelicum – Instituto Brasileiro de Filosofia e de Estudos Tomistas. 1

“Para supor que a filosofia é inútil, seria útil estabelecer [filosoficamente] a afirmação de sua inutilidade” (Clemente de Alexandria, Strómata, I, 2, 19.1). 3 Clemente foi pioneiro na defesa da tese de que a filosofia é uma espécie de preâmbulo racional da fé: “Antes da vinda do Senhor, a filosofia era necessária para a justificação dos gregos; agora, no entanto, é proveitosa para a religião e constitui uma propedêutica para quem pretende aderir à fé mediante demonstração racional” (Strómata, I, V, 28.1). Vale aqui apenas fazer uma precisão teológica que escapa ao texto de Clemente: é evidente que as verdades de fé não podem ser demonstradas, mas tão somente cridas – num ato de anuência do fiel católico à autoridade da Sagrada Escritura. Assim, por exemplo, não se pode provar metafisicamente a Virgindade Perpétua de Maria, nem o pecado de Adão, etc. A filosofia pode, no entanto, oferecer os preâmbulos racionais que assentarão os chamados motivos de credibilidade da fé. 4 Em Alexandria – que foi durante muito tempo o principal polo cultural do Império Romano – floresceu no começo do século II uma comunidade de estudos do cristianismo cuja remota fundação se atribuía, de acordo com a tradição oral, a São Marcos, o Evangelista. Tratava-se de uma escola catequética destinada à educação dos gentios conversos, e que recebeu o nome de Didaskaleion. Segundo Eusebio de Cesareia (História Eclesiástica, V, 10), essa escola ganhou em importância no ano de 180, quando São Panteno, mestre de Clemente de Alexandria, assumiu a sua direção. Cf. Eusebio de Cesareia, Historia Eclesiástica, I, 2

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1º. A propedêutica dos parvos, que consistia na leitura, na escrita e também no aprendizado matemático da adição e subtração, por parte das crianças. 2º. As sete disciplinas encíclicas, que posteriormente serão conhecidas pelos medievais como trivium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). 3º. A filosofia, que para Clemente não é má, por ser obra da Providência Divina,5 embora não represente o grau supremo do saber, mas tão somente uma espécie de prévia da verdade alcançável pela fé. Na prática, trata-se de uma preparação para a sabedoria e para a virtude, assim como de um procedimento que permite ao homem passar do conhecimento das coisas sensíveis às realidades inteligíveis. Acima da filosofia, no entanto, está a sabedoria, que é um conhecimento inspirado pela fé. Para Clemente, o Logos eterno foi iluminando pouco a pouco os homens: primeiramente os judeus, por meio dos profetas; depois os gregos, por meio dos filósofos; e, por fim, os cristãos, de forma plena, por meio do Evangelho.6 4º. A fé, superior à filosofia, porque subministra a verdade em sua plenitude, pois procede da Revelação feita pelo Logos, fundamento sobre o qual se edifica a ciência “com ouro, prata e pedras preciosas”. A fé fornece ao homem os meios para chegar ao verdadeiro conhecimento de Deus.7

Textos, versão espanhola, introdução e notas de Argimiro Velasco Delgado, O.P. [Texto bilíngue: grego/ espanhol], 2. rev. Madri, Biblioteca de Autores Cristianos - BAC, 1997, p. 89-90, 301-03. 5 Cf. Clemente de Alexandria, Strómata, I, 1, 708. É importante advertir que, apesar de valer-se da filosofia, o Alexandrino deixa claro que alguns homens tidos por filósofos não o são, na verdade. A este respeito, são conhecidas as suas diatribes contra os sofistas e, também, contra Epicuro, que, como veremos na presente edição do Protréptico, é considerado um grande ímpio. Numa passagem muito conhecida dos estudiosos de sua obra, adverte Clemente: “A arte da sofística, que os gregos praticaram com afinco, constitui uma [espécie] de habilidade da imaginação, posto que mediante discursos pomposos [ela] persuade como verdadeiro o que é falso. Com efeito, a sofística dá origem à retórica para convencer, e à erística para vencer as discussões. Pois muito bem: essas artes, se são praticadas após [o estudo da] filosofia, são mais prejudiciais que quaisquer outras” (Clemente de Alexandria, Strómata, I, 8, 39.1). 6 Clemente de Alexandria, Strómata, I, 13, 756; VI, 5, 261. 7 Clemente de Alexandria, Strómata, VII, 10, 480. ex ortaç ão aos g r egos | 8 |


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5º. A gnose, que seria o ápice do conhecimento, a culminância dos graus anteriores do saber. Para Clemente, a gnose seria um estado habitual de contemplação, um conhecimento ao mesmo tempo afetivo e intuitivo de Deus, para o qual, no entanto, seria necessária, como precondição, a ascese moral (a purificação da alma pela virtude).8

Com relação a este último ponto, é importante abrir um pequeno parêntese para fazer alguns esclarecimentos – em razão dos mal-entendidos históricos e doutrinais devidos ao fato de Clemente propor uma gnose cristã, em contraposição àquilo que ele chamava de “gnose herética”. Antes de tudo, convém reportarmo-nos ao Magistério da Igreja, particularmente ao papa Bento XIV, que, em 1748, por intermédio da bula Postquam intelleximus, retirou Clemente do Cânon. Desde então, o Alexandrino passou a não mais ser considerado santo – entre outros motivos, porque não havia documentos anteriores ao século XI que confirmassem o seu culto imemorial.9 Neste contexto, é importante notar que, embora o papa afirmasse não ter o intuito de desmerecer os louvores a Clemente feitos no Martirológio Romano (que, nessa época, marcava a celebração de sua santidade para o dia 4 de dezembro), frisava por outro lado ser patente o fato de haver graves dificuldades em sua obra (non ut Clementis Alexandrini laudibus quidquam detrahamus, sed ut pateant graviores dificultates), razão pela qual pairava sobre ela uma suspeita de heterodoxia (opera sin minus erronea, saltem suspecta). E foi justamente por ser suspeito de erros quanto à fé que Clemente foi excluído do Martirológio (Clemens de erroribus suspectus, a martyrologium excludendus).10 Mas quais teriam sido as razões doutrinárias para que a sombra de heterodoxia se projetasse sobre a obra do Alexandrino, tantos séculos após sua morte? Para tentar responder a esta questão, é necessário antes de tudo considerar o que teria sido o chamado gnosticismo cristão, que, em algumas modernas histórias

Cf. Pierre-Thomas Camelot, O.P., Introduction à l’Étude de la Conaissance Mystique chez Clément d’Alexandrie. Paris, Éditions du Cerf, 1945, p. 28-30. 9 Cf. Guillermo Fraile, Historia de la Filosofía, Tomo II – El Judaísmo y la Filosofía. El Cristianismo y la Filosofía. El Islam y la Filosofia. Madri, Biblioteca de Autores Cristianos - BAC, 1969, p. 121. 10 Cf. Sanctissimi Domini Nostri Benedicti Papæ XIV. Bullarum, Tomus Secundus. Volumen VI, cum apendice, editio nova, summo Studio castigata. Melchliniæ, 1827, p. 128-33. 8

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da Patrologia, é identificado simplesmente como algo contraposto ao gnosticismo pré-cristão pelo fato de este último não fazer referência à Pessoa de Cristo, enquanto a gnose “cristã”, esta sim, o fazia. Ora, esta concepção é altamente deficiente, pois parece ignorar o fato de que a maior parte da literatura gnóstica cristã (anônima, em muitos casos) perfazia um conjunto de heresias de tal sorte, que só muito impropriamente se poderia denominá-la “cristã”. Evangelhos apócrifos e tratados de teologia heterodoxos constituem alguns desses textos. Houve até casos de gnósticos cristãos que, após ser excomungados, fundaram pequenas seitas – como, por exemplo, Marcião de Sinope (85?-160), que rejeitava em conjunto todo o Antigo Testamento e defendia heresias cristológicas e eclesiológicas, além de aceitar tão somente as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de Lucas, no Novo Testamento.11 Esse gnóstico criou uma seita cristã com bispos, presbíteros e diáconos, e uma liturgia semelhante, em alguns aspectos, à da Igreja Romana, o que lhe fez arrebanhar muitos prosélitos.12 É necessário, portanto, ter em vista que a expressão “gnose cristã”, encontrada em vários textos do Alexandrino, é no mínimo equívoca,13 pois a literatura gnóstica, em seu vasto e heterogêneo conjunto, apropriou-se de aspectos isolados da doutrina da Igreja, acrescentando-lhes ideias contrapostas à fé – não raro perpetrando sacrilégios e blasfêmias intoleráveis para o Magistério eclesiástico.14 Cf. Claudio Moreschini e Enrico Norelli, Histoire de la Littérature Chrétienne Ancienne Grecque et Latine. Genebra, Labor et Fides, 2000, p. 204-08. Ver também: Johannes Quasten, Patrología. Tomo I. Hasta el Concilio de Nicea. Madri, Biblioteca de Autores Cristianos - BAC, p. 264-68. 11

Uma aproximada ideia da influência do marcionismo nos primeiros séculos cristãos pode ser inferida do número de padres, de apologetas e de pensadores que escreveram contra Marcião e seus seguidores: Justino, Mártir (110-162?) que o ataca em sua primeira Apologia; Irineu de Lião (130-202), em Contra Heréticos; Tertuliano (160-220?), em Contra Marcião; Hipólito de Roma (170?-235), em Refutações de Todas as Heresias; Epifânio de Salamina (315-403?), que em alguns escritos reconstitui toda a “Bíblia” marcionista; etc. Sobre o marcionismo, ver: Dizionario Dell’Eresie, Degli Errori e Degli Scismi, Tomo Terzo. Venezia, Presso G.F. Garbo, 1771, p. 277-91. 13 Para uma compreensão dos conceitos de equivocidade, univocidade e analogia, ver Paulo Faitanin, “O Mal Como Perda do Bem”. In: Tomás de Aquino, Sobre o Mal. Rio de Janeiro, Sétimo Selo, 2006, p. XXIV. 14 Em sentido estrito, o Magistério da Igreja é o carisma participado por Cristo ao papa e aos bispos para que preservem intacta, até o fim dos tempos, a doutrina do Evangelho. “Ide e ensinai a todas as nações” (euntes ergo docete omnes gentes, Mateus XVIII,19). A indefectibilidade da Igreja está intrinsecamente ligada à solidez doutrinal do ensinamento do Magistério eclesiástico, que possui a seguinte subdivisão: 1 - Órgãos autênticos: a) o papa sozinho, em quem reside a suprema autoridade apostólica; b) o papa e os bispos reunidos em Concílio; c) os bispos (mestres ex officio) dispersos pelo mundo quando fazem uma declaração comum acerca de algum aspecto da doutrina revelada; d) os bispos sozinhos, quando legislam no 12

