Marcelo M. Magalhães
Israel, a Igreja e o Pentecoste A festividade judaica e seus simbolismos, o derramamento de Espírito Santo na Igreja Primeva e a atualidade nas modernas denominações cristãs
São Paulo 2012
Copyright © 2012 by Marcelo M. Magalhães PRODUÇÃO EDITORIAL Equipe Ágape DIAGRAMAÇÃO Francieli Kades CAPA
Carlos Eduardo Gomes
REVISÃO Cristiano Oliveira Caterina Bernardi Velleca
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Magalhães, Marcelo M. Israel, a Igreja e o Pentecoste : a festividade judaica e seus simbolismos, o derramamento de Espírito Santo na Igreja primeva e a atualidade nas modernas denominações cristãs / Marcelo M. Magalhães. -- São Paulo : Ágape, 2012.
Espírito Santo 2. Judaísmo - Liturgia 3. Pentecostes 4. Reavivamento (Religião) 5. Vida cristã I. Título.
12-11590
CDD-248.4
Índice para catálogo sistemático: 1. Avivamento espiritual e Espírito Santo : Vida cristã 248.4 2. Espírito Santo e avivamento espiritual : Vida cristã 248.4 2012 Publicado com autorização. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida sem a devida autorização da Editora. EDITORA ÁGAPE Al. Araguaia, 2190 - 11º andar - Conj. 1112 CEP 06455-000 - Barueri - SP Tel. (11) 2321-5080 – Fax (11) 2321-5099 www.editoraagape.com.br
Sumário Dedicatória .................................................................. 7 Agradecimentos..............................................................9 Abreviaturas.................................................................11 Introdução...................................................................13 1. O pentecoste judaico................................................17 2. Os significados de pentecoste...................................25 3. O pentecoste e a Igreja primeva................................33 4. O objetivo do falar em línguas em pentecoste...........47 5. Dos Judeus para outros povos...................................53 6. Paulo e os excessos na Igreja de corinto.....................65 7. Contradições atuais do pentecoste............................71 8. Avivamento e reavivamento......................................97 9. Aprendendo com o pentecoste................................111
10. Ser ou não ser pentecostal, falar ou não em línguas..................................................................121 11. Considerações finais: uma reflexão............................ 129 12. Bibliografia...........................................................137
Introdução As páginas que se seguem são frutos de pesquisas e observações acerca do processo histórico de Pentecoste como festividade judaica, dos fenômenos ocorridos na Igreja primitiva, registrado no livro de Atos e os significados para os dias atuais. No decorrer da obra são expostas ações encontradas em certos movimentos pentecostais e neopentecostais como práticas entusiastas e exacerbadas. Reconhecemos a amplitude do tema aqui desenvolvido e sujeição a polêmicas que podem surgir por causa da dramaticidade, usos e costumes, teologias denominacionalistas e formas de interpretações isoladas da Bíblia. Nesta obra não se pretende fazer apologia ao pentecostalismo, o falar em línguas, desenvolver temáticas sobre dons espirituais, frutos do espírito etc. Nem tão pouco, criticar as denominações pentecostais e não pentecostais, os tidos como tradicionais ou conservadores, pois há muitas obras nas livrarias defendendo os variados pontos de vista 13
e doutrinas estabelecidas por diferentes correntes teológicas denominacionais. O trabalho aqui desenvolvido é produto de análises culturais e exegéticas bíblicas, abrangendo a etimologia dos termos tanto da língua hebraica e grega, de pesquisas a vários teóricos de diferentes denominações religiosas e outras vertentes. São transcritas palavras do hebraico e grego, primeiramente sua transliteração, seguidas de sua escrita original nas notas de rodapé. As transliterações usadas, principalmente no que diz respeito ao hebraico, seguem o sistema fonético Luso-brasileiro do professor David José Peres e do professor