am p
s o s u os de a C resc r รก i o o i s v o r t i s fer o ig Gerson Cordeiro
am p
Gerson Cordeiro
s o s u os de a C resc o rroviรกrios t i s fe o g i
Todos os direitos dessa edição reservados à: EDITORA INSIGHT Rua Augusto Stresser, 724 80040-310 - Curitiba - PR Bairro: Juvevê Tel.: (41) 3023-3774 www.editorainsight.com.br contato@editorainsight.com.br Capa e editoração: Gerson Luiz Cordeiro gerson_lcordeiro@ig.com.br Colaboração: Itamar Moreira Rose e João Carlos Farinhaki Proibida a reprodução total ou parcial, sem autorização expressa, do Farinhaki e o do Itamar. Me inclua fora disso! Eu apenas estou recontando as histórias destes dois.
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
Apresentação Eu trabalhei na Rede Ferroviária Federal, no Desenvolvimento de Pessoal, durante 10 anos e lá conheci um montão de pessoas extraordinárias. Fui um ouvinte das histórias mirabolantes que descreviam viagens e causos divertidos daqueles ferroviários. Depois que saí da Rede, passei a recontar aquelas histórias, nas reuniões com os amigos. Eu sempre começava assim: – Uma vez, o meu amigo Farinhaki me contou que... patati-patatá... – Outra vez, o meu amigo Itamar fez o seguinte... Depois de um tempo, sempre começando assim, o pessoal começou a desconfiar que o Farinhaki e o Itamar não existiam, que eles eram, na verdade, eu mesmo, e tudo seria invenção minha. Mas o Farinhaki e o Itamar existem sim e moram em Curitiba. E neste livro tentei colocar algumas histórias que eles e outros colegas, da Rede Ferroviária, me contaram. Inexplicavelmente, eu não tenho nenhuma fotografia recente para provar que o Itamar e o Farinhaki existem, mas que eles existem, existem sim. Juro! Gerson Cordeiro 2012
3
GERSON CORDEIRO
Índice 5 8 11 14 17 20 23 25 28 30 4 33 38 41 43 45 47 49 51 53 55 59 61 63 65 66 68 70 72 74 76
Mariscos Mandinga Sapo O executivo Cardápio do dia Praça Osório Que saudade de você! Bompeixe e a ponte Bompeixe e a Anita Aprovado O gato Caranguejada Quase um golaço Bolo roxo Cafezinho para acordar Não fume Faróis Chapéu Camarão Praticamente morto! Aliança Anhãnhaaaa! Ferroviários e seus cachorros - Por João Carlos Farinhaki Sr. NG-1 e NG-2 - Por João Carlos Farinhaki Oficinas de Ponta Grossa - Por João Carlos Farinhaki Baile na roça - Por João Carlos Farinhaki Bailão do Estrela - Por João Carlos Farinhaki Esporas Marumby Carros Ferroviários
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
Mariscos
Uma vez, o meu amigo Farinhaki me contou que ele e o Itamar passaram férias na praia de Armação da Piedade (SC). Famílias reunidas, crianças pequenas, verão, meio da tarde. – Vamos pegar mariscos lá na ponta da praia? – atiçou Farinhaki. E o Itamar, que topa tudo, topou. – Simbora, então! – Deixa a louça aí na pia e vamos pegar mariscos – comentou Itamar para a esposa. Reuniram as bugigangas, os baldes, as garrafas d’água, o protetor solar, o guarda-sol, as cadeiras de praia, os chinelos, os chapéus, a comida das crianças, as toalhas, a saída de banho, as cangas, as sacolas, as bolsas (... Nossa! Quanta tralha esse pessoal carregava!...), as facas para arrancar os mariscos, os óculos de sol, as chaves dos carros, duas esposas e cinco crianças. Ufa! – Farinha! Acho que vou deixar o meu carro aqui, para não entrar muito neste areião – disse Itamar, quando chegaram a mais ou menos uns trezentos metros do local de colheita, mas ainda na estradinha na borda da praia. – Ah, não! – comentou Farinhaki, do outro carro – tá muito longe! Já pensou voltar isso tudo a pé, no fim da tarde! Nem pensar. Vou tocando devagar, com o carro bem acelerado, que não atola, não! E assim, foi. O Farinhaki confiante, de carro, na frente e a família suada do Itamar, atrás, andando e assando ao sol. Fácil! Fácil! O carro chegou lá e todos correram para as pedras, recheadas de mariscos. Hum! O jantar prometia!