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Obviamente, no caso de Clemente não se chegou a tanto, mas ao fim e ao cabo se tratava de teses que davam margem a interpretações difusas, as quais, levadas às últimas consequências, poderiam ser derrogatórias da fé, razão por que a Igreja tomou a decisão prudencial de excluí-lo do Martirológio. Um exemplo é o seu ­assentimento à tese de que os gnósticos cristãos deveriam ser iniciados secretamente, prática de cariz esotérico contrária ao ensinamento da Igreja, a qual, ao longo de séculos, levou à risca o conselho de Cristo expresso na Sagrada Escritura: “O que é dito ao ouvido, proclamai-o nos telhados” (et quod in aure auditis prædicate super tecta. Mateus 10,27). Assim, desde o primeiro catecismo, o Didaqué, que remonta ao século I, o ensinamento eclesiástico sempre se pautou por não ser esotérico, mas aberto a todos, dado o seu objetivo salvífico. Esclarecido este aspecto histórico-doutrinal, passemos adiante frisando que, de acordo com o mestre paleocristão de Alexandria, o Logos tem a função de expor e revelar as verdades,15 e, sendo amigo dos homens e empenhado, pois, em levá-los à salvação, realiza o seguinte programa: primeiro exorta, depois educa e, por fim, ensina.16 O Protréptico de Clemente se insere no ponto inicial desta tríplice perspectiva pedagógica do Logos divino, dado o seu caráter exortativo. Neste contexto, não é ocioso lembrar que os Protrépticos clássicos da filosofia grega eram meros discursos de propaganda acadêmica, e somente a partir do Protréptico de Aristóteles passam a significar uma exortação de caráter geral à vida do espírito, à filosofia; citemos, a título de exemplo, os que foram escritos por Epicuro e Jâmblico, assim como o de Galeno (referido à medicina) e o Hortêncio de Cícero. No caso de Clemente, a exortação ganha tons propriamente religiosos, pois se trata ao mesmo tempo de um chamado à conversão à fé católica e de uma veemente recusa às mitologias contrárias ao senso comum, como as que o âmbito de suas dioceses. 2 - Órgãos subsidiários: a) Papais: Congregações Romanas, Comissões Pontifícias, delegados apostólicos; b) Episcopais: Conselhos de Presbíteros, Comissões Diocesanas, curas, párocos, etc. Para que situemos bem a ação do Magistério com relação à suspeita de heterodoxia de Clemente, basta frisar que uma de suas funções multisseculares sempre foi a de preservar o Corpo Místico de quaisquer doutrinas que, próxima ou distantemente, pudessem representar um perigo para a fé. Como dizia o famoso adágio, Roma locuta, causa finita: se o Magistério se pronunciou solenemente, dando a sua palavra final, assunto encerrado. No caso de Clemente, como se frisou, apesar de preservar-se o valor filosófico intrínseco de suas obras e os piedosos elogios constantes do Martirológio, o Magistério retirou-o dos cânones por meio da bula Postquam intelleximus, não obstante continue ele sendo um padre da Igreja. 15 Clemente de Alexandria, Pedagogo, I, 1, 3-2, 1. 16

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­Alexandrino acusa na presente obra – com uma retórica sofisticada e, ao mesmo tempo, implacável, típica de um entusiasmado recém-convertido.17 No Protréptico, os deuses e mitos gregos são contrapostos à verdade evangélica, e, neste contexto, cumpre dizer que Clemente os reduz ao nível de quimeras sem sentido, crendices nefastas, superstições malévolas que desgovernam a imaginação dos homens e os induzem à concupiscência, à perdição. No discurso clementino, o elevado mistério cristão vem substituir o mosaico de crenças e práticas que davam molde à cultura e à religião gregas. Por este motivo, parece-nos forçada a tentativa de qualificar a sua obra como sincretismo, ou seja, como uma mescla quase indiscernível entre ideias novas e antigas.18 Na verdade, Clemente pode ser considerado um eclético, pois utiliza elementos da filosofia grega e de algumas mitologias, mas não propriamente como se fora adepto do sincretismo religioso, pois em seus textos é patente o esforço por expurgar (e condenar) as ideias dos pensadores gregos expressamente tidas por ele como falsas, por ser frontalmente contrárias à letra e ao espírito do Evangelho. “Estas loucuras são, em verdade, sutilezas capciosas de homens incrédulos.”19 “Esses são os arquétipos de vossa sensualidade; essa é a teologia da arrogância; essas são as lições dos vossos deuses, que praticam convosco a concupiscência. ‘Aquilo que se deseja, nisso se crê’, diz o orador ateniense [Demóstenes]. Vós tendes ainda outras imagens semelhantes: pequenos deuses Pãs, jovens nuas, sátiros embriagados, falos em ereção, que vossas pinturas exibem abertamente, mesmo condenados pela intemperança. Hoje, não vos envergonhais de contemplar, com a população inteira, as pinturas que representam as posturas mais indecorosas; ainda bem que as guardais como ex-voto, como naturalmente o fazeis com as imagens de vossos deuses (...). Nós denunciamos vossa indulgência a todas essas coisas indecentes, condenando não apenas a prática, mas também o ato de vê-las e ouvi-las. Vossos ouvidos se prostituíram, vossos olhos cometeram adultério, e o mais estranho ainda: vosso olhar cometeu adultério antes mesmo dos amplexos libidinosos” (Clemente de Alexandria, Protréptico, VI, 61, 1-3). 17

O sincretismo é uma espécie forçada de amálgama que gera aparente compatibilidade entre os conceitos e crenças díspares que lhe servem de matéria. Neste sentido, o sincretismo é pura e simplesmente uma mescla deturpadora. Assim, por exemplo, algumas religiões afro-brasileiras “transformaram” santos católicos em entidades de suas crenças como se fossem a mesma coisa. Vemos o eco distante da aplicação da ideia de sincretismo à obra de Clemente de Alexandria no clássico Manuel de Philosophie Ancienne, de Charles Renouvier (1815-1905); para este pensador francês, os alexandrinos deveriam ser considerados “os últimos dos antigos e os primeiros dos antiquários na Antiguidade”, e neles haveria uma espécie de sincretismo. Cf. Charles Renouvier, Manuel de Philosophie Ancienne, Tome I. Paris, Elibron Classics, 2003, p. 40-50. Depois de Renouvier, alguns estudiosos aplicaram esta ideia indiscriminadamente a todos os representantes da Escola de Alexandria, inclusive ao nosso autor. 19 Clemente de Alexandria, Protréptico, XI, 2. É verdade que a exortação de Clemente não implica a destruição completa da cultura precedente, mas a sua cristianização. Mas, por silenciar com relação a certos costumes sociais então em voga, alguns autores acabaram por ver no Alexandrino um esforço de 18

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O Protréptico de Clemente divide-se em doze livros (ou capítulos), e é tido por filólogos e estudiosos de sua obra como o seu texto mais bem acabado, do ponto de vista formal, pois nele se destacam a simplicidade na exposição da doutrina, o estilo literário apurado e a profundidade dos conceitos.20 Como bem observa a professora Rita Codá na Nota Prévia da Tradutora, algumas páginas adiante, Clemente de Alexandria é um lídimo representante da Segunda Sofística, um cultor do grego ático, verdadeiro artesão da palavra – o que pode ser vislumbrado não apenas no Protréptico, mas também nas duas outras grandes obras filosófico-teológicas do Alexandrino: o Pedagogo e os Strómata, que completarão a trilogia – inédita em língua portuguesa – a ser apresentada no Brasil pela Editora É. Neste ponto, convém destacar o seguinte: no momento histórico em que o Protréptico é escrito, possivelmente entre 193 e 195 – logo após o governo de Cômodo –, a Igreja goza de relativa paz, pois o Império Romano tem incontáveis outros problemas com que lidar, dada a luta intestina pelo poder político que nele fervilha (para se ter ideia disto, ressalte-se que, somente entre 192 e 193, houve cinco imperadores, alguns deles assassinados de forma cruel, em meio a intrigas palacianas que envolviam o Senado e a Guarda Pretoriana). O cristianismo começa, em meio ao caos dessa época, a difundir-se não apenas entre as classes mais humildes, mas também nos ambientes mais refinados e economicamente fortes.21 É neste contexto de relativa paz ou silêncio em relação aos cristãos, da parte das autoridades de uma Roma ainda pagã, que Clemente escreve a sua veemente exortação à conversão, sendo a primeira parte da obra propriamente dita (dos capítulos I ao VII) uma minuciosa e erudita crítica aos cultos e mistérios pagãos, com citações abundantes de filósofos e poetas. Na segunda parte (dos capítulos VIII ao XI), o Alexandrino assume tom apologético ao falar do chamado de Deus a todos os homens, além de referir-se ao processo de conversão dos fiéis, fazendo o panegírico da religião num estilo retórico de grande beleza e efeito, digno do mais inflamado Tertuliano:

harmonização (ou conciliação) entre a fé cristã e o saber pagão, o que também nos parece excessivo, pelos motivos anteriormente expostos. 20 21

Cf. Marcelo Merino Rodríguez, El Protréptico (Introducción). Madri, Editorial Ciudad Nueva, 2008, p. 18. Paolo Siniscalco, Il Cammino di Cristo nell’Impero Romano. Bari (Itália), 1987, p. 108-31. ex ortaç ão aos g r egos | 1 3 |


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Esse é, em verdade, o mais belo dos empreendimentos: mostrar-vos como a piedade é inimiga da loucura e desse costume três vezes maldito; jamais, com efeito, o ódio nem as interdições teriam recebido um bem tão grande, tal qual recebeu a raça humana dádiva mais considerável oriunda de Deus, se não fôsseis prisioneiros do hábito. Mais ainda: vossos ouvidos estão obstruídos, quais cavalos indóceis, de cerviz entesada; mordendo os freios, fugis dos nossos discursos, desejosos de nos lançar ao chão, nós, os ginetes de vossa vida; levados por vossa loucura, em direção aos precipícios da perdição, concebeis como algo maldito a santa palavra de Deus.22

Clemente encerra o livro no capítulo XII exortando os leitores a abandonar “a tradição que leva à morte” e a “aceitar o Logos de Deus”. Diz o Alexandrino: “Fujamos dessas ondas, elas expelem fogo; há uma ilha maligna, com ossos amontoados e cadáveres, aí canta uma bela cortesã; é a volúpia se divertindo com uma música vulgar (...). Navega para além desse recanto, artesão da morte; basta que tu queiras e terás vencido a perdição (...) Preso ao madeiro, tu te livrarás da corrupção. O Logos de Deus será teu piloto, e o Espírito Santo te fará ancorar nos portos celestes”.23 Este é o estilo de Clemente.24 Vivaz, colorido, firme, sem medo de ferir pruridos. Um estilo forjado no pleno domínio da retórica ensinada na Escola de Alexandria, ao longo dos anos de estudo das sete disciplinas encíclicas, e que na presente edição da editora É recebe uma apuradíssima tradução literária de Rita Codá, professora de grego clássico do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Fazemos votos de que o leitor brasileiro aprecie esta pequena obra-prima escrita por um teólogo que, não obstante as medidas prudenciais do Magistério mencionadas nesta breve Apresentação, é um inspiradíssimo Padre da Igreja. Um autor fundamental para a história da filosofia e da teologia no Ocidente.