Moses Bem-Sabat Amzalak facilitando a compreensão daqueles que não conhecem o idioma hebreu. Como festividade, encontramos no Pentecoste vários significados e símbolos com aplicações tanto na área espiritual como cultural seja no judaísmo ou cristianismo, que durante o festival a Igreja recebe o derramar do Espírito Santo e toma impulso, revelando ao mundo o verdadeiro ensinamento de Cristo. O Pentecoste, dentre outras festas, com o passar dos séculos perdeu sua originalidade em algumas denominações religiosas e o que mais chama a atenção na atualidade, é o surgimento de alguns movimentos religiosos com teologias próprias, usos e costumes para justificar seus ensinamentos. Impõem ideologias e propostas de reformas que têm abalado a cabeça de muita gente. Usam do fato
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ocorrido na Igreja primitiva no dia de Pentecoste para justificar sua mensagem e atitudes tidas como reveladoras e poderosas. Muitas pessoas desavisadas e por falta de compreensão do que foi e é o Pentecoste, são levadas por vários motivos na busca de soluções para problemas ou mesmo curiosidades acerca do futuro. Vimos manipulações de gente desprovida da devida maturidade teológico espiritual que induzem outras da mesma forma como são induzidas ovelhas sem pastor ou pasto. Infelizmente, ocorrem abusos e fenômenos tidos como espirituais nos cultos, promovidos por pessoas e receptadas por aquelas sem discernimento do que é o verdadeiro Pentecoste. Modernamente, muitos cristãos convivem com a filosofia pós-modernista e a visão de mundo e Evangelho é fragmentada frente ao capitalismo que se insere no meio religioso evangélico. O materialismo é buscado mediante pedidos de bênçãos e vê-se no meio cristão a crescente vontade da prosperidade e do consumo. Denominações se especializam em buscar bênçãos e a graça é comercializada, tornado-se uma mercadoria, baseada em técnicas de marketing e estratégias empresariais. Relembramos mais uma vez que neste trabalho, propõe-se uma análise histórica do pentecoste originário da religião israelita, os acontecimentos ocorridos na Igreja 15
Primitiva, seus simbolismo e críticas a certos movimentos modernos de restauração. E analisados os abusos manipulativos, desenvolvendo uma visão crítica sobre o assunto, procurando levar ao leitor o verdadeiro sentido didático, para aplicação tanto na vida espiritual como temporal. Diante destes fatos, é proposta uma “reflexão” sobre nossas ações e práticas tomadas no cotidiano, nas relações com o próximo, na Igreja, isso inclui a Bíblia, a prática ética do evangelho, a vontade de desempenhar a obra de Deus com moral, isso é: decência. Ser representante de Cristo é ser uma pessoa de caráter. O propósito da igreja individual e coletiva é de honrar e bendizer o nome do Eterno, e que o nosso corpo seja o verdadeiro templo do Espírito Santo, com os mesmos princípios e atitudes da Igreja no dia de Pentecoste.
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1. O pentecoste judaico O Pentecoste é uma festividade judaica muito alegre, também celebrada pelos cristãos. Cada uma destas religiões tem sua maneira de festejar aplicando vários significados, estes, incorporados com o passar do tempo, influenciados pelas mudanças culturais, filosóficas e fatos históricos que aconteceram no decorrer dos séculos. Os judeus não gostam de usar o termo “Pentecoste” por se tratar de uma palavra grega. Chamam-na de Xavu’ot1 que no hebraico significa “semanas”. Originalmente, a festividade de Pentecoste era chamada de “festa da Sega” ou “festa das Primícias”. Era celebrada no momento em que se colhiam os primeiros frutos do trigo. Sua prática bíblica é a observação como mandamento do Senhor (Êx 23:16; 34:22). Nos tempos posteriores ao êxodo, foi chamada de “Festa das Semanas”, isto por causa da contagem de sete 1
