Luís Pimentel é jornalista e escritor. Trabalhou em diversas redações de jornais e revistas e tem muitos livros publicados, entre contos, poesia, ficção infantojuvenil, textos de humor e sobre personagens ou aspectos da música brasileira. Entre eles destacam-se Com Esses Eu Vou – De A a Z, crônicas e perfis da MPB (ZIT Editora), Grande Homem Mais ou Menos (Editora Bertrand Brasil), Pau-Brasil – A arte e o engenho do povo brasileiro (Editora Moderna), Plantio e Colheita – Poemas com o pé no chão (Editora Prumo) e Neguinho Aí (Editora Pallas). Baiano, mora no Rio.
COLEÇÃOCRÔNICAS CONTEMPORÂNEAS
Noel Rosa, Mané Garrincha, Millôr Fernandes, Graciliano Ramos, João Nogueira, o poetinha Vinicius de Moraes, Ari Barroso, Luiz Gonzaga –oRei do Baião e outros... Em deliciosas crônicas biográficas, Luís Pimentel, jornalista e escritor, faz homenagens a brasileiros que simbolizam a arte de viver de nosso povo, o melhor desta terra. E junta a isso retratos cheios de vigor, cenas que parecem saltar das folhas dos jornais para a literatura. O Matador de Aluguel e Outras Figuras é uma coletânea representativa do gênero literário mais popular e mais lido no Brasil.
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COLEÇÃOCRÔNICAS
CONTEMPORÂNEAS LUÍSPIMENTEL
Um punhado de bons brasileiros – todos eles nota dez –, gente que faz arte e alegra o mundo e mais retratos repletos de sabor e vida, cenas ao mesmo tempo familiares e intrigantes, como a do matador de aluguel, ou papos futebolísticos e curiosas histórias de amor são a matéria-prima das crônicas de Luís Pimentel. Aqui, a crônica recebe textura contemporânea. Gênero de antigas origens, advindo de diferentes tradições culturais, no nosso país, principalmente a partir do século XIX, se tornou “abrasileiradíssimo”, como o qualifica o comentário ao final do volume. A crônica foi digerida e reciclada e não poderia ter mais identidade com esta terra tropical: é o mais popular gênero literário brasileiro.
Popular porque quem lê jornal lê crônicas, seja esportiva, humorística, policial, nas páginas de economia, política, cultura ou comentando algum assunto de última hora. Mas não apenas nos jornais e revistas a crônica reúne aficionados. Muitas letras da MPB, de Noel Rosa a Chico Buarque e diversos outros, são belas crônicas musicadas. E a crônica, graças à genialidade de autores como Machado de Assis, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Luís Fernando Veríssimo, se tornou um gênero literário com grande força estética – muito além, portanto, de um comentário às notícias do dia.
ORGANIZAÇÃO:VEIOLIBRI/ LUIZANTONIOAGUIAR
Assim estreia a coleção Crônicas Contemporâneas, que traz a produção atual da crônica brasileira. Nas páginas de O Matador de Aluguel e Outras Figuras, o que você vai ler é uma declaração apaixonada de reverência a um povo que, na sua criatividade existencial, fez do cotidiano sua maior obra de arte. E, se assim é, só podia acontecer de justamente o gênero literário cuja inspiração é o cotidiano criar uma maneira toda especial de comentá-lo com arte e picardia.
OMatadordeAluguel eOutrasFiguras
LUÍSPIMENTEL
ORGANIZAÇÃO:VEIOLIBRI/ LUIZANTONIOAGUIAR
Sumário
1. Apresentação: Luís Pimentel, o humor e o dia a dia
2. Crônicas
1. Preocupação alimentar
2. Vinicius de Moraes, o poeta que ressuscitou a parceria musical
3. Nogueira, o nó na madeira
4. Rabugices do Velho Graça
5. Bate-bola com um corintiano
6. Um sequestro inesquecível
7. Maria Amélia era mulher de verdade
8. O Millôr entre os melhores
9. Sérgio Porto, meninão de Copacabana
10. A primavera baixou no meu buteco
11. A Manha do Barão
15. Luiz Gonzaga: a voz de um povo sem voz
16. O consolador de viúvas
17. Uma história de amor
18. Noel da Vila e do mundo
19. Ari Barroso, o genial encrenqueiro
20. O matador de aluguel
3. Comentário sobre o volume: Abrasileiradíssima
4. Suplemento para discussões, pesquisa e aprofundamento
Apresentação:LuísPimentel, ohumoreodiaadia
Luís Pimentel começou do zero, mas logo viu que o zero era a letra “o” e não se contentou apenas com essa vogal; aprendeu todo o alfabeto para poder decifrar a vida e escrever sobre o mundo que via e queria entender.
Criança criativa, viu que o zero podia ser um bambolê e aprendeu a rebolar, pois tinha uma estrada difícil para seguir. Baiano do sertão, nasceu em 1953, trabalhou duro, ainda menino, em feira na cidade de Feira de Santana, fez outras virações, estudou, conheceu o teatro e, um dia, quando se tornou jornalista, o anjo de riso torto do humor apareceu em sua vida e disse: “Vai, Pimentel, ser Groucho na vida”.