Clemente de Alexandria, Protréptico, X, 3. Clemente de Alexandria, Protréptico, XII. 24 O estilo de um autor cristão dos primeiros séculos possui dois componentes principais, de acordo com Fontaine: a) a tradição literária que recebe por sua educação e leituras; b) o seu engenho. Cf. Jacques Fontaine, Aspects et Problèmes de la Prose d’Art Latine au IIIe Siècle. Turin, 1968, p. 19. A valoração do estilo de Clemente de Alexandria há de levar em conta estes dois fatores, dado ser uma perfeita mescla deles. 22 23

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Nota

prévia

da

tradutora

Rita Codá

O arquétipo da Exortação aos Gregos (Protreptikòs pròs Héllenas) de Clemente de Alexandria é o célebre corpus apologeticum de Aretas (séc. X), arcebispo de Cesareia, que, a posteriori, legou às grandes bibliotecas da Europa, principalmente depois da Tomada de Constantinopla pelos Turcos (1453), os melhores códices possíveis, graças a seu escriba Baanas, famoso pela excelência de seu trabalho. Este códice, denominado posteriormente pelos estudiosos de Parisinus graecus 451, tornou-se, desde o século XVI, patrimônio da Biblioteca do Rei (hoje Biblioteca Nacional da França), para aí levado por Catarina de Médici, esposa de Henrique II (da França). Seis séculos depois do trabalho de Baanas para Aretas, aparece, em Florença, a editio princeps das obras de Clemente, em 9 de setembro de 1550, editada por Petrus Victorius (1499-1585) e dedicada ao cardeal Marcello Cervini, futuro papa Marcelo II (1501-1555). O editor florentino declara que, para os Strómata, usou apenas um exemplar conservado na Biblioteca dos Médicis, o atual códice Laurentianus V3 e, para o Protréptico e o Pedagogo, usou uma cópia de um manuscrito mais antigo, porém semelhante, no aspecto formal, ao Laurentianus V3, o Mutinensis III D7, que é simplesmente uma cópia do Parisinus graecus 451, o corpus apologeticum de Aretas. O primeiro scholar a usar o manuscrito de Aretas foi Nicolas Le Noury (início do século XVIII); em seguida, o códice foi descrito por vários especialistas: Montfaucon, Otto Harnack, von Gebhardt, Maass, Schwartz, Barnard, Dindorf e, finalmente, Otto Stählin que, no outono de 1895, assim o descreveu: O comprimento do pergaminho é de 24 cm e a largura 19,3 cm; a altura do espaço reservado à escrita é de 14,7 cm e a largura

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é de 11,1 cm. As linhas são gravadas do mesmo modo que é marcado o espaço da escritura em ambos os lados da folha. As letras maiúsculas ficam em cima das linhas; o número de linhas é 26. A cor da tinta está agora mais para marrom. O manuscrito é proveniente da Biblioteca de Fontainebleau, e a encadernação que apresenta é do tempo de Henrique II. O manuscrito tem agora 393 folhas, mas são contadas 403 porque os números que vão de 370 a 379 são omitidos. O Protréptico de Clemente de Alexandria vai da folha 1 a 56 (...) (Stählin, 1936, p. XVI).

A extraordinária contribuição de Otto Stählin ao Parisinus graecus 451 foi reconhecida por todos os escoliastas de seu tempo, principalmente no que diz respeito às citações sagradas e profanas e aos numerosos escólios aí existentes. Depois da editio princeps, as obras de Clemente de Alexandria ganham edições várias e sucessivas: 1592 – Sylburg; 1612 – D. Heinsius; 1629 – Carolum Morelum; 1641 – edição especial de Paris; 1688 – edição de Colônia (Alemanha); 1715-1747 – John Potter; 1869 – William Dindorf; 1857-1891 – Migne; 19051936 – Otto Stählin. Para esta tradução do Protréptico de Clemente de Alexandria usei o texto de Les Éditions du Cerf, Paris, 2004, estabelecido por Claude Mondésert, com a colaboração de André Plassart (edição revista e aumentada). Entretanto o texto de apoio, por questões notórias, foi o estabelecido por Otto Stählin (Leipzig: J. C. Hinrichs Buchhandlung, 1936). Também cotejei o texto de G. W. Butterworth (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1982) e o estabelecido por J.-P. Migne, in Patrologia (cursus completus) – series graecae, tomus VIII, J.-P. Migne Editorem, 1891. O texto grego desta edição bilíngue é o clássico de Otto Stählin, em relação ao qual não há nenhuma mudança significativa em relação ao que foi posteriormente estabelecido por Claude Mondésert. Quanto ao escritor Clemente de Alexandria, temos um lídimo representante da Segunda Sofística: um erudito, um pepaideuménos, um cultor do grego ático. No Protreptikòs pròs Héllenas, seu texto é denso, com alguns anacolutos que exigem muita paciência do tradutor e uma prévia compreensão das linhas-mestras do pensamento do autor, porém de uma beleza poética e de uma riqueza semântica e estilística ex ortaç ão aos g r egos | 1 6 |


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incomparáveis; rico em citações bíblicas e de autores clássicos, assim como de informações sobre os costumes da sociedade de seu tempo e da tradição ancestral grega. Se tomarmos como paradigma o tão decantado Protréptico de Aristóteles, modelo exemplar do gênero, veremos de imediato quão distante está o de Clemente da estrutura habitual dos discursos exortativos, fato que outorga à Exortação aos Gregos (Protreptikòs pròs Héllenas) o caráter de uma inédita apologia. Optei pela permanência da palavra Logos, ao longo da minha tradução, e não por sua equivalente vernácula Verbo, por considerar aquela mais adequada ao contexto clementino, o que não significa uma completa exclusão desta, pois, em alguns passos, faz-se mister o emprego do vernáculo. Também são de minha autoria os títulos de cada capítulo desta tradução. No que concerne às notas, foram mantidas, em grande parte, as que constam no texto de Claude Mondésert, e que seguem exatamente, por sua vez, as de Otto Stählin. Quanto às de minha autoria, encontram-se indicadas pela abreviatura (N. T.).

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Nota

do

editor

Desde a edição de J. Potter (Oxford, 1715), o Protréptico de Clemente de Alexandria é obra tradicionalmente dividida em doze capítulos, estrutura adotada pela quase totalidade de suas posteriores reproduções, inclusive a Patrologia ­Migne. Neste presente volume, naturalmente, acompanhamos esta divisão. Quanto à numeração interna, dela carecem não poucas publicações deste escrito (inclusive algumas de indiscutível qualidade), as quais limitam à página a precisão de referência do leitor. Aqui adotamos a divisão interna de R. Klotz (Leipzig, 1831), a mais utilizada atualmente e encontrada em renomadas edições, como a francesa do padre Claude Mondésert, S.J. (Paris, Cerf, 2004) e a espanhola do padre Merino Rodríguez (Madrid, Ciudad Nueva, 2008). Cremos que ela supera, em facilidade de leitura e de citação, a que se encontra na tradicional Patrologia Migne (vol. 8, cols. 49-246). A mencionada divisão interna que adotamos reparte a obra em 123 seções, numeradas em sequência ininterrupta, e subdivididas em parágrafos cuja numeração se faz, por sua vez, sempre em referência à seção da qual fazem parte. As 123 seções estão distribuídas, como verá o leitor no sumário, ao longo dos doze capítulos. Por fim, os títulos dos referidos capítulos, ausentes no original grego, são de autoria da tradutora e encontram inspiração na referida edição do padre Claude Mondésert.

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Exortação aos gregos


Κ Ε Φ Α Λ Α Ι Ο Ν

Α

[1]

1. Ἀμφίων ὁ Θηβαῖος καὶ Ἀρίων ὁ Μηθυμναῖος «ἄμφω μὲν ἤστην ᾠδικώ, μῦθος δὲ ἄμφω» (καὶ τὸ ᾆσμα εἰσέτι τοῦτο Ἑλλήνων ᾄδεται χορῷ), τέχνῃ τῇ μουσικῇ ὃ μὲν ἰχθὺν δελεάσας, ὃ δὲ Θήβας τειχίσας. Θρᾴκιος δὲ ἄλλος σοφιστὴς (ἄλλος οὗτος μῦθος Ἑλληνικός) ἐτιθάσευε τὰ θηρία γυμνῇ τῇ ᾠδῇ καὶ δὴ τὰ δένδρα, τὰς φηγούς, μετεφύτευε τῇ μουσικῇ. 2. Ἔχοιμ’ ἄν σοι καὶ ἄλλον τούτοις ἀδελφὸν διηγήσασθαι μῦθον καὶ ᾠδόν, Εὔνομον τὸν Λοκρὸν καὶ τέττιγα τὸν Πυθικόν· πανήγυρις Ἑλληνικὴ ἐπὶ νεκρῷ δράκοντι συνεκροτεῖτο Πυθοῖ, ἐπιτάφιον ἑρπετοῦ ᾄδοντος Εὐνόμου· ὕμνος ἢ θρῆνος ὄφεως ἦν ἡ ᾠδή, οὐκ ἔχω λέγειν. Ἀγὼν δὲ ἦν καὶ ἐκιθάριζεν ὥρᾳ καύματος Εὔνομος, ὁπηνίκα οἱ τέττιγες ὑπὸ τοῖς πετάλοις ᾖδον ἀνὰ τὰ ὄρη θερόμενοι ἡλίῳ. Ἦιδον δὲ ἄρα οὐ τῷ δράκοντι τῷ νεκρῷ, τῷ Πυθικῷ, ἀλλὰ τῷ θεῷ τῷ πανσόφῳ αὐτόνομον ᾠδήν, τῶν Εὐνόμου βελτίονα νόμων. Ῥήγνυται χορδὴ τῷ Λοκρῷ· ἐφίπταται ὁ τέττιξ τῷ ζυγῷ· ἐτερέτιζεν ὡς ἐπὶ κλάδῳ τῷ ὀργάνῳ· καὶ τοῦ τέττιγος τῷ ᾄσματι ἁρμοσάμενος ὁ ᾠδὸς τὴν λείπουσαν ἀνεπλήρωσε χορδήν. 3. Οὔκουν ᾠδῇ τῇ Εὐνόμου ἄγεται ὁ τέττιξ, ὡς ὁ μῦθος βούλεται, χαλκοῦν ἀναστήσας Πυθοῖ τὸν Εὔνομον αὐτῇ τῇ κιθάρᾳ καὶ τὸν συναγωνιστὴν τοῦ Λοκροῦ· ὃ δὲ ἑκὼν ἐφίπταται καὶ ᾄδει ἑκών. Ἕλλησι δ’ ἐδόκει ὑποκριτὴς γεγονέναι μουσικῆς. προτρεπτικος προς ελληνας