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semanas a partir da colheita da cevada, no quinquagésimo dia era feita a oferta de cereais ao Senhor (Lv 23:16), daí a origem do termo Pentecoste, que no grego significa “quinquagésimo”. As origens do festival de Xavu’ot A comemoração de Pentecoste, historicamente, é de origem anterior ao cativeiro egípcio, tratando-se de uma festividade relacionada com a agricultura entre alguns povos no Oriente Próximo. Os povos cananeus, por exemplo, festejavam suas colheitas com grandes cultos da fertilidade, invocando seus deuses e a comemoração era feita com grande fartura de carnes, sacrifícios cruentos, bebidas, cultos eróticos e adorações aos seus deuses da providência. O povo de Israel, com um culto diferenciado dos povos pagãos, também agradecia a Deus pelas colheitas e chamava esta ocasião de Hag Habicurim que significa “festa das primícias” relativa à colheita dos frutos e cereais (Êx 23:16; 34:22; Nm 13:20). Nessa ocasião o povo trazia os bicurim (primeiros frutos) e entregavam ao Cohen (Sacerdote) no Templo para ofertarem ao Senhor durante o feriado. Esta festa era uma das mais importantes no ano, reconhecida também como “Festa do Senhor” (Lv 23:39). O povo israelita louvava a Deus pela Terra prometida e pelos produtos que nela eram produzidos. Nesse tempo eram produzidas sete espécies, sendo Israel chamada de terra 18
de trigo, cevada, videiras, figueiras, romãzeiras, azeite de oliva e mel (Dt 8:8). Sua contagem era feita depois da colheita da cevada e da festa da Páscoa, que é a festa da libertação do povo hebreu da escravidão egípcia. Xavu’ot (Pentecoste) também era conhecida como a festa de santa convocação, na qual nenhum trabalho poderia ser feito (Lv 23:21), a não ser os sacerdotais e o culto ao Senhor. O desenvolvimento da festividade em Israel Após o assentamento do povo de Israel em Canaã e a construção do Templo de Jerusalém, Pentecoste tornouse uma importante festa de peregrinação anual, a segunda, juntamente com mais duas: a Festa dos Pães Ázimos e Tabernáculos (Dt 16:16). Judeus de outras localidades, da diáspora e turistas de diversas partes vinham a Jerusalém para o festival de Pentecoste. Traziam consigo oferendas da colheita dos primeiros frutos para ofertarem no Templo. Natan Ausubel relata o seguinte: “Os que vinham de aldeias próximas traziam oferendas de figos e uvas frescas. Porém, os que vinham de pontos distantes traziam figos e passas ressequidas. A procissão serpenteava pelas colinas que davam acesso a Jerusalém, precedida por um boi, festivamente adornado: seus chifres eram recobertos de ouro, e uma coroa de folhas de oliveira encimava-lhe a cabeça. Os peregrinos traziam esse animal para um sacrifício no altar
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do Templo. Ao longo do caminho para Jerusalém, o chalil (a flauta de dois tubos) soava alegremente. Nos portões da cidade, a procissão detinha-se, e os peregrinos eram recebidos pelos sacerdotes, que os conduziam com cerimônias ao interior do Templo em meio ao som das flautas2”.
No livro de Levítico (23: 9-25), encontramos as observações acerca deste festival como santa convocação para adoração a Deus. Era feito com ofertas do ômer (feixe), ou dois pães feitos de farinha de trigo nova, sem fermento, e o holocausto na qual o sacerdote fazia uma inspeção visual minuciosa para ver se as ofertas estavam dentro dos conformes descritos na lei (Nm 28: 25-31). No momento da oferta os sacerdotes moviam-nos ritualmente de um lado a outro recitando orações apropriadas apresentando-as perante o Senhor. Uns eram oferecidos para o perdão de pecado e outros para a participação do povo. Após estes atos, os pães, os cordeiros e os frutos eram repartidos e comidos pelos sacerdotes. Os judeus menos favorecidos economicamente e os que vinham de regiões distantes podiam participar desta festividade e prestar suas ofertas, recolhendo as sobras da colheita que os agricultores deixavam, cumprindo assim, o mandamento de Levítico 23:22. Esta festividade era de caráter “interpessoal” e requeria uma qualidade de nobreza,
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N. AULSUBEL, Conhecimento judaico II, v. 6, p.777-778. In: Judaica.