5
GERSON CORDEIRO
6
Que tarde gostosa! Os baldes cheios de mariscos eram levados até o carro do Farinhaki, um Corcel 73 estacionado ali pertinho, orgulho da família. O Itamar meio desanimado, já pensando na pernada de volta até o seu carro, carregando as garrafas de água quase vazias e provavelmente com a caçula no colo. Mas no fundo tinha uma esperança que conseguiria uma carona no carro lotado do amigo. Fim de tarde, o sol quase no horizonte, todos cansados, mas felizes com aquele dia perfeito. – Ita! Vamos fazer o seguinte – disse Farinhaki – eu levo todos que couberem no carro até a estradinha e depois volto para pegar você e o restante. Beleza? – Beleza! – respondeu Itamar aliviado. Todos apertados dentro do carro e, assim que o Farinhaki acelerou, o carro afundou na areia fofa. – Agora ferrou! – murmurou Farinhaki, sem querer assustar as crianças, mas já era tarde. Acelera, acelera, uma cortina de areia subindo dos pneus e nada, o carro nem se mexia, parecia craca das pedras. – Desce todo mundo e ajuda a empurrar! – disse Farinhaki, que ficou dentro do carro, mas suava mais que os outros empurrando. – Bota uns galhos de árvore embaixo do pneu que firma – dizia Melânia, a mulher do Farinhaki. – Dá marcha a ré e depois vai pra frente! – dizia outro. – Engata a primeira e acelera no três! – implorava Itamar. – Um... dois... três, foooorça! Nada!
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
Todo mundo comendo areia. A Melânia ficou parecendo um bife à milanesa. – Mãe, tô com medo! Vamos ter que dormir no carro esta noite? Quero ir embora! – choramingavam as crianças. Quase noite e a situação estava se complicando. – Bem, Farinha – comentou ofegante o Itamar –, eu vou levar as crianças e as mulheres até o meu carro, levo todos para casa e volto com uma corda para puxar o Corcel. – É... é o jeito... – disse Farinhaki, com aquela voz fininha e arrependida. Ainda sentado no banco do motorista, Farinhaki abaixa a cabeça, já conformado com o azar, mas preocupado com o que poderia acontecer. Naquelas horas ele só pensa no pior. “E se aparecer um bando de tarados? E se o carro do Itamar também atolar? E se não achar uma corda? E se tiver que deixar o carro abandonado na praia para os vândalos? E se a maré subir até aqui?” Mas, olhando para baixo, viu algo que demorou a entender... o freio de mão estava puxado. Cacete! Encheu os pulmões e falou disfarçadamente: – Vamos fazer a última tentativa pessoal. Eu vou acelerar bastante e vocês empurram com força mesmo. Sorrateiramente soltou o freio e contou alto até três. E no três, com um empurrãozinho, o carro saiu voando. Foi um choro só de alívio. Itamar, as esposas e a criançada se abraçavam, comemorando. – Muito bem, Farinhaki. Você é o nosso herói! Bem... o Farinhaki só contou para a família e para o Itamar a solução daquele problema uns dois anos depois.
7
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
Sapo Uma vez, o meu amigo Farinhaki me contou que ele tinha um medo incontrolável de sapos. Nem ele sabe o porquê, mas o medo era grande. Devia ser aquela pele viscosa, os ossos aparecendo embaixo da carne mole, aquele andar vagaroso entremeado de saltos assustados ou os olhos esbugalhados ou aquele leite que espirra e se pegar nos olhos é cegueira na certa ou aquele coaxar nas noites de chuva ou aquela língua grudenta que sai meio metro para fora da boca ou os feitiços das bruxas que sempre levam um sapo como ingrediente. Bem..., só sei que até eu passei a ter medo de sapos depois das histórias do Farinhaki. Acontece que lá no Colina Verde, no terreno do Farinhaki, volta e meia apareciam uns sapos, prontos para atacá-lo pelas costas. Dizem que os sapos são muito sensíveis aos problemas do meio ambiente. Se os sapos desaparecerem é porque alguma coisa vai mal na natureza. Danem-se! Eu também tenho medo desses bichos perigosos e quero que eles fiquem bem longe de mim ou, no máximo, dentro de um vidro com álcool. Mas os sapos são atraídos pelo Farinhaki. Deve ser alguma coisa magnética, meio mística, talvez aquele bigode dele atraia os bichos, que pensam que é uma taturana ou um bicho cabeludo. Sei lá, é algo inexplicável. Depois de uma chuva forte, tava lá um sapo enorme no meio do gramado do quintal da casa do Farinhaki. Cacete!