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C A P Í T U L O

I

a Apresentação do Logos divino e seu cântico novo A

[1] 1. Anfião de Tebas e Arião de Metimne, “ambos eram cantores e ambos eram mitos” (isso é uma canção dos gregos, que se canta em coro): pela arte musical, este encantou um delfim; o outro erigiu as muralhas de Tebas. Há ainda outro sofista, um trácio (este também outro mito grego) que amansava animais selvagens apenas por seu canto e até transplantava, através de sua música, árvores, pinheiros. 2. Eu ainda teria outro mito para contar-te, idêntico a estes dois, também de um cantor, Êunomo da Lócrida, e a cigarra pítica: Uma assembleia pan-helênica se realizava [em Delfos] para celebrar a morte do dragão Píton; Êunomo, então, cantava o epitáfio do réptil: hino ou treno da serpente era o canto? Eu não tenho como dizer. Mas era um concurso, e Êunomo tocava sua cítara, numa hora de intenso calor, ao mesmo tempo em que as cigarras, por baixo das folhas, cantavam em cima dos montes, aquecidas pelo sol de verão. Elas não cantavam, evidentemente, pelo dragão morto, Píton, mas pelo Deus sapientíssimo, um canto autônomo, superior à arte de Êunomo. Rompe-se uma corda do locridense. A cigarra voa até ao cepo da cítara e, pousada no instrumento, como sobre um galho de árvore, cantava; o cantor, então, harmonizando-se ao canto da cigarra, deixa de lado a corda quebrada. 3. Portanto, não foi pelo cantar de Êunomo que a cigarra se conduziu, como quer a lenda, que erigiu, em Delfos, uma estátua de bronze de Êunomo, com sua cítara, e sua companheira de concurso. Esta, por sua vez, voou espontaneamente e cantou espontaneamente. Perante os gregos, a cigarra tornou-se executante musical. ex ortaç ão aos g r egos | 2 3 |


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ε φ α λ α ι ο ν

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[2]

1. Πῇ δὴ οὖν μύθοις κενοῖς πεπιστεύκατε, θέλγεσθαι μουσικῇ τὰ ζῷα ὑπολαμβάνοντες; Ἀληθείας δὲ ὑμῖν τὸ πρόσωπον τὸ φαιδρὸν μόνον, ὡς ἔοικεν, ἐπίπλαστον εἶναι δοκεῖ καὶ τοῖς ἀπιστίας ὑποπέπτωκεν ὀφθαλμοῖς. Κιθαιρὼν δὲ ἄρα καὶ Ἑλικὼν καὶ τὰ Ὀδρυσῶν ὄρη καὶ Θρᾳκῶν τελεστήρια, τῆς πλάνης τὰ μυστήρια, τεθείασται καὶ καθύμνηται. 2. Ἐγὼ μέν, εἰ καὶ μῦθός εἰσι, δυσανασχετῶ τοσαύταις ἐκτραγῳδουμέναις συμφοραῖς· ὑμῖν δὲ καὶ τῶν κακῶν αἱ ἀναγραφαὶ γεγόνασι δράματα καὶ τῶν δραμάτων οἱ ὑποκριταὶ θυμηδίας θεάματα. Ἀλλὰ γὰρ τὰ μὲν δράματα καὶ τοὺς ληναΐζοντας ποιητάς, τέλεον ἤδη παροινοῦντας, κιττῷ που ἀναδήσαντες, ἀφραίνοντας ἐκτόπως τελετῇ βακχικῇ, αὐτοῖς σατύροις καὶ θιάσῳ μαινόλῃ, σὺν καὶ τῷ ἄλλῳ δαιμόνων χορῷ, Ἑλικῶνι καὶ Κιθαιρῶνι κατακλείσωμεν γεγηρακόσιν, κατάγωμεν δὲ ἄνωθεν ἐξ οὐρανῶν ἀλήθειαν ἅμα φανοτάτῃ φρονήσει εἰς ὄρος ἅγιον θεοῦ καὶ χορὸν τὸν ἅγιον τὸν προφητικόν. 3. Ἣ δὲ ὡς ὅτι μάλιστα τηλαυγὲς ἀποστίλβουσα φῶς καταυγαζέτω πάντῃ τοὺς ἐν σκότει κυλινδουμένους καὶ τῆς πλάνης τοὺς ἀνθρώπους ἀπαλλαττέτω, τὴν ὑπερτάτην ὀρέγουσα δεξιάν, τὴν σύνεσιν, εἰς σωτηρίαν· οἳ δὲ ἀνανεύσαντες καὶ ἀνακύψαντες Ἑλικῶνα μὲν καὶ Κιθαιρῶνα καταλειπόντων, οἰκούντων δὲ Σιών· «ἐκ γὰρ Σιὼν ἐξελεύσεται νόμος, καὶ λόγος κυρίου ἐξ Ἱερουσαλήμ», λόγος οὐράνιος, ὁ γνήσιος ἀγωνιστὴς ἐπὶ τῷ παντὸς κόσμου θεάτρῳ στεφανούμενος. 4. Αἴδει δέ γε ὁ Εὔνομος ὁ ἐμὸς οὐ τὸν Τερπάνδρου νόμον οὐδὲ τὸν Κηπίωνος, οὐδὲ μὴν Φρύγιον ἢ Λύδιον ἢ Δώριον, ἀλλὰ τῆς καινῆς ἁρμονίας τὸν ἀίδιον νόμον, τὸν φερώνυμον τοῦ θεοῦ, τὸ ᾆσμα τὸ καινόν, τὸ Λευιτικόν, «νηπενθές τ’ ἄχολόν τε, κακῶν ἐπίληθες ἁπάντων»· γλυκύ τι καὶ ἀληθινὸν φάρμακον πειθοῦς ἐγκέκραται τῷ ᾄσματι. [3]

1. Ἐμοὶ μὲν οὖν δοκοῦσιν ὁ Θρᾴκιος ἐκεῖνος Ὀρφεὺς καὶ ὁ Θηβαῖος καὶ ὁ Μηθυμναῖος, ἄνδρες τινὲς οὐκ ἄνδρες, ἀπατηλοὶ γεγονέναι, προσχήματι μουσικῆς λυμηνάμενοι τὸν βίον, ἐντέχνῳ τινὶ γοητείᾳ δαιμονῶντες εἰς διαφθοράς, ὕβρεις ὀργιάζοντες, πένθη ἐκθειάζοντες, τοὺς ἀνθρώπους ἐπὶ προτρεπτικος προς ελληνας

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[2] 1. Como pudestes crer em mitos vazios e supor que a música encanta animais selvagens? Por outro lado, a face única e resplandecente da verdade, como me parece, apresenta-se, diante de vossos olhos, carregada de desconfiança. Com efeito, o Citéron, o Hélicon, os montes de Odrissa e da Trácia, telestérios1 e mistérios da errância, foram sacralizados pelos mistérios e cantados em hinos. 2. Eu mesmo, apesar de serem mitos, mal suporto ver tantas desgraças tomadas como assunto de tragédias; mas, para vós, os registros de desgraças tornaram-se peças de teatro, e os atores, espetáculo de satisfação. Mas, em verdade, os espetáculos teatrais e os poetas dos concursos das Lineias, já completamente embriagados, quando coroados de hera e estranhamente enlouquecidos pela iniciação báquica, encerremo-los, juntamente com os sátiros, o tíaso das Mênades2 e o resto do coro dos demônios, no Hélicon e no Citéron do passado; façamos descer do alto dos céus, sobre a santa montanha de Deus, a verdade com a luminosíssima sabedoria e o santo coro dos profetas. 3. Que esta verdade faça resplandecer ao mais longe possível sua luz brilhante, ilumine de todas as partes aqueles que estão mergulhados nas trevas, que liberte os homens do erro, estendendo sua mão direita toda poderosa – o entendimento – para a salvação deles; os que se irão livrar e levantar a cabeça abandonarão o Hélicon e o Citéron para habitar Sião: “Pois de Sião sairá a Lei, e de Jerusalém o Logos do Senhor”,3 Logos celeste, o verdadeiro vencedor coroado no teatro do mundo. 4. Mas o meu Eunômio canta não no modo de Terpandro, nem no de Cépion, nem no modo frígio, nem no lídio, nem no dório; ele canta segundo o modo eterno da nova harmonia, a que traz o nome de Deus, o cântico novo, o cântico dos Levitas, “que dissipa a angústia, suaviza a cólera e faz esquecer todos os males”:4 um remédio doce, verdadeiro e persuasivo, temperado pelo canto.