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benevolência e hospitalidade, diferente da Páscoa3 que é exclusiva e fechada à família judaica. Na ocasião da festividade a alegria era contagiante, onde todos se regozijavam, com músicas, danças, se deliciando com os produtos das colheitas e as ofertas ao templo. Agradeciam a Deus pelas colheitas e davam continuidade da festa de sua libertação do cativeiro egípcio. Neste aspecto, Xavu’ot é a continuação da Páscoa, como festa da liberdade do povo hebreu. Como festa de peregrinação, Xavu’ot simbolizava a união com os judeus da diáspora, à sua terra e a religião, relembrando seu passado glorioso e os feitos de Deus para com eles e fortalecendo sua esperança no Messias. Xavu’ot entre os judeus da atualidade Após a guerra da Judeia e a destruição do segundo Templo no ano 70 d.C. pelos romanos, a festa de xavu’ôt (Pentecoste) passou a ser celebrada nas sinagogas. Elas são enfeitadas de forma bastante alegre com muitas flores e diversas plantas tipificando o Monte Sinai quando foram entregues os Dez Mandamentos a Moisés e a toda congregação de Israel. Na festividade, como continuação da Páscoa, posteriormente, foi incorporada pelos rabinos judeus, à doação 3
Cf. M. MAGALHÃES: Páscoa: no judaísmo e cristianismo.
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dos Dez Mandamentos, à Aliança feita no Sinai e à Lei (Êx 19 e 20). O termo hebraico para Lei é Torá 4 e também designa “ensinamento” (também é referência as cinco livros de Moisés, chamado pelos cristãos de Pentateuco). No judaísmo, a Torá é a revelação da vontade de Deus ao seu povo, para ser observada e guardada como estatuto perpétuo. De acordo com as tradições judaicas, os arranjos florais nas sinagogas representam a transformação que ocorreu no Sinai que, de um lugar seco e desértico passou a ser cheio de plantas e flores pelo poder de Deus ali manifestados, isso diante de Moisés e todo povo de Israel presente5. Nos cultos judaicos são lidos o Decálogo, pois foram doados por Deus ao seu povo e o Livro (Rolo) de Rute. O objetivo de se ler o rolo de Rute é que sua história se desenvolveu na época de xavu’ot. Em Israel, como nos relata o primeiro capítulo do livro de Rute, houve um período de seca e fome e a família de Elimeleque, mudou para a região de Moabe. Com o passar dos anos, se casaram com as mulheres de Moabe. O tempo passou e Elimeleque e seus filhos morreram. Noemi, mulher de Elimeleque, resolveu voltar para sua terra natal e Rute, sua nora, resolveu acompanhá-la e disse-lhe: O teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus! (Rt 1:16).
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hr”At A. UNTERMAN, Dicionário judaico de lendas e tradições, p. 240.
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Com a atitude e Rute, Noemi chegou a Judeia próxima ao período da colheita. Eram mulheres viúvas e necessitadas, e foram colher as sobras do trigo no campo. Boaz, um homem da família de Elimeleque viu Rute, com seu comportamento e postura contraiu matrimônio, tornando-se bisavós do rei Davi. Rute é lembrada por sua decisão; que deixou os deuses pagãos, aceitando o povo de Israel como o seu povo e para adorar ao Deus de Jacó, tornando seu Deus (Rt 1:16). Os judeus observantes contam ritualisticamente os dias e cada semana de xavu‘ot, todas pronunciadas com uma oração apropriada. A contagem deste dia passou a ser conhecida como “sefirat haomer” ou simplesmente “sefirá” (contagem) ou “omer” (feixe de espigas). Este fato é devido ao oferecimento do feixe de cevada no Templo que era levado no segundo dia da Páscoa, iniciando assim a contagem das sete semanas até chegar ao quinquagésimo dia. Atualmente, nos Mochaves e Kibutsim em Israel, os agricultores praticantes do judaísmo festejam de forma alegre e festiva Xavu’ot. Trazem os primeiros frutos de suas colheitas. Como faziam na antiguidade, cantam e dançam músicas folclóricas e religiosas, trazem frutas, vegetais, animais, produtos industrializados nas colônias e fazendas e até mesmo bebês que são apresentados à multidão. Testificam as comunidades judias, as bênçãos que Deus deu a todos os agricultores, mostrando-as ao público como prova do que Deus fez, agradecendo assim as colheitas e pedindo mais bênçãos para as posteriores. 23