Um Dia na Aldeia

Page 1

Um Dia na Aldeia revela como um típico menino munduruku assimila naturalmente saberes diversos. Por meio de jogos e brincadeiras, o jovem Manhuari recebe os conhecimentos tradicionais, essenciais para crescer em sintonia com a cultura do seu povo e viver em harmonia com a natureza. Os Munduruku, conhecedores dos astros e das constelações, celebram o cotidiano, os animais, as frutas e outros temas em belas canções e poesias. Assim foi a infância do próprio autor, que hoje a todos encanta com suas memórias e belas histórias.

A toda nação Munduruku que reflete em cada coração munduruku.

Manhuari se espreguiçou, mas continuou deitado na uru. Olhou para o lado e viu que sua ixi já estava de pé no lado de fora da uk’a. Sabia que ela preparava a primeira refeição do dia, normalmente composta de mingau de akobá, musuktá e wixik’a. Também poderia ter melancia, abacaxi, manga –dependia da época do ano.

O céu ainda estava cheio de kasoptas. O kaxi ainda estava longe de aparecer. Fazia parte da tradição munduruku acompanhar o caminho do kaxi pelo céu.

Acordar muito cedo, tomar o primeiro banho no cabitutu e fazer a refeição matinal era uma sequência natural que se repetia todo dia. Manhuari perguntou para sua ixi qual o signif icado desse ritual.

– É assim mesmo, filho. Quando você crescer, vai entender: o banho matinal é para tirar da gente as coisas ruins que a noite pode trazer. Além disso, repetir as mesmas ações sempre nos ajuda a ficar atentos às coisas que podem nos surpreender – dizia ela com um riso nos lábios.

Manhuari sorria também, mas não entendia direito aquilo que sua ixi dizia. Acreditava nela e esperava crescer. Deixava as dúvidas para os oborés.

Pensando neles, correu até o cabitutu para tomar banho.

9

Um estranho jexeyxey

O pai de Manhuari, um grande caçador munduruku, convocou os homens da aldeia para uma conversa. Contou que havia sonhado com uma jakora enorme. Ela veio ao seu encontro, mas, em vez de atacá‑lo, deitou‑se aos seus pés como se desejasse ser acariciada.

Esse jexeyxey o deixou um pouco confuso, pois sabia que a jakora é um animal feroz e sua presença no jexeyxey era motivo de preocupação.

Todos ficaram atentos à narrativa do caçador. Resolveram que ouviriam a opinião do pajé, aquele que interpreta jexeyxeys.

O velho chegou de mansinho, sentou se num pequeno banco e ouviu com atenção tudo o que lhe foi contado. Não emitiu nenhuma opinião. Ao final da história, tirou de sua bolsa o pó do fumo e o lançou para o alto, esperando que o kabido mostrasse a direção do jexeyxey.

Todos ficaram paralisados diante daquele gesto. O silêncio era absoluto. Em seguida o velho ergueu‑se e disse:

– Seu jexeyxey é um bom sinal. Sinal de que teremos um tempo de paz e tranquilidade. Tudo caminha bem, e o espírito de nosso cacique está em sintonia com o Universo. Caçada será boa. Podem ir caçar, mas não se esqueçam de que nossa tradição nos lembra de abater apenas os seres da natureza suficientes para alimentar nosso corpo. Ninguém deve sacrificar um baripnia por esporte ou por prazer. Cada ser é nosso baripnia e devemos sempre respeitá‑lo.

Dizendo isso, o homem voltou para sua uk’a.

10

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.