[3] 1. Aquele trácio – Orfeu, mais o tebano e o metimnense parecem-me homens que não são homens, por serem enganadores, sob o pretexto da música ultrajaram a vida e, possessos por uma artística magia que conduz à perda – celebrando os mistérios da violência e divinizando o luto –, foram os primeiros a conduzir os homens ex ortaç ão aos g r egos | 2 5 |


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τὰ εἴδωλα χειραγωγῆσαι πρῶτοι, ναὶ μὴν λίθοις καὶ ξύλοις, τουτέστιν ἀγάλμασι καὶ σκιαγραφίαις, ἀνοικοδομῆσαι τὴν σκαιότητα τοῦ ἔθους, τὴν καλὴν ὄντως ἐκείνην ἐλευθερίαν τῶν ὑπ’ οὐρανὸν πεπολιτευμένων ᾠδαῖς καὶ ἐπῳδαῖς ἐσχάτῃ δουλείᾳ καταζεύξαντες. 2. Ἀλλ’ οὐ τοιόσδε ὁ ᾠδὸς ὁ ἐμὸς οὐδ’ εἰς μακρὰν καταλύσων ἀφῖκται τὴν δουλείαν τὴν πικρὰν τῶν τυραννούντων δαιμόνων, ὡς δὲ τὸν πρᾶον καὶ φιλάνθρωπον τῆς θεοσεβείας μετάγων ἡμᾶς ζυγὸν αὖθις εἰς οὐρανοὺς ἀνακαλεῖται τοὺς εἰς γῆν ἐρριμμένους. [4]

1. Μόνος γοῦν τῶν πώποτε τὰ ἀργαλεώτατα θηρία, τοὺς ἀνθρώπους, ἐτιθάσευεν, πτηνὰ μὲν τοὺς κούφους αὐτῶν, ἑρπετὰ δὲ τοὺς ἀπατεῶνας, καὶ λέοντας μὲν τοὺς θυμικούς, σύας δὲ τοὺς ἡδονικούς, λύκους δὲ τοὺς ἁρπακτικούς. Λίθοι δὲ καὶ ξύλα οἱ ἄφρονες· πρὸς δὲ καὶ λίθων ἀναισθητότερος ἄνθρωπος ἀγνοίᾳ βεβαπτισμένος. 2. Μάρτυς ἡμῖν προφητικὴ παρίτω φωνή, συνῳδὸς ἀληθείας, τοὺς ἐν ἀγνοίᾳ καὶ ἀνοίᾳ κατατετριμμένους οἰκτείρουσα· «δυνατὸς γὰρ ὁ θεὸς ἐκ τῶν λίθων τούτων ἐγεῖραι τέκνα τῷ Ἀβραάμ». Ὃς κατελεήσας τὴν ἀμαθίαν τὴν πολλὴν καὶ τὴν σκληροκαρδίαν τῶν εἰς τὴν ἀλήθειαν λελιθωμένων ἤγειρεν θεοσεβείας σπέρμα ἀρετῆς αἰσθόμενον ἐκ λίθων ἐκείνων, τῶν λίθοις πεπιστευκότων ἐθνῶν. 3. Αὖθις οὖν ἰοβόλους τινὰς καὶ παλιμβόλους ὑποκριτὰς ἐφοδεύοντας δικαιοσύνῃ «γεννήματα ἐχιδνῶν» κέκληκέ που· ἀλλὰ καὶ τούτων εἴ τις τῶν ὄφεων μετανοήσαι ἑκών, ἑπόμενος δὴ τῷ λόγῳ «ἄνθρωπος» γίνεται «θεοῦ». «Λύκους» δὲ ἄλλους ἀλληγορεῖ προβάτων κῳδίοις ἠμφιεσμένους, τοὺς ἐν ἀνθρώπων μορφαῖς ἁρπακτικοὺς αἰνιττόμενος. Καὶ πάντα ἄρα ταῦτα ἀγριώτατα θηρία καὶ τοὺς τοιούτους λίθους ἡ οὐράνιος ᾠδὴ αὐτὴ μετεμόρφωσεν εἰς ἀνθρώπους ἡμέρους. 4. «Ἦμεν γάρ, ἦμέν ποτε καὶ ἡμεῖς ἀνόητοι, ἀπειθεῖς, πλανώμενοι, δουλεύοντες ἡδοναῖς καὶ ἐπιθυμίαις ποικίλαις, ἐν κακίᾳ καὶ φθόνῳ διάγοντες, στυγητοί, μισοῦντες ἀλλήλους», ᾗ φησιν ἡ ἀποστολικὴ γραφή· «ὅτε δὲ ἡ χρηστότης καὶ ἡ φιλανθρωπία ἐπεφάνη τοῦ σωτῆρος ἡμῶν θεοῦ, οὐκ ἐξ ἔργων τῶν ἐν δικαιοσύνῃ, ἃ ἐποιήσαμεν ἡμεῖς, ἀλλὰ κατὰ τὸ αὐτοῦ ἔλεος ἔσωσεν ἡμᾶς». Ὅρα τὸ ᾆσμα τὸ καινὸν ὅσον ἴσχυσεν· ἀνθρώπους ἐκ λίθων προτρεπτικος προς ελληνας

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à idolatria. Sim, com pedras e madeira, isto é, com estátuas e pinturas, foram eles os primeiros a instituir o mais torpe dos costumes, constrangendo esta bela liberdade dos cidadãos da terra à mais ínfima servidão, através de cânticos e encantamentos. 2. De tal natureza não é absolutamente o meu cantor, pois ele vem para abolir a grande e amarga escravidão dos demônios tirânicos e, transportando-nos sob o jugo doce e humano da piedade, exorta aos céus aqueles que se haviam precipitado sobre a terra.

[4] 1. Apenas pela verdade ele abrandou os mais difíceis animais como nunca existiram – os homens: aves como os frívolos, serpentes como os embusteiros, leões como os violentos, porcos como os voluptuosos, lobos como os ladrões. Pedras e madeira, os insensatos; mais insensível que as pedras é o homem mergulhado na ignorância. 2. Que a voz dos profetas venha testemunhar por nós, em harmonia com a verdade, piedosa para com aqueles que foram consumidos pela ignorância e pela insensatez. “Deus é capaz de suscitar destas pedras filhos a Abraão.”5 Ele, tendo misericórdia da grande ignorância e do endurecimento da alma daqueles que se tornaram pedras em relação à verdade, fez germinar uma semente de piedade, sensível à virtude, entre as nações oriundas das pedras e que puseram sua fé em pedras. 3. Aliás, a certos homens peçonhentos e inconstantes, hipócritas e embargadores da justiça, Ele os chamou de “raça de víboras”; mas se alguma dentre essas víboras vier a arrepender-se, acolhendo o Logos, torna-se “um homem de Deus”.6 Ele chama os outros de “lobos” recobertos com pele de ovelhas, referindo-se, metaforicamente, àqueles que, sob a forma de homens, não são senão impostores. Pois a todos esses [animais] violentíssimos e a essas espécies de “pedras”, este cântico novo pôde transformá-los em homens civilizados. 4. “Pois, de fato, éramos outrora insensatos, indóceis, errantes, escravizados pelos prazeres e pelas paixões, vivendo no mal e na inveja, execrados, odiando uns aos outros”, como diz a carta do Apóstolo: “(...) mas quando a bondade e o amor de Deus, Nosso Senhor, aparecer, Ele nos salvará, não por nossas obras de justiça, mas segundo sua misericórdia”.7 Vede quão poderoso é o cântico novo: de pedras ele fez homens; de animais selvagens também fez homens. Aqueles que, de certa ex ortaç ão aos g r egos | 2 7 |


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καὶ ἀνθρώπους ἐκ θηρίων πεποίηκεν. Οἱ δὲ τηνάλλως νεκροί, οἱ τῆς ὄντως οὔσης ἀμέτοχοι ζωῆς, ἀκροαταὶ μόνον γενόμενοι τοῦ ᾄσματος ἀνεβίωσαν. [5]

1. Τοῦτό τοι καὶ τὸ πᾶν ἐκόσμησεν ἐμμελῶς καὶ τῶν στοιχείων τὴν διαφωνίαν εἰς τάξιν ἐνέτεινε συμφωνίας, ἵνα δὴ ὅλος ὁ κόσμος αὐτῷ ἁρμονία γένηται. Καὶ θάλατταν μὲν ἀνῆκεν λελυμένην, γῆς δὲ ἐπιβαίνειν κεκώλυκεν αὐτήν, γῆν δ’ ἔμπαλιν ἐστερέωσεν φερομένην καὶ ὅρον αὐτὴν ἔπηξεν θαλάττης· ναὶ μὴν καὶ πυρὸς ὁρμὴν ἐμάλαξεν ἀέρι, οἱονεὶ Δώριον ἁρμονίαν κεράσας Λυδίῳ· καὶ τὴν ἀέρος ἀπηνῆ ψυχρότητα τῇ παραπλοκῇ τοῦ πυρὸς ἐτιθάσευεν, τοὺς νεάτους τῶν ὅλων φθόγγους τούτους κιρνὰς ἐμμελῶς. 2. Καὶ δὴ τὸ ᾆσμα τὸ ἀκήρατον, ἔρεισμα τῶν ὅλων καὶ ἁρμονία τῶν πάντων, ἀπὸ τῶν μέσων ἐπὶ τὰ πέρατα καὶ ἀπὸ τῶν ἄκρων ἐπὶ τὰ μέσα διαταθέν, ἡρμόσατο τόδε τὸ πᾶν, οὐ κατὰ τὴν Θρᾴκιον μουσικήν, τὴν παραπλήσιον Ἰουβάλ, κατὰ δὲ τὴν πάτριον τοῦ θεοῦ βούλησιν, ἣν ἐζήλωσε Δαβίδ. 3. Ὁ δὲ ἐκ Δαβὶδ καὶ πρὸ αὐτοῦ, ὁ τοῦ θεοῦ λόγος, λύραν μὲν καὶ κιθάραν, τὰ ἄψυχα ὄργανα, ὑπεριδών, κόσμον δὲ τόνδε καὶ δὴ καὶ τὸν σμικρὸν κόσμον, τὸν ἄνθρωπον, ψυχήν τε καὶ σῶμα αὐτοῦ, ἁγίῳ πνεύματι ἁρμοσάμενος, ψάλλει τῷ θεῷ διὰ τοῦ πολυφώνου ὀργάνου καὶ προσᾴδει τῷ ὀργάνῳ τῷ ἀνθρώπῳ. «Σὺ γὰρ εἶ κιθάρα καὶ αὐλὸς καὶ ναὸς ἐμοί·» κιθάρα διὰ τὴν ἁρμονίαν, αὐλὸς διὰ τὸ πνεῦμα, ναὸς διὰ τὸν λόγον, ἵν’ ἣ μὲν κρέκῃ, τὸ δὲ ἐμπνέῃ, ὃ δὲ χωρήσῃ τὸν κύριον. 4. Ναὶ μὴν ὁ Δαβὶδ ὁ βασιλεύς, ὁ κιθαριστής, οὗ μικρῷ πρόσθεν ἐμνήσθημεν, προὔτρεπεν ὡς τὴν ἀλήθειαν, ἀπέτρεπε δὲ εἰδώλων, πολλοῦ γε ἔδει ὑμνεῖν αὐτὸν τοὺς δαίμονας ἀληθεῖ πρὸς αὐτοῦ διωκομένους μουσικῇ, ᾗ τοῦ Σαοὺλ ἐνεργουμένου ἐκεῖνος ᾄδων μόνον αὐτὸν ἰάσατο. Καλὸν ὁ κύριος ὄργανον ἔμπνουν τὸν ἄνθρωπον ἐξειργάσατο κατ’ εἰκόνα τὴν ἑαυτοῦ· ἀμέλει καὶ αὐτὸς ὄργανόν ἐστι τοῦ θεοῦ παναρμόνιον, ἐμμελὲς καὶ ἅγιον, σοφία ὑπερκόσμιος, οὐράνιος λόγος. [6]

1. Τί δὴ οὖν τὸ ὄργανον, ὁ τοῦ θεοῦ λόγος, ὁ κύριος, καὶ τὸ ᾆσμα τὸ καινὸν βούλεται; Ὀφθαλμοὺς ἀναπετάσαι τυφλῶν καὶ ὦτα ἀνοῖξαι κωφῶν προτρεπτικος προς ελληνας

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forma, estavam mortos, que não faziam parte da essência da vida, tão somente escutaram este cântico e tornaram-se redivivos.