11
GERSON CORDEIRO
12
– Como é que esse bicho entrou aqui? – maldizia Farinhaki – os muros têm três metros de altura. Será que esse sapo é campeão de salto com vara ou escalou o muro com esses dedos redondos e grudentos? Maldito! E agora? Farinhaki ficou encarando o sapo, que também correspondia fitando-o sem piscar. Parecia aquele jogo de ficar um olhando para o outro até que alguém pisque e perca. É claro que o Farinhaki perdeu e foi, arrasado, até a garagem buscar uma pá para tentar expulsar o sapo. Pegou a pá, segurando somente na pontinha do cabo, na esperança de ficar o mais longe possível do monstro verde. Aproximou-se bem devagarinho e, com muito esforço, conseguiu enfiar a pá embaixo do bicho, que permaneceu impassível, olhando fixamente para o Farinhaki. Nem parecia um bicho e sim um hipnotizador. Farinhaki ficou com mais medo ainda. A fera podia pular bem no seu pescoço e então a morte era certa. Parecia que o sapo devia pesar uns quinze quilos e o esforço para levantar a pá foi hercúleo, ainda mais segurando na pontinha. O Farinhaki é formado em Educação Física e sabe muito bem a técnica de arremesso de peso. Firmou bem os pés no chão, deu um giro e arremessou o sapo por cima do muro. O bicho voou com as pernas abertas, rodopiando feito um helicóptero, e sumiu. – Urra! Onde está a Melânia nestas horas de vitória e superação? Cadê as crianças que não viram seu pai-herói? Cadê a filmadora? Bem, o dever estava cumprido e o anfíbio peçonhento, longe.
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
No outro dia, Farinhaki passeava por seu quintal livre da fera do dia anterior, mas não podia parar de pensar: onde foi parar o bicho? Andou de um lado para o outro, tomando coragem, até que pegou uma cadeira, colocou-a ao lado do muro e resolveu dar uma espiada no terreno baldio vizinho, onde esperava encontrar o túmulo do batráquio. O muro era alto, mesmo com a cadeira os olhos do Farinhaki mal chegaram ao topo. Agarrou-se firmemente e ergueu-se o máximo que pôde para espiar. Um segundo depois, encontrou-se a uns três centímetros da cara do sapo, que, milagrosamente, caiu bem em cima do muro. Os olhos dos dois se encontraram e o Farinhaki despencou da cadeira, feito uma velhota, mas correu para casa como um atleta dos cem metros rasos. E o coitado do sapo deve estar até hoje em cima do muro, pois o Farinhaki, com certeza, nunca mais chegou perto daquele lugar. Pouco tempo depois, o Farinhaki se mudou do Colina Verde. .
13
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
37
–Não é nada disso que você está pensando! – disse Itamar para o barbudão
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
Faróis
O Farinhaki e o Itamar não perdiam uma oportunidade para atazanar a vida dos colegas. Era só alguém deixar um casaco de lã em uma cadeira que eles vinham e grampeavam as mangas. Não podiam ver uma bolsa abandonada que enchiam com pesos de papel. Lá na Rede, peso de papel era feito com pedaços de trilho ou parafusos de dormentes. Pesavam pra caramba, mas como a mulherada carregava uma tralha enorme nas bolsas, acabavam nem notando. As frases mais comuns, pronunciadas na hora de ir embora, eram: – Ah não! Quem foi que grampeou o meu casaco? Foi você, né, Farinhaki? – Eu não! – Então foi você, né, Itamar? – Claro que não, imagina! Depois de um tempo, o pessoal nem ligava mais, já sabia que as pegadinhas vinham sempre de um dos dois. O jeito era então improvisar e pensar em coisas novas, já que as velhas não surtiam mais efeito. Em um fim de tarde, no inverno, quando anoitece mais cedo, o Itamar... ou será que foi o Farinhaki?... Não sei mais... Bem, um deles teve a ideia de cortar rodelas de papelão, com um furinho no meio, pegaram uns pedaços de durex e taparam os quatro faróis de um Dodginho 1800, de cor abóbora, carro do Gilvan, que era nordestino e psicólogo. O Gilvan era gente boa, sempre de bem com a vida, não ficava nervoso com nada.