Foi para o Rio de Janeiro e, astronauta solto no universo humorístico, fez contato com seres especiais na revista MAD e no jornal O Pasquim – eram os anos 1970. Começou no humor, mas foi para o jornalismo das redações e, paralelamente, iniciou sua obra literária, escrevendo livros infantis.
Como o humor fica na fronteira da poesia, ele só deu um passo para o lado para ser o excelente poeta que é. E é nessa fronteira que mora, com um pé lá e outro cá.
Trabalhador braçal das letras, retira de sua caixa de instrumentos literários as ferramentas certas para crônicas, contos, biografias, livros infantis, frases, roteiros para humorísticos de TV e pesquisas sobre a música popular brasileira. Tem dezenas de li-
vros publicados e coleciona prêmios nacionais, entre eles o Cruz e Souza, Prêmio Jorge de Lima e Literatura para Todos. Excelente redator, trabalhou no Jornal do Brasil, O Dia e mais “n” publicações; foi editor-executivo da revista Bundas, d´OPasquim21 e do caderno B do JB.
A crônica de Luís Pimentel é um olhar sobre o dia a dia: inquiridor, crítico e perplexo, sem perder o humor e a delicadeza. Crônicas Contemporâneas é o nome desta coleção que é inaugurada pelo seu talento.
NaniPreocupaçãoalimentar
Vicentino da Cunha acorda bem cedo e se prepara para enfrentar algumas horas de atividade física no sacolejo de um trem. Mora no subúrbio de uma grande cidade e exerce a salutar profissão de lavador de automóveis, no Centro. Muito preocupado com a qualidade e quantidade de vitaminas existentes nos alimentos, carrega no bolso uma tabela básica, organizada e fornecida pela Organização Mundial da Saúde.
Graças à tabela, Vicentino sabe exatamente o que deveria comer, como, quando e com qual acompanhamento. Sabe que antes de sair de casa, pela manhã, deveria tomar um suco de laranja ou de caju (vitamina C) e ingerir dois ovos cozidos (vitamina B9). Consultando a tabela, explica para a mulher e os filhos, assustados, que a carência absoluta dessas vitaminas provoca cansaço, dores musculares, hemorragias, anemia e inflamação da língua. Então toma um copo duplo de café simples, que provoca gastrite e irritação intestinal, e come meia bisnaga de pão idem, que não fede nem cheira, mas empanturra.
Na hora do almoço, Vicentino encosta no balcão do boteco mais próximo e abre a tabela. Descobre que deveria traçar um bife ao ponto (vitamina B1), acompanhado de uma leve saladinha de agrião (vitamina C), combinação boa para os pulmões e o coração. Poderia perfeitamente acompanhar a brincadeira gastronômica com uma cervejinha bem gelada, pois já sabe também
que o levedo de cerveja possui vitamina B2 – importantíssima para quem não gostaria de ter problemas de fissura na boca, descamação do nariz e lábios e fotofobia.
O bife, o nosso homem já sabe, cairia bem porque a carne de boi contém proteínas que evitam a fadiga e a debilidade mental. E estaria assim estimulando uma alimentação balanceada, pois no dia anterior pensara em almoçar um franguinho (vitamina B5) com legumes (complexo variado). E no dia seguinte não custaria nada encarar iscas de fígado (vitamina D) com cereais (vitamina B1).
No entanto, momentaneamente impossibilitado de seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde, Vicentino da Cunha pediu uma orelha de porco ensopada (de gordura) que adormecia no balcão, um pouco de farinha de mesa (queijo ralado de pobre) e preparou a mistura. Pediu meio copo de cachaça para acompanhar e fez as costumeiras orações, dando graças ao bom Deus por não o deixar com fome. No final do expediente lembrou que poderia surpreender o calor com um delicioso suco de abacaxi (vitamina C nunca é demais) espumante. Tomou mais uma pinga para esquecer a lembrança, engolindo um torresminho ressecado para tirar o (des)gosto.
A volta ao lar foi acompanhada de imaginações pecaminosas, do tipo “ela me espera depilada, com a camisola rendada e os cabelos perfumados”. Aproveitou o balanço do trem para sonhar com o rim de boi grelhado (vitamina B12) que seria servido no jantar, muito bom para evitar anemia perniciosa e desordem do sistema nervoso. Sonhou também com o copo duplo de leite batido (vitamina A) que tomaria antes de dormir, sem igual para quem deseja fugir da cegueira noturna, ulceração da córnea, transtornos no crescimento e dentição e baixa resistência às infecções.
Esqueceu de passar na padaria e comprar a bisnaga do jantar. A mulher, que não o esperava depilada nem perfumada, interrompeu a lavagem de roupas para chamá-lo de sonhador e irresponsável. Colocou a mão na testa e percebeu que estava com febre. Na ausência de um termômetro, resolveu cochilar um pouquinho para afastar os maus espíritos. Acordou meia hora
depois, o corpo fervendo, a camisa molhada de suor. A mulher ainda ofereceu um chá caseiro, que ele recusou, com uma justificativa lógica:
– Devo estar apenas com excesso de vitaminas no organismo. Isso provoca falta de apetite e indisposição.