[5] 1. Além disso, Ele ordenou todo o universo harmoniosamente, submeteu a dissonância dos elementos a uma ordenação harmoniosa, para que o universo inteiro se tornasse uma sinfonia. Se Ele deixou o mar desencadeado, proibiu-o de invadir a terra; e a terra, por sua vez, Ele a privou de movimento e fez dela limite em face do mar. Também abrandou o ímpeto do fogo com o ar, como quem mistura a harmonia lídia com a dórica; Ele domesticou a frigidíssima rudeza do ar com a intercessão do fogo; misturou, por fim, de maneira não dissonante, os sons mais novos do universo. 2. E este cântico puro, que se difunde do centro até às extremidades e das extremidades ao centro, sustenta a harmonia do universo e ajustou esse conjunto não de acordo com a melodia trácia, semelhante àquela de Jubal, mas segundo a vontade paternal de Deus, aquela que David procurará com ardor. 3. Entretanto, esse descendente de David já existia antes de David, o Logos de Deus, que, desprezando a lira e a cítara, instrumentos sem alma, harmonizou, pelo Espírito Santo, o cosmo e esse microcosmo – o homem, alma e corpo do Logos; e o Logos salmodia a Deus através desse instrumento polifônico e canta em sintonia com esse mesmo instrumento: o homem. “Tu és, pois, para mim, uma cítara, uma flauta e um templo”:8 cítara pela harmonia, flauta por teu sopro, templo por tua razão; de modo que uma vibra, a outra respira e o último abriga o Senhor. 4. Sim, o rei Davi, o citarista, de quem falamos um pouco acima, exortou-nos à verdade, desviando-nos dos ídolos; muito longe de louvar os demônios, ele os afugentava de si com sua música de verdade: Quando Saul esteve possesso, ele apenas cantou e o curou. O Senhor soprou nesse belo instrumento que é o homem, plasmou-o segundo sua própria imagem; ele é também um instrumento harmoniosíssimo de Deus, afinado e santo, sabedoria suprauniversal, Logos celeste.

[6] 1. O que quer, então, esse instrumento, o Logos de Deus, o Senhor, e seu cântico novo? Abrir os olhos dos cegos e os ouvidos dos surdos, conduzir os ­paralíticos ex ortaç ão aos g r egos | 2 9 |


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καὶ σκάζοντας τὼ πόδε ἢ πλανωμένους εἰς δικαιοσύνην χειραγωγῆσαι, θεὸν ἀνθρώποις ἀφραίνουσιν ἐπιδεῖξαι, παῦσαι φθοράν, νικῆσαι θάνατον, υἱοὺς ἀπειθεῖς διαλλάξαι πατρί. 2. Φιλάνθρωπον τὸ ὄργανον τοῦ θεοῦ· ὁ κύριος ἐλεεῖ, παιδεύει, προτρέπει, νουθετεῖ, σῴζει, φυλάττει καὶ μισθὸν ἡμῖν τῆς μαθήσεως ἐκ περιουσίας βασιλείαν οὐρανῶν ἐπαγγέλλεται, τοῦτο μόνον ἀπολαύων ἡμῶν, ὃ σῳζόμεθα. Κακία μὲν γὰρ τὴν ἀνθρώπων ἐπιβόσκεται φθοράν, ἡ δὲ ἀλήθεια, ὥσπερ ἡ μέλιττα λυμαινομένη τῶν ὄντων οὐδέν, ἐπὶ μόνης τῆς ἀνθρώπων ἀγάλλεται σωτηρίας. 3. Ἔχεις οὖν τὴν ἐπαγγελίαν, ἔχεις τὴν φιλανθρωπίαν· τῆς χάριτος μεταλάμβανε. Καί μου τὸ ᾆσμα τὸ σωτήριον μὴ καινὸν οὕτως ὑπολάβῃς ὡς σκεῦος ἢ ὡς οἰκίαν· «πρὸ ἑωσφόρου» γὰρ ἦν, καὶ «ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεὸν καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος». 4. Παλαιὰ δὲ ἡ πλάνη, καινὸν δὲ ἡ ἀλήθεια φαίνεται. Εἴτ’ οὖν ἀρχαίους τοὺς Φρύγας διδάσκουσιν αἶγες μυθικαί, εἴτε αὖ τοὺς Ἀρκάδας οἱ προσελήνους ἀναγράφοντες ποιηταί, εἴτε μὴν αὖ τοὺς Αἰγυπτίους οἱ καὶ πρώτην ταύτην ἀναφῆναι τὴν γῆν θεούς τε καὶ ἀνθρώπους ὀνειρώσσοντες· ἀλλ’ οὐ πρό γε τοῦ κόσμου τοῦδε τούτων οὐδὲ εἷς, πρὸ δὲ τῆς τοῦ κόσμου καταβολῆς ἡμεῖς, οἱ τῷ δεῖν ἔσεσθαι ἐν αὐτῷ πρότερον γεγεννημένοι τῷ θεῷ, τοῦ θεοῦ λόγου τὰ λογικὰ πλάσματα ἡμεῖς, δι’ ὃν ἀρχαΐζομεν, ὅτι «ἐν ἀρχῇ ὁ λόγος ἦν.» 5. Ἀλλ’ ὅτι μὲν ἦν ὁ λόγος ἄνωθεν, ἀρχὴ θεία τῶν πάντων ἦν τε καὶ ἔστιν· ὅτι δὲ νῦν ὄνομα ἔλαβεν τὸ πάλαι καθωσιωμένον, δυνάμεως ἄξιον, ὁ Χριστός, καινὸν ᾆσμά μοι κέκληται. [7]

1. Αἴτιος γοῦν ὁ λόγος, ὁ Χριστός, καὶ τοῦ εἶναι πάλαι ἡμᾶς (ἦν γὰρ ἐν θεῷ), καὶ τοῦ εὖ εἶναι (νῦν δὴ ἐπεφάνη ἀνθρώποις) –αὐτὸς οὗτος ὁ λόγος, ὁ μόνος ἄμφω, θεός τε καὶ ἄνθρωπος, ἁπάντων ἡμῖν αἴτιος ἀγαθῶν· παρ’ οὗ τὸ εὖ ζῆν ἐκδιδασκόμενοι εἰς ἀίδιον ζωὴν παραπεμπόμεθα. 2. Κατὰ γὰρ τὸν θεσπέσιον ἐκεῖνον τοῦ κυρίου ἀπόστολον «ἡ χάρις ἡ τοῦ θεοῦ σωτήριος πᾶσιν ἀνθρώποις ἐπεφάνη, παιδεύουσα ἡμᾶς, ἵνα ἀρνησάμενοι τὴν ἀσέβειαν καὶ τὰς κοσμικὰς ἐπιθυμίας σωφρόνως καὶ δικαίως καὶ εὐσεβῶς ζήσωμεν ἐν τῷ νῦν αἰῶνι, προσδεχόμενοι τὴν προτρεπτικος προς ελληνας

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ou os errantes à justiça, mostrar Deus aos homens insensatos, fazer cessar a corrupção, vencer a morte, reconciliar com o Pai os filhos desobedientes. 2. Esse instrumento de Deus ama os homens: o Senhor apieda-se, instrui, exorta, adverte, salva, protege, promete-nos uma recompensa por nosso aprendizado da esperança de salvação: o reino dos céus. Tudo isso com a única intenção de nos salvar. O mal se nutre da perda dos homens; a verdade, por seu turno, como a abelha, não prejudica nada do que existe, apenas se alegra por sua salvação. 3. Tendes, pois, a promessa, tendes a filantropia. Tomai parte desta graça. E quanto ao meu cântico salvífico, não o concebais como novo, como móveis ou como uma casa, pois ele já existia “antes da aurora”, e “no início havia o Logos, e o Logos estava em Deus, e Deus era o Logos”.9 A errância, porém, é antiga, enquanto a verdade parece algo novo. 4. Se, pois, cabras lendárias ensinaram os antigos frígios, se poetas escreveram sobre os arcádios antelunares ou se a terra dos egípcios, como querem os sonhadores, foi a primeira a produzir deuses e homens, não houve, entretanto, nenhum deles sequer que houvera existido antes do mundo; mas antes da criação do mundo, nós, que devíamos existir nele, fomos anteriormente gerados por Deus, nós, criaturas racionais do Logos-Deus, por meio do qual existimos desde o início, porque “no início havia o Logos”. 5. Como o Logos existe desde o início, ele era e é o princípio divino de todas as coisas; mas como agora recebe o nome outrora consagrado e que é digno de sua força – Cristo –, eu o chamo de Cântico Novo.