49
GERSON CORDEIRO
50
– Não esquenta não, nego! Amanhã a gente resolve isso! – repetia ele, sempre com uma voz mole. Era a calma em pessoa. É claro que ninguém olha para os faróis quando pega o carro para ir embora e o Gilvan saiu sem perceber nada. Só quando ele chegou na escuridão da garagem do prédio do apartamento dele é que notou que os faróis estavam minúsculos, riscando o ar que nem dois raios lasers. O carro parecia saído do filme Guerra nas Estrelas. No dia seguinte, o Gilvan sorrateiramente transferiu os tampões para o carro da Etelvina, que era a outra psicóloga. É... depois de anos trabalhando com o Farinhaki e com o Itamar ele também acabou se contaminando. – Ah, quem foi que colou esse troço no meu carro? – reclamou Etelvina. – Foi você, né, Farinhaki? – Eu, não! Pois é, daquela vez não foi ele não.
GERSON CORDEIRO
Mas você não estava praticamente morto?
58
GERSON CORDEIRO
Carros Ferroviários
76
Na verdade, esta história deveria se chamar “ferro-velho de carros de ferroviários”, pois os veículos do pessoal da Rede eram uma verdadeira desgraça, mas eu não quis magoar ninguém, então mantive o título. Tinha o carro do Beto, uma Belina amarela que estava em processo de desmanche, coitadinha. A ferrugem aparecia em todos os lados e, para se desfazer dela, levou-a em uma concessionária e a vendeu a distância, isto é, estacionou o carro lá no fim do pátio e disse para o vendedor: – Quero comprar um outro carro e vou dar o velho como entrada. Quanto vocês me dão por uma Belina 77? Qual o preço de tabela? – Posso ver o seu carro? – Sim, é aquele amarelo estacionado lá no fundão! O vendedor olhou de longe e sentiu uma preguiça de ir até lá conferir. Ofereceu, então, uma ninharia e o Beto topou, mas creio que foi o Beto quem saiu lucrando naquele negócio. … A Rosane tinha um fusca amarelo-hepatite que, certa vez, ao dar a ré, o estribo caiu e enterrou no chão do estacionamento da Rede. A roda traseira ficou no ar, pois o estribo parecia um macaco, levantando o carro. Após uns pontapés, o estribo cedeu ou, melhor dizendo, se esfarelou e a Rosane pôde ir embora. Pouco tempo depois, roubaram o carro dela. Fico imaginando que espécie de ladrão foi aquele que roubou um carro que, se fosse gente, deveria estar na UTI?
CAUSOS PITORESCOS DE AMIGOS FERROVIÁRIOS
… Teve uma vez quando um amigo do Farinhaki, que possuía uma Rural, acabou se acidentando de uma maneira esquisita. Ao tentar atravessar uma preferencial, o pobre carrinho deu uma engasgada e, quando o condutor apertou os pedais com mais força, o assoalho do carro, que estava totalmente enferrujado, acabou caindo no asfalto com banco e tudo. O condutor ficou agarrado ao volante tentando fazer o carro se movimentar, mas é óbvio que foi impossível. O cruzamento ficou travado e milagrosamente ninguém se feriu. São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas, deve ter passado por lá naquele dia. … Uma vez, dois colegas do Farinhaki foram viajar com um carro da Rede para o interior do Estado. Viajaram um tempão contra o sol e aquilo era muito chato, pois a claridade incomodava demais. Na hora do pôr do sol, então, nada ajudava, nem óculos escuros, nem o para-sol conseguiam diminuir o perigo de dirigir no lusco-fusco. O risco de acidentes aumentava muito. Os dois ferroviários seguiram cautelosos, desejando chegar logo ao destino. Não tiravam os olhos da estrada, que naquela época não era pedagiada e estava quase sem manutenção. Pouco a pouco, a noite chegou e os dois ficaram mais atentos ainda, pois os faróis estavam bem ruins. – Esses carros da Rede estão uma droga, né! Veja só que porcaria de faróis, não iluminam nada. Tá até perigoso dirigir assim.
77
GERSON CORDEIRO
78
– É mesmo, vou reclamar com o pessoal da manutenção pra trocar as lâmpadas – resmungou o outro. Ao chegar ao pernoite, com quase uma hora de atraso por causa de terem viajado bem devagar nos últimos quilômetros, os ferroviários saíram do carro e só então notaram que ainda estavam de óculos escuros. – Porcaria de faróis, né? … O carro da Etelvina até que era bonzinho, mas sofria nas mãos do Farinhaki e do Itamar. Certa vez, eles colaram uma placa de papelão, amarrada ao para-choque, onde estava escrito: “Cuidado, mulher ao volante”. Os outros motoristas passavam por ela, faziam sinais incompreensíveis e a Etelvina, sem entender nada, retribuía com outros sinais não tão gentis. Ela só notou quando chegou em casa. – Ah, quem foi que colou esse troço no meu carro? Farinhakiiiiiiii! Itamaaaaaaar!