[7] 1. Com efeito, o Logos, o Cristo, é a causa de nós existirmos por todo o sempre (pois ele estava em Deus) e da nossa boa existência (porque agora ele aparece aos homens); este próprio Logos, dualidade una, Deus e homem, causa de todos os nossos bens: com ele aprendemos a bem viver para sermos conduzidos à vida eterna. 2. Segundo o maravilhoso apóstolo do Senhor, “a graça de Deus, a salvação, apareceu a todos os homens e ensina-nos a renunciar à impiedade e às paixões do mundo, a vivermos no século presente com temperança, justiça e piedade, ex ortaç ão aos g r egos | 3 1 |


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μακαρίαν ἐλπίδα καὶ ἐπιφάνειαν τῆς δόξης τοῦ μεγάλου θεοῦ καὶ σωτῆρος ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ.» 3. Τοῦτό ἐστι τὸ ᾆσμα τὸ καινόν, ἡ ἐπιφάνεια ἡ νῦν ἐκλάμψασα ἐν ἡμῖν τοῦ ἐν ἀρχῇ ὄντος καὶ προόντος λόγου· ἐπεφάνη δὲ ἔναγχος ὁ προὼν σωτήρ, ἐπεφάνη ὁ ἐν τῷ ὄντι ὤν, ὅτι «ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν,» διδάσκαλος, ἐπεφάνη ᾧ τὰ πάντα δεδημιούργηται λόγος· καὶ τὸ ζῆν ἐν ἀρχῇ μετὰ τοῦ πλάσαι παρασχὼν ὡς δημιουργός, τὸ εὖ ζῆν ἐδίδαξεν ἐπιφανεὶς ὡς διδάσκαλος, ἵνα τὸ ἀεὶ ζῆν ὕστερον ὡς θεὸς χορηγήσῃ. 4. Ὃ δὲ οὐ νῦν γε πρῶτον ᾤκτειρεν ἡμᾶς τῆς πλάνης, ἀλλ’ ἄνωθεν ἀρχῆθεν, νῦν δὲ ἤδη ἀπολλυμένους ἐπιφανεὶς περισέσωκεν. Τὸ γὰρ πονηρὸν καὶ ἑρπηστικὸν θηρίον γοητεῦον καταδουλοῦται καὶ αἰκίζεται εἰσέτι νῦν τοὺς ἀνθρώπους, ἐμοὶ δοκεῖν, βαρβαρικῶς τιμωρούμενον, οἳ νεκροῖς τοὺς αἰχμαλώτους συνδεῖν λέγονται σώμασιν, ἔστ’ ἂν αὐτοῖς καὶ συσσαπῶσιν. 5. Ὁ γοῦν πονηρὸς οὑτοσὶ τύραννος καὶ δράκων, οὓς ἂν οἷός τε εἴη ἐκ γενετῆς σφετερίσασθαι, λίθοις καὶ ξύλοις καὶ ἀγάλμασιν καὶ τοιούτοις τισὶν εἰδώλοις προσσφίγξας τῷ δεισιδαιμονίας ἀθλίῳ δεσμῷ, τοῦτο δὴ τὸ λεγόμενον, ζῶντας ἐπιφέρων συνέθαψεν αὐτούς, ἔστ’ ἂν καὶ συμφθαρῶσιν. 6. Οὗ δὴ χάριν (εἷς γὰρ ὁ ἀπατεὼν ἄνωθεν μὲν τὴν Εὔαν, νῦν δὲ ἤδη καὶ τοὺς ἄλλους ἀνθρώπους εἰς θάνατον ὑποφέρων) εἷς καὶ αὐτὸς ἐπίκουρος καὶ βοηθὸς ἡμῖν ὁ κύριος, προμηνύων ἀρχῆθεν προφητικῶς, νῦν δὲ ἤδη καὶ ἐναργῶς εἰς σωτηρίαν παρακαλῶν. [8]

1. Φύγωμεν οὖν ἀποστολικῇ πειθόμενοι παραγγελίᾳ «τὸν ἄρχοντα τῆς ἐξουσίας τοῦ ἀέρος, τοῦ πνεύματος τοῦ νῦν ἐνεργοῦντος ἐν τοῖς υἱοῖς τῆς ἀπειθείας», καὶ τῷ σωτῆρι τῷ κυρίῳ προσδράμωμεν, ὃς καὶ νῦν καὶ ἀεὶ προὔτρεπεν εἰς σωτηρίαν, διὰ τεράτων καὶ σημείων ἐν Αἰγύπτῳ, ἐν ἐρήμῳ διά τε τῆς βάτου καὶ τῆς ἀκολουθούσης χάριτι φιλανθρωπίας θεραπαίνης δίκην Ἑβραίοις νεφέλης. 2. Τούτῳ μὲν δὴ τῷ φόβῳ τοὺς σκληροκαρδίους προὔτρεπεν· ἤδη δὲ καὶ διὰ Μωσέως τοῦ πανσόφου καὶ τοῦ φιλαλήθους Ἡσαΐα καὶ παντὸς τοῦ προφητικοῦ χοροῦ λογικώτερον ἐπὶ τὸν λόγον ἐπιστρέφει τοὺς τὰ ὦτα κεκτημένους· καὶ ἔσθ’ ὅπῃ μὲν λοιδορεῖται, ἔστιν δ’ οὗ καὶ ἀπειλεῖ· τοὺς προτρεπτικος προς ελληνας

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­esperando a bem-aventurada promessa e aparição da glória do Grande Deus e Nosso Salvador, Jesus Cristo”.10 3. Este é o Cântico Novo, que agora vem brilhar em nós, aparição do Logos que estava no início e que pré-existia, pois apareceu agora aquele que pré-existia como Salvador; ele apareceu, aquele que, no Ser, era mestre, pois “o Logos estava em Deus”; e ele apareceu, aquele por quem tudo foi criado. Como demiurgo, ele deu a vida no início, ao mesmo tempo em que criava; depois, como mestre, ele ensinou a bem viver, para que procurássemos, mais tarde, como Deus, a vida eterna. 4. Mas não é, pois, agora, a primeira vez que ele se apieda de nossos erros, mas desde o princípio, desde o começo; porém, hoje, já perdidos, ele apareceu para nos salvar. Pois o réptil perverso, por charlatanismo, parece-me, ainda escraviza e maltrata os homens, torturando-os como aqueles bárbaros que atavam – dizem – seus prisioneiros a cadáveres, para que, amarrados, ambos tombassem em decomposição. 5. Esse dragão, tirano perverso, fez-se mestre daqueles a quem, desde o nascimento, amarrou com o liame miserável da superstição; a pedras, a carcaças de madeira; a imagens ou ídolos do mesmo gênero fez, como dizem, oferendas vivas em honra dos mortos e os encerrou, destarte, em tumbas, até que eles apodrecessem com os já mortos. 6. De modo semelhante, também é única a charlatã que desencadeou a morte desde as origens – Eva – e ainda continua arruinando muitos homens. Nós não temos, para isso, senão um único protetor, um só auxílio, o Senhor, que, primitivamente, nos advertiu de maneira profética e que, agora, nos exorta claramente à salvação.

[8] 1. Fujamos, pois, obedientes à instrução do Apóstolo, “do chefe da potência do ar, do espírito que agora se apodera dos filhos da desobediência”;11 corramos ao Salvador, ao Senhor, que agora e sempre nos exorta à salvação: no Egito, por meio de sinais e prodígios; no deserto, através da sarça ardente e da nuvem, onde sua misericórdia acompanhou os hebreus como a lealdade de uma serva. 2. Ele estimulava seus corações endurecidos através do medo; antes, também, já o havia feito por meio do sapientíssimo Moisés e de Isaías, o amigo da verdade, e por todo o coro dos profetas; Ele convertera ao Logos, de maneira muito racional, aqueles que possuíam ouvidos: ora Ele injuria, ora ameaça; por outro lado, lamenta por alguns; canta para outros, assim como um excelente médico que, dentre os ex ortaç ão aos g r egos | 3 3 |


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δὲ καὶ θρηνεῖ τῶν ἀνθρώπων· ᾄδει δὲ ἄλλοις, καθάπερ ἰατρὸς ἀγαθὸς τῶν νοσούντων σωμάτων τὰ μὲν καταπλάττων, τὰ δὲ καταλεαίνων, τὰ δὲ καταντλῶν, τὰ δὲ καὶ σιδήρῳ διαιρῶν, ἐπικαίων δὲ ἄλλα, ἔστι δ’ οὗ καὶ ἀποπρίων, εἴ πως οἷόν τε κἂν παρὰ μέρος ἢ μέλος τὸν ἄνθρωπον ὑγιᾶναι. 3. Πολύφωνός γε ὁ σωτὴρ καὶ πολύτροπος εἰς ἀνθρώπων σωτηρίαν· ἀπειλῶν νουθετεῖ, λοιδορούμενος ἐπιστρέφει, θρηνῶν ἐλεεῖ, ψάλλων παρακαλεῖ, διὰ βάτου λαλεῖ (σημείων ἐκεῖνοι καὶ τεράτων ἔχρῃζον) καὶ τῷ πυρὶ δεδίττεται τοὺς ἀνθρώπους, ἀνάπτων ἐκ κίονος τὴν φλόγα, δεῖγμα ὁμοῦ χάριτος καὶ φόβου· ἐὰν ὑπακούσῃς, τὸ φῶς, ἐὰν παρακούσῃς, τὸ πῦρ. Ἐπειδὴ δὲ καὶ κίονος καὶ βάτου ἡ σὰρξ τιμιωτέρα, προφῆται μετ’ ἐκεῖνα φθέγγονται, αὐτὸς ἐν Ἡσαΐᾳ ὁ κύριος λαλῶν, αὐτὸς ἐν Ἠλίᾳ, ἐν στόματι προφητῶν αὐτός· 4. σὺ δὲ ἀλλ’ εἰ προφήταις μὴ πιστεύεις, μῦθον δ’ ὑπολαμβάνεις καὶ τοὺς ἄνδρας καὶ τὸ πῦρ, αὐτός σοι λαλήσει ὁ κύριος, «ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ· ἐκένωσεν δὲ ἑαυτόν» ὁ φιλοικτίρμων θεός, σῶσαι τὸν ἄνθρωπον γλιχόμενος· καὶ αὐτὸς ἤδη σοὶ ἐναργῶς ὁ λόγος λαλεῖ, δυσωπῶν τὴν ἀπιστίαν, ναί φημι, ὁ λόγος ὁ τοῦ θεοῦ ἄνθρωπος γενόμενος, ἵνα δὴ καὶ σὺ παρὰ ἀνθρώπου μάθῃς, πῇ ποτε ἄρα ἄνθρωπος γένηται θεός. [9]

1. Εἶτ’ οὐκ ἄτοπον, ὦ φίλοι, τὸν μὲν θεὸν ἀεὶ προτρέπειν ἡμᾶς ἐπ’ ἀρετήν, ἡμᾶς δὲ ἀναδύεσθαι τὴν ὠφέλειαν καὶ ἀναβάλλεσθαι τὴν σωτηρίαν; Ἦ γὰρ οὐχὶ καὶ Ἰωάννης ἐπὶ σωτηρίαν παρακαλεῖ καὶ τὸ πᾶν γίνεται φωνὴ προτρεπτική; Πυθώμεθα τοίνυν αὐτοῦ· «τίς πόθεν εἶς ἀνδρῶν;» Ἠλίας μὲν οὐκ ἐρεῖ, Χριστὸς δὲ εἶναι ἀρνήσεται· φωνὴ δὲ ὁμολογήσει ἐν ἐρήμῳ βοῶσα. Τίς οὖν ἔστιν Ἰωάννης; Ὡς τύπῳ λαβεῖν, ἐξέστω εἰπεῖν, φωνὴ τοῦ λόγου προτρεπτικὴ ἐν ἐρήμῳ βοῶσα. Τί βοᾷς, ὦ φωνή; «Εἰπὲ καὶ ἡμῖν.» 2. «Εὐθείας ποιεῖτε τὰς ὁδοὺς κυρίου». Πρόδρομος Ἰωάννης καὶ ἡ φωνὴ πρόδρομος τοῦ λόγου, φωνὴ παρακλητική, προετοιμάζουσα εἰς σωτηρίαν, φωνὴ προτρέπουσα εἰς κληρονομίαν οὐρανῶν· δι’ ἣν ἡ στεῖρα καὶ ἔρημος ἄγονος οὐκέτι. Ταύτην μοι τὴν κυοφορίαν προεθέσπισεν ἀγγέλου φωνή· πρόδρομος ἦν κἀκείνη τοῦ κυρίου, στεῖραν εὐαγγελιζομένη γυναῖκα, ὡς Ἰωάννης τὴν ἔρημον. προτρεπτικος προς ελληνας

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corpos doentes, cobre uns com cataplasmas, limpa e banha outros, intervém com o ferro, cauteriza aqui e ali, noutro lugar amputa alguns pela serra, quando ainda é possível curar o homem como um todo ou apenas um de seus membros. 3. O Salvador é polifônico e engenhoso a respeito da salvação dos homens: ameaçando, adverte; injuriando, converte; lamentando, apieda-se; salmodiando, exorta; fala através da sarça ardente (os hebreus tinham necessidade de sinais e prodígios) e intimida os homens com o fogo, fazendo sair chamas da coluna, sinal de graça e de medo, a um só tempo: caso se obedeça, tem-se a luz; caso se desobedeça, tem-se o fogo. E como a carne [do homem] é mais valiosa que uma coluna e uma sarça, são os profetas que, depois disso, se fazem ouvir; é Ele, o Senhor, que fala pela boca de Isaías, de Elias e dos profetas. 4. Mas se tu não crês nos profetas e aceitas, ao contrário, mitos, charlatães e o fogo, Ele, o Senhor, a ti te falará como “aquele que é semelhante a Deus, mas que não usufrui deste privilégio, fazendo-se inútil a si próprio”.12 Esse Deus compassivo deseja ardentemente salvar os homens; é Ele, agora, o Logos, que te fala claramente, desmascarando a tua incredulidade; sim, eu digo, o Logos de Deus tornado homem, a fim de que tu ainda aprendas, por meio de outro homem, como um homem pode vir a ser Deus.

[9] 1. Não é estranho, ó amigos, Deus sempre nos exortar à virtude, e nós nos esquivarmos de seu auxílio, desprezando a salvação? Não era verdade, também, que João nos exortava à salvação e se tornou, por inteiro, a voz que exorta? Perguntemos, pois, a ele: Quem és tu dentre os homens? Ele não dirá ser Elias e negará ser o Cristo; mas confirmará que é a voz que clama no deserto. Mas quem é João? À guisa de exemplo, permito-me dizer que é a voz do Logos exortativo que clama no deserto. O que clamas, ó voz? Di-lo também a nós! “Tornai retos os caminhos do Senhor.”13 2. João é o precursor, e sua voz é a precursora do Logos, voz que encoraja, voz preparadora da salvação, voz que exorta à herança dos céus. Por meio desta voz, a estéril e solitária não mais ficarão sem descendentes. A voz do anjo me profetizou essa gravidez; essa voz também era precursora do Senhor, mensageira da boa-nova à estéril, assim como João o fora à solidão do deserto. ex ortaç ão aos g r egos | 3 5 |


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3. Διὰ ταύτην τοίνυν τοῦ λόγου τὴν φωνὴν ἡ στεῖρα εὐτεκνεῖ καὶ ἡ ἔρημος καρποφορεῖ· αἱ πρόδρομοι τοῦ κυρίου φωναὶ δύο, ἀγγέλου καὶ Ἰωάννου, αἰνίσσονταί μοι τὴν ἐναποκειμένην σωτηρίαν, ὡς ἐπιφανέντος τοῦ λόγου τοῦδε εὐτεκνίας ἡμᾶς καρπὸν ἀπενέγκασθαι, ζωὴν ἀίδιον. 4. Ἄμφω γοῦν ἐς ταὐτὸν ἀγαγοῦσα τὰ φωνὰ ἡ γραφὴ σαφηνίζει τὸ πᾶν· «Ἀκουσάτω ἡ οὐ τίκτουσα· ῥηξάτω φωνὴν ἡ οὐκ ὠδίνουσα, ὅτι πλείονα τὰ τέκνα τῆς ἐρήμου μᾶλλον ἢ τῆς ἐχούσης τὸν ἄνδρα.» Ἡμῖν εὐηγγελίζετο ἄγγελος, ἡμᾶς προὔτρεπεν Ἰωάννης νοῆσαι τὸν γεωργόν, ζητῆσαι τὸν ἄνδρα. 5. Εἷς γὰρ καὶ ὁ αὐτὸς οὗτος, ὁ τῆς στείρας ἀνήρ, ὁ τῆς ἐρήμου γεωργός, ὁ τῆς θείας ἐμπλήσας δυνάμεως καὶ τὴν στεῖραν καὶ τὴν ἔρημον. Ἐπεὶ γὰρ πολλὰ τὰ τέκνα τῆς εὐγενοῦς, ἄπαις δὲ ἦν διὰ ἀπείθειαν ἡ πολύπαις ἀνέκαθεν Ἑβραία γυνή, ἡ στεῖρα τὸν ἄνδρα λαμβάνει καὶ ἡ ἔρημος τὸν γεωργόν· εἶτα ἣ μὲν καρπῶν, ἣ δὲ πιστῶν, ἄμφω δὲ μητέρες διὰ τὸν λόγον· ἀπίστοις δὲ εἰσέτι νῦν καὶ στεῖρα καὶ ἔρημος περιλείπεται. [10]

1. Ὁ μὲν Ἰωάννης, ὁ κῆρυξ τοῦ λόγου, ταύτῃ πῃ παρεκάλει ἑτοίμους γίνεσθαι εἰς θεοῦ τοῦ Χριστοῦ παρουσίαν, καὶ τοῦτο ἦν ὃ ᾐνίσσετο ἡ Ζαχαρίου σιωπή, ἀναμένουσα τὸν πρόδρομον τοῦ Χριστοῦ καρπόν, ἵνα τῆς ἀληθείας τὸ φῶς, ὁ λόγος, τῶν προφητικῶν αἰνιγμάτων τὴν μυστικὴν ἀπολύσηται σιωπήν, εὐαγγέλιον γενόμενος. 2. Σὺ δὲ εἰ ποθεῖς ἰδεῖν ὡς ἀληθῶς τὸν θεόν, καθαρσίων μεταλάμβανε θεοπρεπῶν, οὐ δάφνης πετάλων καὶ ταινιῶν τινων ἐρίῳ καὶ πορφύρᾳ πεποικιλμένων, δικαιοσύνην δὲ ἀναδησάμενος καὶ τῆς ἐγκρατείας τὰ πέταλα περιθέμενος πολυπραγμόνει Χριστόν· «ἐγὼ γάρ εἰμι ἡ θύρα», φησί που· ἣν ἐκμαθεῖν δεῖ νοῆσαι θελήσασι τὸν θεόν, ὅπως ἡμῖν ἀθρόας τῶν οὐρανῶν ἀναπετάσῃ πύλας· 3. λογικαὶ γὰρ αἱ τοῦ λόγου πύλαι, πίστεως ἀνοιγνύμεναι κλειδί· «θεὸν οὐδεὶς ἔγνω, εἰ μὴ ὁ υἱὸς καὶ ᾧ ἂν ὁ υἱὸς ἀποκαλύψῃ.» Θύραν δὲ εὖ οἶδ’ ὅτι τὴν ἀποκεκλεισμένην τέως ὁ ἀνοιγνὺς ὕστερον ἀποκαλύπτει τἄνδον καὶ δείκνυσιν ἃ μηδὲ γνῶναι οἷόν τε ἦν πρότερον, εἰ μὴ διὰ Χριστοῦ πεπορευμένοις, δι’ οὗ μόνου θεὸς ἐποπτεύεται. προτρεπτικος προς ελληνας

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3. Com efeito, através dessa voz do Logos, a estéril, feliz, concebe, e o deserto produz frutos. Essas duas vozes precursoras do Senhor, a do anjo e a de João, dizem-nos enigmaticamente que a salvação está oculta nelas, como se, após a epifania do Logos, colhêssemos o fruto da salvação: a vida eterna. 4. Ambas as vozes, por certo, convergem para uma só, e as Escrituras explicam claramente todo o pensamento: “Que escute aquela que é estéril; que ela faça retumbar a sua voz, sem sentir as dores do parto, porque a prole da solitária será maior do que a da que tem marido”.14 O anjo nos anunciou a boa-nova; João nos exorta a pensar no lavrador, isto é, a procurar o marido. 5. O marido da mulher estéril e o lavrador do deserto são um único e um mesmo ser: aquele que saciou a força divina – a estéril e o deserto. De fato, muitos são os filhos da mulher de boa raça; por outro lado, a mulher hebreia, que desde o início tivera muitos filhos, agora se encontra sem nenhum, por causa de sua incredulidade; a estéril, por sua vez, recebe um marido, e o deserto um lavrador; em seguida, o deserto dá frutos; a estéril, fiéis; ambos fecundados pelo Logos. Não obstante, ainda hoje sobrevivem a estéril e o deserto: são os infiéis.

[10] 1. Quanto a João, o arauto do Logos, este exortava [os homens] a manterem-se preparados para a vinda de Deus, de Cristo, e isto era o que dizia metaforicamente o silêncio de Zacarias, esperando o fruto precursor de Cristo, a fim de que a luz da verdade, o Logos, pusesse fim ao silêncio místico dos enigmas proféticos, uma vez tornado boa-nova. 2. Mas se tu desejas verdadeiramente ver Deus, toma parte nas cerimônias purificadoras dignas de Deus, não com folhas de loureiro e cintas bordadas de lã e de púrpura,15 mas coroado de justiça e com a tua fronte cingida de folhas de temperança, ocupando-te piedosamente de Cristo; “pois eu sou a porta”,16 disse ele em alguma passagem; portanto, aqueles que desejam conhecer a Deus precisam aprender a maneira como ele abrirá, diante de nós, todas as outras portas dos céus. 3. As portas do Logos são razoáveis, abrem-se com a chave da fé: “Ninguém conhece Deus, senão o Filho e aquele a quem o Filho revelou”.17 Eu bem sei que essa porta, que se manteve fechada até agora, aquele que a abre revela, em seguida, o que há no interior e mostra o que não se podia conhecer antes, senão quando se houvesse passado pelo Cristo, o único, por meio do qual Deus se revela. ex ortaç ão aos g r egos | 3 7 |



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